Sempiterno escrita por Sarah


Capítulo 5
5º Ano




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— Hey, Moony — Sirius chamou, mas Remus apenas murmurou alguma coisa ininteligível e cobriu o rosto com a coberta.  — Acorde.

— É cedo, Sirius, e é sábado — disse, fazendo um esforço para afundar ainda mais no travesseiro.

Houve silêncio, e Remus achou que Sirius tivesse desistido, mas um minuto mais tarde um ligeiro farfalhar nas cortinas da sua cama denunciou que Sirius continuava ali.

— Moony — ele tornou a murmurar, e algo em seu tom fez com Remus finalmente abrisse os olhos. Encontrou-o vestindo um dos seus suéteres e parecendo um pouco desolado.

— Aconteceu alguma coisa?

Sirius sacudiu os ombros.

— Tenho um presente para você. — Remus franziu o cenho em desconfiança. — Aqui, natal atrasado.

— Você já me enviou presentes de natal, Sirius. Eu ainda nem acabei de comer todos aqueles sapos de chocolate... — Mesmo assim Remus se ergueu, sentando-se e dando espaço para que Sirius se aconchegasse ao seu lado.

Recostaram-se na cabeceira da cama, ombro a ombro, e Sirius puxou suas cobertas sobre as pernas. 

— Não importa, apenas pegue esse aqui também.

Sirius passou-lhe um pequeno estojo de prata com arabescos em alto relevo. A caixa não estava embrulhada e parecia realmente muito cara. Remus passou o objeto de uma mão para outra com cuidado, tentando avaliar sua periculosidade.

— Isso não vai explodir, não é? — Pela sua experiência, era uma pergunta muito razoável.

Sirius deu um ligeiro sorriso, e então negou com um aceno. Remus atrapalhou-se um pouco com o fecho, mas quando finalmente conseguiu abrir o estojo deparou-se com um conjunto de barbear completo. Cada um dos itens lá dentro era ornamentado com esmeraldas e madrepérola, e certamente valiam mais do que todos os pertences de Remus juntos. Não era a primeira vez que Sirius tentava lhe dar um presente caro, alheio ao que as pessoas consideravam razoável, mas aquilo parecia demais até para ele. Remus percorreu o cabo da navalha com a ponta dos dedos e reconheceu o brasão da família Black gravado ali.

De repente a postura cabisbaixa de Sirius fez um pouco mais de sentido.

— Padfoot — Remus disse baixinho, muito gentilmente. — Você sabe que eu não posso aceitar isso.

Sirius mordeu os lábios, parecendo nervoso e agustiado.

— Eu o roubei, Moony — ele deixou escapar. — É mais uma merda de tradição familiar: isso deveria ser o presente de quinze anos para o herdeiro da família Black. Mas meu pai não me deu o estojo, então eu o roubei. Não sei por que eu fiz isso. Não quero ser o herdeiro, não quero essa família e não quero essa caixa. Eu apenas... — Suas palavras morrerram. Se continuasse falando ele provavelmente iria chorar, e não queria fazer isso.

De repente a mão de Remus estava sobre a sua, muito quente. Normalmente eles só se permitiam aquele tipo de contato nas noites após a lua cheia, mas se deu conta de que estivera ansiando para que Remus fizesse algo como aquilo.

— Ainda é sua família, Padfoot, está tudo bem. Você não precisa odiá-los sempre. — Remus hesitou. — Você não precisa fazer isso por causa de mim.

James era puro-sangue e os ascendentes trouxas de Peter estavam gerações atrás o suficiente para que ele ficasse em um limbo confortável. Sendo lobisomem e mestiço, era por ele que Sirius se doía cada vez que enfrentava sua família.

Sirius negou com um aceno meio desesperado.

— Não quero nada deles.

Remus encarou o estojo no seu colo, e as esmeraldas reluziram como olhos de cobra em meio à madrepérola. Ao menos ninguém podia dizer que os Black não tinham bom gosto para aquele tipo de coisa, mas Sirius parecia torturado apenas de olhar para o conjunto de barbear.

— Você pode dar o estojo para o Regulus — sugeriu. Sirius fez uma careta involuntária diante da ideia, então Remus acrescentou: — Eu posso entregar para ele se você quiser. Dizer que você não sabe como isso foi parar nas suas coisas, mas aposto que ele não vai contestar muito.

Sirius apertou os dedos em torno da mão de Remus.

— Não, Moony. Ele já tem demais dessa família.

Havia dor na voz dele ao dizer aquilo, e Remus não contestou. Ficaram em silêncio por um longo tempo, até que Remus suspirou.

— Eu fico com a caixa, então, mas não como um presente. Emprestado, em troca de todas as blusas que você pega de mim — declarou, ao mesmo tempo em que dava um ligeiro puxão na manga do suéter que Sirius usava.

Sirius aquiesceu.

— Parece bom para mim.

Nenhum dos dois pareceu disposto a se mover e romper aquela proximidade, no entanto. Remus deixou-se pender um pouco contra Sirius, e em algum momento ele arriscou-se a acarinhar o torso da sua mão com o polegar. O gesto fez um arrepio correr pela coluna do lobisomem. Encarou Sirius de soslaio. O cabelo dele ainda estava um pouco desgrenhado e era raro vê-lo triste, mas isso apenas fazia com que a sua beleza parecesse etérea, quase intangível.

