A Vingança de um Herói escrita por Pedro Haas


Capítulo 8
07.Do Zero


Notas iniciais do capítulo

desculpem a demora, foi diiiifiiiicil costurar tudo, mas esta aqui u.u

ULTIMO CAPITULO



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— Seu Oséias! - Amanda exclamou, surpresa - Como... Onde o senhor tá?

Com todo o movimento dos últimos dias, foi fácil se distrair. Seu Oséias havia viajado há semanas, sem nenhum contato com eles, e agora toda a preocupação parecia ter vindo com tudo em Amanda.

— Por onde o senhor andou? Meu Deus, faz tanto tempo...

— Acalme-se garota, o Lucas está aí não está? - Ele riu - Sei que está, pode passar para ele?

Era como se toda a conversa dramática de antes tivesse sido esquecida, Lucas também estava muito animado para falar com o velho.

— Oséias! Seu idoso de uma figa! - o garoto disse, animado - Seu... Seu... Por onde andou?

— Contarei tudo, não se preocupe. Jonas está indo aí te buscar, logo vocês entenderão - ele disse rapidamente e desligou o telefone.

— O que ele disse? - Amanda exibia um sorriso largo, esperando a resposta.

Antes que Lucas pudesse responder, uma buzina tocou alto chamando a atenção deles. Era Jonas, o pai de Amanda, os chamando. Ao contrário dos dois, ele parecia preocupado.

Intensamente preocupado, de uma forma que Amanda nunca vira antes.

***

Amanda piscou, pensando que seus olhos a enganaram. Um rinoceronte? Ela havia visto apenas em documentários sobre a vida selvagem, nem mesmo o zoológico de Belo Horizonte tinha um. Mas lá estava um bem grande e cinza, investindo contra o lobo na hora exata para fazê-lo perder o equilíbrio e falhar o ataque. Um rinoceronte e um lobo gigante estavam lutando, poucos metros a frente de Amanda. Ela não conseguia acreditar.

O Louco esbravejou furioso quando viu seu lobo sendo atacado, correu para ajudá-lo, mas foi alvejado pela arma de choque de Octávio. Não foi nem perto de ser suficiente para deixá-lo inconsciente, não alguém tão grande e forte como o Louco, mas foi o suficiente para atrasar. Octávio correu em direção ao seu lobo, tentando se afastar do conflito. Montou-o com uma facilidade incrível, sem sela, sem nada. Segurou os pelos espessos do Lobo Branco e correu em direção de Amanda, que ainda estava sentada com Lucas em seu colo, ainda em choque.

O garoto balbuciou o nome de Amanda várias vezes, e ela sentia que ele estava se esforçando para retornar a consciência. A garota não percebeu quando Octávio parou ao seu lado, montado no lobo branco que ostentava uma expressão séria e de ataque.

— Amanda, vamos. - ele disse sem rodeios, esperando muito que ela o obedecesse.

— Você é louco? - ela perguntou com asco na voz - Por quê? Ele confiou em você e você fez isso! Por quê?

— Amanda... - Lucas abriu os olhos, estava fraco.

Octávio sacou rapidamente sua arma e atirou em Lucas novamente. Tudo muito rápido, Amanda não conseguiu reagir nem ao menos dizer nada, apenas abraçou o garoto que se debatia no chão violentamente. Tudo estava ali, tão perto, a cidade, o Lar.

Lucas parou de se debater e ficou inconsciente de novo. Amanda o segurou em seus braços, chorando. Ela não tinha forças para acudí-lo, não tinha forças para bater em Octávio, não conseguia fazer nada além de abraçar e chorar.

— Precisa vir comigo, Amanda.

— Não irei a lugar algum... - ela respondeu - Não irei...

Octávio guardou a arma de choque enquanto Amanda falava. Ela se calou no momento que viu que ele sacava um revólver. Seus instintos diziam que era uma arma de verdade, ela não queria arriscar descobrir.

— Garota... – ele quase sussurrou, sua voz era assustadoramente ameaçadora – Você vai calar a boca, e você vai vir comigo, senão... – Apontou a arma para a cabeça de Lucas, agora completamente desacordado.

Nesse momento, o rinoceronte rugiu, quase que para lembrar Amanda que ele ainda estava lá, lutando contra o Louco, que segurava suas investidas como se fosse um chute de uma pessoa qualquer. O Lobo negro estava caído, machucado, e o Louco gritava palavrões enquanto socava o rinoceronte, que mesmo que fosse grande, parecia sentir os golpes.

Octávio olhou para a cena e fechou os olhos.

