Crônicas do Amor Caótico escrita por Lune Kuruta


Capítulo 2
Dia 2 (Arigêmeos): Encontro Sangrento


Notas iniciais do capítulo

"Dia 2 - Desenhe/Escreva sobre seu otp numa situação totalmente inusitada, constrangedora, etc."

Olha, "inusitada" é pouco...



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Aquele Dia dos Namorados prometia ser bem legal, na opinião de Áries. Primeiro porque, apesar de já ter passado algumas daquelas datas em companhia de Gêmeos antes, era o primeiro que ela passava de fato namorando, e não simplesmente aproveitando as promoções de chocolate da época pra assistir séries e fofocar no quarto. E segundo porque havia acabado de tirar sua carteira de habilitação e poderia levar a namorada ao cinema no carro da turma numa boa, sem precisar pedir a ninguém.

Claro que faltou combinar aquilo de “dia legal” com o infeliz que, em alguma aleatória defecada, bloqueou um dos cruzamentos mais importantes da cidade, dando um belíssimo nó no trânsito e atrasando por tempo indeterminado os planos da ariana de curtir o dia numa boa.

Um congestionamento possui alguns estágios, dependendo da duração: o primeiro é a “caída de ficha”, que é basicamente quando você nota que a coisa está feia à frente, pensa em retornar e descobre que já se ferrou…

— Vish, Ari, parece que o trânsito tá parado… dá ré e tenta aquela transversal!

— Calma aí… puta que pariu, já me fecharam atrás! — Ari deu um soco no painel e se seguiu um minuto inteiro da garota desabafando uma parcela de seu vasto estoque de palavrões. Gêmeos discretamente anotava alguns em seu celular — Era o que me faltava! E o tempo tá bom, com certeza algum imbecil fez cagada lá na frente!

— Tô vendo aqui no Twitter que sim, foi cagada alheia, mas a uns 5 quilômetros daqui… o trânsito deu um nó! — Exibiu tweets e imagens à namorada.

O segundo estágio, já antecipado por Áries, é aquele em que você xinga o causador do engarrafamento (seja ele conhecido ou uma entidade abstrata e impossível de ser vista no momento) de todos os palavrões que você conhece e inventa mais alguns. Também é a fase em que a buzina é acionada mais vezes. Como a cada momento há mais carros ingressando em um congestionamento e os estágios ocorrem em momentos diferentes para cada motorista, o som de buzinas é uma constante durante todo o período, o que obviamente piora o humor de todos os envolvidos.

Já o terceiro estágio é aquele em que você se conforma. Em geral, você deixa de gritar com o motorista da frente para gritar com o de trás…

— PASSA POR CIMA, IMBECIL, NÃO TÁ VENDO QUE ESSA BOSTA TÁ PARADA???

Esse desafio tão clássico nos engarrafamentos é uma boa forma de introduzir o motorista de trás que está no estágio 2 ao 3; afinal, não adianta buzinar pro carro da frente se ele está tão preso quanto você. Obviamente se deve ter um cuidado extra quando o motorista atrás de você está dirigindo o famoso “Monster Truck”, aquele caminhão gigantesco usado pra passar por cima dos outros carros. Mas qual a probabilidade de isso acontecer com você, não é mesmo? São muito baixas, e no caso de Ari e Gêmeos a Lei de Murphy estava muito ocupada trabalhando em um evento próximo (como nuvens escuras que começavam a se aproximar no horizonte) para perder tempo com ninharias.

— Capaz que ainda vai chover, alá… que bosta. Vai ficar ainda mais difícil o trânsito.

Já conformada, Áries aumentou um pouco o som para ouvir as músicas do pendrive e as duas começaram a cantar juntas uma das trocentas músicas “das duas”, mãos dadas, sorrindo uma para a outra enquanto o Sol era engolido pelas nuvens negras.

Do you recall, not long ago… we would walk on the sidewalk… TÁ OLHANDO O QUÊ, MEU BEM???

Obviamente a interrupção veio da ariana da relação, que prontamente havia registrado um efeito desagradável do terceiro estágio: quando não se tem nada pra fazer, muita gente costuma se focar no carro ao lado, reparando e, dependendo do poder aquisitivo, lançando aquele desagradável olhar de “I’m judging you”. No caso, a autora do olhar havia sido uma garota da caminhonete ao lado, carona de um motorista que exibia todo o ar de boyzinho agro — aquele que usa botas e jeans que parece embalar as pernas e o saco a vácuo, mas nunca, jamais sujou as próprias unhas de terra.

— Que mal-educada, você! — A xereta em questão empinou o nariz — Também, né, o que esperar? Carrinho popular, roupinhas mais ou menos, gritando música achando que canta…

— TÁ SE ACHANDO A FODONA, NÉ???

— Ah, só ignora, amor… — Gêmeos entrou em ação; a bicolor, que encarava displicentemente as próprias unhas, lançou um olhar analítico ao veículo que estava a seu lado — Olha o naipe! Picapezinha que parece gritar “papai que deu”, o cara se achando o cowboy do asfalto, a mina do loiro mais fake que eu já vi com uma jaqueta mais mequetrefe ainda, dá pra ver daqui o acabamento podre...

