Retorne Ao Remetente escrita por Mandy-Jam


Capítulo 5
Dancing With Myself


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada a todos que estão lendo e acompanhando. Vocês são lindos!

Boa leitura!



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HERMES

 

— Então, o que te trouxe aqui? – Perguntou Jenny, segurando a caneca de café quente. Encolhi os ombros, tomando um gole da que eu mesmo tinha pedido.

— Não consegui dormir. – Respondi, fingindo que vê-la nunca esteve nos meus planos – Passei a noite em claro, e achei que um café cairia bem.

— Eu também passei a noite em claro. – Ela concordou com a cabeça e ajeitou uma mexa de cabelo para trás da orelha. Olhei seu rosto com atenção e vi que as olheiras dela estavam escondidas quase que perfeitamente por maquiagem – O que estava na sua cabeça?

— Eu… – Parei de falar. O que eu poderia responder para ela? Seus grandes olhos azuis esperavam por uma resposta, com o mesmo brilho que tinham ontem. Resolvi dar à mortal uma chance. Se ela risse de mim, eu poderia transformá-la em uma minhoca e esmagá-la com a sola do meu tênis – Você sabe a internet?

— Se eu sei… – Ela franziu o cenho – Ahm, sim. Eu sei da internet. O que tem ela?

— Eu inventei. – Contei – E eu acho que é o futuro.

Ela riu e eu senti meu sangue começar a ferver.

— Você definitivamente não inventou a internet. – Disse com humor. Cerrei minha mão em um punho, mas ela prosseguiu sem perceber – Mas quanto a parte do futuro, é verdade.

— Quê? – Aquilo me pegou de surpresa.

— Você sabe como a minha avó fazia para mandar mensagem para alguém? Ela escrevia uma carta, e tinha que ser uma bem longa, contando tudo que ela queria, porque ia levar uns tantos meses para chegar na casa da pessoa. Tipo, como assim? – Ela falou rindo – Eu mando um e-mail e chega na hora.

SIM!— Exclamei entusiasmado e um pouco alto demais – Sim, ele chega!

As pessoas olharam para nós com expressões de incomodo, mas eu as ignorei.

— Então, meus irmãos e meu pai são uns babacas. – Contei empolgado – Eles acham que a internet é ridícula e que ela não funciona…!

— Como assim, não funciona? Cara, dá um tempo. Ela foi criada agora há pouco. – Falou. Eu soquei a mesa de tanta empolgação. Jenny deu um pequeno pulo de susto, seu café balançou e derramou um pouco na mesa, mas ela logo prendeu o riso vendo a cena com bons olhos.

— Meus deuses, você…! Você é tão iluminada! – Elogiei satisfeito por pelo menos alguém reconhecer o meu esforço, sem nem mesmo precisar ser ameaçado de morte.

— É, todo mundo me chama assim. Jenny, a iluminada. – Ela mexeu o dedo indicador para mim e falou – Redrum, redrum, redrum.

Franzi o cenho sem entender a referência.

— Ah meu deus, você não viu esse filme? – Ela ergueu as sobrancelhas, surpresa – O Iluminado? Lançou há uns 6 anos, mas nossa, é muito bom. – Eu inclinei a cabeça para o lado – O do garotinho esquisito e do pai assassino. De terror.

Por um instante, suspeitei que esse filme pudesse ter sido feito inspirado na minha existência e em meu pai. Resolvi rir casualmente e imitar o movimento de dedo dela.

— Claro! Eu esqueci completamente! – Menti dando uma risada – Redrum, redrum, redrum.

Jenny riu e voltou a tomar um gole do café.

— De qualquer forma, a internet vai crescer, sabe? É o futuro. Computadores, internet, tudo isso vai fazer a vida das pessoas melhor. – Continuei explicando para ela – Sabe qual é o próximo passo da internet? Eu pensei nisso ontem. As pessoas vão poder criar as suas próprias páginas de informação, e vão ter páginas que vão ser só para buscar informação. Aí você vai poder fazer uma pergunta, por exemplo, sei lá. Faz uma pergunta agora.

