Socorristas escrita por BlueBlack


Capítulo 18
Delírios sistematizados


Notas iniciais do capítulo

Olaaa!

Obrigada pelos comentários, amoresss! *-* Fico cada vez mais motivada a continuar, devo isso a vocês ♥
Espero que gostem do cap. ^^

Boa Leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/733980/chapter/18

Eu odiava admitir, mas a resistência física de Herman era a mesma que a minha, e depois de toda a pressão psicológica com o Conclave e ter sido tão agredido, não foi surpresa ele ter cansado de me perseguir pela Clareira. Contudo, isso passou longe de me tranquilizar.

 Não soube exatamente quando ele tinha cansado, eu passara tempo demais correndo sem olhar para trás. Mas entrei na Casa dos Mapas e me escondi no buraco na parede onde o Verdugo ficara escondido, sabendo que ninguém apareceria por ali até anoitecer novamente. O local fedia ao ponto de me deixar tonta e o cheiro de cobre da sala do lado de fora não ajudava. Além disso, minutos após me fechar ali com a estante na frente, vomitei tudo o que eu tinha comido, e foi mais um cheiro insuportável para me acompanhar noite adentro, sem contar o que eu já sentia, de gás de cozinha.

 Recolhi-me para um canto e senti ter sentado sobre o que deveria ser a gosma do Verdugo. Encostei minha cabeça na parede e tampei o nariz para não fazer barulho com os soluços do choro. Eu respirava pela boca, o que me fez perceber que eu nunca engoliria melhor todo o inferno que estava sendo ficar na Clareira. O momento formidável com Newt parecia ter acontecido há meses. De repente eu estava sozinha, fugindo, num lugar deplorável, agindo por impulso e medo, sem a menor vontade de encarar o que havia do lado de fora. Não me importava o quanto era necessário, parecia ser o mesmo que me jogar numa cama de pregos de propósito.

 Com o rosto banhado em lágrimas, meu peito doendo com o esforço para não fazer nenhum barulho, acabei adormecendo.

 O quarto da Sede estava banhado por uma iluminação incômoda com o início da noite do lado de fora. Eu queria desesperadamente acender a luz.

 Meu corpo suava e meus batimentos cardíacos me ensurdeciam. Não conseguia manter as pernas quietas com a tremedeira delas, nem queria. Queria correr para o mais longe possível. Alguma coisa ruim aconteceria. Alguma coisa extremamente ruim. A cor verde musgo correndo ao meu redor, dando a volta pelos meus braços e pescoço o tempo todo, enfatizavam meu mau pressentimento. Por que eu estava ali? Eu precisava sair dali.

 O quarto começou a girar, mas aquilo não era possível. Não podia ser real, por mais que parecesse. Algo estava errado. Encarei meu reflexo no espelho na parede e nenhuma imagem me perturbaria tanto. Meus olhos estavam fundos e com marcas escuras ao redor, e eu estava pálida como a morte. “Acalme-se, pare com isso”, pensei. Mas a forte sensação de um distúrbio na minha mente não passava. Por que não passava? Comecei a me sentir sufocada e tentei puxar o ar, mas ele parecia ter sumido completamente. Soquei a parede, na tentativa de fazer alguém ouvir e vir me ajudar. Acertei minha cabeça contra o vidro do espelho. Depois mais uma vez, e mais uma. Não aguentava me ver daquele jeito. “Apenas pare e respire”, meus pensamentos eram como sussurros indiscerníveis. “Eu estou no controle, só precisa parar”. Mas como fazia para parar?

 O sentimento crescia cada vez mais. Eu não estava segura, alguma coisa ia me pegar e me levar, fazer algo realmente ruim. Eu queria me mexer, mas não conseguia.

  — Acalme-se. – ouvi a voz de Herman dizer atrás de mim. — Acalme-se. Acalme-se.

