A Vingança de um Herói escrita por Pedro Haas


Capítulo 6
05.A Memória


Notas iniciais do capítulo

CÁ ESTÁ!
Aproveitem :33 aliás, a fic tá acabando, vcs não perdem por esperar



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Lucas e Amanda dormiram brevemente nos bancos do passageiro enquanto Octávio dirigia. Ele estava mantendo uma velocidade constante baixa para não levantar suspeitas, e estava funcionando. O lobo branco descansava na traseira do carro, e em menos de uma hora estariam em São Paulo.

Ele não precisara parar nos dois pedágios que tem da fronteira até a capital, mas quando passou pelo último, Lucas acordou com um susto. Sentindo o carro desacelerando, começou a se preocupar.

— Por que não acelera? - ele perguntou.

— A polícia rodoviária - Octávio explicou, parecendo impaciente - Fazendo uma inspeção, deve ser por conta da comoção que vocês aprontaram mais cedo.

Lucas ficou pálido. Droga, ele pensou, eles estavam tão perto, e agora vão ter que se virar.

Octávio parou em uma fila de carros, e Lucas o encarava pensando em alguma solução. Com certeza essa blitz foi armada pelos agentes do Hospital, e se o vissem, ele seria morto. O garoto acordou Amanda, que dormia pesadamente com a cabeça em seu colo. Ele tocou em seu rosto e sussurrou seu nome, e ela acordou tão alerta quanto ele.

— Lucas! - ela estava um pouco desorientada pelo sono - Onde estamos? Já chegamos?

— Faltam uns 50 quilômetros pra capital - Octávio respondeu, não tão preocupado quanto Lucas.

Amanda arregalou os olhos.

— Por que paramos então? - Lucas explicou para ela a situação, enquanto o carro avançava lentamente, logo logo seria a vez deles - Meu Deus...

— Vocês gostam de cachorro? - Octavio perguntou, de modo descontraído, Amanda olhou para trás.

— Otto... Você não tá pensando nisso.

— Coloca a mão atrás do banco - ele continuou - Tem uma alavanca que puxa os bancos pra frente, dando acesso à traseira.

— Como esses policiais não vão ver o Lobo gigante? - Amanda perguntou, já entendendo o plano.

— Ele tá camuflado, vocês vão passar despercebidos como ele. - ele encarou Amanda pelo retrovisor - Confie em mim, se enfiem aí e façam carinho nele!

Amanda começou a tremer levemente, ela estava com medo, nervosa com a situação, mas também não queria ser um fardo. Tanto ela quanto Lucas eram procurados agora, e teriam que conseguir. Lucas colocou a mão sobre a dela tentando a tranquilizar. Os dois puxaram a alavanca e desceram os bancos, revelando uma pequena passagem para a parte traseira da picape, onde descansava o lobo gigante.

Ele era branco, Amanda tivera certeza, mas agora ele estava com as cores do carro, invisível como um camaleão. Se você não prestasse bastante atenção, não o veria.

— O Lobo... - Amanda começou - ele era branco, tenho certeza.

— Como disse antes - explicou Octávio - Ele está camuflado. Anda logo, se apressem!

Lucas se arrastou primeiro, ficando bem ao lado do Lobo, perto de forma que o Lobo o cobria. Amanda o acompanhou, se apertando por baixo dos pelos espessos do Lobo que não os percebia. Eles tinham que rezar para que aquilo fosse suficiente para cobri-los, estavam se apertando embaixo do Lobo tentando ficar fora das vistas dos agentes do Hospital.

Amanda segurou a mão de Lucas enquanto lutavam​ para respirar. De alguma forma, ela achava aquilo tudo emocionante, não quer dizer também que perdera o medo, claro. Estavam embaixo de uma criatura temível, enquanto avançavam na direção de uma inspeção que poderia os matar.

Amanda começou a orar, enquanto segurava a mão suave de Lucas. O carro avançara mais um pouco, e agora era a vez deles. O garoto começou a suar frio, estava se esforçando agora pra ouvir o que Octávio falava com os policiais. Não conseguia ouvir nada, Amanda apenas orava, e o Lobo dormia cobrindo os dois. Ele estava tenso, Amanda começou a acariciar sua mão levemente.

Sentiram toques na lataria do carro, como se alguém estivesse se apoiando nele. Lucas se encolheu, tentando olhar nos olhos de Amanda. Queria passar segurança a garota, mas como? Se ele próprio estava tremendo de medo. Odiava ser tão medroso, odiava.

