Kandor: as chamas da magia escrita por Sílvia Costa


Capítulo 8
Capítulo VII - Buscando aliados


Notas iniciais do capítulo

Então pessoal, como estão? Terminei o capítulo (que pra mim é enorme e se ficar cansativo me digam) e espero que gostem.Tem uma surpresa em algum lugar nele pra vocês.

Demorei um pouco pra postar mas o próximo já está em andamento, então deve sair até dia 15.



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Solano andava pela biblioteca com as mãos nas costas. Embora o rosto estivesse calmo, sua mente estava em turbilhão devido aos últimos acontecimentos. Não imaginava que Diana agiria assim após saber sobre mais um de seus deveres. Não acreditava que isso a assustasse, porém sabia que ser a última a descobrir as coisas não foi a melhor opção. Ela se sentia traída e começaria a duvidar das pessoas, e assim buscaria por informações. E ela conseguiria e disso ele tinha certeza. Para completar, estava encabulado com o comportamento de Daniel e Agenon, integrantes do Conselho. Na noite em que contou a Imperatriz sobre o poder do reino, como não conseguia dormir, ficou até tarde perambulando pelos corredores quando descobriu que não era o único de pé além da Guarda. Daniel parecia ter voltado de um passeio ao jardim, subindo as escadas com passos leves e olhando para os lados, como quem tem receio de ser visto. Não bastasse isso, Agenon surgiu de outra ala no primeiro andar, como quem vem da Sala do Trono. Mas tão tarde da noite?

Na parede, a imagem dos pais de Diana em um quadro formava uma angústia em sua alma. Frida estava de lilás ao lado de Arth, vestido com uma camisa branca de manga longa, coberta pela túnica verde até os cotovelos. Uma capa preta partia dos ombros dele. Foi a última pintura antes da sombra se abater sobre todos.

— Nós os sepultamos há treze anos. É incrível como ainda dói.

Sarah entrou sem fazer barulho. Parada na porta com seu vestido azul e os cabelos castanhos claro soltos, em nada lembrava a mulher agitada e nervosa do outro dia.

— Não ouvi você chegar. — Foi a única coisa que conseguiu pronunciar.

— Estava tão distraído. — Ela caminhou lentamente em sua direção, a mão passando pelo encosto das cadeiras até chegar bem próximo a ele; encarando-o enquanto isso, mas sem sinais de desafio. Observou o quadro com cuidado e ficaram calados por um tempo. Solano analisou seu rosto e imaginava a discussão que teriam dessa vez.

— Eu trouxe um chá.

Ele não tinha percebido e ela disse isso tão repentinamente que o tirou de seu transe. Fitava atentamente os olhos de Sarah que não se ateve ao que ela trazia. Segurava em uma das mãos uma pequena bandeja com uma xícara fumegante que espalhou um aroma convidativo pelo cômodo. Ele não sabia o que responder.

— Não tem veneno, se é isso que está pensando. Foi Nãna quem preparou. — Era mentira, mas ele não precisava saber.

— Eu não disse isso. Nunca pensei que fosse capaz disso. — Esforçou-se para se manter calmo e enfrentá-la.

— Não importa — e estendendo a bandeja completou — mas se não quiser; eu tomo. — E rapidamente se desviou dele. — Você levou Diana até lá, não foi?

Ela agora estava sentada em uma das cadeiras mirando o lugar onde Diana estaria se fizesse companhia a eles. Ele também se sentou e pousou a bandeja sob as pernas. O chá estava quente demais para que pudesse tomar de imediato.

— Sim. — Um monossílabo. Irritante para quem o ouvia.

— Você poderia evitar isso se tivesse contado tudo de uma vez.

— Não era a melhor decisão para aquele momento.

— Quer que eu conte? — Sorriu perigosamente.

— Não seria capaz.

— Acredita mesmo nisso?

Ela era capaz. Se tinha uma coisa que ele tinha aprendido na vida, era nunca duvidar dela. Não a compreendia totalmente, nunca conseguiu e não acreditava que isso seria possível. Seu sim também era um não e tinha a capacidade de negar a si mesma algo que desejava, quando podia ter, se fosse por uma causa que julgasse mais urgente. Seu sorriso ao vê-lo perdido não negava que estava jogando em seu próprio benefício agora.