— Droga... Thiago... – murmurou, descendo de seu Lobo Branco – Não se mexa, Amanda – ele apontou a arma para ela, e com a outra mão deu um pequeno tapa entre as orelhas do lobo.

Apontou para a luta que acontecia e deu outro tapa, que fez o Lobo correr numa velocidade quase impossível.

Investindo contra o Louco com toda a força.

***

A viagem foi um pouco tensa, Jonas não respondia nem uma pergunta sequer, e parecia estar muito apavorado. Totalmente diferente do clima amoroso de antes entre Lucas e Amanda, agora os dois também estavam preocupados.

Os dois estavam no banco de trás do carro, que parecia um pouco mais pesado enquanto corria do que deveria estar. Amanda segurou a mão de Lucas.

Jonas dirigia para casa de Oséias num passo acelerado, passando rapidamente pelos buracos na estrada de terra, deixando um rastro empoeirado para trás. Estavam numa urgência grande demais pros padrões de Amanda.

— Pai, o senhor tá me assustando – ela disse, com sua voz saindo quase como um sussurro.

— Perdão... Há coisas que eu não posso impedir e... – ele respondeu mas se calou no fim, fazendo de um modo que deixou Lucas e Amanda aflitos.

Aquele era o mesmo tom, quase as mesmas palavras que seu pai dissera naquele dia. O tom de um pai que odeia ver o filho sofrer, mas não pode fazer nada para impedir. A voz de alguém que só pode esperar pelo melhor.

O rapaz olhou para a garota, e tocou nela usando seus poderes de jeito confortante. Ela apenas retribuiu o olhar, entendendo o que se passava na cabeça dele.

Isso tornou tudo mais difícil.

***

O Lobo Branco correu tão rápido que o Louco não o vira chegar. O animal investiu contra o peito dele, e foi como bater de cabeça no concreto, mas com força suficiente pra derrubá-lo.

O lobo recuou e rosnou para o Louco, que riu.

— É só isso que sabe fazer, Octávio? – ele cuspiu um pouco de sangue.

O rinoceronte investiu novamente contra o Louco, com uma força ainda maior que a do lobo branco. O Louco projetou-se contra o rinoceronte esperando pelo impacto, mas algo diferente aconteceu.

O rinoceronte transformou-se num Lobo — um normal, não gigante —, e pulou, confundindo o Louco, passando por trás dele e mordendo seu calcanhar. O Lobo Branco aproveitou e investiu também, mordendo o braço do Louco, fazendo-o cair.

Quem é esse Lobo? Octávio pensou, em seus anos de Agente, ele nunca havia enfrentado um transmorfo, alguém que se transforma em animais. Esse era o primeiro que ele via, e com certeza seria o intermediário entre Lucas e o Lar. Octávio se amaldiçoou por ter parado tão perto do local indicado. Nem ao menos percebeu que a avenida, que deveria ter ao menos algum movimento, estava completamente vazia. Talvez o Louco tenha conseguido forças para interditar o movimento ali, mesmo sendo um local importante no trânsito.

— Droga... – ele olhou para Amanda, apontando a arma para ela – Anda Amanda, se apresse. Tá demorando demais.

— O que você quer, seu monstro?

— Você tem que...

Houve um ganido e um grito, quando o lobo negro do Louco partiu para cima dos outros, investindo contra eles, derrubando o Lobo transmorfo e assustando o Branco. O Louco levantou-se com marcas grotescas de dentes dos dois Lobos, que cicatrizavam incrivelmente rápido, espalhadas por todo o torço. Estampava um sorriso maligno, mostrando os dentes​ como um tubarão prestes a morder sua presa. Ele não disse nada, nem gritou um palavrão, nem gemeu. Era como se ele não tivesse sentido dor alguma com tudo isso. Ele apenas olhou para Amanda, e ela conseguiu ver um brilho diferente em seus olhos.

O Louco correu a toda velocidade contra ela, mas Octávio se pôs na rota contra ele. Preparado com uma barreira de vento, segurou a maior parte do impacto do corpo pesado do Louco, mas não fora suficiente para se manter em pé. Ambos caíram para trás. Amanda já não sabia mais o que achar de Octávio, tudo estava muito estranho. Ele a salvou?

— Anda logo, caralho! – a voz dele soou como um trovão, fazendo-a retomar a consciência na luta.

— O que... O que eu tenho que fazer?

— Apague as memórias dele, agora mesmo! – Octávio exclamou, enquanto se levantava se preparando para golpear o Louco, que ainda não havia se levantado.

***

— Vocês precisam sumir – a voz retumbante de Oséias naquela noite não deixava dúvidas do que ele queria que os dois fizessem – Consegui um encontro, depois de todo esse tempo – ele entregou um papel para Lucas, com um endereço e um horário – Não me perguntem nada, apenas vão.

