A Vida em um Romance escrita por J R Mamede


Capítulo 6
Capítulo 6




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Ainda determinada a encontrar o livro, Lídia visitou sozinha a biblioteca da residência de Londres, visto que Sofia, a convite do Sr. Stone, aceitou um passeio pela cidade, com a Srta. Bates de olho nos dois. Passando a manhã toda à procura do livro, bocejando de tanto sono, o qual se tornara constante desde o dia em que chegara naquele lugar, já que, assim como Sofia havia alertado, as pessoas costumavam acordar bem cedo, o pior de tudo, para fazer absolutamente nada.

Mexendo e remexendo em todos os livros da estante, não teve êxito em sua busca. Entretanto, animou-se com a ideia de fazer uma visitinha à casa dos Watson e checar a biblioteca deles. O ruim seria a companhia da Sra. Watson e de sua filha Anne, mas Lídia estava preparada para enfrentar as duas.

Assim, fez uma pequena caminhada até chegar à bela moradia dos vizinhos. A Srta. Anne Watson ficou felicíssima com a chegada da querida Srta. Austen, solicitando-a a se juntar a ela e à mãe para o chá. Lídia fez uma pequena careta com a pronúncia da palavra “chá”, mas aceitou o convite.

─ Que felicidade tê-la conosco, Srta. Lídia ─ saudou a Sra. Watson, sorrindo amigavelmente à garota. ─ Venha, por favor, sente-se aqui para contar-nos suas novidades.

─ Sim, querida Srta. Lídia ─ reforçou Anne. ─ Deve ter alguma novidade para nos contar, não? Algo muito espetacular deve ter acontecido em seu lar, ou então escutou alguma coisa na rua sobre alguém conhecido, não foi? Conte-nos tudo o que souber, por favor, pois mamãe e eu adoramos notícias novas, não é, mamãe?

─ Sim, querida ─ confirmou a sorridente senhora. ─ Adoramos receber visitas pela presença delas, mas, principalmente, pelos assuntos que elas poderão proporcionar-nos.

As duas começaram a rir, enquanto Lídia, forçando um sorriso, pensava o quanto mãe e filha eram fofoqueiras. Mas não podia culpá-las, já que em uma época que não tinha nada a oferecer, cuidar da vida dos outros era o mais emocionante acontecimento.

Após confirmar várias vezes que não tinha nenhuma novidade, a Sra. Watson e a Srta. Anne conformaram-se apenas com a presença da jovem dama e começaram a conversar sobre a moda do momento e outros assuntos que não interessavam nem um pouco à Lídia. Contudo, para não apressar seu plano de ir à biblioteca, escutava tudo que as duas matraqueavam, balançando a cabeça ou dizendo algo monossilábico quando achava necessário.

Quando achou que a oportunidade chegara, pediu a Srta. Anne que mostrasse a biblioteca da casa. Feliz pelo pedido, a moça a acompanhou com prazer, deixando a mãe sozinha na sala, contentíssima com a aproximação das jovens, prevendo uma amizade muito apropriada.

─ Então, Anne... Posso te chamar de Anne, né? ─ falou Lídia, mostrando sua simpatia forçada. ─ Por acaso, na biblioteca de vocês, teria um livro estranho de capa vermelha?

─ Oh, temos muitos livros de capa vermelha, Srta. Lídia, mas não os acho estranhos ─ riu. ─ A senhorita não saberia o nome do autor ou da obra? Talvez eu lembre-me dele se tiver mais informações. Mas, cá entre nós ─ disse ela, diminuindo o tom da voz. ─, não sou grande fã dos livros. Sempre preferi ocupar meu tempo com a música e a pintura.

─ Ah, eu também detesto ler ─ confessou Lídia, abertamente. ─ Coisa chata da... da gota! Dá sono e não é nada saudável. Imagina! Ficar em casa trancafiada para ler um livro. Isso não faz bem. Minha irmã só sabe ler. Acho que ela ficou meio doida de tanta leitura, isso sim!

─ A senhorita é muito engraçada! ─ Anne deu mais uma vez sua risadinha. ─ Mas concordo que ler não é tão agradável quanto dizem, porém, devo admitir, são graças aos livros que conquistamos conhecimento. Gostaria de ter mais gosto pela leitura e ser mais inteligente, pois os rapazes não apreciam moças ignorantes.

