A Vida em um Romance escrita por J R Mamede


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Espero que estejam gostando da história ^^



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Cinco dias se passaram desde a viagem de Sofia e Lídia ao mundo que o livro de capa vermelha escolhera lhes presentear. Lídia persistia mais ardentemente em encontrá-lo do que sua irmã. Sofia estava gostando tanto de viver em um romance, que já não pensava tanto em voltar para casa; sentia vontade de ficar por mais tempo, pelo menos até o desejado final feliz chegasse. Por isso, quando procuraram o livro em outros lugares ─ até mesmo na casa dos vizinhos Williams quando tiveram a oportunidade de visitá-los ─ e não obtiveram êxito em suas buscas, Sofia não achou tão ruim o fato de terem que ficar por mais um tempo. Lídia, percebendo a satisfação da mais velha, repreendeu-a por estar tão tranquila em um lugar que nem ao menos era real, tentando convencer sua irmã de que era absurdo permanecerem por mais tempo ali. Lídia percebera o quanto Sofia era apaixonada por romances britânicos, mas a situação estava saindo do controle por ela estar começando a se encantar por um dos personagens da história. Desta forma, quando as irmã estavam a sós na sala, Lídia teve a oportunidade de expressar sua opinião acerca do Sr. Stone.

─ Eu acho esse Ken Humano um grande puxa-saco, isso, sim!

─ O que quer dizer com isso? ─ perguntou Sofia distraidamente, tentando, em vão, aprender por conta própria a bordar.

─ Acho que esse cara só está te bajulando pra conseguir dar o golpe do baú.

─ Não pode estar falando sério! ─ contestou, deixando o bordado de lado. ─ Tenho certeza de que o Sr. Stone gosta muito de mim.

─ Mais ainda da sua grana.

─ Bem, de qualquer forma ─ refletiu Sofia. ─, não é tão desprezível assim da parte dele. Afinal, era comum nesta época o homem preferir casar com uma mulher mais rica, e muitas vezes o amor estava envolvido nisso tudo.

─ Sofia, você sabe que esse cara não é real, não é?

─ Lídia, por favor, é claro que eu sei ─ afirmou Sofia, um tanto ofendida por sua irmã achá-la tola. ─ Eu só estou querendo curtir o meu momento, entende?

─ Entendo, mas não fica muito empolgadinha, não, tá? Porque a gente vai ralar daqui assim que encontramos o livro.

Sofia suspirou, e, não querendo discutir, voltou à frustrante tarefa de bordar. Lídia, esparramada no sofá, levantou-se para olhar a janela. A paisagem dera-lhe pensamentos tristes. Começou a temer não conseguir encontrar nunca o livro mágico, assim, teria que ficar o resto de sua vida trancada em uma história de uma época que não tinha internet e celular. O fato de Sofia e ela serem ricas na história não ajudava a alegrá-la, afinal, que graça tinha ser rica em um período que não tinha nada moderno para usufruir? Se fosse para ser rica, gostaria de ser rica no tempo dela, século XXI, onde poderia torrar o dinheiro à vontade no shopping, comprando tudo aquilo que desejava consumir.

A questão do medo de não conseguir voltar para casa continuava a martelar sua cabeça. Decidiu compartilhar seus sentimentos com a irmã, mas esta, com calma, disse:

─ Se o livro nos trouxe aqui, acredito que seja por um objetivo ─ explicou com ar intelectual. ─ Não creio que o livro nos mandou para cá com a intenção de deixar-nos aqui para sempre. Acredito que, assim que uma boa oportunidade aparecer, conseguiremos encontrá-lo. Acho que ele só está aguardando o momento certo para aparecer. Acho que ele quer que desfrutemos o momento e aprendamos lições valiosas que poderão ser ensinadas aqui.

Lídia, desconfiada do discurso incentivador da irmã, olhou-a com expressão séria.

─ Você só está falando isso porque quer ficar aqui.

─ Não vou mentir, Lídia: gosto muito de estar aqui ─ confessou Sofia. ─ Mas também tenho a noção de que não devemos ficar para sempre.

As duas foram interrompidas pela chegada do Sr. Austen, cujo semblante parecia radiante, prestes a dar uma ótima notícia. A verdade é que o tio das meninas precisava fazer uma viagem a Londres e gostaria que elas o acompanhassem. Além dele, a família do Sr. Watson também estaria presente, o que incluía o Sr. Thomas Stone, deixando Sofia felicíssima com a notícia.

Sofia e Lídia perceberam que, além da propriedade de Northfield Park, também eram donas de uma ótima residência em Londres e outra em uma cidade interiorana, cujos morangos, colhidos na época certa, eram deliciosos.

Lídia, pela primeira vez, animara-se com algo que aconteceria. Seria maravilhoso conhecer Londres, mas lembrou-se que não era a Londres de que estava acostumada a ver em fotografias na internet. Apesar disso, continuou com a animação do começo, pois uma viagem era sempre bem vinda, ainda mais quando o tédio se espalhava cada vez mais. Lídia não aguentava mais caminhadas pelo jardim ou pelos campos ou ficar recebendo visitas o tempo todo, obrigada a ser sociável com pessoas que não tinham assuntos compatíveis aos seus. Não suportava ficar na sala vendo Sofia atrapalhando-se com o bordado ou lendo um daqueles inúmeros livros velhos da biblioteca. Uma viagem seria ideal, mesmo que, chegando a Londres, a rotina seria a mesma.