Lucas olhou para o bilhete, sentado na mesa da cozinha — que um dia, de repente, aparecera em pé e desorientado, parecia haver séculos desde aquele dia —, enquanto tomava um café, que mesmo quente, ficou gelado em seu estômago.

— Quer dizer que... – Lucas e Amanda falaram ao mesmo tempo.

— O Lar Arsalein – Oséias disse – Eles me contataram, estão prontos para te receber. E você também, garota – ele olhou para Amanda, que estava muito confusa olhando para o velho e para seu pai alternadamente.

— Por que ela tem que ir? – Lucas perguntou, preocupado.

— Por que eu não iria? – Amanda respondeu astuta.

— Eu também não deixaria... Mas... – Jonas comentou, pesaroso. Não quis terminar a frase, e o silêncio acabou tomando conta do casebre.

Oséias foi à cozinha pegar um lanche.

— Lucas, você vai dirigir até São Paulo, achar esse endereço, e vai cuidar dela – Jonas disse, por fim. Não era mais um pedido, soava como uma ordem.

Lucas havia praticamente parado de pensar nisso, ele se sentia livre dessas obrigações morais que o fizeram perseguir o Lar Arsalein por quase um ano. Ele havia notado que, na verdade, ele não queria vingança. Ele não era o seu amigo Lucas — embora mantivesse o nome por respeito de sua memória —, ele ainda era o Thomas por dentro, mesmo que odiasse admitir. Ele queria estar com Amanda, reestruturar sua vida.

Agora, a sua chance estava lá, de graça, sem muito esforço a não ser dirigir até São Paulo e encontrá-los. Mesmo que fosse obrigado a ir, não queria arrastar Amanda para isso.

— Não há nenhuma possibilidade de Amanda ficar?

— Na verdade...

— Não. – Seu Oséias falou por cima de Jonas, que se calou em respeito. Amanda observou a cena, curiosa como sempre.

— Não adianta, eu quero ir. Irei te acompanhar pra onde você for, Lucas – Amanda disse, botando fim na discussão – Desculpa, pai.

Ele a abraçou.

***

Amanda piscou os olhos, processando o que acabara de ouvir.

— Você quer o que? – ela disse, quase num sussurro.

— Você me ouviu bem – Ele disse, concentrando-se em suas mãos, formando a mesma barreira de vento concentrado.

Ele estava criando um vácuo em suas mãos, formando pulsos de ar que provavelmente deixaria surdo qualquer um que fosse atingido. Desorientar o seu alvo, era esse o objetivo.

— Eu não posso – Amanda implorou – Por favor...

— Você sabe muito bem que pode, você tem que fazer. 

O Louco se levantou e agora sua raiva estava clara. Ele iria matar Octávio com suas mãos por conta daquilo, arrancar suas entranhas e exibir para os outros agentes do Hospital. Como já havia feito uma vez, o que lhe rendeu o apelido. Octávio pulou para cima dele, usando seus pulsos de ar para desorientá-lo.

Dez metros a frente, os 3 lobos se encaravam, rosnando e latindo de modo gutural um para o outro. O lobo branco estava com seus pelos manchados de sangue, o lobo preto mancava um pouco, mas parecia bem mais mortífero. O transmorfo, por sua vez, parecia querer sair dessa situação, latindo e se afastando. Quando a luta finalmente estourou, ele uivou, e parecia triste. Ele pulou em cima do lobo negro e se transformou em urso, apartando a briga entre os dois, levando várias mordidas no processo.

— Só isso que sabe fazer? – Provocou o Louco – Me imobilizar só vai retardar a sua morte, sabia?

Octávio lançou-lhe outro pulso de ar, fazendo o Louco gritar e por as mãos no ouvido.

— Amanda! Eu não tenho o dia todo, se não fizer o que eu mandei, você e seu namorado vão morrer! – ele gritou e ela conseguia ouvir a ameaça implícita.

Antes que ele conseguisse prever, porém, o Louco levantou-se e o derrubou, como um grande muro caindo em cima dele. Octávio gritou, com certeza fraturando alguma costela, quase chorando de dor. Seus olhos tornaram-se brancos, combinando com sua barba e cabelos. O Louco, prestes a socar seu rosto com sua mão pesada, percebeu a mudança em Octávio, e saltou para trás, perto de seu Lobo Negro, que já não lutava mais com os outros.

O transmorfo não estava mais lá para presenciar o que Amanda e o Louco viam. Octávio, envolto por uma aura azul, flutuando no ar, com seu sobretudo de agente do Hospital balançando ao vento.