Uma voz mais acalorada se ergueu, e Octávio a rebateu. O garoto ainda não conseguia entender, mas parecia ser uma discussão sobre as ordens do alto escalão. Não era para Octávio estar indo pra São Paulo, mas ele estava, e isso deixou alguém irritado. O carro acelerou um pouco, mas parou bruscamente, Lucas se encolheu mais.

Depois do que pareceram ser horas, o carro estava novamente na pista. Octávio desacelerou um pouco, jogando o carro no acostamento brevemente para puxar o banco e deixar Lucas e Amanda voltarem para frente, demoraram para se desvencilhar do Lobo, mas conseguiram.

— O que aconteceu? O que disse a eles? - Lucas perguntou com intensidade.

— Calma, rapaz - Octávio olhou para ele, o garoto estava suado e ofegante, a garota também - Consegui que me deixassem ir, mas solicitaram minha presença na unidade do Hospital em Campinas. Nada grave, não se preocupa, te deixo em São Paulo e vou.

O garoto suspirou preocupado mas ainda um pouco aliviado. Amanda olhava para frente ainda com a pulga atrás da orelha, Octávio apenas devolveu o olhar, até que ela parou.

***

Naquela noite, Lucas voltou para casa com o velho, em silêncio, querendo reclamar sobre ter que voltar a igreja, querendo respostas sobre o treinamento, mas manteve-se em silêncio. Quando chegou na casa de Oséias, apenas tomou um copo d'água e dormiu.

Nos dias seguintes, o exercício fora apenas um, meditação e oração, e a noite iam a igreja. De manhã, Lucas caminhava nos montes altos ao redor da casa junto com o velho, e quando alcançavam um lugar bem alto, Seu Oséias abria uma Bíblia e fazia um sermão religioso rápido, depois, obrigava Lucas a orar. O garoto não sabia nunca como fazer, orava em voz alta e timidamente. Começou a falar baixo depois, e mais tarde, decidiu apenas pensar na oração, enquanto pensava no quanto aquilo era inútil.

O velho parecia ler seus pensamentos toda vez que Lucas pensava aquilo.

— Garoto, eu deveria te rolar montanha a baixo, sabia? - ele golpeou seu ombro com a bengala - Chega de orar, feche seus olhos e esvazie sua mente.

Ele lhe deu outra pancada no ombro após falar isso.

— Assim fica difícil, velho!

Ele tentou esvaziar a mente como pôde, mas as memórias insistiam em persegui-lo; uma sala escura, seu pai, a raiva. Seu melhor amigo sendo torturado ao seu lado, enquanto ele segurava em suas mãos. "Use seus poderes, Thomas".

O coração do garoto acelerou, o mundo todo ficou em silêncio enquanto a memória passava vívida em sua cabeça. "Use seus poderes, Thomas!". Um grito, do verdadeiro Lucas, e as lágrimas no rosto de Thomas bagunçando sua visão.

Lucas abriu os olhos, e Seu Oséias o encarava.

O encarava de longe, do outro lado do monte.

Ele parecia estar sorrindo.

***

Amanda tinha pesadelos. Sonhava com Nova Iorque, com os corpos, algumas vezes via os rostos dela e do garoto Lucas que conhecera naquele dia, algumas vezes, os corpos apenas não tinham rosto. Sempre que tinha esse pesadelo ela orava, pedia a Deus para que aquilo passasse, para que aquilo não fosse verdade e fosse apenas coisa da cabeça dela, mas, no outro dia, ela sonhava a mesma coisa. O mesmo homem nú, brilhando numa cor avermelhada, irradiando calor. De alguma forma, Amanda sabia quem ele era. Carlos. Quem era Carlos?

Toda vez que acordava, seu pai corria para seu quarto e ficava com ela lá até ela dormir de novo. Orava com ela, e a ajudava a limpar a mente. Era isso que ele dizia sempre: "Limpe sua mente, não pense em nada"... Como se fosse fácil.

Pensar na igreja e nos estudos eram sua escapatória. De manhã ela estudava na escola de ensino médio da cidade, era a líder dos jovens e representante de classe, portanto era respeitada. A tarde, fazia rapidamente o dever de casa e ia à Igreja. Estava em todas as atividades da igreja, ajudava a cuidar dos preparativos pra todos os cultos, e aquela atividade sempre lhe acalmava. Quando voltava a noite, ela orava com seu pai, uma, duas horas. Depois, meditavam, esvaziando a mente e dormindo sem pensamento nenhum na cabeça. Mas isso era na teoria, na prática, toda vez que Amanda fechava os olhos, enxergava a Super Lua, ou Nova Iorque.

Seus dons também estavam mais fortes, e tocar na mão de seu pai ao fim de cada oração era como entrar naquele vazio cheio de memórias daquele dia. Ela conseguia sentir as emoções das pessoas de maneira bem mais clara, mas suas próprias emoções estavam pouco a pouco se perdendo.