— Uhm… Fantasmas existem? – Perguntou ela.

— É claro que existem. – Respondi achando a pergunta simplória demais, para só então considerar o fato de que mortais não costumavam ter conhecimento disso – Ahm, de qualquer forma. Se você digitar essa pergunta, você vai achar respostas para ela. Qualquer pergunta, na verdade!

— Que nem um oráculo? – Disse tomando café. Parecia que ela tinha me acertado no estômago.

— Não. – Respondi grosso – Não como um oráculo. Você tinha mesmo que estragar o meu momento?

— Uau. – Ela abaixou a caneca de café devagar, surpresa com a minha reação rude – Oráculos não dão as respostas para as perguntas? Não era isso que o pessoal fazia há uns milhares de anos atrás?

— Você já leu algum livro sobre esse pessoal de milhares de anos atrás? – Perguntei, erguendo uma sobrancelha.

— Eles costumam ser bem chatos. – Respondeu ela – Eu abandonei a Ilhada antes da metade.

— A Ilíada. – Corrigi achando aquilo absurdo. Respirei fundo para manter o foco – Se você tivesse lido mais sobre essa época, ia ver que os oráculos só falam poeminhas esquisitos e nunca respondem diretamente a sua pergunta. A internet não. Ela vai responder diretamente.

Eu podia ver nos olhos dela que Jenny poderia contestar o que eu disse, como se aquela mortal tivesse dentro de si uma força muito grande para se sustentar em discussões. No entanto, ela esticou-se para frente e sorriu para mim.

— Você parece apaixonado. – Comentou. Eu sustentei o seu olhar e senti meu rosto arder um pouco. Achando-me um idiota por permitir que uma mortal provocasse isso em mim.

— Não estou. – Neguei como uma criança faria.

— Não é uma coisa ruim. – Falou ela – Ainda mais na França.

Não queria que ela se aproximasse demais, por isso resolvi me esquivar. Estiquei minhas costas na cadeira, afastando-me o máximo que consegui de Jenny sem parecer proposital.

— O que você gosta de fazer além de tirar foto? – Perguntei olhando para o balcão do café.

— Eu gosto de dançar. – Respondeu – Gosto de cinema…

— Dançar? – Repeti olhando para ela. Sem conseguir me conter, soltei uma risada – Dançar, mesmo? Você não parecer ser do tipo que dança.

— Toda noite. – Ela confirmou com a cabeça e eu ri novamente, achando que era uma de suas piadas. No entanto, ela permaneceu neutra. Ajeite-me na cadeira e analisei-a novamente.

— Você está falando sério? – Perguntei.

— Estou falando sério. – Confirmou – Você não dança?

— O quê? – Eu ri ainda mais – Não. Eu não danço. Isso com certeza não é para mim.

— Por quê? – Questionou franzindo o cenho – Dançar é para todo mundo.

Como eu ia explicar que não era? Vejam bem, crianças. Têm dos tipos de pessoa quando o assunto é dança: têm as pessoas que sabem dançar ou que não sabem, mas até que se ajeitam em uns passos tímidos. E tem as que dançam fora do ritmo como se tivessem tendo uma convulsão – sim, essas foram as exatas palavras de Apolo para me descrever.

— Eu tenho dois pés esquerdos. – Falei e ela revirou os olhos. Eu não sabia se aquilo significava que ela me achava um idiota por não saber fazer algo tão simples quanto dar um passo para o lado e outro para outro enquanto uma batida tocava, ou se ela estava discordando da minha falta de habilidade. De qualquer forma, fui tomado por um pouco de insegurança.

Vou contar um segredo, mas se vocês espalharem por aí, eu mato vocês: Deuses se importam com o que os mortais pensam deles. É claro que nos importamos. Nós temos uma imagem a preservar e queremos adoração. Queremos que os mortais olhem para nós com aqueles olhos arregalados pensando “esse é o cara”.

