A Rainha da Beleza escrita por Meewy Wu


Capítulo 29
XVIII - Curativos Dourados




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Em algum momento, todas deveríamos ter pegado no sono, por que acordamos com um pulo quando a porta abriu no chão entre nós, e senti meu coração disparar antes da longa cabeleira negra surgir da escuridão.

—Acabou – Annie falou delicadamente, apertando os olhos para se ajustar a pouca luz – Vamos descer.

Não perguntei como Annie sabia daquele lugar, ou por quanto tempo sabia dele. Algo em seu rosto me dizia que não era uma boa hora para fazer perguntar. Ela me ajudou com meu tornozelo, e então esperamos que Jin e Kali nos seguissem pelos longos lances de escadaria até a saída no terceiro andar, nos fazendo pegar uma escada lateral mais distante da casa das musas do que seria pelo segundo andar da biblioteca.

Mas não perguntei por que evitar o segundo andar, enquanto passávamos por toda a destruição que atingira o Petit Palace.

Ainda sequer amanhecerá. Havia sangue e vidro por todos os lados, cristais e espelhos quebrados refletindo todo o horror em nossa volta, mas não havia corpos. Não, não havia corpos antes do dela - o primeiro que eu vi.

Ela estava jogada no corredor como um velho pedaço do tecido, um vestido cor de rosa que um dia foi brilhante e sonhador sujo, e rasgado em pontos de intenções claras, no peito e na saia, até a altura do quadril. Os cabelos loiro-brancos, que antes tinham cachos perfeitos, tinham mechas arrancadas em volta dela e estavam coberto quase por inteiros de sangue oxidado. Mesmo se eu não a tivesse visto antes, eu saberia que era ela. Pois olhando nos olhos arregalados, parados e mórbidos de Lilie, eu percebi que havia mais lilás neles do que nos da irmã.

Meus ouvidos zumbiam tão alto que me davam vontade de gritar, mas se eu gritei não ouvi. De alguma forma, eu sei que Jin e Kali gritaram. Lagrimas despontaram dos meus olhos, da mesma forma que aconteceu quando vi aquele rapaz com rosto de anjo – Adam – prestes a ser morto no massacre do pai de Dylan. Não sei como percebi que Dylan estava ali – mas nem Fox, nem a Rainha estavam. Ao lado dele, uma mulher de cabelo longo e cheio, de um castanho achocolatado, que por alguma razão me fazia acreditar que era a imagem da felicidade em qualquer momento mais feliz do que aquele. Ela tinha o nariz anguloso e os lábios cheios, mas foram os olhos que me fizeram perceber que aquela era Rebecca Bordeaux, mãe de Dylan.

E ele precisava ampara-la. Mesmo que seus olhos não estivessem nela, sequer estavam em Lilie, não, ele olhava para a criatura que parecia uma selvagem ao lado do corpo morto. A mão de Isabel sangrava, mas ela seguia socando o chão cheio de vidro e sujeira ao lado de Lilie, praguejando insultos que eu sabia que jamais gostaria de saber o significado, curvada sobre o corpo imóvel e violado. Eu podia ver sua dor, antes de olhar no rosto dela. A dor de quem teria pra sempre de lembrar-se das últimas palavras que disse para a menina morta em sua frente. Aquela que ela amava como uma irmã mais nova.

A dor também estava em Dylan, em sua impotência de ter de estar ao lado da mãe e não da garota cheia de arranhões e fúria diante dele, mas havia algo mais, uma chama, uma certeza estranha nos olhos dele que parecia mais preocupante a duquesa do que todo o ataque em torno deles.

Annie me empurrou delicadamente para o lado, passando e se ajoelhando ao lado de Isabel, colocando a mão hesitante no ombro da italiana – Nós temos de ir – ela falou, muito cuidadosamente, enquanto Isabel praticamente rosnava se afastando do toque – Isabel, eles precisam leva-las... Por favor, não torne tudo mais difícil.

—Livie... – foi à primeira palavra em Frances, concisa, que consegui ouvi-la falar – Já encontraram Livie?

Annie olhou para baixo, antes de negar, um movimento quase imperceptível. E então, Isabel desabou em lágrimas, abraçando Annie com tanta força que me parecia doloroso. Annie precisou de uma série de palavras em Italiano, antes de Isabel se levantar, ainda meio abraçada a outra.