─ Mas você é inteligente ─ afirmou Lídia, tentando animar a colega. ─ E não tem que pensar em ser mais inteligente por causa de um cara. Faça isso por você, amiga, e não pra impressionar um boy lixo.

A Srta. Anne agradeceu o elogio de Lídia e riu de seu modo extravagante de se expressar. Lídia percebeu que, apesar da risadinha irritante e do jeitinho tolo de Anne, ela até que não era tão desagradável quanto pensara. A conversa animada foi interrompida quando chegaram à biblioteca. Lídia contou à nova amiga que o título do livro era A vida em romance, cujo autor permanecia no anonimato. A Srta. Watson não conhecia a obra, mas achou curioso o título, fazendo perguntas sobre o conteúdo da narrativa.

─ Só um livro bobo de romance ─ fora a resposta limitada de Lídia.

A jovem pediu à anfitriã que a ajudasse a procurar o tal livro, alertando-a para checar todos, pois, mesmo sabendo que o livro possuía a capa vermelha, não podia descartar as outras cores. Anne, satisfeita por ser-lhe útil, começou a bagunçar as estantes da biblioteca de seu pai. Entretanto, para infelicidade de Lídia, as duas esforçaram-se em vão. Então Lídia perguntou se em outros cômodos da casa não teria um livro perdido. Anne, prontamente, percorreu cada canto da residência dos Watson, invadindo a privacidade dos quartos dos pais e do primo, Sr. Stone. Porém, nenhum vestígio do livro mágico.

Desanimada e preocupada com a demora do aparecimento do livro, Lídia, após recusar o convite de ficar para a janta das quatro horas da tarde, preferiu voltar para casa ─ a falsa, já que a verdadeira estava longe de conseguir retornar. A garota se espantou com a demora na casa dos Watson, mas se espantava ainda mais com a tal janta das quatro da tarde. Talvez ela nunca se acostumaria com a rotina daquelas pessoas.

Despediu-se da Sra. e Srta. Watson, cujos cumprimentos e amabilidades com o Sr. Austen e a Srta. Sofia eram infinitos. A pouca caminhada trouxera a Lídia reflexões. Pensou onde um livro mágico poderia se esconder e qual o motivo dela estar ali. Era até compreensível Sofia encontrar-se naquele lugar, afinal, amava tanto viver aquilo, que se adaptou facilmente; parecia que tinha retornado à sua época. Já Lídia, sentia-se um peixinho fora d’água.

Quando chegou à residência elegante de Londres, o Sr. Austen, Sofia e o Sr. Stone a aguardavam para o jantar. O tio a censurou pela demora, mas, quando soube da visita à casa dos Watson, a perdoou pelo inconveniente.

Sofia e o Sr. Thomas Stone não disfarçavam seus romantismo. Da parte dela, Lídia encontrou sinceridade e pureza; da dele, tinha dúvidas se realmente correspondia aos afetos de sua irmã.  Seja como for, pensou Lídia, aquilo não era real, portanto, se o Sr. Stone quisesse realmente ter alguma vantagem com um suposto casamento com Sofia, não teria sua satisfação realizada, já que não pertenciam àquele mundo. Nada do que ocorria ou do que pudesse acontecer seria real. Em algum momento, quando o livro fosse encontrado ─ e Lídia desejava que fosse logo ─, as irmãs voltariam para casa, para a vida real delas.

 Quando o Sr. Stone partira, Lídia teve um momento com a sua irmã mais velha. Falou sobre o real motivo de sua visita à casa dos Watson e a frustrante procura pelo livro. Sofia também ficou desanimada por mais uma busca em vão e, assim como a caçula, também se questionou pelo paradeiro do volume. Será que teriam que visitar todas as casas do condado? Ambas desejavam que não, embora Sofia tivesse menos pressa do que a mais nova.

A amizade de Sofia e do Sr. Stone conquistara um novo patamar. Ele, com mais intimidade, a chamava pelo nome de batismo, sem as formalidades do começo. Ela ainda o chamava com frequência de Sr. Stone, apesar de, às vezes, chamá-lo de Sr. Thomas ou apenas Stone.

Na manhã seguinte, Sofia recebera uma carta do Sr. Stone, anunciando sua ausência em Londres para visitar os pais em Bath. Prometera que logo estariam juntos novamente e alegara a falta que sentiria dela nesses dias de distância.