— Você quase não apareceu ontem.

— Tinha outras coisas a resolver.

— Claro. É um homem muito ocupado. — Com o indicador fazia círculos pelo braço da cadeira. — Magno tem feito um ótimo trabalho no Conselho na sua ausência.

Ela sabia onde tocar. Suas feridas ficavam expostas para ela. Por que mexia tanto com ele? Não bastava o que ele já estava passando? Não bastava tudo que ela já tinha feito? Agora expor também que Magno, que ele bem sabe que no fundo o detesta, está tratando de mostrar serviço a Imperatriz? Não parecia um jogo justo, nem necessário.

— Vou deixar você sozinho. Te fiz a gentileza de trazer um chá, mas vejo que não foi do seu agrado. Diga a Nãna que faça um melhor.

Sem esperar resposta, Sarah se levantou e foi em direção a porta.

— Me conte primeiro o que está tramando, Sarah. - Ela parou ainda com a mão na maçaneta.

— Eu prometi não mentir para você. Mas eu não disse que te contaria tudo.

Ele tomaria o chá. Com certeza o veneno estava em outro lugar.

************************

O barulho lá fora indicava que a manhã estava quase no fim: os guardas já trocaram de turno, os pássaros faziam verdadeiras algazarras nas árvores do jardim, algumas cozinheiras descansavam em uma ala mais distante antes de começarem o almoço. Os rostos descansados das pessoas lá embaixo me faziam tamanha inveja, como nunca tive antes.

Dormir foi uma tentativa inútil na semana anterior depois de tudo o que eu ouvi. Era como se tudo, esse tempo todo, não tivesse passado de uma mentira. Eu não sabia bem o que fazer com esse poder mas não resisti a voltar todas as noites ao estranho lugar que ele me apresentou. Ela respondia a mim, era como se sentisse minha presença pois seu brilho mudava: toda vez que me aproximava era mais intenso. Não resistia em tê-la nas mãos e ver que ela tentava formar algo ao redor delas. Eu não posso dizer quantas horas passei lá mas o calor que a Joia emana e a paz que ela me trás me faziam regressar. Também não podia negar que estava curiosa. Se minha mãe a usava, eu precisava fazer o mesmo de alguma forma.

Como ninguém no reino precisava ver minha decepção estampada no rosto, tratei de colocar o melhor sorriso e descer mais cedo que o normal todos os dias. No primeiro, encontrei Nãna colocando a mesa.

— Bom dia minha querida.

— Bom dia, Nãna. — Ela organizava a cesta com pães quentinhos na mesa.

— Caiu da cama? Está muito cedo, não acha?

— Tenho algumas coisas para resolver. — Eu tive a impressão de que queria dizer algo a mais mas se calou.

— Claro… claro. Obrigações da sua nova vida.

Nova? Com certeza. Depois de tudo algumas coisas mudariam. Eu parei olhando para uma taça na mesa, no lugar que Solano costuma se sentar. Fiquei imaginando se teria dormido bem e se meu tutor imperturbável apareceria com uma expressão de perfeita paz e ordem.

— Não fique assim tão zangada com ele, Diana. Ele só fez o que achava que seria o melhor — Nãna colocou a mão sobre meu ombro e a outra mexia no meu cabelo.

— Você também sabia de todas essas coisas? E algumas mais eu suponho.

— Todos nós sabemos de alguma coisa. Ordens de sua mãe. — Ela parou me olhando nos olhos. — Você sabe que ela era muito gentil mas nenhum de nós ousou desobedecê-la. Depois desses anos todos, a lealdade ainda é nossa companhia.

— Você sofreu muito com morte dela? — Nãna tinha envelhecido um pouco. Ao redor dos olhos se formavam rugas e em meio a seu cabelo escuro, alguns fios brancos insistiam em destoar.

— Mais do que eu pensei que poderia suportar. Não pude salva-la. — A voz falhou. Depois de uma pausa, ela prosseguiu. — Talvez se… eu preciso terminar a mesa.

