A Vida em um Romance escrita por J R Mamede


Capítulo 8
Capítulo 8




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Enquanto Sofia passava suas manhãs e tardes ao lado do Sr. Stone, Lídia viu-se obrigada a ter o Sr. Benjamin como companhia. A Srta. Anne, para alívio da família e amigos, melhorava significativamente, e, segundo o médico, em pouco tempo voltaria a sua rotina normal.

O Sr. Benjamin não era uma presença desagradável na mansão de Northfield Park, mas Lídia não gostava de suas investidas para tentar atraí-la. Exceto isso, ela não tinha do que reclamar. O Sr. Benjamin Stuart mostrava-se muito cortês e gentil para com todos da residência, sem artificialidade.

Em uma manhã, Lídia o encontrou escrevendo uma carta ao pai, Sr. Stuart, transmitindo notícias e garantindo seu bem estar na casa dos Austen. Assim que apareceu, o rapaz rapidamente largou a pena, levantou-se da cadeira e, em um gesto respeitoso, saudou a moça. Após isso, retorou à escrita a fim de terminá-la, de preferência, o quanto antes, para desfrutar a presença de Lídia. Esta ficou observando-o escrever. Ainda era estranho ver alguém escrevendo uma carta quando ela sabia de meios mais modernos para se comunicar com uma pessoa. Porém, de certa forma, assistir o Sr. Benjamin manusear a pena era algo agradável. Ele escrevia com calma e segurança, algo que Lídia nunca fizera. As únicas coisas que ela escrevia à mão eram as tarefas da escola, e lembrava-se o quanto isso lhe custava. Nunca enviara uma carta a ninguém, mas vendo o Sr. Benjamin dedicar-se tanto, preenchendo a frente e o verso de uma folha de papel, Lídia pensou que talvez Sofia estivesse certa: cartas eram formas mais bonitas de se expressar.

─ Pronto ─ notificou o rapaz, dobrando a carta. ─ Já terminei de escrever ao meu pai e agora posso dedicar-me inteiramente à senhoria.

Ele sorriu de um jeito que tirou a expressão sisuda de Lídia. Esse gesto deu segurança ao rapaz, o qual convidou a jovem para acompanhá-lo em uma caminhada pelo jardim. Lídia deu de ombros, e, alegando não ter nada mais importante a fazer, aceitou a proposta.

Andaram por um tempo sem falar nada. Avistaram, não muito longe, Sofia e o Sr. Stone. Percebendo a expressão de Lídia, o Sr. Benjamin Stuart notou a antipatia da garota em relação ao sobrinho dos Watson, mas deixou essa conclusão para si mesmo. Entretanto, Lídia pôs-se a perguntar:

─ Você conhece bem o Sr. Stone? Quero dizer: ele é de confiança?

─ Compreendo o teor desta pergunta ─ assegurou o Sr. Benjamin. ─ Sua irmã e o Sr. Stone estão cada vez mais próximos; entendo sua preocupação. Mas, infelizmente, não tenho muito conhecimento sobre o rapaz. O pouco que sei é de sua origem humilde, mas a família é muito respeitada em Bath. O Sr. Stone e eu não somos próximos, contudo, as poucas conversas que tive com ele, deu-me a sensação de ser um rapaz muito sério e distinto.

─ Mas acha que posso confiar nele? ─ insistiu Lídia.

─ Acho que a senhorita deveria conhecê-lo melhor, dar a oportunidade para que ele possa se apresentar adequadamente ─ sorriu o Sr. Benjamin. ─ Como disse, não o conheço muito bem, e sou um homem que detesta fazer julgamentos precipitados.

─ Você é muito legal, Ben. Eu posso te chamar de Ben? ─ indagou, recebendo um caloroso olhar do rapaz. ─ É que é muito estranho chamá-lo de senhor Benjamin. Parece que estou conversando com um velho.

─ A senhorita quer me chamar pela abreviatura de meu nome de batismo? ─ sorriu. ─ Isso significa que temos mais intimidade agora?

─ É ─ respondeu Lídia, confusa. ─ Acho que sim. Você também não precisa me chamar de senhorita Lídia. Só Lídia está bom! Somos amigos, não somos?

─ Sim, tenho a sorte de ter a sua amizade, doce Lídia.

─ Então está resolvido! Eu te chamo de Ben; você me chama de Lídia. Assim a gente acaba com essa frescura toda!