 Eu fechei os olhos com a raiva que tentava dominar. Minha respiração se tornou pesada. “Por que ele está pedindo isso? Ele é a causa.”. O perigo estava ali, atrás de mim, palpável, e eu continuava sem conseguir me mover, apenas sentindo meu corpo inteiro tremer.

 “Beba água”. Como sempre, o instinto de Socorrista me dizendo o que fazer. Eu nem sabia como estava conseguindo pensar com um ataque de pânico daquele. Um copo com água estava na minha mão, e ela tremia tanto que todo o conteúdo expelia-se para fora. Que inútil... Movi minha mão bruscamente e o larguei, mas não o ouvi quebrar. Eu só queria ouvi-lo quebrar...

  — Acalme-se. – Herman repetia.

  — N-não... – tentei dizer, mas saiu apenas uma voz pateticamente trêmula devido aos meus batimentos cardíacos descompassados.

 Ele estava se aproximando. Ele faria alguma coisa comigo, provavelmente me apunhalaria. Por que diabos eu não me mexia?!

  — Não faça nada estúpido... – ele disse e segurou meu braço. Eu grunhi e me debati e senti minha mão desferir um tapa em seu rosto. Virei-me para ele, a tempo de vê-lo cravando uma faca em Thomas. — Não faça nada estúpido, Nelly... – repetiu.

 Thomas empalideceu muito rápido, seus olhos arregalados me encararam e a pele de seu pescoço retraiu-se como se ele quisesse dizer algo.

 Virei de costas outra vez, puxando o ar pela boca com guinchos agudos, sentindo o cheiro podre do sangue do Verdugo. Meu coração batia tão forte que doía. Aquilo precisava parar. Eu precisava sair dali.

  — Não faça nada estúpido... – Herman segurou meu braço outra vez e eu gritei enquanto me debatia.

 Eu me contorcia no chão antes mesmo que acordar. Minha mão estava arranhada, minha cabeça doía, meu corpo inteiro tremia e suava. Levantei-me para conter a adrenalina antes que eu tivesse um ataque ali mesmo. Andei de um lado para o outro, abanei as mãos, respirei fundo, ao mesmo tempo tentando ignorar o cheiro horrível que me invadia. Eu queria sair, empurrar aquela estante e sair. Mas não podia. Herman poderia estar me esperando do lado de fora. Eu não imaginava como, mas poderia. Mas, então, no que ajudava eu continuar aqui dentro?

 “Você está surtando. Pare. Você precisa parar. Nem o que você pensa está fazendo sentido”.

 Apoiei-me na parede com os punhos cerrados, trazendo para dentro o máximo de ar que eu conseguia. Meus olhos arderam com as lágrimas e não tive tempo de conter os soluços antes que viessem.

 Eu me perdi na imensidão de coisas ruins que passavam pela minha mente, que poderiam acontecer, que já tinham acontecido, que estavam acontecendo agora... Quem sabe Herman não tivesse feito um massacre durante a noite? Quem sabe, quando eu saísse, estaria de frente com ele, sozinha, e precisaria esquecer todo o meu sofrimento para fazê-lo pagar pelo que tinha feito?

 Não me importava se isso era impossível de acontecer ou o quão patético aquilo soava; alguma coisa precisava me fazer sair dali. Empertiguei-me e empurrei a estante para o lado, vendo a luz da manhã passar pelas janelas e as frestas das portas.

 Eu não tinha acabado de pensar no que eu faria quando abri a porta dos fundos devagar e espiei com cautela o lado de fora. Vi o rosto de alguém esgueirar-se para ver pela fresta e, assim que o reconheci, ele empurrou a porta de volta com uma força absurda e caí no chão com a cabeça estourando. Arrastei-me para trás enquanto esperava a dor se atenuar, meu coração batendo louco outra vez.

  — Você precisa parar... – falei enquanto me levantava, recuando na direção da porta da frente.

  — Não, você precisa parar! – Herman exclamou cuspindo e apontando. Havia uma faca em sua outra mão, os nós de seus dedos estavam brancos com a força que usava para segurá-la. — Acha que vou deixar você fazer isso comigo, obriga-los a me banir pelas suas paranoias?