Eu não insisti e tampouco esperei pela família ou o Conselho para o café, mas fiquei sabendo que Solano não apareceu. Naquela manhã pessoas do reino vieram ao meu encontro, o que consumiu boa parte do meu tempo. Andreas, Allef e Magno me ajudaram a receber todos; Magno bem mais disposto do que os demais. Era um bom aliado, eu supunha, apesar de ter o gênio explosivo às vezes e na ausência do chefe do Conselho, estava se saindo muito bem cuidando de tudo e os outros o respeitavam. Precisávamos de uma ponte nova ao sul, alguns diziam que eu deveria sair e ver como andava o reino… mas nada grave. O que importava era que todos se organizaram para resolver meu primeiro questionamento no Conselho.

Estava repassando a semana em minha mente quando Ariana entrou no meu quarto. Tínhamos discutido sobre o que ela sabia mas não consegui arrancar nada além do que já tinham me contado.

— Está pronta? — Ela vestia uma calça preta e uma bata verde por cima, que ia até a metade da coxa. Usá-las era motivo de reprovação em todo o reino, pois consideravam que a calça era roupa de homem. Já tive discussões feias por causa disso mas não ia privá-la de se sentir bem. Não queria montar de vestido por nada no mundo pois gostava de mais liberdade para cavalgar, e por fim, depois de tantos anos ao meu lado, as pessoas começaram a aceitar sua forma de vestir. Os cabelos castanhos estavam presos em uma trança colocada de lado e havia uma joia com o brasão do reino preso a bata, indicando que estava a meu serviço.

— Sim. Já vamos descer. Só preciso pegar mais uma coisa. — Não podia deixar a tiara para trás mas também não podia usar a da minha coroação. Era pesada e um exagero sair com ela, então escolhi uma mais simples. Ariana olhou curiosa o quarto, andando devagar como se procurasse por alguma coisa.

— Você não a trouxe para cá? Você estava pensando em tirá-la daquele lugar.

— Não sei se devo então resolvi deixá-la no lugar. Vou lá somente à noite e sair com ela é desnecessário, eu acho. Para quê eu precisaria dela? — Perguntei sentindo um leve formigamento na mão direita só de lembrar que a forma que a luz tomava no início, estava mudando cada dia mais, transformando-se no que pareciam chamas. — Vamos passar o dia fora, ou pelo menos boa parte dele. Espero que não tenha se desacostumado a ficar tanto tempo em um cavalo.

— Eu? Quem é a Imperatriz que fica o dia entre ouvir o Conselho — e fez uma cara de desgosto, revirando os olhos — e administrar o reino?

— Cavalgo melhor que você.

— Quer apostar?

Rimos juntas. Ariana era sem sombra de dúvida a irmã que eu nunca tive. Já compartilhamos muitas coisas esses anos todos: nossos sonhos, medos, descobertas, brincadeiras e é claro, as broncas. Juntar nós duas era pior que reunir os dez meninos mais bagunceiros de toda Kandor. Ainda lembrando de nossas aventuras, seguimos até o estábulo para pegar Trovão e Cítara, uma égua marrom e branca que era a preferida de Ariana.

 

POV John

Os ânimos estavam agitados a semana toda. Diana andava estranha e embora soubesse disfarçar bem, eu conhecia o gênio de minha sobrinha: no fundo estava magoada e iria interrogar a sua maneira um por um, discretamente e não deixaria saídas, a menos que a pessoa fosse muito esperta. Eu precisava evitar que Martha dissesse alguma coisa sem fundamento. Desde a morte de Adones ela mudou muito, tanto que às vezes eu não a reconheço. Se Diana conversasse com ela com astúcia, o estrago estaria feito. E falando nela, se aproximava do estábulo, e não estava sozinha. O riso alegre indicava que sua antiga parceira de travessuras também viria.

— Vejo que estão muito alegres hoje. Uma cavalgada rápida tão cedo?

— Estou pensando em passar o dia fora. Uma cavalgada pelo reino. Preciso ver algumas coisas.