Dylan segurou o braço dela enquanto as duas passavam por ele e pela mãe – Vou encontra-la. Livie.

Ela assentiu e num ato completamente destoante de todo aquele lugar, destoante até mesmo deles dois, Dylan segurou-a pelos ombros e beijou sua testa. Ela piscou, antes de mais uma vez assentir e seguiu em direção a Casa das Musas.

Kali e Jin me ajudaram a chegar até lá, onde Alicia e Tina já nos esperavam com médicos e comida. Ali estávamos nós, as musas do Petit Palace, as garotas mais lindas de toda Eurásia... E isso não valia de nada. Lilie estava morta. Foram os braços de Alicia os primeiros que encontrei, tal como eu coberta de poeira e sangue, mas em vez de chorar meu coração acelerou – Apolo...

Os olhos dela se encheram de lágrimas, e ela seguiu me abraçando – Ainda não o encontraram.

—Ele me pediu... Pediu para dizer – minha cabeça girava, ele pedira para dizer tantas coisas. Ele podia estar morto, céus, quantos podiam estar mortos? – Que te amava – balancei a cabeça, não podia pensar daquela forma – Que te ama.

—Eu também o amo, Bethany – foi tudo que ela falou, e não me permiti voltar a chorar por que Alicia estava ali, chorando no meu peito.

Recusamos-nos a ficar sozinhas. Com sete de nós, mais a equipe médica e as criadas, era um pouco demais para a sala de estar, mas nos espalhamos por ali como foi possível, sendo alimentadas, consoladas, acalmadas e tendo nossos ferimentos cuidados. Meu pé foi enfaixado, assim como a mão de Isabel. Veronicca nos assustou ao entrar na sala de estar sabe-se lá quanto tempo depois, inabalável em meio a tudo aquilo, impecavelmente limpa e duramente serena.

Quantos daqueles ela havia sobrevivido?

—Livie foi encontrada – ela falou, e deu um minuto para que todas entendêssemos a noticia. Livie, não o corpo, mas ela – Está inconsciente na enfermaria. A encontramos junto ao embaixador.

—Quem os encontrou? - Isabel perguntou, curiosa por trás da rouquidão. Veronicca franziu a testa.

—Acredito que tenha sido Dylan - ela respondeu.

—Estão bem? – perguntei, tirando atenção do que Isabel perguntará.

—O embaixador passa bem – Veronicca relatou, muito cuidadosamente – Livie deve acordar nos próximos dias. Ela bateu com força a cabeça.

—Veronicca – Alicia se desvencilhou de mim, olhando para ela – Sabe alguma coisa de Nisha ou de... Apolo Drake?

—Estão os dois na enfermaria – garantiu Veronicca, de forma compassiva -O soldado Drake vai ficar de licença por alguns meses, e é pouco provável que volte para a linha de frente. Tememos que seu braço nunca mais seja o mesmo – Veronicca deu um olhar triste para os próprios sapatos – Quando percebeu que estavam atacando Nisha, ele se dedicou a protegê-la. Ela tem alguns hematomas nas costelas e um corte próximo ao olho que os médicos querem manter em observação, mas está acordada. Os dois estão.

Alicia suspirou, aliviada ao meu lado. Eu podia dizer que ela estava quase sorrindo. Apolo estava vivo, acordado e só um pouco quebrado. Era o bastante para ela.

—Isso é tudo culpa dela – acusou Isabel, assim que Veronicca saiu – Tudo culpa daquela maldita negra...

—Isabel, você não sabe o que está dizendo... – falou Alicia, cansadamente – Sei que está triste, céus, todas estamos aterrorizadas mas...

—Não – Jin cortou Alicia, calmamente – Isabel está certa. Vieram atrás dela Alicia, ouvi um dos guardas falando... Eles queriam ela!

—Achariam outro motivo para atacar se não a tivéssemos – todas viramos surpresas para Tina, que deu os ombros – Não havia, nenhuma Nisha quando mataram minha mãe!

—Deveríamos descansar – Alicia anunciou, se levantando – Descansar, e deixar que todos façam seus trabalhos. Quando acordarmos, a água deverá ter sido reestabelecida e poderemos nos lavar e visitar a todos na enfermaria.

—Preciso falar com minha tia e Fox– falou Tina, se levantando e olhando para Annie – Você vem?

Annie assentiu, seguindo a prima.