As vezes, se perdia em uma memória que não era sua, se ela fosse triste, Amanda chorava, se fosse feliz, ela se sentia bem. As vezes isso a confundia. Talvez esse fosse o propósito de Deus na vida dela, ela seria alguém que qualquer um poderia confiar, alguém que ajudaria muitas vidas e as evangelizaria, segundo as palavras d'Ele. Ela se agarrou a esse propósito com todas as forças. Ela mudaria o mundo.

A garota se sentia responsável pela maioria dos jovens de sua igreja, mas a pessoa que ela mais se comprometera foi Lucas. O garoto misterioso vindo de algum lugar que ela não tinha certeza se queria conhecer, mas estava curiosa. Ele não era religioso, então, quando Seu Oséias não estava com ele na igreja, o velho o deixava nas mãos de Amanda. Ele não fora muito receptivo a palavra e aos ensinamentos bíblicos no início, mas, quanto mais o tempo passava, mais ele parecia se interessar.

A pedido de Oséias e com a permissão de seu pai, Lucas começou a estudar a bíblia na casa dela.

— Esse moleque... - o velho comentou, Amanda achou engraçado - Eu imagino que só você consiga ajudá-lo - parecia o mais perto de implorar por ajuda que ele conseguia chegar.

Nesse dia, Oséias segurava o menino pelo pescoço, como se ele fosse um animal malcriado. Amanda nunca esquecera a expressão tímida de vergonha no rosto do garoto. De início, ele não gostou nem um pouco daquilo, questionava sarcasticamente tudo que a garota dizia. Porém, quanto mais tempo passavam juntos, mais ele estava envolvido. Participava mais das atividades dos jovens da igreja com ela, até arrumou amigos, e quase toda tarde ele ia na casa dela para ler a palavra de Deus e orar com ela, era uma rotina muito leve e divertida, mesmo que ele tenha deixado claro que ela não poderia o tocar. A garota não sabia seus motivos, mas segurou sua curiosidade ao máximo e respeitou a decisão dele.

Lucas era curioso, para ele era como um novo mundo a ser descoberto e Amanda estava adorando ensinar. Ele não tinha vergonha de perguntar coisas que para outras pessoas pareciam simples, por exemplo: Quem era Judas? O que diabos era o Mar Vermelho?

Lucas estava deitado no chão do quarto da garota, lendo a bíblia enquanto ela fazia anotações para os próximos cultos. Amanda tinha que confessar não estava tão focada assim. Por vezes se pegava olhando para ele, que mordia a ponta da caneta marcadora que usava para marcar citações ou coisas que ele achava divertido. Ele a viu fazendo isso, então aderiu o hábito, era uma graça. Amanda se culpava toda vez que se distraia olhando como o cabelo escuro dele caia na frente de seus olhos e como a folha estava tão coberta com tinta amarela.

O garoto evitava perguntar enquanto ela anotava, respeitando sua concentração, mas dobrava páginas específicas para falar sobre o que ele não entendia depois. Ele era dedicado, mais que os jovens da igreja que também faziam parte da liderança. Mesmo que não acreditasse plenamente em Deus, isso só tornava tudo ainda mais surpreendente.

Para ela, era fascinante.

***

Sem Lucas perceber, passou-se semanas, meses nessa rotina. Ele desenvolvera seus poderes razoavelmente, ainda não conseguia se teleportar para longas distâncias, mas não se importava mais com isso.

Era estranho, mas ele tinha uma vida nova agora, amigos que ele gostava e que gostavam dele. E até uma paixão um tanto quanto platônica por Amanda. Participava das atividades da igreja e sentia sua fé crescendo lentamente, gradualmente, mesmo que não acreditasse tanto quanto os outros, ainda se sentia muito bem com eles. A religião era muito mais complexa do que o Hospital o fizera pensar, talvez um dia ele pudesse ser tão entregue quanto Amanda... Talvez um dia, Deus o perdoe por seus pecados e o dê uma vida nova.

— Eu preciso partir - disse o Velho Oséias, um dia, enquanto Lucas fazia café e se preparava para ir para casa de Amanda noutra sessão de estudos bíblicos - Eu tenho que tratar de um assunto, e você ficará na casa de Jonas até que eu volte.

Lucas apenas o encarou, pensando que era uma brincadeira, mas não era, o velho parecia sério - até um pouco preocupado com o garoto -, então ele teria que obedecer de uma forma ou outra. "Tudo bem, sem problemas", Lucas pensou enquanto concordava com o velho, aparentemente Amanda também já estava avisada, pelo menos agora ele não tinha que se concentrar tanto no treinamento dos poderes, ele quase os esquecera por um tempo. Agora podia se concentrar em entender a Palavra e nas atividades da igreja.