  — Do que está falando? – minha voz saía quase trêmula.

  — Você causou tudo isso. Chegou primeiro e fez a cabeça deles. Sou vítima dos Criadores como todos vocês. Isso é injusto. Vocês são egoístas.

 O rosto dele estava mais do que deplorável, as horas que se passaram pareciam ter feito apenas mal. Seu olho estava roxo e vermelho, tão inchado que não abria. O lábio possuía dois cortes que sangravam enquanto ele falava. E o nariz... completamente torto e roxo na ponte... Só ele sabia o quanto ainda estava doendo. A compaixão por ele durou milésimos. Eu estava com medo, mas ainda tinha raiva.

  — Já basta os Verdugos, Herman, precisamos nos manter seguros. – falei. — Mas não espero que entenda, você pensa apenas em si mesmo.

  — E no que estava pensando quando fugiu do Conclave?! Ahn?! – ele gritou, uma careta assombrosa se formando. — Tem alguma razão para você querer ficar tanto assim, para ter feito o que fez comigo... Você sabe de muito mais do que diz lembrar!

  — Não fale bobagem e não finja que não sabe o que aconteceu no Labirinto. Acha certo que mantenham você aqui? Coloque a mão na consciência...

  — Mas não podem deixar você passar livre! – ergueu a faca, gesticulando. — Eu não pedi nada disso... – ele sussurrou, lágrimas pingando e sua boca salivando.

 Herman deu um passo à frente e agarrei a maçaneta da porta atrás de mim, puxei-a de uma vez, trazendo uma luz tão forte que seu olho bom estreitou-se e ele estacou no lugar.

  — Vai ter que me matar na frente de todo mundo então. – murmurei e voltei a recuar, enfim saindo da Casa dos Mapas e desejando que alguém estivesse perto.

  — Pare... – ele sussurrou, balançando a cabeça, a faca ainda erguida para mim. — Eu estava com medo... Eu estou com medo... Acabei de chegar...

  — Eu sei. Mas não pode entregar os outros no seu lugar toda vez que estiver com medo.  

  — Você é minha irmã... – ele avançou outro passo, alcançando a soleira da porta. As lágrimas não paravam de cair de seus olhos e sua mão tremia loucamente.

  — Um dia eu fui.

  — Eu te amo, Perenelle... Você deveria me entender...

 Balancei a cabeça em negação, os dentes cerrados para não chorar com a toda a onda de raiva. A falsidade era palpável nas palavras dele. E a faca ainda estava erguida. Como ele conseguia ser tão baixo?

  — Você é um maníaco... – afirmei com um sorriso nervoso.

  — EI! – um Clareano gritou e virei minha cabeça por um segundo para ver quem, quando Herman avançou brandindo a faca.

 Empurrei seu braço para longe e me afastei, recebendo um corte no braço e vendo-o apontar a faca para o garoto.

  — Fique fora disso. – Herman chiou e se virou para mim.

  — ALBY! NEWT! – o Clareano berrou e Herman voltou-se para ele com a faca novamente erguida.

 Eu agarrei seu pulso e atirei meu peso sobre ele, que caiu sobre o garoto e se virou para mim. O Clareano gritava para que saíssemos de cima dele e nós nos debatíamos pela posse da faca. Eu sentia que aquilo não acabaria bem, sentia um gosto forte de limão puro. Herman tentou desferir a lâmina contra mim, mas agarrei sua mão e de alguma forma o cabo escorregou dela, e sem que eu percebesse acertei o braço do garoto.

 Meu espanto foi tão grande que me distraí, e Herman acertou sua cabeça contra a minha, cercou meu pescoço com a mão e usou para me empurrar e me atirar no chão. Meu corpo bateu com tanta força que o ar se foi de repente e não entendi nada do que acontecia. Ergui meu joelho e por sorte acertei-o entre as pernas, mas não funcionou tanto. Debati-me o máximo que pude até bater em seu braço e ouvir a lâmina cair nas rochas do chão. Herman acertou um soco no meu maxilar; estrelas foi tudo o que vi. Toda a minha força pareceu ter ido embora com o golpe.

