How to Heal escrita por somestars


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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— Lua, você precisa sair desse quarto.

Fechei o livro no qual estava imersa até a repentina entrada do meu pai no quarto e inspirei profundamente. Todas as vezes em que ele ou minha mãe se escoravam no batente da porta e diziam essa frase, eu sabia que não teria um dia pacífico. Ele não descansaria até que eu saísse de casa, mesmo que fosse apenas para "dar uma volta" e "espairecer".

— O senhor acha que, se eu sair do quarto, os meus pensamentos vão ficar aqui?

— Você vai precisar superar isso, Lua.

Minha garganta ardeu como se estivesse em chamas.

— Quer que eu demonstre alguma melhora? — ri. — Enquanto eu saio pra tomar um sorvete e ajo como se nada tivesse acontecido? Quando passo por homens e finjo não ter medo deles? Ou, talvez, enquanto tento disfarçar o pavor, o desespero que toma conta de todo o meu corpo quando um carro diminui a velocidade ao meu lado para pedir alguma informação!

Eu gritava, mas o meu pai continuava impassível. Ele estava me analisando, disso eu tinha certeza.

— Eu não disse que você precisa superar agora. Disse que um dia vai precisar, e se ficar sempre dentro desse quarto, você não vai ter outras coisas para distraí-la e sua mente vai focar só no que aconteceu.

— Não me analise. Eu não sou sua paciente, está bem? Não, não peça desculpas — interrompi quando ele tentou fazê-lo. Minha mãe apareceu na porta devido aos meus gritos e tentou se aproximar, mas eu fiz questão de manter distância. — Pai, isso independe do lugar em que estou. Dentro de casa, na faculdade, na rua, no shopping, não há um segundo do meu dia em que paro de pensar nisso. Não tem descanso. Não tem pausa pro café, pro sono, pros estudos. Eu nunca paro de pensar. A minha mente nunca para de me torturar. Aqui, dentro do quarto, eu consigo me sentir segura, enquanto fora dele, só me sinto muito pequena e vulnerável.

— Eu e seu pai não aguentamos mais ver você assim... — começou a minha mãe, chorosa.

— O problema é ver? — perguntei mantendo a voz calma. — Então eu volto pra minha casa! Se esse for o problema...

— Você não está preparada, Lua! — brigou e voltou-se para discutir com o meu pai, mas eu já não estava mais prestando atenção. Minha mente estava cansada demais e resolveu que era hora de se desligar do que acontecia naquele momento.

Era verdade, eu não estava preparada para voltar a morar sozinha. Uma das poucas coisas que me mantinham sã era o som dos meus pais se movimentando no andar de baixo. Talvez fosse por isso que eu tinha aquela sensação de segurança, e não só por estar trancada dentro de casa. Se eu não estivesse aqui, sabe Deus as loucuras que eu teria feito.

— Já faz uma semana que você foi naquele grupo e, desde então, não saiu para mais nada.

— Mãe, eu sei. Pra que eu iria sair? Não houve necessidade em nenhum momento. E olha ali, está chovendo. Tempo perfeito para ficar em casa.

Nesse momento, o meu celular vibrou dentro do bolso da calça. Era Liza.

— Licença — pedi e me retirei do ambiente para atender a ligação. — E aí, Liza! Tudo bem?

"Quem... Quem está falando?"

Estranhei a voz, não se parecia nada com a da menina de quinze anos que eu conheci. Era muito mais madura.

— Meu nome é Lua. Quem é?

"Seu número foi o primeiro que apareceu, o mais recente."

— Me desculpe, mas quem está falando?

"Sou a mãe da Elizabeth", falou, a voz sumindo a cada palavra. Eu estava começando a me preocupar, mas não queria demonstrar. Não é muito comum uma mãe pegar o celular da filha adolescente só para ficar fazendo ligações aleatórias.

— Ah, sim. Está tudo bem?

"Não..."
 

Desci as escadas pisando tão forte que meus pais deram um pulo no sofá da sala. Eles levantaram quando peguei as chaves do carro, mas eu estava tão brava e com tanta pressa, não houve tempo nem mesmo de perguntarem o que tinha acontecido. Era o meu objetivo, não queria responder nenhuma pergunta, não queria falar com ninguém naquele momento. Um sentimento, até então desconhecido, estava corroendo o meu corpo, e parecia que só iria cessar quando eu fizesse alguma coisa a respeito. Qualquer coisa. E eu iria fazer.
 

Saí com o carro antes dos meus pais me alcançarem gritando que eu não podia dirigir naquele estado. Eu tinha ciência de que estava fora de controle, mas realmente não dava a mínima. Não me importava com o que poderia acontecer. O meu pé afundava cada vez mais no acelerador. O vento bagunçava violentamente os meus cabelos. Eu não tinha um destino, estava rodando sem rumo. Nem mesmo conseguia prestar atenção na rua, minha mente estava lotada de pensamentos soltos que eu não conseguia colocar em ordem, por mais que eu me esforçasse pra isso. Liguei o rádio, aumentei o som. Precisava me acalmar. Precisava me acalmar. Eu me perguntava o porquê daquilo ter me afetado tanto, mas eu sabia a resposta.

Buzina.

Você não sabe quão bons são seus reflexos até que você precisa deles.

Girei o volante pra direita quando vi o imenso caminhão vermelho em alta velocidade no cruzamento. A chuva havia parado, mas o asfalto ainda estava molhado. Os pneus derraparam, o carro rodou, o farol alto do caminhão me cegou.

A buzina ecoou novamente.