— Que foi? Vai me matar? – o Louco provocou – Sei bem o seu jeito! Você nunca mata outros...

Ele fora interrompido por um estrondo, um raio, que obliterou seu braço e o jogou dezenas de metros para longe, assustando o lobo preto que envolveu seu mestre que estava sangrando. O seu braço esquerdo tinha queimaduras de quarto grau por toda sua extensão pela força do raio de Octávio; ele gritava, mas agora não estava xingando, estava gritando pela dor imensa que sentia. O lobo negro não mais rosnava.

Octávio aterrissou de volta no chão, sendo observado por Amanda, boquiaberta.

— Agora, garota. AGORA!

***

Todas as memórias estavam lá, todos os meses de alegria, aprendizado e paz de espírito de Thomas estavam lá em seu subconsciente. O garoto estava em seu colo no mundo físico, desacordado, mas ali, Thomas estava sentado no chão, olhando suas memórias passarem em sua volta, admirado, e Lucas ao seu lado. Amanda já sabia como fazer, sabia como fazer alguém esquecer coisas, como sugar essas memórias para si, deixando a pessoa com apenas um grande branco na cabeça. Mas agora era diferente, ela estava sendo obrigada por um psicopata a fazer o garoto que ama esquecer dela, e isso abalava completamente sua concentração.

Lucas, o outro, que havia morrido há muito tempo nas instalações do Hospital, estava lá ao lado do garoto. Suas duas personalidades, Lucas e Thomas, uma ao lado da outra, sentados. Lucas era moreno com a pele cor de caramelo, tinha olhos castanhos claros e o cabelo era cacheado e médio como o de Thomas, eles tinham a mesma estatura e físico, mas Thomas vestia uma camisa simples e preta, enquanto Lucas vestia o mesmo modelo branco, e Thomas era branco caucasiano, de olhos negros. Eles eram como Yin e Yang, duas partes de um todo, como se fossem gêmeos.

O outro Lucas olhou para trás e viu Amanda parada, olhando para ele.

— Meu Deus! – ele disse entusiasmado, Amanda esperou que Thomas reagisse, mas ele estava alheio, como se não estivesse presente mesmo aquele sendo seu subconsciente – Thomas falou tanto de você! – ele se levantou e partiu para abraçar Amanda.

Ele a abraçou, deixando a garota sem jeito por algum tempo. O garoto era mais alto, e agora de perto, era bem mais diferente de Thomas, tanto em aparência quanto em presença de espírito. Amanda acostumou-se com a aparente fragilidade do garoto, mas Lucas — o outro — inspirava força e determinação a cada gesto e passo.

— Thomas! – Amanda o chamou. Sem resposta, nem mesmo uma dica de que ele estivesse a ouvindo, ou mesmo que ele estivesse de fato lá.

— Não se preocupe – Lucas falou, amigavelmente – Ele está pensando em você agora, está pensando no seu primeiro beijo agora mesmo.

Amanda enrubesceu.

— Eu estou sempre alerta sabe, é engraçado ver como ele se comporta.

— Mas como... Como...

— Como eu estou na mente dele, mesmo estando morto? Eu não faço ideia, mas tenho certeza que é algo sobre os poderes dele – ele andou um pouco com as mãos nas costas como um general, mas tão naturalmente que Amanda admirou a postura.

Seria resultado do treinamento no Hospital?

— Sabe, Amanda – começou ele, olhando nos olhos dela – Você não é a única com poderes sobre empatia nesse relacionamento. Nosso amigo Thomas, nunca vi alguém se preocupar tanto com outras pessoas.

Amanda sorriu concordando, ela também via isso nele, sendo esse um dos grandes motivos pela qual se apaixonara por Thomas.

— Os poderes dele parecem bobos, mas por causa dele eu estou aqui agora – ele olhou para si mesmo – Eu morri, mas apareci aqui. Não consigo interagir com ele nem com o mundo lá fora, mas consigo ver o que ele vê.

— Então, é por isso que ele quer ser chamado de Lucas? – Amanda perguntou, um pouco preocupada.

— Talvez, mas eu não aprovo – ele suspirou e se voltou para Amanda, seu rosto mais sério que nunca – Eu só consigo assistir, sou só um expectador. Foi uma grande surpresa ver que ele tinha adquirido meus poderes, junto com minha essência.

— Então você sabe muito bem o que tenho que fazer, não sabe? – ele assentiu.

— E sei que não vai também. Mas precisa.

— Por quê? – a voz de Amanda saiu embargada de emoção. Ela não queria ser esquecida.