Quando Jenny revirou os olhos, meu orgulho de Deus entrou em ação. Eu tinha que ser impressionante, tinha que fazê-la ficar admirada.

— Bem, quero dizer. – Eu ri de forma desdenhosa – Eu não danço com amadores.

As sobrancelhas dela se ergueram, o que para mim foi um sinal de que eu estava indo pelo caminho certo.

— Eu estava sendo modesto antes, é claro. Não queria constranger você, mas eu danço em umas festas por aí o tempo todo. – Esperei a reação dela. Jenny sorriu para mim.

— Eu vou a uma hoje a noite. – Contou. Novamente, ela não disse mais nada além disso. Não me convidou, só deixou a informação solta, esperando que eu a agarrasse como fizera com a do café.

— Mesmo? – Falei. Meu erro foi olhar naqueles olhos azuis encantadores, pois minha boca se abriu sem meu controle e as palavras saíram sozinhas – Eu também.

 

***

 

Aqueles que dizem que Atena sempre tem um plano, nunca me viram em uma situação de desespero. Montar planos para salvar minha pele imortal era o que eu mais fazia. De volta em meu templo, depois de me despedir de Jenny – que saíra com pressa, pois perdera a noção da hora – eu estava novamente cercado por papéis espalhados.

Dessa vez, eram páginas e mais páginas de revista de música. Eu precisava saber o que os mortais ouviam, o que eles dançavam. Em meio a tanta informação nova, percebi que eu não conhecia quase nada sobre a cultura deles.

— Quem é Billy Idol, pelo amor de Zeus? – Falei nervoso. A festa, de acordo com Jenny, começaria por volta das 22 horas. Eu tinha o dia inteiro para aprender a dançar tudo aquilo e não acabar passando vergonha.

Sozinho seria impossível. Juntei todas as revistas de música, e corri o mais rápido que pude pelos caminhos do Olimpo. Desviei de ninfas, de semideuses e até de alguns deuses menores que tentaram me parar para pedir favores. Soquei a porta do templo de Apolo como um desabrigado buscando um teto em uma noite de tempestade.

Ela se abriu para mim e eu entrei sem pensar duas vezes.

— Apolo! – Chamei – Apolo! Aparece logo!

É bom que seja sobre as minhas flechas, pirralho.— Respondeu ainda de mau humor. Típico! Apolo era sempre tão dramático quando as coisas não iam do jeito que ele queria.

Ao aparecer no corredor, meu irmão me viu equilibrando as revistas nos braços. Seu cenho se franziu, estranhando-me.

— Hermes, o que é isso? – Indagou, nada simpático.

— Eu trouxe isso para você. – Menti jogando tudo em cima de uma mesa larga que tinha no cômodo. Ele se aproximou aos poucos, como se tivesse medo de ser uma pegadinha – Eu achei isso depois de uma faxina, e achei que você gostaria de guardar. Olha só quanta coisa interessante… Olha! Billy Idol. Você não gosta do Billy Idol?

Ele ficou sem reação por alguns instantes.

— Gosto. – Respondeu por fim.

— Pois é, diz aqui que o cara manda bem. – Assenti com a cabeça abrindo uma revista aleatória – Mas eu nunca ouvi nenhuma música dele, então acho que…

O quê?!— Disse chocado, finalmente caindo na minha armadilha. Apolo arregalou os olhos para mim – Três palavras, Hermes. Dancing with myself.

Cocei o queixo fingindo lembrar, e neguei com a cabeça.

— Não… Nada. – Dei de ombros e vi o irmão despencar. Ele pegou a revista e folheou rapidamente até abrir em uma página inteiramente ocupada pela foto de um homem loiro de cabelo espetado, jaqueta preta e acessórios com espinhos de prata. Lembrava-me vagamente de Ares, quando ia em uma convenção anual de motoqueiros – É ele?

— Sim, é ele! Um dos maiores ícones da música dessa geração! – Quase gritou isso para mim – Ele, Michael Jackson e… Deuses, não me diga que você não conhece Michael Jackson!