—Vou escrever para casa – anunciou Isabel, seguindo para seu quarto muito silenciosamente.

—Não posso mais ficar aqui – falou Jin, olhando para Alicia – Eu quero ir embora.

—Para onde? – perguntou Alicia, como se esperasse por aquilo.

—Qualquer outro lugar – Jin falou, saindo em seguida.

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Jin não nos acompanhou a enfermaria. Éramos seis. Eu já estivera lá uma vez, mas não podia me dizer que me lembrava do lugar. Fileiras e mais fileiras de maçadas com dois ou três metros de distância uma das outras, estavam cheias de pessoas – homens e mulheres e crianças. Soldados, criados e nobres, sem grandes distinções.

Passamos pelas macas cumprimentando e sorrindo para todos, sendo gentis e entregando flores e frutas como era nosso dever como musas, fazendo perguntas não muito difíceis nem encarando seus ferimentos. Apolo estava sentado em uma maca, impacientemente discutindo com uma enfermeira, tentando convencê-la de que estava bem para ser liberado.

Alicia se aproximou antes de mim, tão rapidamente que esperei que o beijasse, em vez disso, ela desferiu um tapa no seu rosto.

—Por que fez isso? – ele exclamou, com os olhos arregalados no meio de toda uma enfermaria o encarando.

—Nunca mais faça isso comigo! – a voz dela estava irregular, antes dela o abraçar e desabar em lágrimas. Com uma marca de dedos vermelha em seu rosto, ele sorriu, a abraçando com o braço bom e tentando não demonstrar o desconforto do braço ferido.

Sorri, dando as costas para aqueles dois, deixando terem um momento de privacidade em meio a toda uma multidão tentando entender o que acontecia.

Isabel revirou os olhos enquanto eu me aproximava sorrindo, olhando maca por maca duramente, procurando incansavelmente Livie. Uma criaturinha de vestido branco esbarrou nela, e estava na metade do caminho para se desculpar quando visualizou algo do outro lado da enfermaria e voltou a correr, gritando – Papai!

—Ruby! – Veronicca entrou, arfando na enfermaria, e seguindo atrás da menina, que correu e pulou sobre o soldado Martins em uma maca mais reservada do resto da enfermaria. Na maca ao lado, Livie dormia.

—Desculpe Eliott, não consegui segura-la – Veronicca suspirou, enquanto nós nos aproximávamos.

—Está tudo bem, só de vê-la já me sinto melhor – ele falou, enquanto a menina sentava na borda da maca balançando as pernas – Não sei como agradecer por cuidar dela, Veronicca.

—Você não precisa me agradecer – Veronicca pareceu ultrajada – Fico feliz por confiar em mim para cuidar dela.

—Ela é meu mundo, é o motivo pelo qual eu levantei todos os dias e pelo qual eu me levantaria agora se pudesse – ele estendeu o braço, bagunçando o cabelo da menina – Mas eu não posso, e não te ninguém mais a quem eu confiaria a minha filha.

Então, enquanto todas absorvíamos aquela informação, aconteceu algo que nunca esperávamos. Veronicca corou.

—Vamos Ruby, você tem aula e deveríamos deixar seu pai descansar – ela falou, estendendo a mão para a menina e partindo com ela, ainda com as bochechas vermelhas.

—Boa tarde moças – ele sorriu para nós, de forma dolorosa – Fico feliz em saber que estão a salvo.

—Também ficamos feliz em vê-lo inteiro, Comandante – falou Annie, com cortesia – Qual a extensão de sues ferimentos?

—Apenas um par de balas no quadril, nada de que eu não possa me recuperar – ele deu um sorrisinho – Mas não contem às enfermeiras que eu disse isso. Gosto de deixa-las acreditar que me assustam ao dizer que posso acabar preso em uma cadeira de rodas.

Não consegui disfarçar o choque em meu rosto, e isso o fez rir um pouco mais – Não se preocupe senhorita Bethany, sãos os ossos do oficio.

—Ola comandante – Alicia se aproximou, com o batom um pouco borrado, sorrindo – Acabei de ver Ruby, ela está adorável.

—Ela tem bons exemplos, senhorita Alicia – Todos sorrimos.

—Fale! – exigiu Isabel, fazendo com que todas nos virássemos para a maca ao lado. Livie.