Lucas se aproximou dela e a abraçou, mas desta vez com ternura, tentando a consolar. Amanda apenas se deixou levar, encostando a cabeça no peitoral de Lucas e chorando.

— Não concordo com isso, também – disse ele – Mas eu... Eu preciso de descanso, o meu desejo de vingança acabou destruindo não só a mim como ao Thomas também. Não sei, talvez ele tenha absorvido minha essência naquele dia, e eu estava borbulhando de ódio. Todos aqueles sentimentos negativos estão presentes nele desde esse dia.

A branquidão do subconsciente de Thomas perdeu sua cor por um instante, o garoto ainda estava alheio, mas agora parecia mais presente do que antes. Ele estava prestes a acordar, Amanda sentiu isso.

— Amanda, precisa apagar tudo isso, precisa dar uma vida feliz à ele! Rápido! – ele a balançou levemente para que ela reagisse.

Amanda se afastou, a confusão a dominando. Ela iria mesmo fazer aquilo? Ela... Iria se sacrificar por ele?

— Droga!

Ela gritou consigo mesma e começou a agir pelo instinto. Com lágrimas nos olhos, ela tocou a cabeça de Thomas, que ainda estava sentado no chão, observando suas memórias.

Conseguiu ver tudo. Sentir tudo. Com sua outra mão estendida, os grupos de imagens que formava as memórias eram sugadas uma a uma.

Ela e Lucas — O que ela conhecia, seu namorado —, na igreja, cantando. O dia em que fizeram uma expedição com a galera da Igreja. Os dias em que passaram rindo e lendo. Quando Lucas a ajudou a estudar matemática, em troca dela ajudá-lo com perguntas bíblicas. Quando Lucas pegou o microfone pela primeira vez e, tremendo de timidez, cantou como primeira voz no grupo de jovens.

O primeiro beijo.

Outra vez o lugar perdeu sua cor por um instante, Thomas olhou para Amanda, mas ainda não a via. Ele estava acordando. A garota tentou apressar o processo, enquanto Lucas andava de um lugar para o outro, pronto para ser esquecido. Mas era coisa mais complicada do mundo, todas aquelas cenas a envolviam com a melhor sensação do mundo. Felicidade.

A memória do dia em que se conheceram agora fora sugada para ela, as pupilas de Thomas se dilataram.

— Amanda! – ele segurou o braço da garota e...

***

Octávio segurou Amanda pela cintura e a puxou com força para sua SUV, o lobo branco já estava lá, interessado em dormir, como se nem tivesse estado em uma batalha intensa há poucos minutos. Amanda se debatia com toda a força possível, Lucas iria acordar, mas ele não a veria ao seu lado, e o outro Lucas estaria ainda em sua mente, ela havia estragado tudo. Amanda gritava e chorava, ela não podia deixar terminar assim, era o pior cenário possível, mas as mãos de Octávio pareciam de ferro. O tempo passava em câmera lenta enquanto ela dava o melhor de si para voltar, mas era impossível. 

— Me deixa voltar! ME DEIXA VOLTAR! POR FAVOR! – ela gritava com toda a força, mas Octávio estava impassível, toda folga que ela tentava explorar para sair de suas mãos era fechada instantaneamente, ele era mais forte e mais rápido que ela, Amanda não tinha a menor chance.

O lobo negro estava em um canto da avenida, lambendo o Louco, que estava inconsciente depois de tanta dor. O dia estava amanhecendo, o sol nascendo. Nenhum outro carro, nem nenhum movimento. Ao longe, Amanda viu que a avenida realmente fora interditada, pelo menos aquele pedaço.

Ninguém a ajudaria. A grande selva de pedra, naquela parte, estava completamente silenciosa.

Octávio abriu a porta do passageiro e jogou Amanda lá dentro e fechou rapidamente, Amanda chutava a porta furiosamente, até lembrar que deveria usar as mãos. Octávio entrou nesse exato momento, segurando os pulsos dela com apenas uma mão.

— Garota, você quer morrer? – seus olhos azul-acinzentados brilhavam. Ele travou as portas do carro e ligou o carro.

— Por que não me deixou acabar? Ainda faltava muito, ele vai acordar e vai se lembrar de tudo!

— Acha que sou idiota? – Foi a única frase que ele proferiu. Passou pelo bloqueio da avenida e seguiu a toda velocidade para a marginal Pinheiros.

— Onde vamos... – Disse Amanda, depois de alguns minutos com as mãos no rosto.

Estava muito decepcionada consigo mesma, mas não conseguia mais se sentir triste. As memórias do garoto aqueciam seu coração, todas as boas memórias que ela absorveu, todas elas a acalmavam, preenchiam o vazio em seu peito.