O garoto estava verdadeiramente feliz com sua nova vida.

Estar na casa de Amanda era tão natural que para Lucas pouca coisa mudara, ele já passava a maior parte da tarde lá de qualquer forma. A casa não era tão grande, então ele teve que dormir no chão do quarto da garota, deitado num colchão. Ele tinha que ser honesto em dizer que a intimidade entre os dois cresciam pouco a pouco, e ele ficou um tanto quanto desconfortável nos primeiros dias. Contudo, quando Amanda puxava conversa sobre os poderes de Lucas, e falava um pouco sobre os dela, a conversa fluía incrivelmente.

A garota era bastante curiosa, perguntava sobre as crianças do Hospital, e Lucas falava sobre as peculiaridades que conseguia se lembrar, uma de cada vez. Até a dele próprio.

— Você sabia? - ele disse, um pouco descontraído - Eu não só teleporto, o que já é demais.

— Você faz mais o que? - ela perguntou genuinamente interessada.

— Ah! Não posso dizer, é ultra secreto, se você souber vou ter que te matar - ele disse, rindo.

— Não mesmo, bobão! - ela riu - Vamos lá, me mostra! - ela se sentou de pernas cruzadas na frente do garoto que estava sentado no chão dela lendo enquanto conversavam.

— Não diga que não avisei, loirinha.

Lucas suspirou e segurou as mãos dela, e lá estava ela, a conexão que os dois tiveram no primeiro dia que se viram, com menor intensidade agora. Lucas se concentrou, e suas mãos se esquentaram lentamente. Era um calor diferente, aconchegante, Amanda se sentia acolhida.

— Está sentindo? - perguntou o garoto, até sua voz parecia ter mudado, suave e ao mesmo tempo firme.

— Isso é tão bom! - ela sussurrou, levando as mãos do rapaz ao seu rosto, fechando os olhos para sentir.

Lucas ofegou quando ela fez isso. Amanda era linda, mas ali, segurando as mãos dele contra o rosto, com um lindo sorriso contido e os olhos fechados... Ela estava estonteante. Ele nem viu quando se aproximou, puxando o rosto da garota levemente contra o seu e a beijando. Amanda fez um som de surpresa, mas logo em seguida passou seus braços pelo pescoço dele.

Os poderes da garota estavam descontrolados, a conexão entre eles estava extrapolada, os dois se sentiram completamente unidos por um breve momento. Lucas pôde perceber o que Amanda sentia por ele, o quanto ela admirava sua determinação e sua dedicação. Ela sentira o quanto Lucas gostava da curiosidade e pureza da garota também. Por um momento, se deixaram afundar um no outro através de seus beijos suaves.

Sorriram um pro outro, nenhum dos dois acreditavam no quanto eles se gostavam. Entrelaçaram os dedos e o garoto beijou a mão da loira.

Então tudo começou a dar errado.

A garota pois a mão no peito e sentiu uma dor terrível, não física, mas emocional, como se o pai dela tivesse acabado de morrer na frente dela naquele momento. Não era culpa dela, tampouco de Lucas, mas aquelas memórias que o garoto havia enterrado bem fundo dentro de si durante esses últimos meses veio à tona. A sala escura, o outro Lucas sentado e tremendo, sentindo uma dor excruciante. "Use seus poderes, Thomas!".

O garoto se afastou com os olhos lacrimejantes, enquanto Amanda mal conseguia se apoiar na cama, com a expressão deformada pelo medo e desespero daquela memória. Ela nunca experimentou algo tão forte, pesado a ponto de a marcar tão profundamente. Ela olhou para Lucas, que estava paralisado. Amanda suspirou fundo, concentrou-se na Super Lua, a imagem que a fazia esquecer de todo resto. Respirou e inspirou profundamente, mentalizando a Super Lua, e fez isso até se acalmar.

— Eu... Sinto muito... - ela gaguejou um pouco, sua voz estava fraca, marcada de tristeza - Sinto muito, Lucas. Meu Deus...

— Você está bem, Amanda? - ele estava genuinamente preocupado. Avançou até ela e a envolveu num abraço, focalizando em seu poder acolhedor.

— Meu Deus, Lucas... - ela encostou a cabeça no peito do garoto - Eu sinto... Tanto... Tanto...

Ele a acariciou enquanto ela chorava quieta. Ela parecia muito chocada, tão traumatizada quanto ele ficou.

Quando foi obrigado a participar daquela tortura.


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Notas finais do capítulo

Comentem, me alimentem com sua curiosidade



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