Amandil - A Senhora da Luz escrita por Elvish Song, LadyAristana


Capítulo 5
Memórias


Notas iniciais do capítulo

Oláááááááá!
Não me matem, por favor. Sim, eu tive um bloqueio monstro, fiquei doente, tive problemas, e só consegui superar graças à incrível da Sherazade. Espero realmente compensar a ausência com capítulos de qualidade. Este aqui é a última cena antes de as coisas se tornares mais sombrias, trazendo memórias de Amandil e da própria Lynn, além dos acontecimentos posteriores à chegada da Trovadora na cidade dos Elenië.
Espero que gostem!



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Flashback on

 

Amandil sorriu ao acariciar o rosto de seu bebê recém nascido: Alassë, um raio de alegria que vinha iluminar Arda. Ao seu lado, Legolas não disfarçava a emoção, falando baixinho com a filha e tendo o braço ao redor da esposa, enquanto esta amamentava o bebê. Naquele instante a vida parecia perfeita, e a princesa ria baixinho ao se lembrar do desespero de seu amado enquanto ela dava à luz; admirava-se que ele não houvesse cavado um buraco diante da porta do quarto, de tanto andar para um lado e para outro naquele corredor.

— Mais tranquilo agora, meu príncipe? – perguntou a moça, quando o bebê dormiu. Sua fronte tocou a do esposo, que suspirou em alívio:

— Não poder socorrê-la quando sentia dores... Eu preferia que arrancassem o coração de meu peito.

— Não pode lutar todas as batalhas por mim, meu amor.

— E você já me deixou lutar alguma? – retrucou ele, aninhando a esposa nos travesseiros – descanse, agora.

— Eu estou bem. Só dei à luz, e tinha Nana comigo. Está tudo bem, agora.

— Mesmo com Arwen, Lady Galadriel e Tauriel ao seu lado, ainda precisa descansar, senhora “sou invencível”. Não é porque mordeu os lábios até o sangue para não gritar que eu não sei quanta dor e cansaço passou, ouviu? – ele a cobriu com os lençóis e beijou os lábios feridos delicadamente – durma. Ficarei aqui, velando por vocês.

A elfa aninhou a filha nos braços e se aconchegou, sonolenta:         

— Vai se desesperar assim toda vez que um filho nosso nascer?

— Pode sonhar que deixarei você passar por isso de novo – riu-se ele – apenas durma, meu amor. Cuidarei de vocês duas, hoje e sempre.

 

*

 

Alassë corria pelos campos com os cavalos, vigiada de longe pela mãe que tinha Gilraen – sua segunda filha, de apenas dez anos – no colo. A mocinha de oitocentos anos era acompanhada por seu primo, Thorin, Imrahil e sua prima Arwen; as três crianças se divertiam e gargalhavam no campo florido enquanto os cavalos respondiam aos gentis chamados da menina mais velha. O vento soprava calmo, e o sol do entardecer era uma suave carícia nas peles que tocava.

Ela pensava sobre os precoces dons das crianças: Alassë já conhecia procedimentos curativos e ervas medicinais que curandeiros profissionais demoravam a dominar; Imrahil podia dobrar a terra a sua própria vontade, e por mais de uma vez a rainha tivera de bloquear a força do menino quando uma simples briga de crianças provocara pequenos terremotos; Thorin era um guerreiro nato, com instintos dez vezes mais aguçados que um lobo, já capaz de rastrear qualquer criatura que caminhasse ou rastejasse, sempre acompanhando a mãe em suas excursões; finalmente, Arwen era a Elenië que mais trabalho dava... Mesmo tendo apenas seiscentos anos, como Herdeira de Nienna podia pressentir a dor e o sofrimento de qualquer pessoa próxima a si. E por próximo compreendia-se um raio de dois quilômetros. Pior do que pressentir, a garota sentia na carne e no coração as dores alheias, e isso a estava amadurecendo cedo demais; como proteção, a rainha bloqueara seus poderes de modo que apenas a presciência permanecesse, ao menos até que tivesse idade para começar a controlar um dom tão terrível. E ao que parecia, a Senhora da Luz fizera um bom trabalho, pois aqueles quatro pequenos pareciam tão felizes quanto qualquer criança de sua idade, a despeito da imensa responsabilidade com que nascera.