Era tão reconfortante ver o quanto Thomas a amava. Enquanto tudo a deixava para baixo, essas memórias a levantavam, e era apenas isso que ela tinha agora. Memórias.

— Vamos – ele falou enquanto colocava o cinto de segurança envolta do corpo – Ao Hospital em Campinas, se segura.

Ele acelerou, ignorando o rosto aterrorizado da garota ao lado.

***

Logo após as despedidas, do choros e da insegurança, Lucas e Amanda partiram no carro do pai, com o porta mala cheio de roupas e outros pertences dos dois. Tudo parecia estar resolvido agora, os dois chegariam ao Lar e Amanda seria examinada por eles. Oséias contava com isso, suas fórmulas estariam seguras desde que Amanda conseguisse chegar ao Lar em segurança. Com esse pensamento, um arrepio percorreu sua espinha.

— Droga... – ele disse instintivamente.

— O que foi? Esquecemos de algo? – Jonas perguntou, preocupado. Estava descansando na poltrona, mas estava bastante inquieto.

— Não, não é nada – O velho disse intensamente.

— Tem certeza? Está tudo encaminhado? Todo o treinamento serviu de verdade? Eu não sei o que pensar agora que ela partiu...

— Jonas, vá para casa, dê a notícia para sua esposa – Oséias pediu gentilmente.

— Mas eu pensei que...

— Vá! – Agora era uma ordem. Mesmo com todas as dúvidas que Jonas tinha sobre o que haviam combinado há muito tempo, ele não se sentiu determinado o bastante para exigir certezas. O velho parecia abalado por alguma coisa.

Ele resolveu ir para casa, se despedindo com apenas um "Até logo". E agora lá estava o velho sozinho, em seu casebre simples, típico do interior de Minas Gerais. Uma casa erguida apenas por alguns tijolos e madeira, telhado de telhas uniformes, um pouco vermelho-alaranjado.

Algo o incomodava, era como se todas as suas previsões se mostrassem erradas agora. O futuro subitamente parecia incerto, mesmo para um clarividente como ele. Seu Oséias se concentrou, procurando se guiar por toda a neblina que se apresentava a sua volta. Sua mente era como um grande nevoeiro, outrora limpo, agora não se conseguia ver nem mesmo um palmo à sua frente. Ele olhou à sua volta, procurando por algo errado, por algo fora do lugar, uma mudança imprevista.

O que ele encontrou foi um homem, jovem com cabelos brancos platinados e barba por fazer. Os olhos azul-acinzentados, ferozes. Entrou tão furtivamente que o velho não o ouvira, e agora, ele o encarava sentado em uma cadeira de madeira. 

Oséias o viu e, de repente, toda a confusão em sua mente desvaneceu. Tudo estava claro agora, e isso era muito ruim.

— Incrível como sua antiga teoria sobre a interferência da Super Lua em poderes psíquicos estava certa, Ozzy Mandigold. Ou devo dizer, Oséias... – o homem falou com afinco no olhar, um tom de voz elevado de empolgação – Bastou que eu mentalizasse a imagem dela com clareza em minha mente que você nem me percebeu chegando.

— Vai me matar? Faça isso rápido.

— Te matar? Por que eu faria isso? Eu quero apenas informações – ele descansou o corpo na cadeira em que estava sentado, sua presunção era típica de um agente do Hospital. Suas roupas também.

— Não tenho nada a oferecer a você, Octávio, saia da minha casa. – Oséias colocou a mão no rosto, estava com dores pelo corpo e dores de cabeça também. Não queria ter que lidar com Octávio Accers agora, nem agora nem nunca.

— É engraçado você dizer isso, Ozzy, sendo vidente, suas ações são tão previsíveis.

— Não sei do que você está falando.

— Você mal sabe esconder suas fórmulas direito, acha que pode me enganar? – o velho olhou para ele, o que foi um erro, Octávio exibiu um sorriso sarcástico – Mandou duas crianças para o Lar Arsalein há menos de 15 minutos, muito inteligente da sua parte.

Oséias conhecia Octávio e, essencialmente, ele era uma boa pessoa. A não ser que você estivesse no caminho dele.

— O que você quer? – Sua atenção estava agora totalmente voltada a ele.

— Ora, vamos lá meu velho – Octávio riu – Você é vidente, literalmente. Já deve saber o que eu quero.

O velho se levantou e foi à cozinha para preparar um café.

— Acha que eu vou simplesmente te contar? Não achei que fosse tão ingênuo, Accers.

