Retrato escrita por Alice Fitzwillian


Capítulo 3
Carta sobre a velhice


Notas iniciais do capítulo

Eu fiz pensando na minha relação com a minha mãe



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         Engraçado é que, quando as coisas começam a fazer sentido é porque estão caminhando para o fim.Felizmente, o “quase” fim não o é, de fato, pois detestaria que todo o meu processo de crescimento e amadurecimento estagnasse onde estou agora, buscando compreender toda a minha inabilidade diante de certas coisas.Seria incompleto e incômodo, pois, passar assim o resto da vida, a contemplá-la numa vã tentativa de vivê-la.Uma das coisas a quê me propus a escrever hoje, é a minha idade.

         Faz algum tempo, por exemplo, que venho a me perguntar porque com o tempo, além do sumiço das espinhas, veio também a indiferença e profundo calor de alguns por mim.Me parece que com um tempo, as coisas se definem como boas, ruins ou descartáveis de análise, porque não fazem mesmo diferença.  Essa forma de ver o mundo é o que eu acho que é crescer. Não é rir das coisas ruins, porque não é porque passou o tempo que elas vão deixar de ser incômodas, mas avaliá-las e ver que elas estão em um passado que não precisa influenciar tanto. Também não é se vangloriar eternamente das coisas boas, porque elas são como um sopro de vela, iluminam por algum tempo, mas se vão.O que importa é prender-se ao momento.

         Existe algo sobre ficar velha que muito me emociona e me faz sentir bem: Minha mãe.Já citei-a uma vez em outra crônica sobre amor.Isso, passou um tempo, mas permanece a ideia, quero deixar claro: Amor continua sendo ela e nada mais.Ontem, hoje e sempre.

         Mas eu gosto sobre ganhar mais anos é que eu não faço isso sozinha, ela também participa, ativamente e mais do que eu, desconfio.Teve uma vez por exemplo, que eu passei um bom tempo perguntando-lhe onde sua cópia da chave de casa se encontrava, já que ao remexer e organizar as coisas percebi sua ausência.Ela dizia sempre o mesmo.

         -Está no bolso pequeno da minha bolsa de ir pra aula menina, é só procurar!-Isso enquanto lavava a louça, completamente destraída.A localização que dera do objeto provavelmente fora o último lugar em que se lembrara de guardar.Mexi, não achei.No dia seguinte, tive de sair, levei minha cópia.No meio da conversa com um amigo ela me liga, dizendo que estava presa fora de casa.Minha vontade foi de rir, desesperadamente, no meio da avenida, mas me controlei e respondi que estava voltando.Eu me despeço e volto pra casa, me sentindo responsável e é quase como se nós duas estivessemos trocando de lugar.

         Meus 18 anos nunca pesaram tanto quanto naquele momento.É, eu estava envelhecendo.O choque desta afirmaçao veio dentro do ônibus, comigo sentada, de repente me olhando pra ver se achava alguma coisa enrugada.A única dobra de que eu tinha conhecimento eram as de meu cérebro, saudável, forte e em perfeito funcionamento.É fato que minha cabeça estava muito perturbada, mas não me sentia pior por isso, apenas surpresa.O tempo e todas as cicatrizes dolorosas finalmente tinham me compensado de alguma forma.

         Crescer é torto, desajeitado, disforme e confuso.Mas te torna suficientemente bom pra si mesmo.Se todas as coisas ruins a que o mundo me sujeitou me fez chegar a essa idade e poder ser responsável por mais alguém, então sim, valeu a pena, principalmente esta pessoa é a que eu mais amo no mundo.

         Envelhecer, crescer, além de modificar rostos, corações e atos, trás sabedoria.

         A solidão, por vezes e todas as outras neuras me fizeram pensar que essa fase da vida, a velhice, seria desagradável, decadente e quase insuportável.Mas era só o meu pessimismo insistente que quis sempre tomar conta de tudo o que pode ser bom, me sabotando.Envelhecer, amadurecer é bom, é positivo, me traz experiência, sabedoria, me trouxe valores, crenças e amores, dores.Envelhecer é bom, amadurecer melhor ainda.Viver, viver é isso.Fazer o caminho para a eternidade desconhecida ser prazeroso.

         Os anos podem ser longos quando há sangramento no processo de sofrer e aprender.Tudo me serviu pra mostrar-me uma coisa: As pessoas podem ser ruins, tanto quanto quiserem, mas podem ser amáveis, a ponto de ser impossível não nutrir qualquer coisa boa por elas.

         Ser velha não é decair em corpo, mas em lixo da alma.Fiz este processo, não tenha dúvida!Aliás, o faço sempre, assim como todos nós.A diferença é que ao invés de ver os problemas como fazia em tudo, vi os benefícios.

         Ser sábia, velha, é ter discernimento.Sei amar, de um jeito esquisito, quase frio, mas sei.Sei deixar ir, quando é preciso.Sei avaliar  a hora de ser dura.Sei lutar pelas minhas causas, quando antes minhas pernas não aguentavam dar um passo sequer em direção à justiça.Sei.Sei porque sofri, porque aprendi, porque lutei o sem ajuda, calada pra evitar julgamentos.Por medo e porque não queria sobrecarregar ninguém.Apenas sei, porque não importa quantos tentem te ensinar lições, métodos, formas de levar a existência.Quem a constrói saudável ou insalubre é você.Pensando bem, apesar disso ser óbvio e ter tom motivador, semelhante ao daqueles livros de autoajuda, na verdade, foi só uma dica de como a vida é menos dura se você olhar por outros ângulos.


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