Azul & Âmbar escrita por Haylea


Capítulo 2
Em que Magnus descobre que Shakespeare estava certo


Notas iniciais do capítulo

Shakespeare era um homem sábio.



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Divertido, Magnus continuou andando ao redor do local, procurando algo que o interessasse. Resolveu ir para a seção de História, como uma piada interna. Enquanto passava por algumas estantes viu alguém escondido, sentado em uma das mesas mais ocultas e distantes com um livro que parecia ser de matemática. Era alguém com a alma tão familiar que por alguns segundos, ficou incapaz de dar mais um passo, envolto em lembranças, felicidade e saudade.

Com tantos séculos em suas costas e depois de acumular diversos conhecimentos sobre inúmeros assuntos, Magnus seria um tolo e hipócrita se não acreditasse na máxima: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”. Sua própria existência atestava isso. Ele acreditava piamente que ali estava seu Alexander. Ou ao menos, a reencarnação dele. O bruxo não sabia explicar como sabia, mas sentia seu espírito atrair-se para o garoto à sua frente, dando às boas vindas.

Sentiu que as lágrimas estavam prestes a descer. Sentiu a agonia, a alegria, a esperança, a dor, a tristeza, o amor em uma espiral de sentimentos que ameaçavam engoli-lo. Passou a mão no cabelo e piscou tentando afastar as lágrimas. Precisava recuperar o controle. Sentou-se, o mais silenciosamente possível, em uma cadeira próxima ao que o adolescente estava, observando-o e pensando.

Com a mesma experiência e sabedoria em que acreditava que nem tudo podia ser explicado nessa vida, fosse pela ciência, fosse pela religião, Magnus sabia que estava diante de uma daquelas encruzilhadas que determinam toda uma existência. Podia ver o que aconteceria caso se aproximasse e falasse com o garoto. Alguns olhares bem colocados, uns toques calculados e uma conversa casual o fariam ter um encontro com Alec em estourando, dois dias. Eles se encontrariam, se encantariam um pelo outro e dentro de algumas semanas estariam namorando. Após alguns anos de namoro, Magnus lhe contaria seu segredo e faria um feitiço para dar a visão à Alec, permitindo-o ver os seres do submundo. Nunca lhe passou pela cabeça que Alec o rejeitaria.

Passados quatro ou cinco anos, iriam morar juntos o que os levariam naturalmente ao casamento dentro de um ou dois anos após compartilharem uma casa. Depois de três ou quatro anos, decidiriam adotar uma criança que levaria a outra e talvez a outra. Sem o peso de ser um Caçador de Sombras, Alec não precisaria se colocar em perigo ou sair em horários irregulares para caçar submundanos malvados. Teriam uma rotina pacífica na qual os acontecimentos mais emocionantes seriam Magnus fazendo alguma travessura com sua magia, os clientes que o procurariam para pedir favores — poderia até criar um local separado para evitar que Alec e os filhos se encontrem com seus fregueses ­­— ou as crianças aprontando alguma dentro de casa ou na escola. “Teremos paz.”, pensou. E de repente, viu-se querendo tudo isso. Jamais trocaria o que viveu com Alec em sua primeira reencarnação, mas desejava o retrato desse cotidiano pacífico que criara em sua mente.

No entanto, ao mesmo tempo que tecia essa vida, a sua contraparte se acomodava: Alec indo embora depois de descobrir que era imortal; um cliente seu insatisfeito indo atrás de sua família mundana, que sem treinamento ou os benefícios que ter sangue de anjo oferece, acabaria morrendo caso Magnus não chegasse a tempo; as brigas que poderiam acontecer porque sem o conhecimento e as experiências como um caçador das sombras Alec seria uma pessoa com vivências distintas que sua prévia encarnação. Alec seria Alec, mas também não seria seu Alexander. Uma outra imagem ainda mais aterradora veio a sua mente. Viu-se enterrando Alec novamente. E o bruxo não sabia se podia lidar com a perda mais uma vez. Com o peso de mais lembranças agridoces, de duas experiências com a mesma pessoa.

De repente, como se puxado de dentro de um vórtice, viu-se encarando olhos azuis. E percebeu que o tom de azul não era o mesmo. “Os olhos do meu Alexander chegavam primeiro, e ele vinha depois”, brincou consigo mesmo. O daquele adolescente era o azul escuro do mar em meio à uma tempestade. Ainda lindo, mas diferente.

Sorriu divertido ao perceber que assim que seus olhos encontraram, Alec abaixou a cabeça, seu rosto em um rubor delicioso que o deixava mais atraente. “Esse aspecto de sua personalidade não mudou.”, refletiu.

E no entanto, nos minutos que ficaram naquele jogo de olha, não olha, Magnus sabia que não podia fazer isso consigo mesmo, nem com ele. Aproveitando-se que o outro mais uma vez abaixara a cabeça, levantou-se e dirigiu-se à porta de saída. Sentiu-se observado e girou a cabeça, dando uma última longa olhada ao adolescente, visualizando o que vivera, o que poderia ser e o que a pessoa à sua frente se tornaria. Respirando fundo, Magnus tomou uma decisão pelo bem do homem sentado ali ainda o olhando e por si mesmo: saiu da biblioteca.

Magnus sempre amaria Alexander, mas entendia que não importava o tipo de relacionamento que teriam, o fim seria o mesmo e apesar de agora sentir-se forte o suficiente para suportar os sentimentos que se seguiriam ao encontro e a separação, o bruxo entendia que esse caminho acabaria levando-o à loucura. Então por amor a si mesmo, por amor às lembranças e por amor a Alexander, se afastaria e seguiria seu caminho. O deixaria viver sua vida afastado de perigos e amores sobrenaturais.  

“Adeus, Alexander”.


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