Sempiterno escrita por Sarah


Capítulo 6
6º Ano




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/732155/chapter/6

Remus tinha a expressão de alguém que carregava a lua cheia no estômago enquanto Sirius acompanhava-o até a enfermaria. Faltava pouco para que a fase da lua mudasse, e ele parecia estar lutando para se manter inteiro até lá.

— Você precisa de ajuda? — Sirius ofereceu quando estavam a alguns corredores da ala hospitalar.

— Não, tudo bem — ele negou, tomando fôlego, mas no instante seguinte cambaleou um pouco e Sirius passou o braço por sua cintura, esforçando-se para ignorar a agonia que o toque causava.

A pele dele estava terrivelmente pálida, havia olheiras sob os seus olhos e seus cabelos castanhos estavam opacos. Sirius tinha muita certeza de que o vergão vermelho que cortava sua clavícula, apenas semi cicatrizado, voltaria a se abrir depois dessa transformação. Em comparação com qualquer uma das meninas com quem Sirius costumava sair, Remus parecia apenas doente.

Mesmo assim Sirius ainda imaginava os ossos dele, quase afiados, contra a sua carne, os lábios de Remus presionados sobre a curva do seu pescoço e o calor da pele dele, e esses pensamentos eram uma traição, pois devia ser tudo sobre amizade, porém cada vez que jogava os braços sobre os ombros de Remus ou o ajudava com um curativo estava tomando dele mais do que o lobisomem estava disposto a dar.

Sua família o mataria se soubesse sobre aqueles desejos, mas, pior que isso, talvez James também o fizesse. E Remus provavelmente se sentiria enojado. Seu estômago doía toda vez que esses pensamentos afloravam.

Pararam em frente à porta da enfermaria, onde Remus encontraria Madame Pomfrey, para então ir até o Salgueiro. Ele tinha os dentes trincados e o cenho ligeiramente franzido, como se esses gestos fossem impedir o lobo emergir. No entanto, ao notar seu olhar consternado, Remus sorriu.

— Vejo vocês mais tarde?

— Assim que Madame Pomfrey sair. Vamos tentar chegar antes da transformação.

Remus aquiesceu, e Sirius se deu conta de que deveria soltá-lo. Afinal, foi Remus quem alongou o momento, correndo as mãos pelo seu braço em um gesto de despedida que tanto podia ser uma provocação amigável quanto uma carícia.

— Até mais, Padfoot — ele sussurrou, uma ponta de burla transparecendo através da sua voz.

Sua língua estava muito seca, e antes que pudesse dizer qualquer coisa Remus sumiu pela porta da ala hospitalar. 

Sirius conteve sua angustia por alguns passos, mas era óbvio que nunca seria tão bom naquilo quanto Remus. Ao virar um corredor a raiva que sentia de si mesmo o engolfou, e ele socou a parede, fazendo um dos quadros chiar.

— Sim, quebrar os dedos da mão e causar dano à propriedade da escola vai resolver tudo.

Sirius ignorou a pintura de uma moça loira e olhar insolente, deixando-se escorregar para o chão. Céus, sentia-se tão perdido. Regulus ia obter a marca negra mais cedo ou mais tarde — Sirius ouvira Bellatrix dizendo que era uma estupidez esperarem até ele ser maior de idade e não tinha certeza se seus pais haviam ou não concordado com ela. Não suportaria perder James, Remus e Peter também. Ao mesmo tempo, Remus precisava dele para as transformações: não podia colocar aquela amizade a perder quando era tudo o que ambos tinham.

Quando finalmente ouviu o farfalhar das vestes era tarde demais, e Snape o encarou de cima. Sirius não soube realmente como aconteceu, mas algumas provocações estúpidas depois seu mundo havia desabado.

.

.

.

Sirius tinha consciência de que não era justo estar ali quando Remus não poderia furtar-se da sua presença, mas de outra forma achava que jamais teria uma chance.

Era a segunda lua cheia desde que mandara Snape para o Salgueiro, e Moony não tinha se dignado a falar com ele desde então. Por sua vez, James não conversara com Sirius mais do que o essêncial, e pacera culpado quando, sem querer, perguntara se ele poderia passar a travesssa de batatas assadas. 

Não achava que as coisas pudessem ficar muito piores, então não se sentira realmente culpado ao roubar a capa da invisibilidade. De qualquer forma, Remus percebeu quando Sirius entrou no cubículo da enfermaria que ele ocupava. O lobisomem conhecia bem demais aquele subterfúgio — ou talvez estivesse esperando-o.

Ainda coberto, Sirius se aproximou da cama dele, e Remus encarou o espaço vazio onde ele estava.

— Posso sentir seu cheiro, Sirius, vá embora.

Oh, Sirius também podia sentir o cheiro dele, e Remus cheirava a sangue. Seu torso estava desnudo a não ser por uma espessa camada de curativos, que já começava a se tornar rosada. Os lábios dele estavam partidos, e Sirius jamais o vira tão cansado.