 Pude pressentir que ele se preparava para me acertar outra vez, quando seu peso me deixou e ele se afastou. Arrastei-me desesperadamente para longe, minha cabeça toda pulsando, com certeza prestes a explodir. Alguém lutava contra Herman, até conseguir imobilizá-lo. Eu não aguentava mais...

  — Nelly... – Newt de repente abaixou-se ao meu lado.  

 Minha mão trêmula encontrou a dele e apertei-a o que julguei ser o mais forte que eu conseguia, enquanto seu braço cercava meus ombros. Descansei a cabeça no peito dele, fechei os olhos e tentei controlar minha respiração com o fato de ele estar tão perto de novo.

 A tontura passou e pisquei algumas vezes antes de olhar para Herman. Minho era quem estava sobre ele, suas veias saltadas com o esforço, seu semblante irritadiço.

  — Acabem com isso de uma vez... – pedi ofegante e o Corredor me encarou, depois ergueu os olhos enquanto Alby e Gally aproximavam-se por trás de nós.  

 Newt me ajudou a levantar e, mesmo cambaleante com a absurda dor de cabeça que se apoderava, consegui ver o facão dele na outra mão. Todos os Clareanos haviam se aproximado e o garoto que atingi com a faca não estava ali.

  — O que aconteceu? – Alby perguntou.

  — O que aconteceu? É isso a primeira maldita coisa que você fala? Ele tentou matar dois de nós. – Newt disse com a voz trêmula de raiva. — Vocês! Ajudem Minho a coloca-lo no Amansador. Agora.

 Um Construtor agarrou o braço de Herman e ele e Minho ergueram-no com um puxão. Mais dois acompanharam-nos pelo caminho, mas não me dei o trabalho de virar para ver. Eu só queria deitar e dormir por vários dias.

  — Precisa parar de agir assim. – Newt disse caminhando até Alby.

 O moreno estava prestes a retrucar, quando Winston sobressaiu-se.

  — E quanto a ela? Ela enfiou uma faca no braço do Dan.

 Newt suspirou e passou os dedos pelo cabelo, erguendo o facão impacientemente na direção dele.

  — Não foi culpa dela, ok? – disse e olhou para os outros. — Voltem ao trabalho.  

 Um alarme perturbador soou por todos os lados da Clareira e me vi surda. Que droga estava acontecendo desta vez? Tampei os ouvidos e me encolhi, desejando sumir do mundo por bastante tempo. Os Clareanos saíram correndo e Newt pôs a mão no meu ombro ao passar por mim. Mais alguns segundos e reconheci o alarme: um Novato estava chegando. “Por favor, que não seja ninguém que eu conheça...”, pedi mentalmente, baixando as mãos devagar até me acostumar com o barulho e seguir para a Caixa.

 O alarme parou e um rangido abafado informou que o trolho havia chegado. Newt e Alby posicionaram-se de cada lado das portas, agarrando as maçanetas e puxando-as. “Por favor...”.

 A luz invadiu o pequeno espaço quadrangular e revelou um corpo inerte deitado. Uma garota. O cabelo extremamente escuro, o nariz arrebitado. Reconheci-a imediatamente como alguém das minhas lembranças. Alguém que me assistiu ser espancada... Deus, eu não aguentava mais...

 Meu peso cedeu sobre as minhas pernas e comecei a cair em direção à Caixa. Tentei agarrar alguém, mas meus sentidos se foram antes que eu conseguisse.

 

A primeira coisa da qual me lembrei foi de estar caindo e acordei assustada, sorvendo bastante ar e me sentando, agarrando-me à cama. Alguém parou ao meu lado com a mão no meu ombro e pude reconhecer o quarto da Sede.