Não demorou muito para que Legolas se juntasse às crianças, ensinando as garotas e o jovem Senhor da Caça e da Guerra a subir em um cavalo sem ajuda de terceiros. Se houvera algum dia um pai mais zeloso ou orgulhoso de suas crianças, ela não o conhecera; mais tarde iriam se reunir nos aposentos da família, contar histórias e pôr os pequenos a dormir, e então seu esposo, a luz de sua vida, a amaria com paixão indizível, para dormirem em seguida nos braços um do outro.

A vida era perfeita.

 

*

 

Cavalgando lado a lado com Lynn, Amandil observava a floresta que crescera sobre o mármore branco que um dia fora a cidade de Minas Celebelleth: era triste, mas possuía uma beleza de certo modo intocada, como se as memórias dos tempos de glória houvessem sido preservadas na pedra e no cerne de cada planta que ali crescera.

— A magia ainda permeia o ar – disse a Senhora da Luz – eu a sinto... Uma névoa de poder que nem mesmo Melkor pôde apagar.

Lynn sorriu e prosseguiu, deixando a Senhora da Luz captar com sua sensibilidade exacerbada as memórias de beleza do lugar. Amandil era a primeira pessoa que trazia ali em toda a sua vida, mas achava que a amiga devia ver com os próprios olhos o lugar onde ela nascera... E a Senhora concordara, agora enfim compreendendo o desejo de Lynn: não era possível compreender totalmente quem era a mulher sem ver o lugar que fora seu berço. Pois mesmo depois de eras a magia de Minas Celebelleth se mantinha viva, registro do esplendor e beleza dignos do Oeste que se haviam erigido na Terra-Média.

Entretanto, não apenas memórias de luz e esplendor resistiam no cerne da pedra e das árvores – diferentes de todas as outras por estarem há tantos milênios expostas àquela magia. A floresta estava... Mais viva do que as demais... E respirava, não como vegetação deveria respirar, mas como um animal. Sob seus pés, Amandil sentia uma pulsação na energia do solo, como um enorme coração... Podia sentir as linhas de energia que delimitavam encantamentos, antigos lugares de poder, centros de memória... E rastreando esses pontos com a mente, sentiu lugares que se tornavam rígidos, quebradiços e pontiagudos como lâminas enferrujadas... Os lugares onde o povo fora reunido para ser abatido... Os pontos onde a matança fora algo em proporções devastadoras.

Ela sentiu seu bebê se remexer inquieto em seu ventre e passou a mão na própria barriga já volumosa, acalmando a criança:

— Está tudo bem, pequenina. Ficaremos longe da escuridão. – mas era difícil não se deixar enredar pelos encantos ancestrais do lugar; mesmo sabendo que muitos eram cruéis armadilhas - criadas nos últimos instantes por elfos agonizantes, para proteger sua cidade e destruir os atacantes ou profanadores que viessem posteriormente – ela precisava lutar com todas as forças para não cair nas belezas hipnóticas e cruzar uma linha que dispararia algum gatilho encantado.

A pequena Nerwen, contudo, recusava-se a ficar quieta, chutando e se revirando; com dor e incomodada pelos chutes violentos da filha, Amandil se distraiu, assustando-se ao sentir a mão de Lynn em seu ombro e ouvir a voz da amiga:

— Está louca, Aman? Eu avisei para não ficar longe de mim! – Amandil ficou perturbada: podia jurar que estava apenas a um ou dois passos da outra, mas agora percebia ter se desviado completamente da trilha. Um encanto similar ao que existia nas Florestas Cinzentas, porém este fora alimentado por muito ódio e mortandade, fortalecido em perigo pelo sangue dos inocentes... Para aquele encanto, qualquer um era um inimigo. Talvez até mesmo a mulher que um dia fora parte do lugar. Aquele tipo de rancor alimentado por milênios podia ser a força mais devastadora da terra. Não havia feitiço mais maligno do que o conjurado sobre sangue inocente, mesmo que com boas intenções.