Antes que percebesse o que estava fazendo Remus havia esticado a mão livre e tocava os cabelos de Sirius, logo atrás da orelha, como faria com Padfoot. Sirius lançou-lhe um olhar surpreso, mas não se afastou, e Remus deslizou os dedos através da sua mandíbula em um carinho suave, sentindo a barba por fazer pinicar sua pele. Não sabia em que momento se barbear todos os dias havia deixado de ser uma vaidade para tornar-e algo necessário, mas estava muito consciente dos rastros de barba no rosto de Sirius, da sua voz, de repente grave e rouca, e de todo o fato de que ele estava se tornando um homem.

— Deixe eu barbear você, Sirius. Quer dizer, seria um desperdício com tudo isso — falou, apontando para o estojo com o queixo. Sentia que aquilo era importante de alguma forma.

Sirius hesitou. Não tinha pretendido usar o conjunto de barbear mesmo no momento em que o roubara, mas a ideia de que fosse Remus a fazê-lo não parecia tão ruim. Ele o mirou com expectativa, e então Sirius estava concordando.

Remus levantou-se, puxando-o pelo braço, e não houve nada que Sirius pudesse fazer a não ser acompanhá-lo até o banheiro.

— Você já barbeou alguém? — perguntou, para logo se dar conta de que talvez não quisesse saber. A ideia de Remus tão perto de outra pessoa era desagradável.

— O meu avô algumas vezes, antes de ele morrer.

Sirius esperou que o alívio em sua expressão não fosse tão claro quanto ele supunha. Içou o corpo, sentando na beirada da pia. Remus ocupou-se retirando a navalha do estojo. Em seguida ele preparou uma mistura de creme de barbear com cheiro da lavanda, cuja embalagem anunciava “as barbas de Mérlin estão fora de moda!”.

— Você não pretende me dar um bigode estranho ou algo do tipo, não é? — questionou, desconfiado, arqueando uma sobrancelha.

Remus retribuiu sua pergunta com um olhar maldoso e interessado, como se aquela fosse uma ótima ideia, mas acabou negando com um aceno.

— Confie em mim.

Ohh, Sirius confiava. Fechou os olhos enquanto Remus estendia a mão e esfregava espuma de barbear refrescante sobre suas bochechas. A lâmina era tão afiada que Sirius quase não percebeu quando o outro começou a barbeá-lo. Podia sentir as mãos de Remus, no entanto, quentes e pesadas sobre a sua face, os dedos levemente calejados onde ele segurava a varinha. A sensação era muito boa. 

Remus parecia verdadeiramente concentrado no seu trabalho. Sirius o observou por um segundo, dentes trincados, olhar absorto e movimentos delicados, e não pôde evitar achá-lo dolorosamente bonito. Não sabia muito bem o que estava acontecendo naquele instante. Estarem ali, as mão de Remus em seu rosto, tão próximos que Sirius sentia a respiração dele sobre o seu rosto, ia além do limite delicado que havia traçado para sua amizade com Remus — concessões de toda sorte depois da lua cheia, mas uma distância segura em seguida.

Seu olhar encontrou com o dele e Remus sorriu, mas suas bochechas tornaram-se vermelhas.

— Como está indo? — Sirius perguntou.

— Nada mal. Aqui, olhe para cima, Padfoot.

Ele obedeceu e Remus passou a navalha por seu maxilar, e então por sua garganta. Remus virou seu rosto, posicionando-se melhor e começando a aparar o outro lado, os dedos dele contornando sua pele, firmes e gentis, causando arrepios.

A dor veio três segundos depois. Remus foi o primeiro a xingar.

— Porra, Sirius, me desculpe — ele disse, afastando-se e pegando uma toalha.

Sirius sentiu sua bochecha arder. Levou os dedos ao rosto, percebendo um corte fino na altura da sua orelha, de onde escorria um filete de sangue. Remus pousou a toalha em sua face, limpando a espuma de barbear e sangue, mas o machucado continuou a gotejar.

— Não foi nada, Moony.

Normalmente era Remus a sangrar e aquela quebra na ordem natural das coisas pareceu deixar a ambos desconcertados. De alguma forma a dor fez aflorar a agonia que Sirius estivera tentando conter. Remus deve ter percebido algo de errado em sua expressão, pois, com um movimento deliberadamente lento, ele alcançou seu rosto, manchando os dedos de sangue.

— Vê, Padfoot, não tem nada de negro aqui. Seu sangue ainda é tão vermelho quanto o meu ou o de James, você não precisa se preocupar tanto com isso.

Era um pouco assustador mesmo assim. Sirius nunca seria o que seus pais esperavam dele, mas Regulus talvez fosse e isso era ainda pior. Não soube em que momento começara a chorar, porém no instante seguinte Remus estava abraçando-o, meio encaixado entre suas pernas, ainda cheirando a sono e a creme de barbear.

— Eu estou perdendo Regulus — disse num tom que era meio soluço.

Eles não costumavam mentir uns para os outros, e Remus não negou.

— Nós somos sua família também, Padfoot.

Ficaram daquela forma por um longo tempo, enquanto Remus corria as mãos pelas suas costas em um ritmo calmante. Sirius pousou a cabeça sobre o ombro dele, manchando seu pijama com lágrimas e sangue, mas nenhum dos dois se importou realmente. James era seu irmão, havia a amizade de Peter, e embora ele ainda não conseguisse encaixar Remus em meio a essas duas coisas estar junto dele parecia ser o seu lugar no mundo.


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