Socorristas escrita por BlueBlack


Capítulo 32
Nada mais assustador que a ignorância em ação


Notas iniciais do capítulo

Heey, dois capítulos em um dia, hum?
Na verdade, só estou demorando mais para postar no Nyah e no Wattpad mesmo, mas, a quem interessar, no Social Spirit estou mais frequente.

Boa Leitura!



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Um pouco mais tarde, Newt e eu felizmente conseguimos dormir por mais algumas horas antes do grupo começar a voltar. Ninguém comentou nada da busca ao perceberem que faltavam alguns Clareanos ainda.

  - E aí, como está? – perguntei ao parar ao lado de Mike, que observava a rua, encostado à parede do beco. Eu já havia contado e explicado a ele toda a confusão que acontecera, principalmente o bilhete que deixei antes de saírem do Labirinto. Mas ele continuou sem me encarar e eu ri. – Qual é, mal falei com você desde que os encontrei. Não estaria assim se eu tivesse morrido, hum?

  - Você continua dramática. – disse com os olhos no horizonte.

  - É para combinar com o ambiente.

 Mike soltou uma risada fraca e balançou a cabeça antes de enfim olhar para mim.

  - Você está uma mértila. – comentou.

  - E seu topete está torto. – estiquei a mão para mexer em seu cabelo e empurrá-lo para o outro lado, mas estava tão ressecado que endurecera.

  - Não vá me arranjar problema com Newt, trolha.

  - Não acho que ele seja do tipo ciumento. E, por favor, só estou tentando melhorar sua cara de plong. – falei, entrelaçando os dedos dos fios colados, minha testa franzida em concentração.

  - É, não vou conseguir um bom tratamento para ele aqui fora.

  - Como você mantinha essa coisa em pé lá na Clareira? Sabe, sem sujeira e chuva.

  - Na verdade, era bem assim que eu fazia, tirando a parte da chuva. – ele disse e soltei uma risada que me obrigou a afastar a mão. – Eu não tinha produtos de hidratação!

  - Dava para se virar com as coisas que a gente plantava. – retruquei risonha e me apoiei à parede ao lado dele. Olhei para a rua que se seguia, lembrando-me de quando Tagarela amassou vários pêssegos que caíram de uma árvore. – Estranho que não pingasse uma gota do céu lá e precisamos passar por uma coisa daquelas quando saímos.

 Mike balançou os ombros.

  - Não posso dizer que sinto falta de lá. Nem que tem algum “pelo menos”.

  - Fala sério, depois de dois anos, com certeza a Clareira tem alguns “pelo menos” para você.

 Mike repetiu o movimento, me olhando quase pesaroso.

  - Nunca consegui parar pra pensar nisso, se quer a verdade. – disse. – Não tem nenhuma vantagem em estar do lado de fora, e lá dentro precisávamos viver com medo das mértilas que nem conhecíamos. E depois as coisas começaram a piorar de verdade, sem os padrões de sempre. – ele ergueu seu braço enfaixado e o encarou, girando-o. – Mas mesmo assim é ótimo ter perdido a mão em vez da vida.

 Eu precisava admitir, era confuso. E, ouvindo-o falar daquela forma, percebia que eu me sentia um pouco do mesmo jeito, só mais indiferente, já que havia grande diferença entre dois meses e dois anos na Clareira.

  - Às vezes paro para pensar se aquelas coisas não aconteceram por minha causa. – comentei com os olhos perdidos no chão. – Indiretamente, é claro. Cada vez mais tenho sentido que conheço muito bem o CRUEL e que eles podem prever cada passo que eu dou. Talvez, se eu não tivesse fugido com Herman depois de todo aquele tempo com eles, eu teria entrado para o grupo daquelas garotas do Aris e muita coisa teria sido evitada.

  - O que tem a ver?

  - Os Criadores parecem ter agido por desespero, Mike. Estava havendo um padrão, exatamente como no Labirinto de Aris, apenas com garotos em vez de garotas. Não tenho nada a ver com o que estão planejando, mas mesmo assim me incomoda. É meio pessoal, na verdade, minha cabeça fica uma bagunça quando as coisas mudam do nada. De qualquer forma, eles estavam testando os dois Labirintos igualmente, mas queriam a mim e Herman também e não tiveram outra escolha se não nos enfiar lá de um jeito ou de outro. Sem contar tudo o que causamos depois que ele chegou. Talvez tenha sido por isso que me mandaram sair de última hora, eu estava atrapalhando demais o que eles queriam. Ninguém mais ouviu uma voz na própria cabeça dizendo para ficar na Clareira.