  — Relaxe. – ouvi Mike dizer, mas me ocupei em olhar através da janela. Estava quase escuro. As Portas ainda estavam abertas.

  — Herman... – sussurrei e o encarei, meus olhos arregalados. Eu não sabia bem o que pensar.

 Mike não desviou o olhar, mas pareceu fazer esforço.

  — Estão tirando-o do Amansador agora. Vim ver se estava acordada para...

  — Eu quero ver. – repliquei imediatamente, arrancando o lençol que me cobria e saindo da cama com as pernas rígidas. Cambaleei ainda na soleira da porta, mas continuei andando, quase correndo para fora da Sede. Se tinha uma coisa que eu precisava presenciar era o Banimento de Herman; sentir que finalmente aquela parte do pesadelo tinha acabado. Era só disso que eu precisava.

 Avistei Minho e Jack segurando Herman pelos braços enquanto caminhavam em direção a uma das Portas. Alguns Clareanos seguravam longas varas perante a entrada, esperando que se aproximassem. Herman não se debatia muito contra as mãos dos Corredores, mas resmungava bastante.

 Mike pegou uma vara no chão e tomou lugar ao lado dos outros. Thomas segurava a sua, mas estava bem afastado, claramente sem a menor vontade de participar daquilo.

  — Está satisfeita, ahn? Vai poder continuar manipulando todos eles com os Criadores. – Herman cuspiu as palavras ao passar por mim e fiquei aliviada quando o atiraram no círculo de garotos; eu não precisava que ele piorasse as coisas para mim. — Fiz o que eu tinha que fazer. Não me arrependo por um só segundo. – sibilou, encarando todos ao redor dele com uma careta raivosa.  

  — Ótimo, nós muito menos. – Alby disse.

 Em seguida, os muros estrondaram ao começarem a se mover, mas ninguém se sobressaltou, todos encarando Herman com as varas apontadas. A respiração dele ficou descompassada, parecia juntar forças para lutar contra nós. Assim que me encarou, tomei uma vara largada no chão e apontei para ele, apertando-a com tanta força que doía. Quase dei um passo à frente para que ele fosse logo, mas me contive.

 Os muros começaram a ficar próximos e todos nós avançamos para que ele entrasse. Devagar, Herman começou a recuar, sem desgrudar os olhos de mim. A cada passo nosso, eram dois dele. A calma com que seu corpo reagia a tantas pontas afiadas e a aproximação dos muros era angustiante. Paramos perto da entrada e ele continuou recuando pelo corredor. Até que entrou de vez no Labirinto, faltando menos de um metro para a Porta fechar.

  — Durma com isso! – ele berrou para mim, e a última coisa que vi foram suas veias saltadas, o rosto vermelho e machucado, doentio de raiva.

 Os garotos permaneceram mais três segundos parados ali e começaram a se dispersar, e decidi fazer o mesmo; não quis que pensassem que eu me sentia culpada.

  — Por pouco, hein trolha? – Mike disse ao se aproximar com sua perna estalando.

  — De quanto foi a votação? – perguntei, tentando pensar em alguma outra coisa. Enfim eu entendia por que Herman tinha se dado o trabalho de ir atrás de mim.

  — Dois votos de diferença. Seu herói ali passou o dia inteiro tentando convencer os Encarregados a dar uma força.

 Ele olhou para Newt, que recolhia as varas e levava-as para um barracão de ferramentas dos Jardins.

  — Meu herói? – repeti com ironia e uma sobrancelha arqueada, quase rindo.

  — Estranho, não é? Heróis costumam voar... E o seu manca. – Mike forçou uma risada e me cutucou com o cotovelo. Eu revirei os olhos e os dirigi a Thomas; Chuck tinha acabado de se juntar a ele para a caminhada até a Cozinha.

  — O que é que ele tem? – perguntei ao notar o Corredor cabisbaixo e pensativo.

  — A nova trolha. A única coisa que ela disse foi o nome dele e que as coisas vão mudar, antes de entrar em coma.

