Socorristas escrita por BlueBlack


Capítulo 50
União


Notas iniciais do capítulo

Heey!
Voltei mais cedo né? Nem conto por quê kkkk

Boa Leitura!



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Os questionamentos vieram de todos os lados quando Jorge pousou a aeronave muito antes do que supunham. Eu não tinha dito a ninguém mais sobre passar no laboratório em Denver antes e deixei a tarefa de explicar onde estávamos com os Clareanos que sabiam. Armada com um facão, entrei sozinha no prédio onde havia deixado minha bolsa e, graças a tranca e a barreira que consegui fazer do lado de dentro, ela estava a salvo. Depois fui floresta à dentro em direção ao laboratório, pensando em como faria para caber os utensílios que já pertenciam ao local.

 O problema era maior quando cheguei, no entanto. As correntes que prendiam os Cranks estavam vazias e uma parte do laboratório pegava fogo. Havia muita coisa lá dentro para ser destruída. No fundo, eu já esperava que deixar a cidade não acabaria sendo apenas satisfação. Corri as unhas pelo cabelo enquanto encarava aquilo. Era quase impossível conter o nervosismo dentro de mim.

 Não ia deixar tudo ali sem antes ao menos tentar salvar o que pudesse. Quebrei a janela com uma pedra e as chamas explodiram o vidro, abrindo uma passagem grande o suficiente para mim. Eu entrei, já me dirigindo ao armário poeirento em que havia tubos de ensaio e empurrando-os para dentro da bolsa. Precisei virar uma gaveta de ferramentas dentro dela, pois, por ser toda de metal, estava fervendo. Eu começava a sentir meu corpo suar quando fui até a despensa e tentei abrir a porta, e senti a maçaneta me queimar. Assim que lembrei ter deixado o material de limpeza lá dentro, houve uma explosão e a porta me arremessou para o outro lado do laboratório, por cima de uma bancada até uma mesa móvel. Suas rodinhas giraram de encontro à parede, eu bati a cabeça e escorreguei para o chão, atordoada.

 Olhei para o espaço em chamas ao meu redor, sem saber direito o que pensar, sentindo sangue escorrer pela minha têmpora. Quis me desmanchar em lágrimas, entregar-me ao fogo. De repente pareceu ser demais ter que trabalhar na cura, construir uma vida com os outros, ver Newt acamado, correndo um sério risco de vida. Tanta coisa ainda poderia nos atrapalhar, como o incêndio agora. Não poderíamos impedir tudo, nem prever ou controlar. Nossa vida inteira havia sido assim, deveríamos estar desistindo, resolvendo as coisas do modo mais fácil e certeiro. Minha mãe estava em paz, meu pai estava em paz. Só o que eu queria era ficar em paz também.

 Empurrei a mesinha móvel com um grito, mal sentindo as lágrimas que desciam, e agarrei a alça da bolsa antes de sair do laboratório. Ainda que não houvesse necessidade, saí correndo dali, esmagando a alça, pondo tudo de mim nas pernas para descarregar a adrenalina, como se minha vida dependesse disso. Passei direto pelo caminho até o Berg e invadi uma casa sem pensar, revirando a geladeira e o freezer atrás de qualquer coisa congelada. Minha raiva por Thomas ter puxado o gatilho ainda era a mesma, eu não podia simplesmente desistir de Newt e achar que estava tudo bem. Não estava. Anos atrás eu esperava o momento certo para fazer alguma coisa a respeito de tudo aquilo. Quis com todas as minhas forças que o sofrimento na Clareira acabasse. E perto de conseguir muito mais que isso eu desejava desistir? Deixava Newt num coma pelo resto dos dias? Não era justo. Eu era estúpida em pensar daquela maneira.

 Após verificar outras casas e apartamentos pela região, voltei para o Berg com os braços cheios e gritei para que abrissem a porta de carga. Vendo-a descer sem problemas, percebi que os Construtores restantes haviam consertado o defeito.

  — Que diabos... – Minho começou vendo a quantidade de casacos que eu carregava.

 Larguei a bolsa e as roupas no chão, despindo aquelas que vesti para me poupar de peso, batendo a poeira de algumas. Depois dos clarões solares, Denver provavelmente não conhecia o frio há um tempo.