— Vai falar da minha jaqueta, coisinha gótica? Meu namorado que me deu, e olha que deve valer mais que essa lata-velha de vocês! Couro legítimo, puríssimo, dá pra ouvir até o tecido mugir!

— Ooh… o velho truque do embrulho de loja chique, né, parceiro? — Gêmeos piscou travessa para o motorista, que se encolheu no banco — Querida, o único mugido que dá pra ouvir da jaqueta vem de dentro dela. Moço, podia ter sido pelo menos um couro ecológico, né? Nem é tão caro…

A loira se virou para bater boca com o namorado, indignada e exigindo que ele desmentisse “aquela maluca trevosa”, mas aí aconteceu uma série de coisas ao mesmo tempo: começou a ventar muito, muito forte, e tanto Ari quanto o motorista anônimo tiveram de fechar seus vidros às pressas; um grito distante foi se avolumando, acompanhado por cada vez mais vozes, como uma onda de horror percorrendo todo o congestionamento…

… E um tubarão-martelo despencou sobre o capô da picape ao lado delas.

— QUE PORRA É ESSA???

O grito de Ari se perdeu em meio ao pânico geral e Gêmeos arregalou os olhos heterocromáticos. Tubarões! Tubarões de vários tipos e tamanhos voando pelos ares, colidindo contra capôs e tetos dos carros, vez ou outra arremessados contra vidros que se quebravam. Alguns tubarões jaziam mortos; outros ainda possuíam força e fome suficientes para investir contra as pessoas desesperadas, mordendo-as sem piedade. Em pouco mais de um minuto, o típico engarrafamento havia se tornado uma típica cena de filme gore… e muito, muito trash.

O impulso da maioria das pessoas ali era correr, abandonar os veículos estagnados e fugir por suas vidas. Ari fez menção de correr também, mas foi firmemente contida pela geminiana, que indicou com a cabeça o trágico destino dos que se atreviam a correr sem proteção: arrastados pelo vento impiedoso e devorados de forma sangrenta por tubarões que não paravam de cruzar o ar.

— A Capri mandou blindar quando você disse que ia tirar carteira, lembra? — Gêmeos gritava para se sobrepor à balbúrdia — Estamos melhor aqui dentro que lá fora!

— Tem certeza??? — Ari arregalou os olhos ao ver os carros diante de si saírem voando, arrastados por um tornado gigantesco. Ok, admitia que tinha chegado a imaginar, deliciada, o vento liberando a via para si, mas daquele jeito era vandalismo!

— Aperta o cinto, mor! E bota os óculos escuros porque vai voar estilhaço!

Logo o próprio carro delas levantou voo descontroladamente, a picape do outro casal logo ao lado. Um tubarão-branco foi arremessado pelo vórtice de vento contra o vidro frontal da picape, que se estilhaçou, e devorou seus ocupantes ante os olhos chocados do casal de namoradas.

— Que porra é essa, tão gravando Sharknado 5??? — Gêmeos se encolhia a cada vez que uma criatura se chocava contra sua janela. Que a blindagem resistisse…! Aguentava balas, mas aguentaria tubarões?

— Sharknado?

— Filmes com tornados cheios de tubarões! — Elucidou a bicolor — “Sharknado”, tornado de tubarões, sacou? Era tão trash, não consigo acreditar… GAH! — Um tubarão colidiu com mais força contra a janela de Áries e uma pequena rachadura se formou — Os vidros não vão aguentar muito tempo! Se a gente tivesse motosserras…!

Áries pestanejou. Opa!

— É isso que o povo usa nesses casos? Tão lá atrás! Duas motosserras!

— … Por que caracas você tá com duas motosserras no carro, Ari???

— Porque na minha última reprovação em autoescola tinha caído uma porra de uma árvore na rua e o instrutor era folgado demais pra me ajudar!

Gêmeos ainda a fitou por um momento, entre assombrada e exasperada, e assentiu. Ambas se soltaram do cinto e abaixaram o encosto das poltronas o máximo possível. O carro se sacudia violentamente com o vento e os choques de tubarões, então as garotas precisavam se agarrar aonde pudessem. Finalmente conseguiram abaixar o encosto do banco traseiro de forma a terem acesso ao porta-malas.

Trocaram um olhar cúmplice e sorriram uma para a outra. Em seguida, cada uma apanhou um objeto e ficou em posição.

— Vamos ficar mais pra trás, se vier um de frente vamos ter mais tempo de reação — Instruía a mercuriana à namorada, que impaciente já estava com a motosserra pronta.

Não levou mais que alguns segundos para o primeiro tubarão conseguir trespassar o vidro lateral do lado do motorista, ficando entalado e tentando morder as ocupantes do carro a todo custo. Áries soltou um rosnado de guerra e ativou a motosserra.

— TOMA ISSO, COISA DO INFERNO!