 

Quando o carro parou de rodar e eu percebi que estava tudo bem e que eu sairia dali com, no máximo, um corte na testa devido a pancada que dei no volante, não veio o alívio esperado. Em vez disso, um nó se fez na minha garganta e uma tristeza infinita se instalou no meu peito. Todo o calor que a raiva tinha me proporcionado foi embora quando, ali, no meio da rua, eu consegui apoiar a cabeça nas mãos e colocar os pensamentos em ordem. E também foi naquele instante que, como num estalo, eu soube pra onde devia ter ido desde que recebi a ligação.

 

Abri a porta. Todas as mulheres que estavam sentadas naquela roda se viraram com o barulho.

— Lua! Que bom que você veio... — levantou-se a líder, mas eu não queria ouvir.

— Para de falar, por favor — interrompi. — Deixa eu perguntar primeiro, sim? Como é que vocês conseguem?

— Desculpe, como conseguimos o quê?

— Pare de falar com essa vozinha suave, Maggie! Eu sei que você tem ódio aí dentro. Eu sei que todas vocês têm. Eu tenho! Muito! E eu vou tirar tudo do peito aqui. Agora. E vocês vão me ouvir. Isso é tão bizarro... Como? — eu cuspia as palavras, como se tê-las não ditas tivesse um gosto ruim, amargo. — Sério, como vocês conseguem ouvir outras meninas contando o pior acontecimento da vida delas, bater umas palmas e tomar um cafezinho? Vocês sabiam que não ajudam em nada? Qual é o objetivo desse grupo, Maggie? Se for, do fundo do seu coração, ajudar, você está fazendo um péssimo trabalho.

— Lua, acalme-se... — uma das mulheres tentou me conter.

— A Liza se matou.

A minha intenção fora gritar, mas o que saiu foi um sussurro fraco, como se doesse falar. E doía.

— Vocês sabiam disso — concluí quando ninguém se pronunciou sobre a bomba que eu acabara de soltar.

— É. A gente sabia.

Em choque e indignada, me virei na direção da voz. Uma moça, não devia ser mais velha que eu e em quem eu não havia reparado até então, me olhava intensamente. Tinha longos cabelos pretos lisos e um cigarro pendurado entre os lábios. Seu olhar não era de desafio, superioridade, era quase como um "eu te entendo", mas sem o peso e a pena que geralmente carregam. Aquilo me desmontou. A armadura de ódio e julgamento que eu vestia caíram no mesmo instante.

— Eu mal a conhecia — desabafei tentando secar as lágrimas insistentes com as costas das mãos. — Não tínhamos nenhuma relação, nada além desse grupo nos conectava. Eu nem entendo o porquê de estar tão afetada.

— Porque ela era você — respondeu a moça, agora com o cigarro entre os dedos. — Entende o que eu estou falando, não entende? Você se viu na Liza. Torcia pra que tudo desse certo e ela ficasse bem. Porque você compreende perfeitamente o que ela estava passando.

Encarei a garota. Ela conseguiu pôr, em poucas palavras, tudo o que aquele turbilhão de pensamentos me dizia mas eu não conseguia entender.

— Me desculpe, mas quem é você?

— Summer. Meia irmã de Liza.

 

Estávamos sentadas no meio-fio.

As mulheres que participavam do grupo de apoio ficaram quietas por um momento, mas depois que Summer e eu nos retiramos da sala, elas voltaram a conversar sobre a escola dos filhos, a nova cor do cabelo da vizinha, xícaras de porcelana e coisas assim.

— Summer, por que a mãe de Elizabeth ligou pra mim, e não pra você?

— Eu nunca me dei bem com a família da Liza — respondeu dando de ombros.

— Mas vocês não são irmãs?

— Meias irmãs — corrigiu-me antes de continuar. — Quando o pai dela engravidou a minha mãe, ele e Christine, mãe de Liza, já eram casados. Desde que soube da minha existência, Marco manteve distância. Ela o obrigava. Às vezes ele conseguia escapar e me levar um presente, ou me levar pra sair, mas no geral, eu cresci só com a minha mãe. Christine me odiava. Nunca escondeu isso. Me odiava mesmo, e Liza nem era nascida, só nasceu quatro anos depois de mim. E se eu vi Elizabeth cinco vezes na vida, foi muito.

— Por que você estava lá? — finalmente perguntei, referindo-me ao grupo de apoio.

— Eu estava sem rumo.

— Mas você também foi...

— Vamos beber alguma coisa — interrompeu-me já se pondo de pé e estendendo a mão para me ajudar a levantar. — E, ah, você precisa cuidar desse corte na testa.

Eu havia me esquecido completamente da ferida e do acidente, mas a partir do momento em que Summer me lembrou, minha cabeça começou a doer muito mais do que as leves latejadas que eu estava sentindo até então.

— Se você ainda mora com os seus pais, eles vão morrer de preocupação se você voltar pra casa assim, com isso aberto. Vamos, na minha casa tem um kit de primeiros socorros.

Enquanto andávamos, me senti tranquila. Não era algo comum, principalmente pelo fato de que eu estava na rua à noite com uma desconhecida. Mas, sim, me senti tranquila, e foi estranhamente satisfatório - se levar em conta que uma tragédia aconteceu e que outra poderia ter acontecido.

— Você mora sozinha? — perguntei enquanto a seguia pela rua mal iluminada. Ela confirmou com a cabeça. — Eu morava também.

— Não aguentou, né? — ela adivinhou, me encarando de novo com aquele ar de "eu te entendo" sem o peso e a dó que esse tipo de olhar geralmente tinha. — Tudo bem, Lua. Ninguém é obrigado a ser forte o tempo todo.


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Notas finais do capítulo

Brigada por ler até o final! Até o próximo.



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