  — Jorge disse que a viagem vai ser longa. Vamos baixar a temperatura do Berg para os congelados durarem, pois água fria não vai servir. – expliquei.

 Minho, Thomas e Gally se entreolharam, depois se dirigiram aos outros que acabavam de surgir no corredor.

  — E por que baixar a temperatura? – uma garota, Yara, se eu me lembrava bem, perguntou.

 Abri a boca para responder, mas então percebi o leque de coisas que isso abriria. Voltei-me para os três Clareanos, perguntando o quanto haviam contado aos outros.

  — Disseram que você saiu para buscar seus pertences. – outra integrante do Grupo B respondeu no lugar deles.

  — O que é tão importante assim? – Harriet indagou, relanceando algumas vezes para minha bolsa.

 Soltei um suspiro pesado, reconhecendo que eu herdara a falta de habilidade social do meu pai.

  — Vocês confiam em Thomas. Certo? Passaram aquele perrengue no Deserto juntos. Não sei o que ele disse a vocês, mas acho que não é o melhor momento para falarmos disso.

 Muitas delas trocaram olhares desconfiados e firmes, e Harriet encarou Thomas.

  — Apenas diga se tem ou não a ver com o CRUEL. – ela pediu.

  — Não, nem de longe. – ele afirmou.

 Senti os pelos do meu braço se arrepiarem subitamente e Mallory acabava de fechar uma portinha na parede em que ficava o controle de temperatura.

  — E que história é essa de precisarmos viajar num Polo Norte? – Dina indagou, abraçando a si mesma.

  — Um amigo nosso depende disso para ficar vivo, por enquanto. – respondi vagamente, incerta de como colocar toda aquela situação em palavras.

 Gally pegou os casacos no chão e começou a distribuí-los, e me ocupei com o mesmo para não precisar falar. Mas as meninas e os Clareanos que não sabiam do que se tratava me encaravam, ávidos por uma explicação.

  — Ele foi ferido e está infectado. O cérebro dele precisa hibernar e ficar meio fora do ar até que possamos resolver. Antes que perguntem, foi ideia de uma cirurgiã, não minha. – apontei Mallory com a cabeça, fitando-a até que todos a notassem.

 Vesti meu casaco, rezando para que pusessem fim ao assunto.

  — Se ele está com o Fulgor... Por que mantê-lo assim? – Harriet indagou. Apesar da serenidade, ela estava à frente de todos e me lembrava Alby, o que me fez imaginar se ela tinha sido líder do Grupo B na Fase do Labirinto.

  — Vão saber quando for a hora. – Gally respondeu por mim, as sobrancelhas curvadas de modo tão sério quanto fazia nos Conclaves em que ficava irritado: todos, em suma.

 Com mais uma olhada para Thomas e eu, o Grupo B deixou o corredor e sumiu nos compartimentos principais.

  — O que houve com você? – Minho perguntou a mim, provavelmente pela fuligem que me cobria e os arranhões que ganhei lutando com um Crank numa casa.

  — Consegui pegar tudo. – respondi simplesmente e fiz sinal para que Mallory e Gally me seguissem até a cabine de Jorge.

 Thomas acabou se juntando a nós lá dentro, o que deixou o espaço bem mais apertado do que já era.

  — Newt precisa de uma máquina especial para aguentar mais ou menos até quanto for levar a produção da cura. – falei, encostada logo ao lado de Jorge.

  — Quer dizer mais paradas antes do nosso refúgio? – ele indagou.

  — Em quantos lugares é possível encontrar isso, Mallory? – perguntei.

  — Funcionando? Muitos. É uma tecnologia bem mais simples do que parece. Mas pode ser facilmente contaminada. Conheço duas ou três cidades que não foram tão afetadas pelo vírus, mas não sei quanto aos clarões. – ela respondeu.

  — Brenda deve saber. – Thomas interveio.

  — Então vá chama-la. – eu disse como se ele precisasse ter feito isso antes, demorando meu olhar nele até que saísse e fechasse a porta.

  — Pegue leve com ele, hermana. – Jorge disse.

  — Ele contou com todos os detalhes o que aconteceu?