Sangue voou por todo o lado enquanto o animal era serrado sem dó. Mas Gêmeos não teve muito tempo para ficar olhando; o segundo tubarão veio pelo vidro frontal, e se a geminiana não tivesse intervindo a tempo poderia ter alcançado Áries. Mais sangue enquanto o bicho se debatia. Mortos, eram empurrados de volta para o vórtice de vento, mas logo eram substituídos por mais e mais.

Quantos tubarões elas haviam despedaçado? Por quanto tempo? Não sabiam. Era muito difícil manobrar as motosserras em um espaço tão confinado, exaustivo e agoniante, fora o cheiro muito desagradável do sangue daquelas criaturas famintas no carro. O carro não parava de girar e sacudir, o que as deixava tontas e esgotadas com o esforço para se manterem dentro do carro com aquele vento todo. Somente quando o carro perdeu altura e finalmente despencou com um baque forte na rua foi que se permitiram suspirar aliviadas.

O tornado estava se desfazendo e os últimos carros e tubarões já caíam pesadamente sobre a via, um veículo indo parar atravessado em um outdoor — por muita sorte nada acertou o carro das duas, que já estava em frangalhos. A lataria, antes preta, estava quase toda tingida de vermelho-escuro, o sangue que coagulava asquerosamente por ali.

Usaram suas motosserras uma última vez para matar os poucos tubarões que ainda se arrastavam pelo chão, e suspiraram. Naquele momento, a adrenalina finalmente baixando, Áries começou a chorar.

— P-putamerda… — Soluçava a regida por Marte — Eu só queria… um encontro legal… com a minha gata, porra…! Nosso primeiro Dia dos Namorados e começa a chover tubarão, que merda é essa??? E o cinema deve estar todo detonado!

Gêmeos sorriu.

— Ah, meu bem, esse filme a gente vê na Internet… — Aproximou-se dela, beijando-lhe o rosto a despeito de estar sujo — Neste Dia dos Namorados vi minha gata detonando tubarão por mim e também pude serrar tubarão por ela… vai dizer que não foi especial?

— É… até que foi divertido… — Solucinho, acalmando-se aos poucos com aqueles beijinhos carinhosos da namorada.

Quando se passa por uma situação muito perigosa, diz-se que a atração aumenta. Talvez fosse essa a justificativa para que, instantes depois daquele breve diálogo, se abraçassem e buscassem os lábios uma da outra com tanto furor, ignorando o sangue que cobria as duas e o cheiro desagradável que vinha dele. Havia alívio, havia busca por consolo e conforto, havia a tentativa de consolar e confortar a outra… e muito amor. Não eram muitos casais no mundo que poderiam se gabar de terem sobrevivido a um sharknado, afinal. Era uma ligação especial, pensando bem.

— Bora pra casa… — Ari murmurou com os lábios ainda colados aos da namorada, podendo sentir o sorriso em resposta.

O carro ainda conseguia andar aos trancos e barrancos — era guerreiro como aquelas duas. Entre carcaças de tubarão, carros destroçados e corpos ensanguentados, seguiram para casa.

 

000

 

Era bastante compreensível o olhar de choque que Virgem lançou às duas, ainda no jardim, ao vê-las chegarem naquele estado e estacionarem o carro daquele jeito.

— MEU DEUS, O QUE VOCÊS FIZERAM???

Ari rolou os olhos — nossa, era aquela a visão que o pessoal da casa tinha delas? Gêmeos achou certa graça, imaginando que Virgem achava que as duas estiveram “brincando de GTA” na cidade. De qualquer forma, aparentemente o Sharknado não havia passado por ali. Áries decidiu brincar um pouquinho para espairecer.

— A gente ficou presa num congestionamento e teve de usar as motosserras…

A loira assentiu, parecendo se esforçar muito para manter a linha de raciocínio. Como boa Virginiana, estava sendo bastante atormentada pelo cheiro forte que emanava daquele sangue todo, e céus, aquilo no pára-brisa do carro era alguma tripa???

— Hum… o que devo dizer se a polícia chegar...?

— Sossega, eles devem estar muito ocupados limpando a rua…

Rindo baixinho, Áries e Gêmeos entraram em casa, loucas por um bom banho, enquanto uma virginiana muito assustada ainda tentava entender a situação. Ela e as demais moradoras só viriam a enfim entender o que havia acontecido no noticiário noturno, mas Ari e Gêmeos estavam muito ocupadas no quarto da ariana para se interessarem em assistir também...


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Notas finais do capítulo

Sim, alguém andou assistindo Sharknado esta semana e decidiu dar uma apimentada na ideia inicial (que era só o congestionamento)... todo o nonsense é proposital pra usar bem o estilo da franquia "Sharknado". Tubarões voando num tornado? Carros arrastados que viram quase "naves de guerra" dentro do turbilhão? Motosserras à mão numa boa? Sim, é esse o espírito.

Esta foi a primeira vez que escrevi com Zodícopo mas as bizarrices do plot não me permitiram trabalhar tão bem o ship. Vou tentar no Dia 3 que a coisa fica mais bonitinha. Espero que tenham gostado!



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