Deixou que a capa deslizasse para o chão e, subitamente, sentiu-se muito consciênte de si mesmo e muito exposto, ali parado, iluminado pela luz da lua minguante que entrava pela janela da ala hospitalar. 

— Você está bem? — Era uma pergunta estúpida, mas ele tampouco sabia como começar, ou mesmo o que exatamente fora fazer ali.

— Vá embora, Sirius — Remus repetiu, em um tom mais perigoso dessa vez.

Quando ele se moveu uma série de arranhões em seus braços tornaram-se visíveis. Remus não tinha deixado que ele, James ou Peter o acompanhassem durante essa transformação, e Sirius julgara que era porque ele sabia o quanto aquilo o torturaria, mas naquele instante compreendeu melhor as razões dele. Remus estava repleto de raiva, e o furor por carne que ele despertara mandando Snape para a Casa dos Gritos não tinha desvanecido ainda. O lobisomem estivera especialmente furioso e provavelmente teria sido perigoso mesmo para suas formas animagas.

— Você precisa me perdoar — disse com um fio de voz, para logo em seguida perceber que aquela não havia sido uma colocação adequada.

— Não quero conversar sobre isso, Sirius, eu já disse a você.

— Eu não queria que as coisas tivessem sido assim...

A dor nos olhos de Remus foi pior do que tudo o que ele vinha experimentando até então. Ele pareceu hesitar por um instante, mas então tomou fôlego, e Sirius percebeu que estavam ambos na beira de um precipício. Qualquer equilibrio que Remus tentara manter estava prestes a ruir.

— Você ter se transformado em um animago não permite que você faça o que quiser comigo, Sirius! Se você achou que estaria sempre tudo bem porque eu devo isso a vocês, eu sinto muito, mas eu ainda tenho o direito de estar com raiva, eu ainda tenho direito de odiar você!

Dentre tudo, Sirius não esperava por isso.

— Você não deve nada para mim ou para o James...

— Por que, Sirius? — ele finalmente perguntou, a angustia torcendo suas palavras. — Por que me tratou como uma peça em um jogo? Eu realmente acreditei que era mais do que isso.

Sirius não tinha uma reposta. Não poderia haver uma razão, e ele nem se lembrava de como havia chegado tão longe, apenas da raiva correndo em suas veias.

— Snivellus me chamou de bicha — ele falou de repente, sem saber direito a razão de estar contando aquilo.

Remus franziu o cenho.

— Essa é a sua resposta? Acha que essa afronta estúpida justifica o que você fez?

— Não! — Sirius se apressou em negar, para então se dar conta de que não conseguia dissernir a expressão de Remus porque seus olhos estavam cheios de lágrimas. — Eu acho que ele está certo, Moony.

Os olhos de Remus se arregalaram, e seus lábios se partiram ligeriamente em surpresa. Era quase um alívio ver sua expressão de raiva desfeita.

— Você é gay?

Tudo o que Sirius conseguiu oferecer em resposta àquilo foi um aceno afirmativo.

— Eu estava com tanta raiva e com tanto medo, Remus. E o Snivellus insinou coisas... Eu não sei o porquê fiz aquilo, eu não pensei. Achei que iria perder a amizade de vocês de qualquer forma, então não importava...

— Você ficou ao meu lado quando descobriu que eu era um lobisomem, por que achou que iamos ligar para isso?

Céus, ele não pretendera ir tão longe, mas as palavras fluiram quase alheias a sua vontade:

— Por que eu gosto de você.

Não houve o nojo que ele esperara. Em vez disso, a mágoa de Remus pareceu se acentuar.

— Maneira estranha de demonstrar.

Sirius não pôde negar isso, então ele apenas ficou ali. Remus o fitou por um longo instante, impassivel, mas em seguida passou a mirar as próprias mãos, ajeitando as tiras de um curativo que envolvia sua palma esquerda.

— Você ainda vai me perdoar?  — Sirius perguntou quando achou que não poderia mais suportar aquele silêncio.

Na semi-escuridão, demorou um segundo até que ele percebesse que Remus estava assentindo.

— Eventualmente. Apenas me deixe sentir raiva durante mais um tempo.

Aquilo provavelmente é mais do que ele merecia, e Sirius não contestou. Em vez disso tornou a se cobrir com capa da invisibilidade e deixou Remus sozinho, sem dizer mais nada, disposto a esperar.

.

.

.

Levou semanas até que Remus realmente voltasse a mirá-lo, e mais ainda até que tornassem a se falar de verdade. As coisas com James haviam se acertado com mais naturalidade e mais facilmente, mas isso não era uma surpesa, porque, bem, era James, e às vezes Sirus desconfiava que os dois partilhavam o mesmo coração — ou ao menos partes dele.

