Soundtrack escrita por Mia Lehoi


Capítulo 7
Track 6: Naive


Notas iniciais do capítulo

Naive é uma canção da banda The Kooks. (https://www.youtube.com/watch?v=jkaMiaRLgvY)



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I know she knows that I'm not fond of asking 
(Eu sei que ela sabe que eu não gosto de perguntar)
True or false, it may be 
(Mas seja mentira ou verdade)
Well, she's still out to get me 
(Bem, ela ainda está atrás de mim)

Mais uma vez Do Contra cruzou a porta de entrada do Empire, novamente se sentindo muito estranho. Foi até o balcão, pegou o cartão magnético do elevador com o mesmo recepcionista do outro dia e subiu até o terceiro andar, onde ficava o restaurante.

Só se lembrava de ter estado em um lugar chique assim em uma vez que seus pais resolveram comemorar o ano novo em um restaurante oriental em São Paulo, quando ele devia ter uns treze anos. No entanto, ainda que aquele lugar fosse bastante sofisticado para seus padrões, não tinha toda a imponência do hotel.

O salão era enorme e em sua maioria ocupado por mesas de madeira escura, todas decoradas com vasinhos de vidro com flores. Uma parede inteira era feita de janelas de vidro que deixavam o ambiente bem iluminado pelo dia claro que fazia lá fora. Da entrada ele não conseguia ver muito mais que isso, mas sabia que deviam haver obras de arte caras e coisas assim em pontos estratégicos do espaço.

— Boa tarde, senhor! Alguma reserva? – uma recepcionista, vestida num uniforme que parecia um terninho preto, perguntou.

— Ahn... Eu... – começou, automaticamente endireitando a coluna. Por um instante se perguntou se outros clientes se sentiam tão constrangidos naquele lugar. – Estou procurando a Carmem. Sabe, a Frufru?

— Certo. – ela sorriu polidamente e parou para checar algo em um computador que ficava em um pequeno balcão ao seu lado e que ele nem tinha visto antes. – Mesa 57. A Aline irá acompanha-lo até lá. Tenha uma ótima refeição. – ela gesticulou para uma garota, que usava um uniforme idêntico ao seu, e devia ter uns 20 anos no máximo. O garoto já ia dizer que não precisava, mas quando se deu conta a mocinha já começava a caminhar pelo salão e ele não pôde fazer nada além de segui-la.

Não precisou de muito tempo para avistar Carmem em meio as outras pessoas. Ela estava em uma mesa para dois próxima à janela, com os cabelos amarrados num rabo de cavalo alto e metida num vestidinho de verão, despreocupadamente vendo alguma coisa no celular.

Ela arqueou as sobrancelhas quando o viu, medindo-o dos pés à cabeça, enquanto a funcionária educadamente se despedia. Ele nunca saberia se ela estava aprovando ou não sua escolha de vestuário (uma bermuda, camiseta e tênis, todos pretos) porque a expressão dela não transpareceu emoção alguma.

— Pelo visto você não lavou esse sapato. – foi a primeira coisa que ela disse, sem se preocupar em cumprimenta-lo.

— Eu não teria esse trabalho todo só pra ver você. – ele respondeu, abrindo um sorriso irônico e se acomodando na cadeira. – E aí, descobriu o quê?

— Quer mesmo ter essa conversa de estômago vazio? – respondeu, passando o cardápio para ele.

— Ah. Acho que não. – ele deu de ombros, parando por um instante para folhear o menu. Haviam opções demais, quase todas com pratos que ele não conhecia, ou cujos preços fariam seu pai ter uma síncope nervosa. Carmem assistiu a expressão chocada dele segurando uma risadinha. – Eu não faço ideia do que são metade dessas coisas. – ele franziu a testa – Qual a diferença do arroz gourmet pro normal?

— Quase nenhuma. – ela riu – É só pra fazer as pessoas se acharem chiques e pagarem mais. – completou, o olhando como se estivesse contando um segredo de Estado. Ele riu, tentando se controlar para não olhar em volta e espiar o que havia nos pratos das pessoas ao redor. – Você gosta de frutos do mar, né?

— Uhum. – respondeu.

— Já sei o que vamos pedir, então. – ela sorriu. Segundos depois o garçom chegou para anotar os pedidos (embora ele parecesse já saber de antemão o que a garota ia pedir) e saiu rapidamente.

— Não sei porque, mas confio em você. – o garoto arqueou as sobrancelhas, assistindo o funcionário ir embora.