Então era isso. Talvez eu pudesse tirar o dia para um pequeno descanso. Um tempo com Martha faria bem a nós dois. Mas precisava manter essas duas longe de confusão. Diana não estaria com os olhos desafiadores se não estivesse a procura de alguma coisa.

— É uma excelente manhã para sair, sem dúvida. Erick, guarde Silvestre para mim. — O cavalariço se apressou em cumprir a ordem. Era um rapaz atento e esperto, e eu contava com ele para várias tarefas, não somente cuidar dos cavalos. — Eu mesmo busco os cavalos para vocês.

Precisava pensar rápido. Alguém teria de ir com elas.

 

POV Marcon

Ainda estava cedo mas parecia que o dia seria muito quente. Poderia descansar um pouco se não fosse meu tio e sua extrema mania por treinamentos. Eu tinha a impressão de que ele queria montar uma guerra. Contra quem? Não fazia ideia. O reino não tinha muitas coisas com as quais se preocupar, embora eu acredite que isso vá mudar. Com certeza ela foi levada até a Joia e agora sabia o que deveria fazer. Eu gostaria de poder ver a fonte do poder do reino mas não era qualquer um que poderia abrir o local de acesso a ela. Por hora, eu precisava voltar para o palácio, para o café, mas fui surpreendido com a presença dela no estábulo.

— Não creio que seja necessário, tio John.

— Creio que seja, Imperatriz. Vão passar muito tempo fora e eu suponho que a companhia de alguns guardas seja útil.

Ela é muito bonita. Usava um vestido longo, verde e branco; as cores do reino, e com detalhes dourados nas mangas curtas e na barra. Na altura do abdômen, um sem par do que pareciam ramos bordados criava um desenho, indecifrável de onde eu estava. A tiara que usava era simples e formada por pequenos brilhantes. De repente, uma coisa me veio a mente: por que estava ali divagando? Precisava cuidar de meu dever. Tratei de me aproximar, principalmente depois de ouvir a voz de Henry.

— Tenho certeza que a Imperatriz e sua amiga podem se cuidar sozinhas; mas uma companhia não faria mal. Poderia servir de ajuda.  

— Concordo plenamente com Henry — e odiava admitir isso — e creio que posso acompanhá-las.

Ele me lançou um olhar atento e poderia jurar que um quê de desgosto passou por seu rosto, já que nunca fomos muito próximos na Guarda. Ou será que tinha segundas intenções com essa escolta?

— Se insistem. Mas Ariana e eu levaremos só um dos guardas.

Ela direcionou seu olhar para cada um de nós e tinha um sorriso enigmático que jogou por terra a ideia de meu tio de mandar pelo menos uns dez. Esperava que ele me escolhesse e deixasse o filho de Agenon com uma tarefa qualquer.

— Henry, você também está terminando o turno agora, certo?

— Sim, senhor. — Respondeu prontamente, virando-se para meu tio.

— Algumas horas a mais seriam problema? Amanhã você pode tirar o dia de folga.

— Nenhum problema. Seria uma honra fazer a escolta.

— Me candidato também meu tio. — E me virando para Diana completei. — Ter dois de nós pode ser melhor que um; Imperatriz.

— A Imperatriz certamente não se incomodará se eu destacá-lo para outras atividades. — Seu olhar buscou a aprovação dela.

— De certo que não.

—Henry, sele seu cavalo e as acompanhe.

Eu fervia por dentro. Não podia perder essa oportunidade. Henry tratou de fazer uma reverência e buscar Órion. A minha chance se esvaía bem na minha frente. Eu precisava fazer algo.

— Lamento Marcon, mas seu turno já se prolongou demais. Tem feito um ótimo trabalho, mas preciso de você em outro lugar agora. — Meu tio colocou a mão em meu ombro em sinal de apoio. Do outro lado, Ariana franziu a testa e me olhou como se tentasse ler minha mente.

— Certamente haverão outras oportunidades para que eu as acompanhe, Imperatriz.

— Tenho certeza que sim. — Seu rosto não demonstrava muitas emoções mas podia jurar que vi um sorriso se formar no canto esquerdo da boca. Ouvi as criadas comentarem sobre flores no início da semana o que significa que ela guardou o buquê. Isso era um ótimo sinal e uma vantagem para mim.