 

À Srta. Austen,

Minha querida Sofia, infelizmente, por circunstâncias maiores, precisei ausentar-me de Londres para uma visita a Bath, cidade em que meus amados pais e minhas adoráveis irmãs se encontram. Como conheço o seu coração bondoso, certamente irá ficar preocupada, mas garanto que nada de maléfico acontecera. Na verdade, tive a ótima notícia de que uma de minhas irmãs está noiva, então, como papel de irmão mais velho dedicado e responsável, vi-me obrigado a congratular o casal pessoalmente.

Estou muito feliz pela união de minha querida Isabella. Ela é a irmã mais bonita das três que eu possuo, por isso, não fiquei surpreso com o futuro casamento com um honrado cavalheiro de Bath. Indubitavelmente, o rapaz, Sr. Jones, enxergou, além da beleza de minha amada Isabella, sua integridade e doçura. Em breve, a senhorita poderá felicitar-me por ter um irmão e uma Sra. Jones na família.

Prometo não demorar em minha estadia, pois, ficar tanto tempo longe da senhorita, seria um fardo cujo peso meu coração não aguentaria carregar. Peço, sabendo de sua bondade e gentileza, que não fique chateada comigo, e deixo-a com a certeza de que logo nos encontraremos.

Seu afetuoso amigo,

T. Stone.

 

─ Ele não é uma gracinha? ─ suspirou Sofia, apertando a carta no peito. ─ Escreve como um perfeito cavalheiro, igualzinho dos meus sonhos.

─ É uma gracinha mesmo, um chuchuzinho na manteiga ─ zombou Lídia. ─ O Ken Humano é o príncipe encantado que toda garota sonhou.

─ Você é insuportável ─ ralhou a mais velha. ─ Por que, ao invés de ficar me perturbando, não dá uma chance ao Sr. Benjamin Stuart? Ele gostou de você, sabia? Aproveita essa oportunidade que a história está te dando para se apaixonar.

─ Sai fora!

─ Então não atrapalhe os meus planos de ter um final feliz na história, ok?

─ Queridinha, não estou atrapalhando nada, só quero dá o pé daqui logo. Não aguento mais essas roupas, essa gente, essa vidinha monótona!

─ Se o livro não aparece, a gente tem que aproveitar o momento.

Lídia afundou-se no sofá, e, num suspiro profundo, apenas resmungou:

─ Queria estar morta.

Sofia continuou a ler e reler a carta do Sr. Stone. Era boa a sensação de receber uma correspondência. Achava tão triste as pessoas não se comunicarem mais por carta. É uma forma tão mais gentil e honesta de comunicação; muito mais pessoal do que por aplicativos e redes sociais. Sofia achava que as pessoas deixaram o romantismo de lado quando conversavam à distância com alguém. Para ela, era muito mais gratificante escrever e receber uma carta, onde a pessoa se dedicou a escrever à mão os seus sentimentos e desejos ao destinatário. Uma forma tão linda e sublime de se expressar, que, infelizmente, fora extinta. Mas agora, tendo o privilégio de estar vivenciando uma época em que cartas eram formas muito importantes de comunicação, extasiava-se com a ideia de que muitas cartas ser-lhe-iam enviadas e muitas outras escritas por ela própria. Como era feliz! Usaria uma pena para escrever! Não podia ser mais abençoada!

A mais velha enxergava tudo com otimismo e admiração. Não foi nem um pouco difícil se ajustar aos costumes. De tanto ler romances de época, sabia mais ou menos como as coisas funcionavam. Na prática, ela só adquiriu mais experiências. Sofia não tinha pressa nenhuma em voltar para casa, e, às vezes, tinha pensamentos egoístas de nunca mais retornar. Mas, então, lembrava-se de Lídia e de seus pais, percebendo que seria horrível abandoná-los, sem contar que era incerta sua existência dentro do livro. Pensava várias vezes na possibilidade de, quando conquistasse o final feliz, o livro acabasse de vez, e, como ela era uma das personagens, também chegaria ao fim. Essa ideia martelou por um bom tempo na sua cabeça, preocupando-a ao extremo. Porém, quando se encontrava com o Sr. Stone, voltava a ser a Sofia abobalhada, esquecendo-se de todos os seus temores. Desta forma, a ideia de permanecer no livro retornava e deixava egoísmo a dominar.


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