De alguma forma, eu sabia que todas evitávamos aquele momento, mas Isabel era Isabel, e ela estava do outro lado da maca, onde Napho com olheiras profundas parecia grudado a uma cadeira observando Livie. E exigia respostas.

—Já chega Isabel – Tina a puxou pelo braço, a afastando de Napho – Estamos em uma enfermaria.

Isabel se soltou de Tina, segurando a mão de Livie e apertando – O mundo estará um pouco mais cruel quando você acordar.

Aquilo me acertou como um chute no estomago. Deve ter feito o mesmo com todas, por que os olhos de Tina ao lado de Isabel se encheram de lágrimas. Ficamos ali, as seis em silêncio paradas em volta da maca sem saber o que dizer ou fazer para que se tornasse menos sufocante ou doloroso.

—Elas estavam discutindo quando as alcancei – Napho falou, por fim, sem tirar os olhos dela – E então começaram as bombas. Na janela ao lado delas, Livie foi arremessada contra a parede e não acordou. Lilie se desesperou, e disse para eu carrega-la, que estaria logo atrás de nós – o tom dele era oco, seco, sem nenhuma emoção. Eu conhecia aquilo, não sentir nada. - Quando eu olhei para trás, ela... Ela não estava mais lá. Eu tive que escolher entre ir procurar Lilie ou deixar Livie desacordada – ele virou os rosto, impedindo que víssemos as lagrimas em seus olhos – Eu não sabia onde seria seguro. Não sabia se havia um lugar seguro. Precisei escolher e escolhi ela, e podem me odiar para sempre por isso. Ela pode me odiar para sempre por isso.

Isabel ergueu a mão para tocar o ombro dele – Obrigada.

Na primeira demonstração de emoção, ele olhou surpreso para ele, mas ela seguia olhando para a mão que ainda apertava a de Livie – Se não estivesse lá embaixador, Lilie não conseguiria carrega-la. Eu teria perdido as duas. Se tivesse escolhido Lilie, poderia ter chegado tarde demais e deixado Livie desprotegida, e eu teria perdido as duas. Eu conheço a guerra, e conheço as escolhas. Obrigada por salvar minha irmã.

—Obrigada, senhorita Venezza – ele piscou, engolindo em seco para não chorar.

Não havia muito para ser dito depois daquilo. Martins já dormia quando partimos, e Napho prometeu que comeria algo, mas se recusou a sair dali. Annie recusou companhia quando foi procurar por Nisha, e logo eramos apenas cinco quando entramos na Casa das Musas, encontrando Jin nos esperando com cinco grandes malas.

—Eu não gostaria de ir embora sem me despedir - foi tudo que ela falou, enquanto entendiamos o que estava acontecendo ali.

.........................................

Kali cruzou reto por ela, em passos duros e pesados, direto para o quarto. Veronicca apareceu na porta, avisando que o carro estava esperando.

Diante nosso silêncio, Jin anunciou que já se despedirá de Fox e da rainha Lenna, e que partiria para Portugal, onde um pequeno apartamento no centro de Lisboa a esperava. Poderia abrir uma loja de chá, ou de quadros, ou apenas viver confortavelmente com todo o dinheiro que tinha dos anos como musa.

Disse que se passássemos por Portugal durante viagens, poderíamos visita-la ou marcar um encontro, mas não gostaria de rever Nisha. Disse que não iria a enfermaria ver Livie, pois queria que sua ultima memória dela não fosse em uma cama de hospital desacordada.

Kali voltou quando faltavam apenas dois minutos para Jin descer, carregando uma única mala pequena atrás dela.

Jin ergueu uma sobrancelha – Onde pensa que vai?

—Embora – a resposta foi imediata – Com você.

Aquilo pareceu abalar Jin – Por que você faria isso? Você ama esse lugar!

—Prometeu que seria uma família para mim - Kali falou, pegando a mão dela - Já perdi minha família uma vez. Nós duas perdemos.

A viagem foi adiada em mais meia hora, enquanto Kali seguia para falar com Fox e com a Rainha, e então com Veronicca, e então elas partiram. Do segundo andar, assistimos enquanto elas cruzavam sozinhas o jardim até o carro que as levaria. Isso, por que ninguém deveria sair do palácio, se não fosse entrar naquele carro blindado. Nem mesmo guardas a acompanharam pela trajetória.