  — Ela está em coma? – repeti incrédula, ainda mais surpresa por ter esquecido a garota.

  — E trouxe um bilhete simpático dizendo que ninguém mais vai subir.

  — O que mais?

  — Mais nada. Foi só isso. Eu tenho trabalho a fazer, não fico o dia inteiro me preocupando com quem sobe pra esse lugar.  

 Um murmúrio de conversas chamou minha atenção e pude ver Minho seguindo com um grupo para a Cozinha também.

  — Por que os Corredores não foram para o Labirinto hoje? – perguntei, temendo profundamente a resposta; as coisas já estavam estranhas, só faltava terem desistido...

  — Thomas me contou que Alby achou mais seguro ninguém sair da Clareira, o Fedelho poderia estar esperando para atacar alguém no Labirinto. Estavam separando grupos de busca para vocês dois quando Dan começou a gritar hoje de manhã e os vimos.

  — Tá... – assenti com a cabeça e pus a mão na testa, tentando pensar no que eu faria. – Vou ver a garota...

  — Não, não vai. – Mike me empurrou na direção contrária quando comecei a andar para a Sede. — Primeiro porque Alby e Newt não querem ninguém lá agora. E depois, cara, você está fedendo mais do que o nosso banheiro na Sede. E vai acabar morrendo de fome também.

 Ergui uma sobrancelha e cruzei os braços.

  — Está preocupado comigo? – indaguei sarcasticamente.

  — Anda logo. – disse com uma careta cansada e mais um empurrão.

 Meus pensamentos estavam turbulentos demais para pensar em comida ou banho, mas acabei cedendo e indo para os chuveiros.

 A Cozinha estava mais barulhenta que o comum com as mil conversas espalhadas por ali. Provavelmente a maioria estava aliviada que Herman tivesse sido banido, mas tentei ver algum rosto preocupado ou perturbado com o fato de que em questão de minutos ele seria atacado pelos Verdugos e teria um fim trágico. Em vez disso, encontrei apenas todos extremamente interessados em discutir o ocorrido e ainda mais a chegada da garota. Queria me surpreender com isso, mas, considerando que a maioria deles estava vivendo assim há dois anos, era compreensível.

 Thomas estava sozinho numa mesa com Chuck ao seu lado falando sem parar, enquanto o Corredor tinha o semblante tenso. Quis ir até ele e tentar dizer alguma coisa que o reconfortasse, que não era o único a estar perturbado com a garota; no entanto, achei melhor esperar até que Chuck não estivesse perto. Além disso, Newt acabava de chegar para conversar com ele.

  — Não vai sobrar comida para você. – Mike comentou e percebi que eu estava como um poste, parada no meio da Cozinha.

 O que aconteceu foi que Mike acabou dizendo que não sobraria comida para os outros. Assim que comecei a comer, não consegui parar mais, tão grande era a minha fome. Eu não lembrava direito por quanto tempo havia jejuado e nem queria pensar nisso; torcia muito para que fosse possível esquecer os últimos dias.

 Quando enfim terminei, percebi que Thomas e Newt não estavam mais na Cozinha.

  — Por que está tão preocupada com ela? – Mike indagou assim que avisei que iria ver a Novata.

  — Bom, é meu trabalho...

  — E?

 Ele parecia ter adquirido rápido a capacidade de saber quando eu queria dizer mais do que estava dizendo. Respirei fundo e voltei a me sentar para falar o mais baixo possível.

  — Ela estava nas minhas lembranças... e não de um jeito muito bom.

  — Vamos ter um terceiro Novato problemático, então?

  — Não, se ela continuar em coma. Mas duvido que tenhamos essa sorte, principalmente com o bilhete que ela trouxe. Os Criadores ainda estão mudando as coisas e, honestamente, não estou com um bom pressentimento.

 Mike revirou os olhos com um suspiro.

  — Uma mértila que suas intuições estejam sempre certas, não é?