 

POV Henry

Marcon não ficou satisfeito com a escolha do general John mas eu estava pronto para sair e escoltar a Imperatriz e sua amiga pelo reino. Ele nunca foi meu amigo, se comportando às vezes como um homem super responsável e em outras como se fosse o próprio soberano. Essa seria a oportunidade perfeita para me aproximar mais dela, sem contar que ganhei um dia inteiro de folga, e eu não queria admitir mas precisava muito disso.

Deixamos o palácio e seu muro branco para trás. Essa proteção erguia-se bons metros acima de nós, e era de tal espessura que poderia jurar que seria intransponível, e provavelmente era, já que foi criado com magia. Não havia uma só rachadura em toda a sua extensão e depois do palácio, ainda sobrava uma grande área livre dentro de seus limites. Quando era criança gostava de olhar para ele e imaginar que se chegasse ao topo, poderia tocar o céu. Na saída alguns guardas me acenaram e outros me fizeram um sinal, desejando boa sorte.

A Imperatriz seguia à minha frente pois queria evitar que Trovão e Órion se estranhassem novamente. Seu cabelo castanho escuro em cachos balançava lentamente e apesar do vestido, não estava nem um pouco incomodada sobre o cavalo.  Eu tinha certeza de que se quisesse, faria uma disputa para ver qual de nós três venceria numa cavalgada até as primeiras casas na planície.

— Espero não te dar muito trabalho. — Um leve sorriso tomou seu rosto. Elas pararam por um momento e eu me aproximei, tomando o cuidado de ficar mais próximo de Cítara.

— Se fizer isso, eu cuidarei de todos.

— O quanto está acostumado a ficar tantas horas em serviço?

— Da mesma forma que está acostumada a sair para um passeio sozinha. — Ariana nos olhava como se uma interrogação pairasse sobre sua cabeça.

— Creio que vocês não se conhecem, não é? Ariana esse é o guarda Henry Zumach.

— Eu acredito que já o vi uma vez ou outra. — Ela fez uma cara como se eu fosse o ser mais detestável do mundo.

— Por que não vai na frente um pouco? Nós duas já vamos seguir.

Eu não sei o que fez despertar essa resistência mas segui em frente ouvindo antes algo sobre desde quando a Imperatriz e eu nos damos tão bem. Creio que Ariana não fez questão de ser discreta e não me importei muito com isso.

As primeiras casas vieram e com elas as ruas calçadas por pedras. Logo que os súditos a viram começaram a sair das casas e se aglomerar em frente a estrada. Chamavam por seu nome, faziam reverências e se aproximavam para falar com ela. Diana os observava com carinho e respondia com alegria, dava a todos atenção e os ouvia com interesse, mesmo as coisas mais simples. Quando chegamos a parte mais movimentada, onde se concentravam quase todas as casas, já chegava perto do meio-dia e a notícia de que a Imperatriz estava fora dos muros tinha se espalhado rapidamente. De vez em quando o olhar dela varria o ambiente ao mesmo tempo em que conversava sobre coisas triviais. O que ela estava procurando? Por que eu tinha a impressão de que iria aprontar alguma coisa? Eu me mantinha a certa distância mas atento caso me chamasse ou precisasse de algo. Ariana se afastava de mim e usava alguns papéis, fazendo anotações mas também falava ou ouvia alguém. Preferi também me manter longe dela e evitar problemas.

Em uma das ruas, um homem baixo e com um pano amarrado à cintura, que por pouco não se partia, apareceu oferecendo uma rica refeição para nós, sombra e descanso para os cavalos. Era um comerciante, a Imperatriz aceitou sem reservas e seguimos para uma casa, singela e bem arrumada, onde nos acolheu uma senhora da mesma altura do homem e de um sorriso que transbordava bondade. A mesa estava farta e creio que todos nos sentimos tão bem com o tratamento, que não desejávamos sair.