— Acho que é porque você não tem muita escolha. – ela deu uma risadinha irônica.

— Mistério resolvido. – Do Contra sorriu também. – Então, qual é a última fofoca quente do Limoeiro? – perguntou, fingindo uma expressão exagerada de curiosidade.

— Eu acho que daqui a pouco a Aninha e o Jeremias vão acabar oficializando o namoro. – ela respondeu, mesmo sabendo que não era isso que ele queria saber. De certa forma queria enrolar até que ele perguntasse o que realmente queria saber, só para pirraçar.

— Hã? Aninha e Jeremias? – ele questionou, verdadeiramente surpreso.

— Você tá brincando, né? – ela perguntou, chocada. Quando ele fez que não com a cabeça, ela prosseguiu. – Fala sério, Do Contra! Já faz tipo uns três meses que eles estão ficando. Como assim você não percebeu?

— Tenho mais o que fazer, ué. – deu de ombros.

— Ui, ocupado. – ironizou, fazendo cara feia. Nesse momento o mesmo garçom de antes chegou com uma cestinha cheia de mini torradas e duas pequenas tigelas de caldo de camarão.

A conversa morreu por alguns minutos enquanto eles comiam. Maurício teve que admitir que a comida naquele lugar era realmente muito boa, mesmo que aquilo fosse apenas a entrada. A decoração era muito bonita, o ambiente era agradável e a única coisa chata era a trilha sonora de elevador.

Por um instante ele se pegou distraído pela canção que tocava, porque por alguma razão ela lhe parecia bastante familiar. Carmem parecia alheia a ele, novamente absorta em seu celular. O garoto apurou os ouvidos e buscou na mente a origem daquela lembrança, até que fez sentido. Apesar da voz lenta da mulher que cantava e do instrumental que parecia um tipo de bossa nova misturada com MPB, aquela letra definitivamente era de uma de suas músicas favoritas.

— Isso que tá tocando é Blink-182 em versão bossa nova? – ele perguntou, com um tom de voz tão alto e chocado que fez o casal da mesa ao lado tomar um leve susto e Carmem soltar uma gargalhada espontânea que quase a fez cuspir a água que bebia. O garoto sentiu suas próprias orelhas ficarem um pouco quentes e soube que seu rosto devia estar ficando um tanto vermelho de um jeito que quase nunca acontecia.

— É! – ela respondeu, ainda rindo alto. – Eu odeio as músicas desse restaurante. Parece que essa playlist foi feita para as pessoas dormirem em cima da mesa.

Ela continuou rindo enquanto o garçom chegou para retirar os pratos da entrada e também quando ele trouxe o prato principal. Do Contra acabou rindo junto, só porque nunca havia pensado que a veria perder a compostura daquele jeito (ainda mais por causa de um comentário tão idiota). O clima acabou ficando mais leve e naquele momento até pareceu que eram dois bons amigos compartilhando uma refeição.

O prato principal, que era uma travessa de frutos do mar ao azeite de ervas acompanhada por arroz e salada, estava tão delicioso quanto a entrada e os dois comeram demoradamente, apreciando cada garfada. No final pediram as sobremesas (uma fatia enorme de cheesecake para ele e uma taça de creme de mamão papaya light para ela) e enquanto esperavam Carmem sentiu que era hora de voltar aos negócios.

— Você tem que ser menos disponível. – disparou, sem nem ao menos dar o contexto.

— Quê? – ele perguntou – Como assim?

— Sua primeira contribuição para o plano, ué. – ela deu de ombros. – A Mônica sabe que pode ter vocês a hora que quiser, então tá brincando de uni-duni-tê com os dois. – completou.

— Você tá me zoando, né? – ele protestou, aborrecido. A loira apenas o encarou com as sobrancelhas arqueadas. – Então pra fazer ela me querer eu tenho que deixar de querer ficar com ela? Isso nem faz sentido!

— Claro que não, idiota. – fez cara feia – Ela só tem que pensar que você não quer mais.

— Eu... Acho que nem sei como fazer isso.

— É só você fazer ela achar que tem outras meninas na sua vida e ela é só mais uma. Não tem nada nessa vida que te faça valorizar uma coisa mais do que o medo de perder. – deu de ombros, como se estivesse dando uma verdadeira aula. – Na verdade ela já tá tão acostumada em te ter em cima dela que qualquer coisinha diferente já vai assustar.