— Se não contar, eu posso simplesmente adivinhar – Octávio olhou para o velho, que voltava com uma xícara de café, porém não se sentou, apenas mexia no café com o dedo enquanto olhava para Octávio – O Thomas e sua namoradinha viajando para São Paulo, se tivesse que dizer, apostaria no garoto.

O velho sorriu brevemente...

— Mas é isso que você quer que todo mundo pense, afinal o garoto é filho do ex diretor, ele seria capturado e sua namorada seria morta, inevitavelmente, se o Hospital pusesse as mãos neles – Octávio olhou para ele com súbita seriedade – Você sabia muito bem disso e mesmo assim os mandou fugir? Que feio da sua parte.

— O que você...

— O que eu estou insinuando? – Octávio bocejou – Ora, Mandigold, é óbvio que a garota morreria, e seus segredos morreria junto com ela. Eu tomei a liberdade de enviar alguns agentes do Hospital atrás deles, logo a polícia vai torná-los notícia também. Todos com a ordem expressa de não matar.

Oséias começou a suar frio, mas conteve suas reações à notícia.

— Não se preocupe, não deixarei que matem a garota. Tenho meus próprios interesses, mas tinha que confirmar contigo.

— O quê? – Oséias deixou o café na mesa ao lado, mas não se sentou.

— Nossa aliança, Ozzy. Mesmo que as informações estejam repartidas na mente dela, fórmulas sem contexto não passam de letras aleatórias – Octávio se levantou e se aproximou de Oséias, que continuava impassível – Você não é idiota, sabe que nossos objetivos são iguais. Quero a destruição do Hospital e a liberdade de nossos iguais – ele estendeu a mão, o velho não devolveu o gesto – Usando sua "Chave", vamos ser capazes de transformar tudo! Compartilhe suas pesquisas, Oséias, vamos fazer isso juntos!

E por um momento, Oséias pensou em aceitar a proposta. Sabia que, mesmo não parecendo, ele estava sendo sincero. Octávio realmente tinha ódio do Hospital, e um dos únicos mutantes que sabiam sua verdadeira face. Contudo, também sabia o que sua pesquisa faria se caísse em mãos erradas. Nas mãos de alguém com ódio dos seres humanos.

— Vá embora, Octávio.

O homem não pronunciou outra palavra, seus olhos brilharam com a negação de sua proposta, e Oséias percebeu que ele ficou decepcionado. Octávio virou as costas e se dirigiu à porta.

— Então adeus, Oséias – Ele olhou por um instante nos olhos do velho.

— Você é muito honrado, para alguém que pretendeu... – Oséias comentou, fazendo Octávio parar na porta – Que pretende, me usar mais tarde. Me perdoe, Octávio, não posso deixar que continue com isso.

Oséias gritou, abalando as estruturas de sua casa, deformando o espaço através das ondas sonoras de seu grito. Paralisando Octávio onde ele estava.

O velho bebericou seu café e, debaixo de sua mesa de almoço, apanhou um revólver.

— Não posso deixar você por as mãos na garota – ele estava claramente nervoso, não que Octávio fosse a primeira pessoa que tivesse matado, nem o primeiro mutante. Mas... – Entenda...

Octávio o olhava com suor em sua testa, aparentemente fazendo esforço para se mexer. Ele fechou os olhos quando Oséias apontou a arma para sua cabeça.

— Desculpe.

Um estrondo, um tiro e um estalo. Tudo ao mesmo tempo, o tiro quase atingiu Octávio, que conseguiu se desviar e chutar a mão de Oséias com tanta rapidez que o velho mal percebera. Octávio partiu para cima para tentar derrubá-lo, mas o velho era como um sentinela. Ele empurrou Oséias para que batesse na parede.

— Seu velho filho da puta! – Octávio parecia indignado, Oséias sentia isso.

O velho pulou derrubando Octávio no chão, quebrando a mesa de madeira com o peso e impacto. Sua voz estava fraca, ele não conseguiria gritar novamente. Tinha que matar Octávio, não poderia deixar o homem atrapalhar seus planos. Octávio jogou o corpo pro lado e acabou ficando por cima do velho, brigando pelo controle da arma.

Outro disparo, seguido por silêncio.

Silêncio...

Octávio saiu de cima do velho sem emitir som algum, a não ser pelo suspiro de choque.

Oséias Mandigold jazia morto, com um tiro no coração.

Octávio se segurou na cadeira em que estava sentado, tremendo muito. Ele começou a chorar descontroladamente, a hiperventilar. Correu até a cozinha e, derramando água por toda a pia, tomou água diretamente da torneira, molhando o rosto inteiro no processo até quase se afogar.