 Balancei as sobrancelhas em concordância e, tirando minha segunda maçã de uma caixa, saí da Cozinha em direção à Sede.

 Subi as escadas para os quartos já ouvindo Thomas e Newt conversando, então segui o som até entrar na porta certa e ver Thomas afastando-se da cama muito rápido, derrubando um abajur no chão.

  — Mas que droga há de errado com você? – Newt indagou a ele.

  — Ela... Ela está falando comigo. Na minha cabeça. Ela acabou de dizer o meu nome!

 Franzi a testa para a cena mais estranha que eu poderia presenciar e esperei. Thomas encarava a garota deitada na cama com a expressão intrigada e curiosa, até que de repente cobriu as orelhas com as mãos e fechou os olhos com força.

  — Tommy, o que ela está dizendo? – Newt indagou, mas Thomas não pareceu ouvir. Em vez disso, correu para fora do quarto sem nem parecer notar a minha presença.

 Dei um passo na direção dele e abri a boca para gritar, mas não adiantaria; ele nunca parecera tão perturbado. E com certeza não era nenhuma doença que eu poderia curar.

 Fui atrás dele o mais depressa que pude e o vi embrenhando-se na mata do Campo-Santo. Ele parou na mesma área em que dizia ser o seu esconderijo e largou-se no chão, apoiando as costas na junção dos dois enormes muros.

  — Thomas...

 Ele olhou para mim e ficou claro que não queria companhia. Passou as mãos pelo cabelo e encostou a cabeça no muro, respirando fundo. Eu não sairia dali enquanto não o fizesse sentir-se menos estranho em relação à garota.

  — O que aconteceu?

  — Nelly... Olha...

  — Já sei que tem algo de errado com ela. Muito errado, aliás. Mas precisa me contar o que foi aquilo.

  — Não é o único problema...

 Ele massageava os punhos cerrados claramente nervoso, encarando o chão e se balançando.

  — E-eu não sei, talvez seja. Ela falou comigo, na minha mente. Mas... e-ela está em coma e isso nem é possível.

 Thomas olhou para mim, obviamente esperando que eu desse uma explicação detalhada de como telepatia podia existir, e me senti extremamente mal ao perceber que eu não tinha as respostas.

  — Isso não é uma doença, Thomas.

 Ele revirou os olhos com um sorriso nervoso.

  — Me sinto muito melhor. – ironizou.

  — É, muros de cem metros de altura se movendo sozinhos e Verdugos fazem muito mais sentido que telepatia. – repliquei da mesma forma.

 Ele umedeceu os lábios e balançou a cabeça. Depois de tudo o que acontecera, eu não me surpreendia com mais nada que os Criadores inventassem. Sentei-me na sua frente com as pernas entrecruzadas e suspirei.

  — Também conheço ela, Thomas. – disse, e ele me encarou imediatamente. — Ela estava nas minhas lembranças da Transformação... E... Por favor, não me chame de maluca ou obcecada... Mas acho que ela é tão de confiança quanto Herman era.

 Thomas relanceou para mim desconcertado e pareceu ficar agitado de repente, passando as mãos pelo rosto várias vezes com longos suspiros. Contei a ele a posição dela na lembrança e não teve muita conversa depois disso, o que entendi ser a minha deixa para sair logo.

 Eu não sabia se tinha conseguido fazê-lo sentir-se menos culpado, mas com certeza me sentia muito pior por ter admitido daquele jeito conhece-la. Talvez eu realmente estivesse ficando maluca e paranoica, inventando motivos para não confiar em mais ninguém. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

*A fala do Mike, sobre heróis costumarem voar e o da Nelly mancar, eu tirei de um imagine do Pinterest que se referia ao Newt mesmo, só não vou saber dizer exatamente quem é o autor.

Bem, quem mais acha que a Nelly está realmente pirando?
E o que acharam do Banimento do Herman?
Comentem, vou amar saber a opinião de vocês!

Até o próximo, bjs! ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Socorristas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.