A ida até Londres foi feita desconfortavelmente por uma carruagem. Londres não ficava tão distante da cidade de onde as meninas saíram, mas, por conta do meio de transporte, a viagem tornara-se bem mais demorada do que poderiam imaginar.

A residência em Londres era bem menor do que Northfield Park, porém a elegância era a mesma. A Srta. Bates acompanhou seus patrões, pois era considerada uma governanta insubstituível. Mal haviam entrado na casa, retirado suas capas e seus chapéus, quando um dos lacaios avisara a chegada do Sr. Stuart e do Sr. Benjamin Stuart. Tais nomes eram novidades às meninas, as quais descobriram serem, pai e filho, grandes amigos do Sr. Austen.

O Sr. Stuart era um velho de enormes bigodes dos quais Lídia não conseguia tirar os olhos, imaginando quantos farelos de pão deviam ficar grudados ali. O filho, Sr. Benjamin Stuart, era um rapaz não muito bonito, mas seu jeito humilde e despretensioso o tornava uma figura interessante. Assim que seus olhos se encontraram com os de Lídia, o rapaz enrubesceu instantaneamente, cumprimentando-a com muito mais cortesia do que sua irmã mais velha.

O Sr. Austen dissera que as meninas conheciam o Sr. Stuart e seu filho há muito tempo, mas que não os viam, principalmente o Sr. Benjamin, há muitos anos. Deviam ser crianças quando o filho viera visitá-las em Londres.

Todos foram em direção à sala de chá, a inimiga mortal de Lídia. Enquanto o Sr. Austen e Sofia recepcionava o velho Sr. Stuart, Benjamin Stuart preferiu a companhia de Lídia, a qual, mirando-o, intrigou-se com a excessiva simpatia do rapaz em relação a ela.

─ Atrevo-me a dizer, Srta. Lídia ─ murmurou o jovem, antes de se juntarem ao restante do grupo. ─, que a senhorita tornou-se uma moça de beleza estonteante. Aposto que não a reconheceria na rua, caso tivesse o privilégio de revê-la após tantos anos de separação.

─ Vai com calma, Romeu ─ interrompeu Lídia, rispidamente. ─ Valeu aí pelos elogios, mas não vai rolar.

─ A senhorita é muito espirituosa ─ sorriu o rapaz, sem afetar-se pela grosseria de sua companheira.  ─ Sempre audaciosa e valente; coisas que costumo admirar como qualidades em uma mulher.

Lídia revirou os olhos e resmungou algo como “eu mereço”. O Sr. Benjamin, se percebeu os modos ariscos da moça, não demonstrou conhecimento, pois permaneceu ao seu lado na hora do chá e parecia disposto a conquistar sua amizade, quiçá, algo mais.

Sofia, percebendo os galanteios do Sr. Benjamin Stuart, depositou um olhar malicioso à Lídia, incentivando-a a dar uma chance ao rapaz. A caçula, entendendo perfeitamente a mensagem telepática de sua irmã, ficou carrancuda, e se Sofia pudesse escutar seus pensamentos, escutaria algo nenhum pouco apropriado.

O Sr. Austen e o Sr. Stuart conversavam alegremente sobre assuntos administrativos. Sofia ficou ao lado de Lídia, porque esta não queria ficar sozinha com o Sr. Benjamin. Na verdade, o modo como ele a olhava deixava-a desconfortada. Ele, de forma alguma, era desrespeitoso ou indelicado em suas ações, mas Lídia não se sentia à vontade diante de um sujeito que começou a fazer-lhe elogios logo de início. Todavia, para desespero da caçula, o Sr. Stone aparecera para uma visita, assim, Sofia abandonou-a para paquerar o outro rapaz.

O Sr. Benjamin, vendo que teria um momento particular com Lídia, começou a sorrir mais e a falar sobre assuntos mais românticos, como poesia, arte e música, na tentativa de atraí-la aos seus encantos.

─ Foi mal, seu Benjamin ─ falou a garota, impaciente. ─, mas é que não sou muito ligada nessas coisas de gente culta, sabe? Se quiser falar sobre isso, é só chegar na minha irmã. Ela manja muito dessas paradas aí.

Qualquer outra pessoa ficaria extremamente afetada e horrorizada com o linguajar chulo de uma dama da alta sociedade. Entretanto, quando essa pessoa é um jovem rapaz começando a ficar cegamente apaixonado por uma moça que acabara de conhecer após tantos anos sem vê-la, essas informalidades são insignificantes, imperceptíveis. Assim, ao invés de ficar perplexo com as maneiras rudes e vulgares de Lídia se expressar, o Sr. Benjamin começou a rir encantadoramente.