Após o almoço, ela se levantou e foi até uma das cestas de frutas mais afastadas onde o dono da casa estava. Eu não sei por qual razão mas eu tinha certeza que ela estava tramando algo. Embora eles tentassem disfarçar, em certo momento o homem deu a impressão de ter tomado um susto, de ter sido apanhado em um delito. Pouco depois Diana pegou mais uma fruta, agradeceu e saiu. Ele tratou de sumir com a cesta que estava vazia, na desculpa de trazer mais. O que ela disse para assusta-lo tanto eu não conseguia imaginar.

Antes do final da tarde Diana optou por voltar mas por outro caminho e nos aproximamos de uma casa onde havia uma senhora varrendo a entrada. Ela ergueu os olhos e acenou para nós.

— Imperatriz, é tão bom vê-la. — Seu sorriso gentil era o que mais chamava atenção.

— Senhora Alda, como tem passado?

— Bem minha querida. Estou cuidando da casa um pouco já que esses homens folgados nada fazem. — As últimas palavras ela disse se virando para o interior da moradia porque provavelmente seu marido estava lá.

— Mãe, o que é isso!? Diana não veio aqui para escutar essas coisas.

Só então eu reparei a semelhança: a senhora tinha mais ou menos a mesma estatura que Ariana e os cabelos da mesma cor, embora nos da primeira já houvessem alguns fios brancos. O rosto dela tinha finas linhas na testa e ao redor dos olhos mas o olhar vivo e alegre mostrava uma mulher ativa e de saúde. Eram os Walker e a amiga da Imperatriz era a filha deles, única, pelo que eu sabia. Diana e a senhora se tratavam como velhas amigas e Ariana tinha se juntado a elas. Quando sua atenção se voltou pra mim, perguntando se eu era o namorado de alguma delas, eu sorri e sem dar resposta a pergunta me apresentei. Em seguida, um senhor de nome Sirius, simpático e sorridente, se juntou a nós e Ariana decidiu ficar com eles. Retornaria ao palácio no outro dia.

Tratei de levar a Imperatriz de volta antes que anoitecesse e o silêncio reinou por um tempo ao longo do caminho com ela voltada para seus próprios pensamentos. Seguimos assim até deixar as casas totalmente para trás e chegar a uma área rodeada pela floresta. Sem me olhar, ela me interroga:

— O que a Guarda é para você?

— É uma pergunta que me deixa surpreso. — Eu não podia negar que de todos os assuntos que ela podia falar, algo tão íntimo não me passou pela cabeça.

— Ela é importante pra você. Mas eu sei que tem algo mais. — Tinha se virado para mim e seu olhar indicava que estava mesmo interessada no assunto.

— Quando eu cheguei só tinha quatorze anos. Meu pai disse que era muito cedo pois com essa idade eu só podia fazer alguns exercícios leves e acompanhar os adultos uma pequena parte do dia. Aos dezessete eu já tinha um turno. Creio que seu tio gostou de mim. — Dei uma pequena risada.

— Claro. Mas são nove anos. Nunca pensou em sair? Tanto tempo em serviço deve cansar.

— Nunca. Eu tenho amigos lá e isso ameniza até os trabalhos mais árduos. E depois, quando eu entrei jurei lealdade a Clermon, que ocupava o trono, e a você que seria a sucessora. Todo novato faz esses votos e também pela proteção de todo o povo. Nós levamos muito a sério nossos juramentos.

Ela me olhava atentamente e eu podia jurar que vi um sorriso se formar no canto esquerdo da boca. Os cavalos deram mais alguns passos e ela puxou as rédeas de Trovão. Instintivamente, também parei Órion.

— Poderia me dizer qual o motivo para a pergunta, Imperatriz? — Uma brisa leve passou pelas árvores, balançando um pouco as folhas e eu sem querer comecei a reparar nela. Tudo se encaixava perfeitamente, da tiara aos sapatos e seus olhos me encaravam, até que eu realmente comecei a pensar que seu objetivo era me deixar sem graça.

— Te ofereço a oportunidade de ser útil para todo o reino e de continuar a fazer o que gosta. — Ela parou observando minha reação e eu soube nesse instante que pediria alguma coisa em troca de outra. — Na verdade, duas oportunidades.

— Pode dizer. Se estiverem ao meu alcance eu as farei com certeza. — Precisava saber onde ela queria chegar.