Do Contra a encarou, perplexo e constrangido. Ele nunca tinha tido vergonha de demonstrar o que sentia por Mônica, mesmo sabendo que não era correspondido na maior parte do tempo. Mas agora, depois de ouvir aquelas palavras ditas em voz alta, se sentiu um idiota. Será que ele dava tão na cara assim?

— Considere isso como uma crítica construtiva. – Carmem deu de ombros, notando que talvez tivesse falado de forma dura demais.

— Eu fico realmente tão em cima assim? – ele perguntou, só por desencargo de consciência. A garota nem precisou dizer nada, porque sua expressão já deixou a resposta bem clara. Ele suspirou pesadamente, resignado. Talvez sua tática de ataque não fosse mesmo das melhores.

— O jogo desse fim de semana é a oportunidade perfeita pra agir. Se os meninos ganharem com certeza a galera vai estender a comemoração até a noite e... Bom, você sabe. – ela comentou, fazendo pouco caso.

— E você, vai fazer o quê?

— Não sei. Tentar bolar um jeito de fazer o Cê me dar atenção. – ela arqueou as sobrancelhas – Enquanto a Mônica estiver na mira dele nada que eu fizer vai adiantar. – completou, tentando não parecer triste.

Quando as sobremesas chegaram, os dois comeram devagar, cada um imerso em seus próprios pensamentos. Desceram para o lobby juntos e quando ele ia à recepção devolver o cartão do elevador a garota sugeriu que ele o guardasse, para facilitar caso precisassem se encontrar ali mais vezes. Então ele saiu sorrateiramente do hotel, enquanto ela ficou por lá mesmo porque iria sair com Denise para fazer alguma coisa de garotas que ele não entendera muito bem.

Mais tarde, quando chegou em casa ele tentou se concentrar em um texto que precisava ler para a faculdade, mas depois de quase meia hora sem entender a mesma página, deixou aquilo de lado e ligou o computador. Checou as redes sociais (ele nunca postava nada, mas olhava gostava de olhar os perfis dos amigos) e abriu uma de suas pastas de música, só para checar se havia algum cover novo que poderia aprender a tocar e sugerir para sua banda. Mas no meio do caminho sentiu vontade de gravar um CD novo, então pegou uma de suas mídias vazias e distraídamente começou o trabalho.

Ainda estava processando tudo o que acontecera naquela tarde. Em primeiro lugar, era indiscutível que Carmem tinha a capacidade de tocar em seus pontos mais fracos. Ele se sentia quase como se fosse um controle remoto e a garota só precisasse apertar os botões certos para ter a resposta que queria. Por um instante ele se perguntou se ela era assim com todo mundo e ele não havia reparado porque nunca tinham estado próximos, ou se era só com ele. A primeira opção parecia bem mais plausível.

Em segundo, mesmo tendo ficado constrangido, ele precisava ouvir aquelas coisas que ela dissera. Talvez a loira estivesse certa e ele precisasse mesmo ser um pouco menos explícito com seus sentimentos.

E finalmente, depois de muito pensar, ele ela provavelmente só havia verbalizado algo que muitos na turma já deviam ter pensado em algum momento, mas não tiveram coragem de dizer. Ninguém, nem mesmo Nimbus (que às vezes era um pé no saco) havia sido tão sincero com ele antes.

Até o momento Do Contra ainda não sabia se simpatizava ou não com aquela garota, mas naquele instante ele decidiu que gostava dela, ainda que de um jeito meio estranho. Não chegou a considera-la uma amiga, mas ela era alguma coisa.


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Notas finais do capítulo

Heeeey people!
A canção desse capítulo é uma das que acho que encaixou perfeitamente. Tem um clima divertido, mas fala de uma pessoa complicada, até mesmo um pouco pirracenta. Bem a Carmem, né?
Os sentimentos do DC com relação a ela já começaram a mudar, de indiferença pra um tipo estranho de simpatia que nem ele mesmo entende.
Bom, por enquanto é isso.
Essa fanfic tem bem menos leitores do que as minhas outras da TMJ (o que é algo que eu meio que já esperava por conta do ship que não é nada convencional), mas estou gostando muito de escrever e pretendo continuar firme nela. Ainda assim, queria saber mais opiniões de vocês! Tô indo pelo caminho certo? Tá um saco? As músicas tão boas? Tia Mia, você não vai colocar esse casal pra dançar um Wesley Safadão não? Qualquer coisa assim. Eu gosto demais de conversar com leitores e to sentindo falta de prosear com vocês, gente! kkk
Enfim, agora acabei mesmo.
Beijos no s2



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