O Sr. Benjamin mostrou-se mais feliz do que o normal com aquele nível de intimidade entre os dois. Viu-se diante de um encorajamento da parte de Lídia que achava que demoraria mais tempo para conquistar. Desta forma, depois de refletir por um tempo, parou de andar, obrigando Lídia a fazer o mesmo. Com gentileza, pegou nos ombros da moça e fitou seus olhos castanhos. Disposto a falar algo muito importante, de repente, foi interrompido pela aproximação de Sofia e do Sr. Stone, os quais, ao avistarem os dois, decidiram se juntar à dupla. Desanimado, o Sr. Benjamin largou os ombros de Lídia e voltou-se à Sofia e ao Sr. Stone, saudando-os educadamente.

Assim, o passeio pelo jardim tivera as duplas trocadas. O Sr. Stone e o Sr. Benjamin andavam à frente das damas, discutindo assuntos sobre agricultura e gado. Sofia e Lídia observaram os rapazes por um breve momento, então logo a mais velha comentou:

─ Os dois estão se entendendo bem, isso não é bom?

─ Bom pra quem? ─ perguntou Lídia, voltando ao seu mau humor.

─ Ora, para nós, é claro! Não seria legal os dois serem bons amigos e...

─ Sofia ─ interrompeu a caçula. ─, antes que você diga mais alguma coisa para me irritar, vamos deixar uma coisa bem clara, porque sei que você está confundindo as coisas: eu e o Ben somos amigos, ok? Apenas amigos!

─ Ben? ─ repetiu Sofia, incrédula. ─ Você o chama assim quando estão juntos?

─ A partir de hoje, sim, por quê?

─ Lídia, você sabe o que isso significa?

─ Que somos amigos?

─ Não, querida irmãzinha, isso significa que você deu o sinal verde para o Sr. Benjamin.

─ Que papo estranho é esse?

─ Você saiu da formalidade ─ explicou Sofia. ─ Chamando-o pelo apelido, assim tão à vontade, ele tem bons motivos para pensar que você corresponde ao afeto dele. Resumindo, Lídiazinha do meu coração: o Sr. Benjamin pode, a qualquer momento, propor casamento.

Lídia começou a rir tão alto que conseguiu chamar a atenção dos dois jovens, mas estes voltaram a conversar entre si, deixando Sofia e Lídia retornarem aos seus assuntos. Ainda divertida com o que Sofia acabara de dizer, Lídia achou que a irmã precisava parar com a mania de romantizar tudo, de formar casais, pois estava começando a ficar parecida com a Sra. e a Srta. Watson. Lídia achou tão absurdo o que Sofia expusera, que não deu mais atenção a nada do que ela falava, ridicularizando-a por seus pensamentos tolos.

Sofia, revirando os olhos, preferiu deixar o assunto por encerrado, porém ficou pensando o quanto sua irmã era boba. Será que ela ainda não tinha entendido que estava em outra época cujos modos eram distintos ao da época delas? Será que Lídia não tinha aprendido nada durante aqueles dias de estadia na história?

No outro dia, a casa dos Austen tivera a agradável notícia sobre a melhora da Srta. Anne. Desta forma, o Sr. Austen, Sofia, Lídia e Benjamin foram fazer uma visita e comemorar a melhora da jovem Srta. Watson.

Ao serem avisados pelo criado, os quatro foram recepcionados, além pelos Watson e pelo Sr. Stone, também pela família Williams, os quais tiveram a mesma ideia de visitar a saudável Anne.

A família Williams tinha como patriarca um homem roliço e de rosto rosado. Sua esposa era uma mulher esnobe e vaidosa. O casal tinha dois filhos: a mais velha, Srta. Fanny Williams ─ cujo modo era idêntico ao da mãe; e o mais novo, Sr. James Williams. Este havia casada há dois meses com uma mulher chamada Mary Jones, agora, Sra. Mary Williams.

Fanny e Mary davam-se muito bem, pois ambas possuíam características semelhantes. As duas gostavam muito de provocar a Srta. Anne, principalmente por esta fazer parte de uma família cujos bens haviam diminuído um pouco. Mesmo Anne ter se recuperado recentemente de um forte resfriado, as duas damas não pouparam esforços para voltarem a insultar a jovem.

Em um desses momentos, enquanto as senhoras e os cavalheiros tomavam chá no jardim para apreciar o clima primaveril, Sofia, Lídia e Anne conversavam alegremente em uma pequena caminhada, quando a Sra. Mary e a Srta. Fanny as abordaram para interromper a paz.

─ Querida Fanny, adorei esse vestido que está usando ─ comentou a Sra. Mary Williams, teatralmente ─ É realmente muito bonito. Aposto que encomendou em Londres, acertei?