— Vejo que você luta com espadas e eu preciso de alguém que me dê umas aulas.

— Não fazia ideia que a Imperatriz lutava. — Simples assim? Não podia acreditar que era só isso.

— Não muito, eu diria.

— Bem, a Guarda tem um local específico para isso. Podemos treinar lá. É dentro das terras do palácio.

— Não quero que seja lá. Direi a meu tio que você foi escalado para uma missão fora das suas atividades, de extrema prioridade. Ninguém deve saber e esteja certo que isso é muito importante para mim, tanto quanto a Guarda é importante para você. — As últimas palavras ela frisou, levemente, mas eu tinha certeza que o tinha feito. Estava me ameaçando? Me tiraria da Guarda se eu não seguisse suas ordens?

— E a outra oportunidade?

— Direi amanhã.

Então era isso. Eu estava de frente para alguém que jogava bem com o poder que tinha e para mim, não havia escolha. Seguiria suas ordens amanhã e veria onde ia chegar mas ninguém me tiraria o que eu mais gostava de fazer.

 

*****************

Com os olhos cheios de lágrimas Celeste, segurava uma bandeja na mão esquerda, no cômodo que antecedia a cozinha. A sua frente uma garota com um vestido azul claro, avental cinza e os cabelos claros presos em um coque a encarava com os olhos marejados e cheios de raiva. Celeste se vestia da mesma forma, a diferença é que seu cabelo era longo e tão negro quanto a noite.

— O que se passa aqui? – Nãna estava na porta com as mãos na cintura e a testa franzida. Ela observava as novatas como se não acreditasse no que estava vendo e fosse o maior absurdo que já tivesse presenciado.

— É essa garota. Ela passou a semana a me provocar.

— A única coisa que tenho visto esses dias é Celeste fazendo seu trabalho com atenção, enquanto você Anabelle, reclama a cada passo.

— Mas Nãna eu posso explicar...

— Não quero explicações! Você sabe que é proibido agredir uma colega. Seu comportamento é inaceitável e seu serviço deixa a desejar. Anabelle, você está dispensada.

A garota olhou surpresa para a chefe da governança, a raiva de Celeste se misturando a indignação. As mãos apertavam o vestido com extrema força.

— Isso não vai ficar assim. A senhora vai se arrepender! - E saiu em disparada pela cozinha.

— É um absurdo! - Seu olhar parou em Celeste. A garota tinha secado as lágrimas na manga do vestido. — Se quer se colocar a serviço da Imperatriz, saiba que vai precisar de disposição, discrição e não deve se abalar com qualquer coisinha. E principalmente: nada de intrigas. Fui clara?

— Sim, senhora. Estou disposta a tudo isso.

Levando-a para a entrada do palácio, entregou um pedaço de tecido e mandou que limpasse alguns dos ornamentos, retornando à cozinha logo em seguida. Pela porta principal, Celeste observou Diana e Henry se aproximarem com os últimos raios de sol. Os dois conversavam animadamente e Celeste os aguardou na porta, fazendo uma reverência.

— Espero que o dia tenha sido proveitoso, Imperatriz. — Diana observou a garota imaginando ser uma das novatas de Nãna. Notou também, de relance, um olhar dela para Henry como se já o conhecesse.

— Com certeza foi. Qual o seu nome?

Antes que ela pudesse responder, um grito ecoou do segundo andar. Alguém em total desespero gritava repetidas vezes uma mesma palavra.

— Assassinos! Assassinos!

 


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Notas finais do capítulo

Será que Daniel, tão quieto tem alguma carta na manga? E Agenon, pai tão correto de Henry, será que está aprontando?
Quem acredita que Ariana precisa de um par? rsrs
Perguntas?
Sinceramente, Diana está certa em determinado ponto. Muito bonito manter a história da pessoa em segredo por anos. Ela não sabe como lidar com tudo isso ainda e eu creio que um personagem principal não deve ser perfeito. Me digam a opinião de vocês.
Será que alguém invadiu o palácio?

Não me matem! Se vocês chegaram até aqui, vão sobreviver às próximas reviravoltas rsrs