Caminharam e conversaram pelas ruínas de Minas Celebelleth, até Celynn levar a amiga para um refúgio protegido – uma antiga cabana de curandeira – onde poderiam descansar. Não foi exatamente uma surpresa que o interior estivesse conservado como se utilizado há poucos dias: desde o fogão a lenha até o leito de musgo entre raízes de árvore, tudo absolutamente perfeito, como era antigamente. Amandil suspeitou que fora Lynn quem reconstruíra o lugar, mas preferiu não perguntar. Se a amiga quisesse lhe dizer algo, ela o faria.

Fizeram uma refeição relativamente silenciosa, a rainha extremamente inquieta com a dor que seu agitado bebê causava dentro de si. Mas o que havia? Mal havia atingido o oitavo mês! Por que estava tão inquieta?!

Não passou despercebido a Lynn o desconforto da amiga:

— Amandil, o que foi? – e vendo-a mudar de posição – o bebê?

— está inquieto, chega a me machucar! Nunca senti isso com Alassë ou Gilraen...

— Deixe-me ver – Lynn ia se levantando quando Amandil se curvou sobre si mesma e, com um gemido e expressão de desespero, explicou:

— a-acho que a bolsa estourou... Ela quer nascer agora.

Fora assim que, sob as árvores de prata de Minas Celebelleth, nasceu Nerwen, a Herdeira de Yavanna, Senhora da Vida. Veio ao mundo com seus olhos azuis muito abertos e lúcidos, e o primeiro rosto que viu foi o de Lynn Eredir, a Senhora do Norte. E enquanto a rainha da luz se recobrava de um parto extremamente difícil, Celynn, filha de Túron, compreendeu que estava ligada por vínculos inquebráveis àquele pequeno ser: a última criança nascida na Cidade da Luz Élfica.

A mãe a segurou com lágrimas de emoção, também compreendendo que sua filha respondera às várias energias sentidas naquele lugar ao mesmo tempo sacro e profano; uma criança extremamente especial, de cabelos da cor do mel e olhos de um azul estrelado como os da mãe. Mesmo com tamanha tribulação, a alegria da rainha não poderia ser maior. Ao seu lado, sua irmã e madrinha de seu bebê partilhava da emoção, como se aquela criança fosse em parte sua, também... Como se os olhinhos que a fitaram no primeiro segundo de vida houvessem roubado para sempre o seu coração.

 

*

 

Quatro meninas brincavam no jardim: todas jovens elfas de beleza esplendorosa, irmãs com os mesmos olhos da cor do céu estrelado. A mais velha, com quase quatro mil anos, vigiava as mais novas enquanto tomava parte na corrida por entre os canteiros, sobre a grama verde e macia; tinha cabelos dourados como o Sol, usava sobre o vestido longo de lã sem tingir um manto de penas de cisne, que combinado a sua graça natural fazia-a parecer prestes a alçar voo. Em seu encalço, a morena Gilraen ria com sua voz melodiosa e tentava alcançar a irmã mil anos mais velha, suas roupas manchadas com as cores das tintas que usava até o início da brincadeira, para retratar o belo lugar onde ora brincavam. As duas mais novas, Nerwen e Aeriel, tinham apenas trezentos anos de diferença entre si: a primeira, de cabelos castanho-dourados e vestindo uma curta túnica verde, tecida com folhas, contava setecentos anos e era uma menina em vias de iniciar a transformação da adolescência. A mais nova, com quatrocentos anos, era ainda de todo menina e via-se em seus gestos o vigor e determinação que eram as marcas de sua personalidade, mesmo em tão tenra idade. Tinha os cabelos castanhos e seu vestido curto de criança já se encontrava todo sujo de terra antes mesmo de correr com as irmãs, uma vez que horas antes estivera atormentando Thorin, seu primo, insistindo-lhe que lhe ensinasse a lutar com um machado que pesava quase tanto quanto a criança.