 Parei para tomar fôlego com a indignação de tudo aquilo que começava a vir à tona. Eu não chegara a expressar essas coisas para Newt, e, a julgar pelo semblante franzido e concentrado de Mike, parecia ter sido melhor confessar para ele mesmo.

  - Bom, se você foi a causa daquelas coisas, pode ter certeza que Herman também foi. – ele disse por fim. – E por um motivo ainda pior, para terem deixado ele vivo quando foi pego pelos Verdugos.

 As únicas palavras que realmente interpretei foram “pior” e “vivo”. Mike já sabia o que acontecera com Herman depois que o encontramos com os Pagãos e se mostrara claramente satisfeito quando contei. Eu estava tentando não pensar muito nele com a esperança de que assim pudesse acreditar um dia que era filha única.

 Olhei para o outro lado e vi que Minho conversava com Caçarola e Jorge, nada contente.

  - Acha que aconteceu alguma coisa? – indaguei ainda os observando.

  - Contanto que não tenha nada a ver com o trolho do Thomas e a garota... – ele desencostou da parede e nós dois começamos a caminhar até eles.

  - Por falar nisso, já arranjou uma namorada Crank para você? Está precisando dividir sua rabugice com alguém.

  - E precisar olhar alguém daquele jeito? – Mike moveu a cabeça na direção de outro grupo de Clareanos. Newt estava entre os garotos e tinha acabado de desviar o olhar de nós com o semblante sério, ainda que logo admitisse certo interesse na conversa que estava tendo. – Valeu, eu passo. Já basta você.

  - Pensou a respeito? – perguntei com uma sobrancelha arqueada.

  - Não... Acha que meus sonhos se resumem num futuro em que vou ter três filhos com uma mulher perfeita numa casa grande?

  - Eu espero que não, porque qualquer uma pra aturar você deve ter um grande distúrbio mental. – falei com uma careta. – Mas pense bem, pode acontecer. Quem sabe não encontramos aquele Grupo B? Vai ter muitas opções.

  - É, melhor ainda se tivermos a sorte dos Criadores darem alguma privacidade.

  - Você tem a mente tão suja! – ironizei numa falsa indignação.

  - E no que mais quer que eu pense? Estamos num mundo pós-apocalíptico, trolha. Se é pra se divertir com alguém, que seja assim.

 Eu ri, mas meus pensamentos estavam longe daquilo. Eu sabia que estava fora de questão bancar o cupido numa situação daquelas, caso encontrássemos o Grupo B, mas isso chegava a me desanimar ainda mais. O que eu sentia por Newt costumava amenizar muito a angústia que tudo aquilo trazia. Era mortificante que fôssemos os únicos a experimentar uma coisa assim.

  - O que foi? – Mike perguntou quando nos aproximamos de Minho, Jorge e Caçarola. Newt não tardou a fazer o mesmo.

  - Thomas e Brenda foram vistos num beco próximo daqui. – Minho informou. E ninguém disse mais nada.

  - Então vamos até eles. – falei e dei um passo na direção da rua.

  - Calma, calma. – o asiático me segurou pelo braço sem sair do lugar. – É comovente que você seja a única a querer fazer alguma coisa. – ironizou.

  - Então... Qual o plano?

 Jorge e Minho pareciam já ter pensado em tudo ao conversarem com Caçarola durante aqueles minutos, pois reuniram todos e começaram a explicar. O Crank parecia conhecer o local onde Thomas estava, então as possibilidades da estratégia de resgate dar errado eram mínimas. Newt e eu trocamos olhares quando Jorge disse que poderíamos encontrar “uns Cranks piores que outros” pelo caminho, mas esperamos mais um pouco até contar sobre os Imunes.

  -... pegamos os dois trolhos e os trazemos para casa sãos e salvos. – Minho explicou por fim.