  — Nós vimos como seu namorado ficou infectado, não me surpreenderia se tivesse pressionado Thomas a fazer o que fez. Numa situação daquelas, ele pode nem ter atirado de propósito.

 Balancei as sobrancelhas, apenas desejando que Brenda entrasse.

  — Espero que ele tenha uma desculpa melhor. – murmurei.

  — Dê a ele uma chance, e você vai saber. – Mallory disse, logo antes da porta se abrir.

 Ficou decidido viajarmos por pouco mais de dois dias, considerando a parada numa metrópole pelo caminho para reabastecimento, e a descida numa das cidades em que poderia haver a máquina. Com sorte, logo depois disso, poderíamos seguir para o que um dia fora o norte da Ásia.

 Do mesmo modo que todos, passei as primeiras horas da viagem dormindo. Apesar da pilha de coisas que havia para me preocupar, só o cansaço foi forte o bastante para me trazer o sono. Felizmente, eu não sonhei, e acordei com meu corpo mais relaxado, sem a tensão com que estivera praticamente o dia anterior todo. O sol já havia nascido, era por volta de dez da manhã, e poucos estavam acordados, comendo a parte da comida dividida. Andrômeda estava entre eles, mas isolada num canto, com cara de quem não só havia sido sedada como também não dormido. Assim que ela me viu, fiz sinal para que me acompanhasse. Entramos no banheiro do quarto onde eu havia dormido, para que os outros não fossem acordados.

  — Não acreditaria se alguém dissesse que eu estaria aqui, no fim das contas. – ela comentou, mexendo em seu sanduíche, evitando me encarar.

  — Por quê? Estavam planejando manter meu corpo no complexo quando fosse encontrado? – perguntei cinicamente, cruzando os braços e semicerrando os olhos. Por mais que o episódio de ter sido controlada por aquele dispositivo tivesse sido sinistro demais, esperava que ela tivesse uma boa explicação, principalmente porque a haviam mantido presa mesmo depois das explosões do Braço Direito começarem.

  — Eles não queriam matar você, mas precisavam contornar sua síndrome e talvez até a sinestesia para tirar suas memórias de novo. – ela respondeu.

  — Do que está falando?

  — Ora, queriam me usar para te trazer de volta para o complexo. Descobriram sobre o dispositivo, o implante, e me tomaram o controle.

 Minha testa estava franzida. Entender as entrelinhas dela era uma luta.

  — Você usava um joystick ou o quê? – questionei.

  — É quase isso.

  — Vai me dizer que não tinha nada implantado no seu corpo também?

  — Só eletrodos. Eles eram conectados a um controle e por isso era muito fácil eu entrar em contato com você. Podia saber quando estava dormindo ou acordada, ou sofrendo de alguma concussão.

 Ela soltou uma risada fraca, baixando a cabeça.

  — Que bom que se diverte com as minhas reações cerebrais. – ironizei.

  — Não é nada disso.

 Resolvi ignorar o que quer que fosse; ainda não tínhamos tocado no ponto que importava.

  — Como foi parar naquela sala? – perguntei.

  — Como eu disse, me tomaram esse controle. Ava me fez milhões de perguntas e acho que os ofendi um pouco com o que consegui fazer. Ela começou a me irritar, desenterrou algumas coisas do passado e eu meio que perdi a cabeça. Foi um segundo, e eles acabaram vendo o controle no meu bolso. Briguei com eles para conseguir de volta e tive até medo por você quando a tela acendeu e apertaram uns botões. Tiraram ele de mim e então me sedaram.

  — Não podiam simplesmente ter trancado a porta?

  — Eu ia acabar conseguindo sair. – deu de ombros em modéstia.

 Lembrei-me do guarda que ainda parecera cuidar da porta, mesmo com toda a destruição, e percebi que termos trazido Andrômeda daquilo tudo podia acabar sendo um prêmio. Pressionei minhas lacrimais, tentando disfarçar meu sorriso involuntário.

  — Certo, então eu quase morri afogada e quase matei meu amigo por causa de um cabo de guerra do CRUEL? – eu a encarava com descrença.

  — Nunca quis fazer parte do que eles são, Jordan.

  — Deve ser uma excelente atriz, então, para ter acabado como inspetora-mirim. Ou havia outros adolescentes lá também?