─ A senhorita é realmente uma dama peculiar, Srta. Lídia ─ comentou, espontaneamente. ─ Acho que nunca tive a chance de conhecer alguém tão original e cheia de personalidade quanto a senhorita. Encanta-me esse seu jeito descontraído e extrovertido. Acho que a senhorita deve escutar constantes elogios acerca de sua característica, não é mesmo?

─ Bem ─ pensou Lídia, afastando o mal humor. ─, a maioria das pessoas até gosta do meu jeito e tal, mas a minha irmã fala o tempo todo que eu sou sem educação, que não tenho modos. Os meus pais também falam isso; acham que eu devo ser igual a Sofia...

─ Seus pais? ─ interrompeu Benjamin. ─ Acredito que a senhorita queria dizer que seus pais também falavam que você deveria ser como a Srta. Sofia, não? Teve um erro de conjugação verbal na sua frase. Mas eu entendo ─ falou o rapaz com deferência. ─ Deve ser difícil perder entes tão queridos e com tão pouca idade. Tenho certeza de que seus amados pais permanecem e permanecerão para sempre na memória da senhorita e de sua irmã. Eles sempre terão espaço em seus corações.

─ Ah, é... Meus pais... Puxa, esqueci que eles tinham morrido aqui ─ atrapalhou-se Lídia, explicando a si mesma a situação. ─ Pois é ─ voltou-se ao Sr. Benjamin. ─ Meus pais morreram, que pena. É... Foi uma perda muito grande mesmo. Sinto tanto a falta deles, mesmo pegando o tempo todo no meu pé.

Esta última frase fora dita com real melancolia que Lídia sentia. Vendo-a entristecida, o Sr. Benjamin pegou sua mão delicadamente e deixou-a aquecida nas suas, em forma de concha. Olhou Lídia no fundo dos olhos e depositou-lhe o sorriso mais amigável e sincero que ela já vira em sua vida. Desconcertada e corada, pigarreou e retirou sua mão das mãos de Benjamin. Depois, passado o momento e recuperando a compostura, falou:

─ O senhor não perde tempo, hein!

 Logo após a chegada do Sr. Stone, os Watson também apareceram para a pequena reunião. Apesar de estarem em dívidas, permaneceram com a residência de Londres, pois não queriam deixar de desfrutar da cidade grande, muito menos depender da boa vontade de amigos. A casa ficava a poucos metros de distância da dos Austen, assim, as visitas deles seriam constates.

Apesar de Lídia não gostar muito da companhia da Sr. Watson e da Srta. Anne Watson, decidiu que era melhor deixar Benjamin de canto e conversar com as damas. O Sr. Benjamin, então, fora ao encontro do pai, do Sr. Austen e do Sr. Watson, aumentando o grupo de homens que falavam sobre negócios. Sofia continuava grudada ao Sr. Stone. Lídia achou que a qualquer momento deveria levar um babador à irmã. Será que ela não tinha noção do quão patética estava sendo?

─ Então, Srta. Lídia ─ falou Anne ─, vejo que você conheceu o Sr. Benjamin Stuart. Ele não é adorável?

─ É, é ─ respondeu Lídia, indiferente.

─ Parece que vocês se deram muito bem ─ continuou a moça. ─ Mamãe e eu o achamos um excelente cavalheiro, não é, mamãe? E veja só! ─ apontou o nariz em direção à Sofia e ao Sr. Stone, dando uma risadinha. ─ Parece que nesta sala foram formados, não um, mas dois casais.

─ É verdade, querida Anne ─ concordou a Sra. Watson. ─ Não ficarei admirada se em pouco tempo tivermos dois noivados.

As duas riram, enquanto Lídia forçava um sorriso para não falar nada hostil. Segurava a língua para não começar uma discussão sobre sua opinião negativa em relação ao casamento, ainda mais entre pessoas tão jovens, como ela e sua irmã, com rapazes quase dez anos mais velhos do que elas. O fator idade nem era tão relevante assim à Lídia. Na verdade, pouco importava ter um relacionamento com um rapaz de vinte e poucos anos. O problema ali era a insistência de casamento. Ela não se via casada, nem mesmo quando chegasse à idade de quarenta anos. Porém, sabendo que naquela época o pensamento de uma moça era totalmente focado em um casamento auspicioso, decidiu trancar a língua na boca e apenas escutar o que as duas tagarelavam.

Lídia começou a prestar atenção na irmã e percebeu o quanto ela se adaptou à época. Parecia que Sofia tinha nascido para aquele período e naquele lugar. Nunca tinha visto sua irmã sorrir tanto, principalmente a um garoto. Mesmo quando não estava com o Sr. Stone, Sofia mostrava-se contente com o dia a dia, com a rotina que, para Lídia, era maçante. Sofia dedicava-se ao máximo para aprender tudo o que as mulheres faziam naquela época, sem reclamar, sem questionar a posição inferior feminina. A ironia disso tudo é que a mais velha sempre buscou empoderamento e independência. Contudo, vivendo na época que ela tanto gostava de ler nos livros, conseguiu deixar de lado a sua ideologia. De certa forma, isso incomodava a caçula.


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Notas finais do capítulo

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