  - É, ou quase isso. – emendei e todos me encararam com as expressões confusas. – Newt e eu descobrimos umas coisas enquanto ficamos presos com aquele pessoal. Alguns estavam infectados, mas outros não. Há como ser Imune ao Fulgor, pessoal... E quem não é se contamina com a doença pelo ar.

 Nenhum deles falou nada por longos segundos, apenas alternaram o olhar entre eu, Newt e alguns outros. Olhei para Jorge, mas a expressão no rosto dele era indecifrável.

  - Isso é sério? – um deles disse com o semblante duro e o tom bem firme. Pude ouvir uma nota musical grave quando sua voz soou.

  - As pessoas dessa cidade conhecem bem mais do mundo do que nós. – acrescentei e esperei alguma confirmação de Jorge, mas ela não veio.

  - E eles nos contaram as mesmas coisas que os trabalhadores do CRUEL contaram a nós no ônibus para aquele prédio. – Newt emendou.

  - O que significa que podem ser belos mentirosos também. – o garoto rebateu.

  - Escutem, só o que estou dizendo é para irmos com calma. Primeiro porque os Criadores querem essa cura e não podem simplesmente nos matar se não chegarmos às montanhas no prazo. E segundo que, de um jeito ou de outro, podemos nem estar infectados de verdade com essa doença. – falei o mais brandamente possível. – Conhecemos uns aos outros muito bem para saber dizer quem está maluco.

  - É, e quer saber? Meu primeiro palpite é quem vem com uma história dessas para cima da gente.

  - Aidan. – Newt disse com um olhar quase raivoso para o garoto e ele o encarou de volta. O silêncio se seguiu outra vez.

  - Podemos não estar mais na Clareira, mas seria melhor se continuássemos com as mesmas regras. – Minho disse encarando cada um de nós. Ele de repente parecia mais abatido. – Confiamos uns nos outros, então tenho plena certeza de que o que ouviram é verdade. Mas não temos como saber quem de nós é Imune ou não, então precisamos continuar.

 Ele olhou para mim e para Newt como se esperasse que concordássemos.

  - Cara, só achamos errado não contar a vocês. – Newt respondeu.

  - Ótimo, ficamos lisonjeados.

 O assunto foi dado como encerrado e Minho foi com Jorge ir vigiar o lugar para onde Thomas e Brenda tinham sido levados. Dispensaram-me quando me ofereci para ir, dizendo que muita gente poderia chamar atenção. Nenhum de nós que permaneceu no beco teve muito que fazer. Newt, que havia sido nomeado temporariamente como o líder para enquanto Minho estivesse fora, apenas ficava sentado na entrada com a dor que dizia ainda sentir na perna. Ele ainda possuía o mesmo olhar e expressão sombrios de quando nos encontramos perto do túnel e eu começava a entrar em certo desespero por não saber o que fazer. Estava claro que queria ficar sozinho, então só pude ficar de costas enquanto conversava com Mike.

 Já tinham se passado horas quando Jorge e Minho voltaram dizendo que colocaríamos o plano em ação apenas no dia seguinte. Eles trouxeram mais comida, armas e mantas para mim e Newt, então me vi obrigada a engolir isso de precisar esperar mais para ir encontra-los.

  - Estou muito errada em querer que pelo menos todos fiquemos juntos de novo? – indaguei distraída quando a noite caiu. Eu estava enrolada num cobertor e sentada contra a parede, enquanto Newt terminava sua lata de comida.

  - É o que eu quero também. – ele disse, deixando a lata de lado. – Além de muitas outras coisas, mas se apenas isso já está custando malditos riscos...

 Meus lábios se repuxaram num sorriso de canto.

  - Só quero que esse dia acabe. – Newt murmurou, apertando os olhos com os dedos.

  - Vem cá. – chamei displicentemente, abrindo um dos braços com o cobertor.

 Newt se arrastou de costas até encostar à parede também e cerquei suas costas antes que ele subisse mais. Ele deitou a cabeça entre meu peito e meu ombro e nos encolhemos ainda mais quando um vento frio cortou o ar, e puxei outra manta para colocar sobre nós.

  - Aí, seus diabéticos.