Observando-as placidamente, a rainha Amandil descansava ao lado de seu rei e esposo após algum tempo de diversão com as filhas, e apenas conseguia pensar o quanto era afortunada por uma família completa e unida. Gostaria de congelar o tempo naquela tarde de primavera, um dia sem preocupações, receios ou problemas; e congelado aquele instante permaneceria, ao menos em sua mente, pelo resto de sua vida.

 

Flashback off

 

Amandil foi arrancada de seu devaneio pela chegada de Lynn a seus aposentos; a trovadora a abraçou com carinho, feliz em vê-la recomposta, ainda que os olhos azul-escuros estivessem toldados de dor e preocupação.

— Ah, Maluquinha... Lamento dizer, mas você está horrível. – lamentou a loira, acariciando o rosto da amiga, que retribuiu o gesto:

— Não sou a única. – delicadamente pegou as mãos de Lynn nas suas e examinou as manchas arroxeadas que nem a magia de Alassë pudera remover de uma só vez – eu soube o que fez, sua inconsequente. Mas por quê?!

— Ouviu o que Imrahil disse: um poder sombrio que bloqueia a visão de todos os Elenië. Isso não pode ser uma coisa boa, Aman, e não posso deixar Nerwen à mercê disso! Fui atrás de algo que pudesse ajuda-la... E a você. – ela olhou nervosamente ao redor -  existe algum lugar onde tenhamos privacidade para falar?

— Meu jardim de inverno. Vamos – a rainha puxou a Senhora do Norte rumo à varanda de seus aposentos, e de lá subiram uma escadaria em espiral que levou a um terraço: pequenas árvores frutíferas, arbustos de amoras e framboesas, centenas de flores coloridas e grama macia davam um ar quase etéreo ao lugar, assim como o pequeno lago circular que rumorejava com a fonte de pedras.

— Enfim a sós – riu-se a elfa loira, nunca fatigada das belezas daquela cidade – sem ouvidos curiosos?

— Nenhum – garantiu a rainha, seu semblante se fechando em expressão de pura preocupação e censura – agora... O que, em nome de Erú, era tão importante para você quase se matar daquele modo?

— Isto – Lynn retirou do pescoço um colar cujo pingente de gota era uma gema... Não era possível dizer sua cor, pois possuía todas e nenhuma! Era como uma auréola negra que continha em si um milhão de arco-íris, passando por cada matiz até o mais puro branco. Nunca Amandil vira algo tão magnífico!

— É... É uma... – não podia ser... Era apenas uma lenda! Uma história! Como podia haver outra gema daquelas? Os relatos falavam claramente em apenas três!

— Uma Silmaril? Sim, é. – Eredir estendeu uma das mãos com cicatrizes, o que fez arrepiar a pele da outra, horrorizada com os ferimentos de sua amiga – lembra-se dos feitiços que viu em Minas Celebelleth?

— Os que ficavam ao redor da praça central? – Amandil estava horrorizada: a teia de encantos teria destruído qualquer um! Eram fortalecidos com derramamento de sangue inocente! Fortes o bastante para destruir alguém não apenas de corpo, mas de espírito! Tão poderoso quanto... Quanto a caldeira do Monte da Perdição. Como Lynn estava viva?!

— Eles mesmos. – confirmou a mais velha – uma teia com três Eras de raiva, ressentimentos e clamor por vingança protegendo o tesouro que ocasionou nossa destruição. – Ela suspirou e fechou os olhos, em profunda dor ao reviver lembranças difíceis – não era apenas uma lenda, mas Melkor não poderia tê-la alcançado: os encantos determinavam que apenas um sacrifício próprio feito por um coração puro poderia recuperar esta gema. Mas é claro, os feitiços que vieram depois não eram tão sutis... Memórias de cada um dos que morreram, todas de uma vez só... – a elfa não conseguia nem mesmo chorar, a despeito do abraço apertado em que a outra a envolvia. Fora uma dor tão grande que suas lágrimas haviam secado – e a maldição consuptiva... – ela gemeu ao lembrar-se da dor fantasma – achei que ia morrer.