 Andrômeda desviou o olhar desolado e mordeu seu sanduíche. Eu cruzei os braços outra vez, remexendo-me sobre os pés até que ela percebesse que eu queria a resposta.

  — Meu, não me leve a mal, mas tenho todos os motivos possíveis para não confiar em você. Não preciso citar cada um deles. – eu tentava colocar toda a minha impaciência no tom. Eu até esperaria o tempo dela, se não estivesse sob minha responsabilidade uma funcionária do CRUEL estar num Berg com todos que não morreram no Experimento.

  — Algumas crianças trabalharam para o CRUEL, mas eu era a única quando seus amigos foram mandados para o Labirinto. – ela deu uma longa pausa, parecendo reunir forças para continuar. — Eu era próxima de Ava.

 Passei a língua pela bochecha, olhando para o chão.

  — Você desce na primeira parada que fizermos. – avisei, virando-me para sair do banheiro.

  — Estou sendo honesta com você.

  — O que você espera que eu pense? Espera que eu confie em você? – virei outra vez, dando alguns passos para ficar mais próxima dela. — Depois de tudo que já aconteceu...

  — Eu te ajudei. Eu quis que você saísse, porque não aguentava mais ver o CRUEL ter sucesso numa coisa tão horrível.

  — Foi por altruísmo?

 Ela suspirou, parecendo cansada. Olheiras se formavam em sua pele clara.

  — Foi por eu não ter mais ninguém. – disse com as íris focadas nas minhas. — Nunca perdi a memória como vocês, mas estou sozinha. E depois de tanto tempo trabalhando para eles, sem a menor chance de conseguir sair, vocês foram a primeira esperança que tive.

 Foi a minha vez de suspirar.

  — Conseguia ler meus pensamentos com aquele controle? – perguntei, apenas por precaução.

 Ela franziu o rosto em dúvida.

  — Não. – respondeu como se eu falasse de um absurdo.

  — E como podia ter tanta certeza sobre sermos uma esperança?

  — Você parecia estar pensando em alguma coisa, ficava mais ansiosa do que os dados originais mostravam. E as coisas costumam ser previsíveis para mim.  

 Eu sabia que, a partir do momento em que os outros soubessem quem ela era, não precisaria me preocupar tanto em ficar de olho; o Grupo B parecia bem atento a tudo. Saí do banheiro sem dizer mais nada, anotando mentalmente o fato de ela ter dito ser capaz de escapar, mas não ter tido chance para isso.

 A noite de descanso pareceu ter sido o suficiente para elevar o astral no Berg. O falatório e a movimentação eram imensos, o que fez de Jorge alguém bem irritado. Ele foi descansar, deixando que Gally pilotasse a nave. Vi Kenan tentando animar Mike (ou Roman. Eu sentia que jamais me acostumaria com o novo nome tão fácil quanto foi para me acostumar com o meu), porque, aparentemente, a notícia de Mallory estar infectada o pegara de supetão. Aos poucos, eu mesma ficava deprimida com o estado da cirurgiã, por Mike, mas também por ela ser a razão de eu estar viva. Eu teria puxado aquele gatilho.

 Os Clareanos interagiam com o Grupo B como se fossem velhos amigos. Bom, eles eram, agora que podiam considerar as lembranças. Ainda assim, era estranho como parecia que nada havia mudado, que nada similar ao que Gally e eu passamos tivesse acontecido. Sonya estava bem humorada com Harriet e outras, ainda que parecesse cansada. Minho, que eu tinha visto conversar com uma menina no Berg após o resgate do Deserto, estava apenas com Thomas num canto. Pude ouvi-los dizer palavras como Clareiramudar trolhos, mas não quis me envolver. Tudo que eu queria era ficar sozinha até que conseguíssemos a máquina e chegássemos ao nosso refúgio.

 Voltei para o quarto onde eu dormia, que estava ocupado por ninguém além de Newt, e me deitei ao seu lado na cama, com as costas de encontro à parede. Mallory havia me ajudado naquela manhã a fazer um novo curativo nas costas e eu lamentava a falta do remédio que ela havia usado antes. Sentir o frio do metal sobre a blusa foi um alívio.