 Ouvi a voz de Mike e senti leves chutes nos meus tornozelos antes de abrir os olhos e me deparar com a figura dele contra o sol. Newt e eu ainda estávamos na mesma posição; não havia muitas maneiras confortáveis de dormir ali.

  - Sua delicadeza me encanta. – murmurei e Mike devolveu com um sorriso satisfeito antes de sair. – Newt.

 Balancei seu ombro fracamente e percebi que ele ainda dormia. Impressionava-me que mesmo assim suas sobrancelhas estavam franzidas. Seus olhos se moveram por baixo das pálpebras e seu semblante se suavizou antes de abrir os olhos e piscar algumas vezes.

  - Bom dia, raio de sol. – falei brincalhona, esperando ele se afastar para eu me mover.

 Ele soltou um gemido gutural, apoiando-se numa mão enquanto passava a outra pelo rosto. Demorei a me dar conta do sorriso bobo que se espalhou pelos meus lábios ao vê-lo correndo os dedos pelo cabelo e o despenteando.

  - O quê? – Newt perguntou ao me encarar e eu apenas abaixei a cabeça e fiquei sorrindo para o chão.

  - Newt! – Minho gritou da entrada do beco e fez sinal para que ele fosse até lá.

 Newt beijou minha bochecha e me deu bom dia antes de obedecer ao amigo, e eu não demorei mais para me levantar.

 Todos nós recebemos armas, e as instruções para a execução do plano foram repassadas. Enquanto Minho ditava outra vez como seria, uma grande excitação por enfim tomar uma atitude cresceu do meu estômago para o meu peito.

 Uma parte de nós, liderada por Jorge, entraria no local pelo beco em que Thomas e Brenda foram vistos por Caçarola. A outra, com Minho, esperaria um sinal de que as coisas estavam seguras o suficiente para atacar quem aparecesse pelo caminho. Newt e eu ficamos com o grupo de Minho, composto apenas por nós e mais quatro garotos, e estávamos do lado de fora, de frente para uma janela muito próxima do teto do primeiro andar do local. Tínhamos nossas armas em mãos, todos calados para não perdermos o sinal.

 Uma coisa reluzente chamou minha atenção num prédio desgastado ao lado e decidi olhar. Havia uma placa, quase idêntica àquelas do Labirinto que falavam de experimento, catástrofe e ruína universal, com o mesmo metal e o mesmo tipo de letra, mas com dizeres diferentes.

THOMAS, VOCÊ É O VERDADEIRO LÍDER

 Aquilo me fez ter certeza de que o CRUEL realmente não tinha ideia do que estava fazendo, sendo que a tatuagem de líder era de Minho.

 O som de gritos e pancadas chamou minha atenção de volta e Minho fez sinal para que começássemos a entrar. Um a um, apoiamo-nos no peitoril para pular na armação da escada que havia do lado de dentro. Corremos degraus abaixo e pude ver um grupo de pessoas vir até nós com passos cambaleantes e esfregões de privada nas mãos. Minho deu apenas um soco no rosto de um cara, que simplesmente caiu com o corpo mole. Duas mulheres correram na minha direção gritando assim que terminei de descer a escada e desferi o cabo da vassoura sem cerdas no rosto de cada uma. Elas bateram a cabeça nas quinas dos degraus e ficaram imóveis. Com o forte cheiro de vômito e bebida, supus que a maioria ali estivesse embriagada.

 Avançamos pelo salão, abatendo cada uma das pessoas que vinham ao nosso encontro, indo em direção a uma porta que supúnhamos levar à sala em que Jorge e os outros estariam. Havia pessoas dormindo pelo chão, totalmente alheias ao ataque, e comecei a me perguntar por quanto tempo as coisas seriam fáceis assim. Entramos na sala, com as armas erguidas para esperar um ataque, e percebemos que o outro grupo havia dado conta daquelas pessoas. Elas estavam amontoadas no chão, sentadas, deitadas, trêmulas. Algumas pareciam mortas. Jorge, Caçarola e Aris estavam em pé, de guarda, de modo que pudessem ter todos sob suas vistas.

 Jorge tinha um facão apontado para a nuca de um homem de cabelo ensebado. Uma mulher de rabo de cavalo estava curvada logo ao lado.