—Vou sentir saudades - foi tudo que consegui dizer, para ninguém em especial, e percebi que não falava apenas de Jin e Kali. Falava de Lilie. Falava de Isis e Marian e de todos que perdi. Até mesmo do menino com rosto de anjo que eu não conhecia. Adam. Sentiria saudades de todos. Sentira saudades para sempre. Mas naquele minuto eu sentia saudade de Jin e Kali, que sempre foram à calma e a razão na casa das musas.

—Não queria que chegasse a isso – pisquei, surpresa, quando Fox parou ao meu lado na enorme janela. Eu não o virá ainda, mas havia uma cicatriz em seu queixo que não estava lá antes. Observamos enquanto entravam no carro, sem nenhum de nós admitir que estávamos aflitos que algo acontecesse nesse breve percurso.

—Não queríamos que muitas coisas chegassem a onde chegaram, Paris - Isabel suspirou, olhando em volta, parecendo perdida. Dylan, percebi, não estava ali. Lilie estava morta. Livie estava desacordada. Aquelas que ela considerava como irmãs. E ela acabara de perder as duas melhores amigas.

De repente, Isabel Venezza pareceu frágil demais, sozinha demais, mas antes que eu pudesse me aproximar, ela saiu batendo os pés, como se estar à ira fosse sua única companhia agora.

—E mesmo assim, o sol nasce outra vez - Tina falou, parando de meu outro lado, olhando para o primo.

—Sim, ele nasce Valenttina - Fox concordou, e pra minha surpresa, passou os braços em volta do meu corpo, com o peito colado as minhas costas.

Foi com o carro de Jin e Kali, que o dia mais longo de todos no palácio terminou. Então, quando Fox me abraçou, me permiti chorar, e esquecer toda história sobre Annie até que ele se sentisse pronto para me contar.

Estava cansada de todas as brigas - grandes e pequenas - daquele mundo de aparências.

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"Ano de 2297

Não consigo me lembrar de um momento mais estranho do que aquele, três anos atrás, quando Frances e Willian voltaram de sua viagem de caça aos arredores de Portugal com uma moça montada as costas de meu irmão.

Foi a primeira vez que vi Lenna – e muito provavelmente, a primeira vez que senti inveja da beleza de outra mulher em toda a minha vida. Eu ainda sentia aquela inveja hoje cedo, enquanto ela cruzava até meu irmão no altar, mesmo que a amasse como se ela mesma fosse de meu próprio sangue.

Mas no vestido branco de noiva, sem as artificialidades de uma musa, Lenna pela primeira vez parecia tão deslumbrante quanto na primeira vez que eu a vi naquele cavalo. Crua. Perfeita.

Os olhos de tempestade azuis e os cabelos pretos, o nariz e os lábios cheios, não havia um único defeito na minha cunhada, e não havia nada além de amor em seus olhos quando trocou os votos com Frances. Foram três anos de flertes – Nunca havia percebido quão tímido era meu irmão, quando diferentes éramos. Eu me jogara no amor de William em meses. Eu sabia que Frances a amara desde o primeiro minuto – eu via o brilho nos seus olhos, quando nos contava da filha de banqueiros que morava em uma fazenda de figos no interior de Portugal. Como brigou com os pais com fervor quando por fim se decidiu que viria para Paris se tornar uma musa.

E agora, se tornará a princesa de meu irmão. A segunda mulher mais poderosa de toda a Eurásia. Essas palavras atiçariam os nervos de Louise Venezza se ela as ouvisse, mas o parto da terceira criança a impediu de vir ao casamento. Felizmente, não impediu seu marido – o padrinho de Frances, e melhor amigo.

Enquanto Frances e Lenna se beijavam, percebi que também invejava Louise Venezza – Ela tinha três filhos, felizes e saudáveis. O mais velho, Teodore, com seus sete anos é o orgulho de toda a Itália. William está sentado em sua escrivaninha, respondendo as cartas do pai – ele tentava responde-las o mais rápido possível quando chegavam, desde o último ano quando a mãe de William se foi e o pai, um comerciante orgulhoso de uma cidade próxima, se recusou a mudar-se para o palácio conosco.

Ele me lança aquele olhar preocupado as vezes, enquanto escreve, como se perguntasse a si mesmo se deveria ou não contar a algo para o pai. Meu sogro é quem mais pergunta sobre a falta de filhos em nosso casamento. Bem, exceto talvez por mim mesma."


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