 Minha cabeça estava apoiada no ombro enquanto meus dedos desenhavam círculos aleatórios na cabeça desnuda de Newt, na área descoberta dos congelados. Nunca havia o imaginado sem cabelo e não ficava tão ruim assim. De um jeito estranho, combinava com ele. Contudo, eu desejava que os fios crescessem de novo logo e eu pudesse mexer neles como costumava fazer. Lembrar de momentos assim na Clareira me fez rir sozinha. Era engraçado agora como eu tinha ficado desesperada por ele me ver menstruada, e como tinha me sentido envergonhada por levar café da manhã na cama para ele. Se eu soubesse do andamento das coisas, teria aproveitado mais aqueles momentos. Teria reclamado menos de como ele me tratou no início, desempenhando o papel que eu tanto pregara que ele fazia bem. Passei meu polegar pela maçã de seu rosto, lembrando a vez em que ele me ensinara a cortar a raiz das árvores, como o toque dele mexia comigo e como tinha me feito falta em cada dia que passei longe dele depois disso. Parecia que o universo conspirava para que nos separássemos. Eu tinha tudo para acreditar nisso, ainda mais depois de ter chegado tão perto de perdê-lo. Mesmo num mundo pós-apocalíptico, era anormal a soma do tempo em que ficamos longe um do outro. A essa altura, se não fosse para ficarmos juntos, pelo menos queria que ele ficasse bem.

 Senti algo coçar meu nariz e percebi que uma lágrima descia, então tratei de limpá-la, fungando. Soltei uma risada ao delinear seus lábios com o dedo e lembrar como tinha sido insana em querer fazer sexo num corredor cheio de Cranks. Meu rosto se contorceu quando as lágrimas pesaram dentro de mim, mas ouvir alguém entrar no quarto me impediu de chorar. Funguei seguidas vezes e o ar frio me fez sentir o rosto seco, então me virei para ver quem era.

 Para a minha surpresa, Sonya estava ali, parada entre a porta e o beliche, olhando para Newt com um semblante indescritível. De repente, ela tampou o nariz com a mão e soltou um soluço, parecendo tentar prender o choro. Por mais que eu precisasse fazer ou falar alguma coisa, não consegui encontrar o quê.

 Ela se aproximou mais, vidrada nele, parecendo querer ter certeza de que era o mesmo de quem tinha lembranças agora. Meu coração se partiu vendo-a daquele jeito. Sonya não dizia nada, não chorava nem tremia. Mas seus olhos possuíam toda a dor que a dominava, e imaginar o turbilhão de emoções que passavam por ela agora era lacerante. Se eu pudesse dar aos dois a chance de se conhecerem...

 Eu me levantei em silêncio e saí do quarto para deixa-los a sós, deitando-me num estofado junto à parede do lado de fora, repousando um dos braços sobre a testa. Pude ouvi-la dizer alguma coisa para Newt, mas não soube o quê. Antes do esperado, Sonya apareceu à porta, as mãos unidas timidamente em frente ao corpo, demorando os olhos no chão antes de me encarar.

  — O que aconteceu? – ela perguntou.

 Levei poucos segundos para chegar à conclusão de que, mais que qualquer um, ela merecia saber. E se mostrava agora tão forte quanto eu me lembrava, por isso tive certeza de que ela manteria a cabeça mais erguida que eu perante aquilo. Eu me sentei e expliquei calmamente todo o ocorrido, excluindo o nome de Thomas, reconhecendo ser melhor ela digerir uma coisa de cada vez, ao menos. Quando mencionei a raspagem do cabelo, Sonya se virou para olhá-lo.

  — Antes de irmos para o norte da Ásia, vamos passar numa cidade para conseguir a máquina que pode mantê-lo vivo. Ele precisa de nutrientes e não pode acordar, ou o vírus vai mata-lo. – continuei.

  — Faz apenas dias que me lembrei dele, mas o amo. É meu irmão. E ainda acho desumano manter ele num estado desses por não querer perde-lo. – ela disse ríspida.

 Esfreguei as mãos uma na outra devagar, olhando para o chão antes de fita-la de volta.

  — Podemos ter uma cura, Sonya. – falei o mais baixo possível.

 Ela se retesou, formando uma conhecida ruga entre as sobrancelhas por um breve momento.

  — Como assim? – perguntou.