  - Esses dois saíram dali quando chegamos. – Jorge informou a Minho, apontando para uma porta num canto.

 O asiático não levou um segundo para se dirigir até lá. Ponderei sobre segui-lo, mas ninguém podia dizer que estava preocupado com o que aquelas pessoas fariam. Fui atrás de Minho e passei pela porta que levava a uma passagem escura. Desci os degraus e pude ouvir a voz do Clareano logo antes de parar atrás dele.

  - Cara, você parece bem desconfortável aí.

 Thomas estava sentado numa cadeira com as mãos atadas à parte de trás do espaldar, encarando-nos espantado.

  - O quê... Como... – ele se atrapalhou.

  - Acho que nunca vou cansar de reencontrar sua cara feia. – comentei, pegando uma das facas que Minho segurava e indo até ele.

  - Acabamos de encontrar vocês. – Minho disse.

  - Como assim? – Thomas indagou.

  - Ficamos com Jorge esse tempo todo, bom, isso depois de Newt e eu termos sido sequestrados, mas estamos bem, teria vindo ontem atrás de você, mas o plano precisava dar certo e acabou dando, sorte daquela maluca ter deixado você inteiro. – falei num fôlego só, aliviada apesar de tudo, e terminando de cortar as cordas que o prendiam para que se levantasse.

  - Ei.

 Empertiguei-me outra vez e vi que Brenda estivera amarrada em outra cadeira, num canto, e agora me encarava com evidente insatisfação. Revirei os olhos e puxei Thomas para um abraço, apertando-o por um tempo até conseguir suspirar.

  - Você está bem? – indaguei, uma das mãos em seu pescoço e os olhos percorrendo por todo o seu semblante à procura de uma careta de dor.

  - Você não tem um comprimido, tem? – ele disse e eu ri involuntariamente.

  - Vamos, caras, com ou sem dor de cabeça temos que dar o fora daqui. – Minho nos apressou.

 Vi Thomas lançar um olhar a Brenda e ela devolver, ainda nada satisfeita, totalmente diferente da última vez que os vi juntos. Comecei a imaginar se teriam passado por tanta coisa quanto eu e Newt em tão pouco tempo.

  - Você está bem? – ele perguntou a ela. Troquei a perna em que apoiava meu peso com outro revirar de olhos e também encarei Brenda.

  - Estou. Vamos, quero ver Jorge.

 A tensão entre aqueles dois era palpável e Thomas definitivamente estava incomodado com algo. Mesmo a contragosto, caminhei até Minho e fiz sinal para que me seguisse escada acima e os deixasse sozinhos. Ele franziu o rosto como se não tivesse entendido, então apenas lhe dei um empurrão forte para fora da sala.

  - O quê? Ele não estava a fim da Teresa? – indagou sob o meu olhar irritado.

  - Você é um mértila, Minho.

 Entramos na sala outra vez e todos olharam para nós.

  - Não estavam lá? – Newt perguntou, ligeiramente espantado.

  - Estão subindo. – respondi.

 Assim que Thomas transpassou a porta, Newt e Caçarola foram até ele para dar os cumprimentos e fiquei no lugar deles, próxima dos prisioneiros. Conversaram por mais um tempo, trocando olhares nervosos e indagadores, e enfim Minho anunciou que estávamos de partida daquela cidade. Nenhuma das pessoas no chão fez que reagiria contra nós, principalmente depois que Minho os ameaçou.

 Começamos a sair, Jorge, Newt e Minho postados à porta para garantir que ninguém seria atacado por trás. Fomos nos reunir no beco e percebi que Thomas continuava cabisbaixo, e que Brenda fizera questão de ficar bem afastada. Pensei em perguntar o que afinal havia de errado, mas lembrei de sua dor de cabeça, e voltei minha atenção para o discurso que Minho ditava sobre matar qualquer Crank que aparecesse no nosso caminho para fora dali.

  - Faltam cerca de dois quilômetros. – dizia. – Esses Cranks não são tão difíceis de enfrentar, então vamos...

  - Ei!

