Resgatar animais era sua missão na Terra. Pessoas viviam inventando desculpas, dizendo não ter dinheiro ou tempo, quando, na verdade, era uma questão de prioridades: bastava economizar nos caprichos para tirar mais um indefeso animal das ruas. Mesmo com as dívidas, mesmo dirigindo para outras cidades, ele sempre buscava socorrer cães e gatos aos fins de semana. Sua maior satisfação era receber a gratidão deles depois do tempo de recuperação, e mais alegre ficava quando via o rabo abanando, à caminho de seus adotantes.

Contudo, desde a morte de seu filho de cinco anos, reunir energia para resgatar animais nos fins de semana tornara-se uma tarefa quase impossível, diante do peso do luto. Lembrava-se dele, abraçado a um vira-lata que resgatara de um dono irresponsável.

“Papai, eu sei o que ele está falando! Ele tá falando: obrigado, papai!”

O tal cachorro agora dormia tranquilamente no canto da sala, sobre um colchãozinho. Seu filho implorou para que o adotassem, de tão amigos que haviam ficado.

Seu celular tocou. Era mais um aviso: uma mãe com filhotes próximos a uma estrada. Provavelmente choraria de novo ao ver os filhotes, pois se lembraria pequeno que não pudera salvar, apesar dos esforços. Mas, por algum motivo, foi tomado de um ânimo repentino. Preparou-se para recolher os animais e dirigiu até o local indicado, sem pestanejar.

Encostou o carro e saiu afastando todo o mato na beira da estrada, temendo não encontrar nada ali. Passaram-se dez, vinte, quarenta minutos. Achava que não os encontraria antes do anoitecer, quando ouviu latidos agudos de filhote. Um vira-latinha, para a sua surpresa, veio correndo, direto para ele, com a alegria de um cão ao rever o dono. Pulou, brincou, implorou para ser resgatado. Foi por ele que a mãe e os irmãozinhos puderam ser localizados. E, quando subiram no banco traseiro do carro, o filhote sentou-se no mesmo lugar que o filho costumava ocupar.

Quando chegou em casa, seu vira-lata mostrou-se radiante com aquele filhote em específico, como se já se conhecessem. Vendo-os juntos daquela forma, teve uma estranha sensação: era como se o pequeno retornasse para casa.