  — Quero que ele sobreviva por tempo suficiente até que seja produzida. Não tem nada a ver com o CRUEL, antes que me pergunte. Minha mãe conhecia o estudo, foi feito por um cientista de verdade anos atrás.

  — Quero ver.

 Abri a boca para tentar contornar a verdade, mas era óbvio que, se eu queria confiança, precisaria confiar também.

  — Eu queimei. – respondi, sincera.

  — O quê?

  — Não podia arriscar que mais alguém soubesse daquilo tudo. O mundo ia se tornar um caos com todos tentando produzir, ou com pessoas matando pessoas para consegui-la.

 Ela suspirou e passou a língua pela bochecha, desviando o olhar, esboçando um pequeno sorriso inconformado.

  — E se você morrer? Vamos perder tudo. – Sonya disse.

  — Todos vão saber a respeito disso no fim das contas, talvez eu até faça um maldito diário. Só o que eu quero agora é que confie em mim. Não sou mais a Fedelha imprudente de anos atrás.

  — Difícil acreditar, depois do que você fez no Deserto.  

  — Eu estava irritada. Me dê um desconto, o CRUEL fez de tudo para me deixar maluca e inválida. Escute... – eu me levantei e me aproximei mais dela, e suas íris desceram e subiram por mim numa análise. — Ele é tão importante para mim quanto para você. Só estou tentando salvá-lo. Eu mesma me atiro numa fogueira se não funcionar, mas, entenda, agora, o que mais precisamos é otimismo.

 Sonya sustentou o olhar com seriedade por um tempo, depois olhou para Newt, e então me mediu como se decidisse confiar. Era difícil conquistar sua confiança tanto quanto fora com Newt.

 

A cidade em que Mallory acreditava poder haver uma máquina, felizmente, não era muito grande, pois mesmo com todos nós divididos em cinco grupos, para garantir segurança, já levaria boas horas até que toda a área fosse revistada. O Berg foi pousado numa rua deserta na entrada da cidade. As casas estavam num estado precário, provavelmente devido à falta de atenção que tudo recebera do governo desde o começo da catástrofe. O solo e o ar não estavam tão faustos, mas durante a viagem pudemos ter a prova de que os lugares mais distantes dos trópicos eram realmente os menos afetados pelos clarões. Não havia ninguém à vista na cidade, vários quilômetros estavam inabitados, e ainda assim fizemos questão de camuflar a nave com uma garagem. Mallory ficou para cuidar de Newt; a menina e a mulher com o bebê também ficaram; e o casal estava ferido demais para poder sair. Thomas havia sugerido que eu ou Sonya permanecêssemos ao lado de Newt, e por mais que eu quisesse mesmo, sabia que carregava boa parte da responsabilidade de conseguir a máquina. Após conversar com Sonya, ela mostrou se sentir da mesma forma.  

 Andrômeda andava logo ao meu lado. Ninguém além de Gally, Mallory e Kenan sabia ainda a respeito do envolvimento dela com o CRUEL, e a opinião dos três bastou para que eu quisesse manter ela sob as nossas vistas o tempo todo.

 Mallory havia feito um desenho de como era a máquina, o Inibidor, para que todos soubessem identificar. Ele era grande, mas simples. Era um bloco retangular de quase dois metros de altura, com duas saliências que pareciam braços e amparavam a cabeça do paciente para deixa-lo no estado de hibernação. Era indolor e não possuía registros de risco há quase cinquenta anos.

 Perto do centro da cidade, começamos a ver pessoas. Havia crianças sentadas num círculo na calçada, brincando e rindo com alguma coisa. Uma delas nos viu e pareceu intimidada. Com a postura que Gally e o outro Clareano, Niels, mantinham em meio a um grupo de seis pessoas, eu também teria medo. Sem contar as armas que levávamos. A menina olhou para a janela da casa logo atrás dela, como se esperasse que alguém viesse nos confrontar. Ninguém veio.

  — Acham que eles têm algum grupo de guerra para aniquilar os visitantes? – Harriet indagou, olhando ao redor discretamente.

  — Só queremos o Inibidor. – respondi. — Não vão matar ninguém por isso.


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Notas finais do capítulo

Essa cidade promete!

Até o próximo, amores ♥



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