 O grito partiu da porta, onde um homem loiro estava parado com o braço estendido e a mão firme ao redor de uma arma. Enfim, uma arma de verdade. Ainda que um desejo estranho de pôr as mãos nela me corroesse, não consegui prestar atenção nisso ao perceber que Thomas estava bem na mira do cano. Apertei o cabo da minha patética vassoura na mão, temendo que ele fizesse alguma coisa, e logo depois houve o disparo. Ouvi minha boca gritar o nome de Thomas, mas demorei a me situar do que acontecia, o zumbido do tiro preenchendo minha audição. O corpo de Thomas girou no lugar e ele caiu de cara no chão. Minho corria determinado na direção do homem enquanto eu me abaixava ao lado do antigo Corredor, minha respiração descompassada com os batimentos do meu coração.

 Newt se abaixou do outro lado e Thomas tinha a mão sobre o ferimento, que manchava sua camisa gradativamente com o sangue.

  - Me deem um pano! – gritei para o amontoado de garotos ao lado.

 Recebi uma camisa de Mike no instante seguinte e logo eu pressionei-a contra o furo na camisa de Thomas. Ele apertou os olhos e gritou, mas meus pensamentos estavam longe dali. Aquilo me desesperava, e o fato de me desesperar me colocava num turbilhão de desespero ainda maior. Eu não podia perder a cabeça. Eu nunca perdia. Mas meus olhos corriam pelo rosto de Thomas com fervor, alucinados, procurando na minha mente como se tratava daquilo, e não havia nada. Entre tudo o que eu já havia aprendido, ferimentos à bala não estavam incluídos.

  - Nelly. – Newt chamou e encontrei os olhos dele claramente atentos e significativos.

  - Eu não sei... Eu não sei... – repeti em murmúrios fracos, com certeza a pior frase que eu já me ouvira dizer. Senti meu corpo inteiro começar a tremer e o suor tomar conta dele, por isso pressionei o ferimento com mais força. – Thomas.

 Eu não sentia minha voz sair. Minha cabeça girava. Só o que eu sabia é que ele poderia ter uma infecção, e eu não possuía a maldita capacidade de resolver aquilo, mesmo depois de tudo que já tinha feito.

 Senti as mãos de Newt segurarem meus braços para me levantar e me afastar de Thomas. Ele dizia alguma coisa, mas os batimentos frenéticos do meu coração eram tudo que eu ouvia. Eu estava tremendo e senti as lágrimas umedecerem meus olhos. Alguns garotos abaixaram-se ao lado de Thomas e tudo de ruim que poderia acontecer com ele encheu minha cabeça, tão pesado quanto chumbo, e me vi remexendo os pés aleatoriamente no chão, inquieta.

  - Eu não sei... Eu não sei... – murmurei ainda várias vezes, desejando poder prestar atenção na cor amarela ao meu redor. Torci minhas mãos uma contra a outra, estalando as juntas, lembrando-me de tudo o que eu já havia aprendido. E tudo aquilo era inútil agora.

  - Nelly, acalme-se. – Newt disse.

  - Não... Não, eu... Newt, ele vai...

 Meu rosto se contorceu numa careta enquanto as lágrimas começavam a descer pelas minhas bochechas e eu sentia minhas mãos escorregando uma contra a outra. Eu não conseguia parar de andar para lá e para cá.

  - Ele vai ficar bem. – Newt disse e segurou uma das minhas mãos com energia, pondo a sua no meu rosto de modo que eu o encarasse. – Precisa se acalmar, não é sua obrigação saber de tudo. – ele olhou por cima do ombro por um momento, mas eu estava em pânico demais para ver por quê. – Jorge vai cuidar daquilo. Respire fundo e se acalme, ok? Logo vamos estar fora desse maldito lugar.

 Balancei a cabeça em afirmação, pondo toda a minha concentração nisso, ainda que os meus fortes batimentos quase me obrigassem a sair correndo dali. Newt continuou onde estava, encarando meus olhos com extrema atenção, e eu tentava sentir apenas o cheiro de livro novo ao meu redor. Era o segundo ataque de pânico que eu tinha em pouco tempo e isso me fazia pensar seriamente se eu não era uma espécie de ameaça para eles. 


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Notas finais do capítulo

Well, as coisas estão complicadas. Eu realmente acho que a Nelly tem o Fulgor...
O que acharam? Adoraria saber!
Espero que tenham gostado =3

Bjs!



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