— Como conseguiu passar por tudo aquilo, Celynn, sua insana?! – Amandil chorava flagrantemente, seu emocional já abalado pelos últimos dias incapaz de conter a comoção e preocupação pelo gesto da outra – por que se submeter a isso?! Podia ter sido... Poderia estar...

— Sim, poderia. – ela fungou – eu sabia disso, e foi só por estar disposta a morrer que eu sobrevivi. Porque eu me lembrei dos motivos de estar ali, do que era tão importante que me fazia oferecer minha própria vida! – ela abraçou a amiga com força quase desesperada – algumas coisas são mais importantes do que nossa vida... E até mesmo do que nossas almas. – as duas mulheres trocaram um olhar cúmplice, e sabiam que motivo era esse: Nerwen. A criança que desde o nascimento haviam amado com a mesma intensidade. Filha de Amandil pelo sangue, e de Lynn Eredir pela magia que permeara seu nascimento.

— Nunca mais faça algo tão insano. – pediu a rainha, apertando a outra contra o peito – não posso perde-la também, Ventania.

— Nem eu posso perde-la, Maluquinha – retrucou Lynn, segurando a mão de Amandil entre as suas – vai adentrar um lugar desconhecido, onde nem mesmo Imrahil pode chegar... Um lugar escuro, onde as estrelas não poderão lhe dar forças, onde não há luz... Então, precisará levar sua própria fonte de luz, não é? – Ela removeu o colar, erguendo-se majestosamente, assim como Amandil: duas Senhoras, duas filhas de reis, ligadas pelos laços da mais pura amizade e do profundo respeito. A árvore sob a qual se sentavam começou a balançar com um vento vindo de lugar nenhum, e um forte aroma de flores se desprendeu de cada arbusto, não obstante fosse inverno!

— Tem certeza do que fará, Senhora do Norte? – indagou a Rainha da Luz, numa última confirmação, ao que a mulher de cabelos dourados falou:

— Eu, Celynn Eredir, última sobrevivente e herdeira do trono de Minas Celebelleth, a Cidade das Luzes Élficas, Senhora do Norte, Filha de Túron, A Peregrina, Trovadora de Lugar Nenhum, concedo a você, Idril Amandil, filha de Elrond e Celebrían, herdeira de Galadriel, Primeira Elenië e Senhora da Luz, a posse da quarta e última das Silmarils. Que seja uma luz nas trevas mais profundas, e lhe dê forças quando você fraquejar – fechou o colar no pescoço da outra, que respondeu:

— Eu, Idril Amandil, neta de Galadriel, Primeira Elenië, Luz de Varda e Espada de Manwë, recebo sua dádiva com gratidão, honrando sua confiança com o empenhar de minha palavra: será em nome da luz e justiça que usarei tão preciosa gema, e tão logo finde esta missão, a herança de seu povo tornará a suas mãos, Senhora do Norte, Filha de Túron, a mais antiga dos elfos na Terra Média. – com uma reverência profunda, ergueu os olhos para a amiga, e logo em seguida abraçaram-se com força. – obrigada, Lynn.

— Agradeça-me trazendo de volta nossa pequena Selvagem. – sussurrou a trovadora, cujo coração doía tanto quanto o de Amandil ante a falta da jovem Senhora da Vida.

*

Imrahil, Thorin e Alassë haviam encontrado, após vários dias, o ponto preciso em que Nerwen entrara naquela redoma escura que bloqueava suas capacidades: uma fenda na rocha que conduzia a uma caverna da qual emanava uma sensação de frio e morte. A despeito de todas as tentativas, ninguém havia conseguido cruzar aquela barreira, até que Amandil, desvencilhando-se do desesperado esposo, tomou a dianteira:

— É um escudo. Nada poderá passar. – ela respirou fundo e estendeu a mão, que atravessou facilmente a brecha nas pedras. Puxou o braço de volta, fitando curiosa seus próprios dedos, e explicou ao restante da família – sou a mãe dela. Ligadas pelo laço mais forte que existe... Sou parte dela, e o fato de a caverna me permitir entrar é prova de que Nerwen está lá dentro.