Ele havia matado um igual, de novo. Não podia se perdoar. Não podia perdoar a humanidade por obrigá-lo.

Depois de alguns minutos, ajeitou seu sobretudo de agente e saiu da casa, sem olhar para o corpo do velho que um dia fora seu herói.

***

O sol da manhã iluminou o rosto do garoto que descansava deitado numa cama bastante confortável. Ele afagou os cobertores que o cercavam e por um momento decidiu continuar deitado. Levantou-se com um pulo quando percebeu que estava em um lugar completamente desconhecido. O garoto olhou ao seu redor e não pode distinguir o lugar que estava. Uma dor de cabeça extrema lhe atingiu, enquanto ele tentava se lembrar o local exato em que estava.

Pelo que se lembrava, estava em Minas Gerais, seguindo uma pista do paradeiro de Oséias Mandigold, o único que poderia ajudá-lo a encontrar o Lar Arsalein.

Lucas caiu da cama, se desequilibrando, mas se pôs de pé para observar melhor o quarto. Com decoração simples e um pouco empoeirado, havia somente a cama e um criado mudo ao lado. Na parede a sua direita havia uma janela com persianas cor bege por onde a luz da manhã invadia. Lucas se dirigiu para a janela, para ver o que havia lá embaixo.

Ali não parecia ser Minas Gerais, os prédios altos e o intenso movimento de pessoas indo e vindo de todos os lados. Minas Gerais não era assim ontem, ao menos não a pequena cidade em que ele havia dormido.

Um tremor lhe percorreu o corpo, ele poderia ter se teleportado novamente. Pode ter feito isso inconscientemente enquanto dormia e agora poderia estar em qualquer lugar.

— Merda... – Ele limpou os olhos e olhou mais uma vez em volta.

Nada, nem ao menos um detalhe que indicasse onde estava. Lucas olhou para si mesmo e percebeu algo importante.

Aquelas não eram as suas roupas esfarrapadas que estava vestido ontem. Algo estava muito errado, ele sentia uma lacuna em sua memória. Um grande branco, sempre que tentava se lembrar de onde estava. Sua última memória era ter dormido na grama próximo à uma cidadezinha, depois um grande vazio, e agora isso.

Ele se apoiou na parede. Seus cabelos, suas roupas, tudo parecia diferente do que ele se lembrava. Uma dor física no peito lhe tirou o fôlego por um instante, uma ardência profunda. Ele pôs a mão por debaixo da camisa e sentiu um ferimento, uma queimadura quadriculada. Ele a tirou para revelar o ferimento, a examinou por alguns segundos, mas não adiantava, não conseguia se lembrar de nada.

Saiu do quarto em que estava para ver o resto do apartamento. Suas cores eram simplistas, e havia somente os móveis mais básicos na sala e na cozinha. Lucas examinou os armários e os encontrou cheio de suprimentos não perecíveis; biscoitos, macarrão, arroz e feijão. Ligou a água da torneira e jogou água no rosto. Seu cabelo estava bem cortado, sua barba aparada. Lucas levou a mão ao rosto enquanto a dor de cabeça o atacava novamente. Tudo estava diferente.

Ele foi à sala e sentou-se no sofá, tinha que planejar os próximos movimentos, saber a que distância do ponto inicial ele estava, e saber também o que havia acontecido com ele.

Ele se deitou no sofá e percebeu algo que não havia visto antes, um pedaço de papel em cima da mesinha de centro. Lucas se levantou eufórico e pegou o papel, que pelo estado, parecia muito mais novo do que todos móveis empoeirados do apartamento. Era um bilhete, e seu nome estava escrito nele. O verdadeiro, Thomas.

"Olá Thomas! Muito prazer, eu sou Henrique, fundador do Lar Arsalein e do CEPAA (Centro de Estudo e Pesquisa Anna Arsalein), mas não conte isso pros outros okay?

Desculpe não me apresentar apropriadamente, tento sempre fazer isso com todos os meus alunos, mas não pude agora. Sim, eu sei que você tem milhões de perguntas, mas serão sanadas de modo não tão satisfatório quando minha amiga Suzana chegar aqui. Pergunte tudo a ela enquanto voltarem para o complexo. 

Desculpe a demora, Thomas, Bem Vindo ao Lar."

Lucas leu e suspirou. Primeiro que odiava que o chamasse de Thomas, mas não ali, não agora. Se aquilo era verdade, ele havia achado o Lar. Mas quando? E por que não se lembrava?

Seus pensamentos foram deixados de lado quando a porta do apartamento se abriu.


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Notas finais do capítulo

OQ ACHARAM????



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