─ Sim, minha cara Mary, foi exatamente em Londres que comprei este vestido, o qual custou bem mais do que alguém possa imaginar. É um vestido que comprei há poucos dias, pois papai tem condições de me mimar. E você, querida Srta. Anne? ─ voltou-se para a jovem, com ar superior. ─ Fez alguma compra recentemente ou seu pai a impede de gozar dos prazeres da vida? Sei que estão precisando economizar, então entendo caso não possa mais consumir, especialmente roupas da última moda.

─ É verdade, querida Fanny ─ concordou a cunhada. ─ Aposto que a Srta. Anne já não compra um belo vestido há anos, não é, querida Srta. Watson? É triste a uma mulher ser restrita dessas pequenas alegrias, mas, em casos extremos como o da Srta. Anne, não há o que fazer, a não ser lamentar.

Anne mostrou-se extremamente constrangida e humilhada com a maldade das duas Williams. Sofia e Lídia assistiam tudo com indignação. A caçula que escutara demais aquela conversa descabida, pôs-se a falar, imitando Fanny e Mary:

─ Querida irmã, essas duas moças acham que seus vestidos são da última moda, mas não sabia que a moda foi tão rebaixada. Quero dizer: olha só essas mangas, esses modelos. Essas duas engordaram uns cinco quilos, no mínimo, com esses vestidos. E essas cores, que horror! As duas estão tão pálidas que, se eu não soubesse quem são, juraria que eram dois palmitos andantes.

─ De fato, querida irmã ─ divertiu-se Sofia. ─ A Sra. Mary e a Srta. Fanny em nada se beneficiaram com esses trajes. Fanny, querida, se você pagou caro por esses trapos, pediria meu dinheiro de volta, porque você foi enganada. Odeio como nós, consumidores, somos facilmente enganados! Não concorda comigo, Lídia?

─ Sim, Sofia, é triste, mas a vida é assim mesmo. Tem idiota pra tudo que acredita que um vestido caro vai fazê-la melhor dos que os outros, aí acontece isso! Compra achando que vai arrasar, mas acaba pagando micão. Amigas ─ disse Lídia, olhando com escárnio para as Williams. ─, para que tá feio!

Fanny e Mary ficaram tão indignadas e perplexas com a intromissão e hostilidade de Sofia e Lídia, que foram embora reclamando do mau comportamento das duas e preocupadas com a veracidade de seus vestidos não lhe caírem bem.

Anne começou dar sua risadinha, feliz com a proteção das irmãs Austen. Sofia e Lídia também não conseguiram conter a risada, pois a cena foi tão ridícula que nada, além de rir, era mais recomendável.

─ Nunca esquecerei das expressões dos rotos da Srta. Fanny e da Sra. Mary Williams ─ gargalhou Anne. ─ Estou tão divertida que minhas bochechas chegam a ficar doloridas. Acho que nunca ri tanto na minha vida!

─ Aquelas duas são muito chatas, Deus é mais! ─ falou Lídia, enxugando os olhos lacrimejados da zombaria. ─ Eu me segurei para não socar a cara delas.

─ Ai, Lídia, ainda bem que você manteve a compostura ─ sorriu Sofia, animada. ─ Nós formamos uma bela dupla, não acha?

─ É verdade! Acabamos com as inimigas!

─ Oh, querida Sofia e querida Lídia, não sei como agradecê-las por me defenderem com tanta garra e espiritualidade. ─ Anne olhou-as com admiração. ─ Essas duas vivem perturbando-me. Fanny o faz desde que éramos crianças. Agora, com os últimos acontecimentos na minha família, elas não hesitam em humilhar-me ainda mais, expondo-me sempre ao ridículo. Muitas vezes, elas fazem apenas quando estamos as sós, porém não perdem a oportunidade de fazer chacotas comigo na frente de outras pessoas, principalmente de cavalheiros. Fico tão envergonhada quando isso acontece. Entretanto ─ fitou-as com decisão. ─, as senhoritas me deram forças e segurança para que, no futuro, eu não permita que isso se repita. Prometo nunca mais ser menosprezada pelas Williams.

─ É isso aí, garota! ─ Lídia levantou o braço, oferecendo a palma da mão à Anne. ─ Bate aqui!

Anne, não compreendendo muito bem o significado daquele gesto, bateu sua mão no da de Lídia com receio, mas achou interessante o resultado final da ação. Sofia ria das duas, não se importando mais com as manias de Lídia levar as tendências de seu tempo à época passada. Notou o bom coração de sua irmã e admirou como ela se portou em defesa da pobre Anne. Lídia também ficou muito contente por sua irmã ter apoiado a Srta. Watson e não censurá-la por ser rude com a Srta. Fanny e com a Sra. Mary. Gostou de ver Sofia em ação, sendo uma garota menos séria e menos controladora. As duas descobriram que, quando queriam, podiam trabalhar muito bem juntas.


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