— Mãe – interrompeu Alassë – não pode ir!  Você é a Senhora da Luz! Sem a Senhora da Vida, a Terra logo definhará... O que não acontecerá sem você? Não há mais outros Ainur velando pelo oriente, além de nós... O que poderia acontecer, se você se ferir, ou se não conseguirem... – Amandil ergueu a mão para silenciar a filha: tivera aquela conversa com Legolas, na noite anterior, e sua decisão já fora tomada:

— Nerwen precisa voltar. Longe das estrelas, do sol e da lua, ela fenecerá rapidamente. Alguém precisa libertá-la, e sou a única que pode fazer isso, não apenas por experiência, mas por ser capaz de atravessar tais barreiras. – ela fitou seu esposo, que já não ousava dizer nada. Ele comandara o rastreamento, a busca, mas agora as palavras lhe faltavam enquanto forçava-se a manter a própria dignidade, sabedor de que resolver tal questão era algo muito maior do que suas capacidades. – em minha ausência, Lorde Thranduil e Lady Aireen ajudarão seu pai nas questões do mundo. Quanto a vocês, são todos filhos das estrelas. Que os magos caminhem sobre a terra, mantendo vivas as tradições e histórias, contando a verdade e impedindo que o ódio entre as raças desperte. O restante de vocês abandonará forma física pelo máximo de tempo possível, e velará sobre a Terra-Média como os Ainur que são. – ela fitou Eredir, muito digna em sua montaria, embora seus olhos carregassem a tristeza do mundo – E se a dúvida lhes ocorrer, Lady Eredir os orientará, com sua sabedoria superior à de qualquer de nós.

Todos teriam irrompido em falatório, discussões e pedidos, mas sabiam que era inócuo: tinha de ser feito. Assim, a rainha se despediu de cada um de seus protegidos, de seus amigos e irmãos de armas, e finalmente de Legolas.

— É a segunda vez que a vejo entrar em um mundo escuro, sem ter a certeza de que a verei novamente. – declarou ele – não parece mais fácil, hoje, do que há cinco mil anos.

— cada dia longe de você é uma tortura, meu amor – a própria Amandil sentia-se receosa, como se sentira ao caminhar para a Montanha da Perdição, mas infinitamente mais motivada. Abraçou-o com força, e uma única lágrima escorreu de seu rosto – eu te amo, meu rei.

— Você é a luz que orienta meus dias. Por tudo o que há de sagrado, volte para mim. E traga nossa filha de volta. – ela se afastou apenas o bastante para limpar as lágrimas que teimaram em escorrer pelas bochechas do Rei, e sorriu de modo embargado ao pensar em como ele permanecia o mesmo desde os dias em que eram apenas dois jovens apaixonados. Nem mesmo um único traço se modificara, mas o amor... Ah, este crescera e fortalecera com os anos, de um modo que tornava as palavras absolutamente inúteis. Beijaram-se uma última vez, com toda a força e desespero das saudades antecipadas, antes de enfim se deixarem.

A última pessoa de quem a Senhora da Luz se despediu foi Lynn Eredir: parando diante dela, executou uma reverência profunda antes de pousar a mão direita sobre o lado esquerdo do rosto da outra, numa profunda demonstração e afeto. Seus lábios apenas sussurraram:

— Obrigada.

— Traga Nerwen de volta – disse a mais velha – eu cuidarei deles.

— Sei que cuidará. – trocaram um abraço forte, não muito longo, e então a rainha se voltou para a fenda nas rochas. Caminhou resolutamente em sua direção, e tão logo cruzou aquela escura barreira, foi como se sua energia jamais houvesse existido sobre a terra. O próprio dia pareceu escurecer, ao menos para seus familiares, e não havia mais retorno: a Rainha da Luz estava, enfim, no submundo.


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Notas finais do capítulo

Merecemos reviews? o que acham que vai acontecer? O que é este submundo estranho onde Nerwen acabou presa, ou perdida, e o que Amandil pode encontrar lá? Apostas?



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