Fale. escrita por Lyn Black


Capítulo 1
Inspira e Expira.




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Chuva. Forte e torrencial, seus pingos grossos batendo no chão, escorrendo pelas folhas das árvores. Caem sem espera pelos troncos, alguns já formando poças, outros encontrando caminho pelos poros da terra, sempre em direção ao centro. Escorrem pelas peles dos passantes, pelo poste com luz verde, mas que é ignorado pelo motorista que está sempre, onde quer que esteja, andando a mil quilômetros por milissegundo, a frente do suposto certo e estabelecido, do seu tempo.

Eles respingam pela janela, junto do vento frio que congela os pés e faz com que as crianças se amedrontem com o seu chiado. O vento está forte, e quando falo de vento imagino o branco, mas o vento não tem cor, ao menos não uma que já registrei. Ele está mais para sensação, movimento percebido por nós e que, consequentemente, nos afeta. 

"Ah, que brisa boa!" diz a senhora, bengala na mão e cabeça espichada para fora da janela de sua casa, ao sentir o suave toque (ou seria mais parecido com um beijo?) na sua pele que tanto transpira devido ao calor. Não imagina que a brisa passageira está se anunciando como duradoura. 

Espera ver o neto voltando da escola, pronta para chamá-lo para dentro, quer tanto abraça-lo, mas ele vive sem tempo para todos, diz que está ocupado, e gera suspiros tristes. 

Quando as gotas começam a cair, a menina acabou de sair de casa, precisava de um ar fresco, sua rotina é o estudo: livros, a cadeira de rodinhas que sempre causa dor nas suas costas e a lamparina. Suas mães vivem insistindo que ela deveria descansar, nem que seja para assistir televisão, mas ela balança a cabeça em negativa todo o fim de semana "Tenho que estudar!" diz irritada com ela mesma e com o mundo que a cerca.

Até que se convence, mas o bendito convencimento conquistado à duras penas se esvaí como o pico de felicidade que tem ao receber uma nota alta, e lá vai de novo para dentro de quatro paredes. Lista as obrigações as quais deve realizar com excelência. Gradativamente, perde o interesse no conhecimento passado pela escola, mas se força a atingir as metas que criou para si mesma sem nem mesmo saber o por quê. 

Ele entrou em casa quando a chuva já havia molhado boa parte do seu cabelo, fazendo-o ficar todo grudado na sua nuca e costas, ensopando as roupas. Os óculos são um problema em dias de chuva, cheios de respingos que apenas se espalham e nunca vão embora. Essas gotas presas às suas lentes são os problemas que não enfrenta, apenas tenta esfregar, varrer para o canto de sua mente, mas continuam lá tirando a alta resolução de sua vista. 

Após balançar a cabeça, tira a jaqueta, retirando o celular do bolso interno. Checa o Whatsapp algumas vezes após ligar o wi-fi, mas nunca há mensagens, então por que sempre carregar aquela verdadeira parafernália para cima e para baixo?

"E se alguém ligar..." 

Seus argumentos são fracos, quebráveis com um sopro, ou talvez com discreto peteleco. Espera construir amizades por acidente, idealiza tantos cenários onde tudo finalmente acontece, mas não se move e se mantém na espera eternamente, a música de elevador tocando ao fundo.

 

A chuva ainda não parou de cair. 


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