Ele odeia gatos. Olha no que me tornei, no inimigo peludo número um do ex-marido, que agora beija a namorada, depois de eu ter partido desta pra “melhor”. Sempre perguntaram “para onde vamos quando morremos”, e a resposta é: vamos para outro corpo, querido. Pelo menos gatos são menos vulneráveis que micróbios, então não estou no direito de reclamar.

Quando tento me aproximar, não dá nem dez minutos para ele me enxotar. Não é que eu deva me assustar com tão pouco: é que a mente não vem cem por cento, não vem com toda a razão dos humanos. Tem um pouco de gato também, e nós nos assustamos fácil diante dos perigos do mundo. O instinto é mais rápido do que a mente, enquanto o coração sempre nos leva a essa busca pela vida passada. Bem, não para todos. Alguns adoram a simplicidade dos animais, pelo menos até se meterem numa briga e não terem dinheiro para pagar um hospital. Um veterinário, para ser mais precisa.

Olho pela janela, encontro novos objetos: um guarda-chuva que nunca vi antes, roupas diferentes, sofá e televisão recém-comprados. Todos os nossos retratos desapareceram. Imagino que a namorada se incomode com a minha ex-existência… ou foi ele que quis apagar todos os meus vestígios.

Lá vem ele de novo, para me expulsar…

“Sai! Sai, gato! Passa!”

Salto para o jardim, com a sensação de que o braço dele vai me atirar alguma arma, embora a razão me diga que não há perigo algum. Ele está com minha substituta, rindo e falando dos planos para a noite. E eu vejo, ao longe, do outro lado da rua, o gato que está interessado em mim. É forte, saudável, com um pelo negro muito bonito. Nunca pude ser uma mãe humana, mas talvez ter gatinhos não seja assim tão ruim. Afinal, sempre gostei de gatos.

Atravesso a rua, e agora é para sempre.