Apolo jogou a revista para cima, bufando. É claro que eu conhecia Michael Jackson, mas eu queria que meu irmão se sentisse praticamente obrigado a me mostrar tudo sobre esses tais ícones. Se tinha uma coisa que ele gostava era de mostrar que sabia de algo.

Quando Elvis começou a fazer sucesso, Apolo marcou uma reunião com todos os deuses para explicar o quanto era importante dançar do jeito certo. Passou quase uma hora dançando as músicas do rei, fazendo movimentos pélvicos que deixou Deméter constrangida, mas nem por um segundo se sentiu ridículo por isso.

— Então os mortais gostam desses caras? – Falei fingindo pensar sobre o assunto – Você conhece os passos deles?

— Se eu conheço? – Repetiu de um jeito esnobe, e sumiu no corredor rapidamente. Voltou carregando uma pilha de cd’s e discos. Pegou um deles e colocou para tocar. Ao som de Beat it, Apolo apontou para o som – Esse é Michael Jackson. Ele dança bem, com certeza, mas eu ensinei para ele quase tudo que ele sabe. Observe.

Com extrema facilidade, ele começou a dançar seguindo o ritmo. A coreografia não parecia tão difícil quanto eu imaginei que seria, mas eu tinha certeza que não conseguiria reproduzi-la com a mesma graça que meu irmão conseguia. Em uma parte, ele começou a fazer um movimento com os braços que me lembrou uma galinha.

Passei a mão pelo rosto, imaginando o papel de idiota que eu faria se dançasse isso na frente de Jennifer Kelly. Respirei fundo e sorri para ele.

— Uau, isso foi incrível. – Elogiei, e ele sorriu de volta.

— É claro que foi. – Disse satisfeito e depois colocou outra música – Agora esse é Billy Idol. Não tem uma coreografia própria, mas eu tomei a liberdade de fazer alguns passos de acordo com a letra.

— É claro que tomou. – Concordei com a cabeça, enquanto ele começou a dançar. O desespero me tomou conta. Eu não conseguiria aprender isso até de noite. Imaginei Jenny revirando os olhos, desapontada, da mesma forma que fizera no café. Eu não podia deixar aquilo acontecer, eu tinha que provar para aquela mortal que eu era mesmo incrível – Certo, então é assim?

Eu resolvi tomar coragem e dar um passo para frente, tentando imitar os passos de Apolo. Ele fez uma careta para meus movimentos.

— Não, não. Você está fazendo errado! – Reclamou – Francamente, Hermes. Vai destruir a minha coreografia desse jeito!

— Eu estou tentando! – Rebati com irritação – Se você é tão bom assim, deveria ser capaz de passar esse conhecimento para qualquer um, não é?

Ele pensou no assunto, ainda com uma cara de incomodo.

— Bem, eu suponho que sim. – Ele olhou para mim novamente – Mas talvez algumas pessoas simplesmente não tenham jeito.

— Vamos fazer um acordo? – Perguntei colocando as mãos na cintura – Você me ensina esses passos, e eu vou pessoalmente pegar suas flechas de volta no Alasca.

— Tá. – Concordou – Mas você vai de sunga.

— O quê? – Perguntei sem esperar ouvir aquilo.

— Quero que você sofra, seu miserável. – Respondeu quase rosnando – Depois do que você fez, espero que o frio congele suas pernas e você tenha que cortá-las fora.

Sim, essas declarações de ódio eram comuns no Olimpo. Não se assuste.

— Minhas pernas vão sobreviver. – Respondi. Ele virou-se para mim mais uma vez antes de ir trocar o disco.

— Então talvez eu tenha sorte e você tenha que amputar seu pênis. – Ele riu da piada antes de contar – Não que você use ele, de qualquer forma. Talvez nem vá sentir falta.

— Cala a boca e começa a dançar.

 


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Notas finais do capítulo

Essa fic está sendo muito divertida de escrever. Espero que vocês estejam se divertindo ao ler também!
Beijos e nos vemos nos reviews!



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