Com Remus tudo era mais delicado. Nenhum dos dois mencionara nada a respeito da conversa na enfermaria, nem entre si nem com James, e Remus vinha fazendo um ótimo trabalho em ignorar que Sirius dissera que gostava dele.

Na lua cheia seguinte ele permitiu que James e Peter o acompanhassem durante a transformação. Sirius nem mesmo perguntara se podia ir, em vez disso ficara a noite inteira acordado, imaginando se o lobisomem estava bem e remomendo a própria estúpidez. Quando amanheceu viu James trocar os curativos de Remus e teve que suprimir a terrível angustia por não ser ele a fazer aquilo.

Ainda assim, algumas vezes Sirius o pegava olhando-o meio de esguelha, de uma forma que fazia com que ele corasse, e tinha a esperança de que isso sigificasse alguma coisa.

— Você não está comendo direito, Moony. Eu posso ver vocês separando as cenouras — disse distraidamente, durante um almoço, e então lá estava aquele olhar.

Só então Sirius se lembrou que havia perdido o direito a fazer aquele tipo de comentário. Remus pareceu tão constrangido quanto ele, porém antes que o lobisomem tivesse a chance de dizer alguma coisa Sirius voltou o olhar para o próprio prato. Ouviu Remus bufar, e pelo canto do olho pôde vê-lo enfiar uma cenoura na boca e fazer uma careta em seguida. O resto da refeição passou em silêncio e Sirius não percebeu o gosto de nada que enfiou na boca, mas sentiu o olhar de Remus sobre si por um longo tempo, sem coragem de encará-lo e saber se algo realmente havia mudado entre os dois.

Horas mais tarde Remus sentou-se ao seu lado na sala comunal da Grifinória, sem dizer nada. Sirius o fitou com desconfiança. Remus vinha evitando ficar no mesmo cômodo que ele e parecia uma eternidade desde que haviam estado tão perto um do outro. Esperou que ele fosse se afastar quando percebesse que Sirius também ocupava aquela poltrona, mas, em vez disso, Remus apenas tomou um livro nas mãos.

A presença dele pinicava sua pele, mas Sirius fez o melhor que pôde para imitá-lo, fingindo estar concentrado no seu dever de transfiguração. Seguiram daquela forma, ambos muito conscientes da proximidade um do outro, até que a sala comunal estivesse quase deserta. Quando um grupinho de segundanistas subiu para os dormitórios, deixando sala comum apenas para os dois e para um trio do quinto ano que estudava para os NOM’s em um canto, Remus finalmente baixou o livro. Quase como um reflexo, Sirius fez o mesmo com os seus exercícios.

— Eu estou cansado, Sirius. — Sirius o fitou, mas antes que pudesse perguntar algo Remus prosseguiu. — Estou farto de sentir raiva, a fúria da transformação é o suficiente, eu vou enlouquecer se continuar sentindo isso o tempo todo.

— Eu sinto muito — disse, sem saber o que poderia oferecer além daquilo.

De qualquer forma, o outro não deu atenção ao seu pedido de desculpas.

— Você ainda gosta de mim? — ele lançou sem aviso, e Sirius engasgou-se com a própria respiração.

Remus o fitava com uma expressão firme, e seus dedos cravados na borda da poltrona eram a única coisa que denunciava algum nervosismo. Sirius sentiu que todo sangue do seu corpo havia fluido para as faces, no entanto aquele não era um momento para ser covarde.

Acenou em um gesto afirmativo.

— Sim, eu gosto de você — falou em um único fôlego. — Eu é que sou o monstro, Remus — completou com um sorriso amargo, o primeiro que se permitia em dias.

Remus o contemplou com uma expressão dolorida e avaliativa, e, então, para a surpresa de Sirius, estendeu a mão e tocou seu rosto, correndo os dedos por sua bochecha carinhosamente.

— Não fale assim. Se você é um monstro o que isso faz de mim, Padfoot?

Sirius levou um instante para entender o que ele quisera dizer, e só teve certeza realmente quando Remus buscou sua mão e entrelaçou os dedos nos seus. Mesmo assim, achou que era prudente confirmar.

— Isso significa que você me perdoa? — lançou, esperando que fosse um pouco mais do que isso.

Remus fez que sim com a cabeça.

— E que eu gosto de você. E que eu sou um idiota.

Sirius ainda não tinha muita certeza sobre onde aquilo os levaria, mas saber que Remus gostava dele também encheu seu peito de calor. Tinha permissão para estar junto dele, podeira tocá-lo e estar lá durante a lua cheia, e — céus — não era o único a ter aqueles sentimentos.

— Todo mundo sempre soube que sua sensatez era um farsa, Moony — disse, estreitando o aperto sobre a mão dele.

Remus sorriu, e então se deixou recostar em o seu ombro. Ficaram daquela forma durante quase toda a noite, apenas juntos, e de alguma forma pareceu que tudo ficaria bem.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sempiterno" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.