A Rainha da Beleza escrita por Meewy Wu


Capítulo 13
XII - Palácio em Pedaços




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—Cuidado – me virei assustada, nada pronta para me deparar com Apolo, destacando-se do resto dos convidados em seu uniforme perfeito de guarda, me encarando como se eu fosse uma criança desastrada.

—Obrigada – falei, abobalhada, ainda sem conseguir me manter completamente parada com todas as pessoas andando e dançando em nossa volta. Enquanto as músicas trocavam, e os casais respiravam por dois ou três segundos, o encarei, mas como sempre, ele leu meus olhos antes que eu pudesse ter a chance de perguntar o que ele estava fazendo em meio à multidão.

—Olhe envolta, consegue ver alguma das outras meninas? – ele me perguntou, muito sério e, eu não conseguia entender, mas ele parecia quase assustado. Olhei em volta, por um momento sentindo uma onda de pânico em minhas veias, sem encontrar ninguém, até enfim meus olhos pararem em Alicia e Tina, bebendo ponche em uma das mesas e, em seguida, um relance de luz dourada me fez encontrar Fox, e sucetivamente, Annie dançando com ele. Assenti para Apolo – Bethany, preste atenção. Vá até elas e diga que vocês todas precisam subir agora mesmo. Avise que o duque Dylan levou Isabel e as gêmeas também.

—Por quê? – perguntei, assustada novamente, mas ele me lançou um olhar suplicante, que me forçou a concordar e quase correr até as meninas na mesa. Eu já vira aquele olhar antes, em circunstância que eram consideradas perigosas na nossa outra vida, era uma mensagem clara: sem perguntas.

—Ah, Bethany – sorriu Tina calorosamente assim que me aproximei – Parece cansada, quer beber conosco?

—Nós... Nós temos que ir – falei, ofegante, para Alicia. Em outro momento, eu talvez me preocupasse em ser ou não grosseira com alguém tão dócil como Tina, mas não naquele momento.

—Bethany, por que está dizendo... Ah, esta certo – Alicia suspirou pesadamente após olhar sobre meu ombro para onde Apolo ainda permanecia, sozinho e impar em meio aos casais esvoaçantes – Tudo bem, olhem em volta muito discretamente e procurem o resto das meninas. Sorriam, calmamente, e olhem em volta.

—Isabel e as gêmeas subiram com Dylan – lembrei rapidamente, me voltando para a pista de dança – Annie está...

Olhei duas vezes, não enxergando nem Annie nem Fox.

—Ela estava...

—Com Fox, eu imagino – falou Tina – A Rainha também se foi, já devem estar seguros há esta hora. Então, falta Kali.

—E Jin – Alicia falou, e em seguida deu um grande sorriso antes de gritar sobre a música e todas as outras vozes, como quem encontra uma amiga depois de 30 anos sem vê-la (ou, talvez, como uma garota muito bêbada, o que ela parecia com aquela taça na mão) – KALI!

Ela jogou os braços por cima de Kali assim que ela chegou perto o bastante para isso. Alicia só podia ser, de fato, uma grande atriz. Kali nos encarou assustada, por entre os cabelos ruivos de Alicia.

—Meninas! – Kali demonstrava um misto de alívio e desespero, que se não fosse em uma situação tão confusa, seria quase cômico – Nós precisamos...

—Já sabemos – Tina falou, torcendo os dedos finos uns contra os outros – Sabe onde está Jin?

—Eu passei por ela há pouco mais de meia hora, não estava muito bem – falou ela, dando os ombros – Disse que falaria com Veronicca e iria se deitar.

—Bem, então não falta mais ninguém – falou Tina, rindo bobamente e passando o braço de Alicia, sob o ombro – Vamos logo, estou com um mau pressentimento.

—Eu também – concordou Alicia, em meio a uma risada histérica, as longas unhas perfeitas pintadas de verde brilhante enquanto ela e Tina seguiam a encenação, rindo e tropeçando, e revirando os olhos passando pelo salão. Kali agarrou meu pulso com força, as unhas vermelhas fincando na minha pele, enquanto me puxava atrás das outras duas, sem chamar muita atenção – ou tentando o máximo que se podia não faze-lo.

Fui levada até uma das cortinas vermelhas em volta do salão, ou, mais precisamente, até a passagem secreta logo atrás dela. Primeiro Kali entrou, em seguida eu, a seguindo por uma escada de ferro que nos levou direto há um corredor no segundo andar, escondido do resto do mundo, exatamente como aquele em que eu dançara com Fox.

—Vamos Alicia – falou Tina, assim que saiu da passagem e olhou para baixo – Onde é que ela está?

—Estou aqui – Alicia subiu correndo, aos tropeços, e antes que ela pudesse fechar a porta da passagem, um tiro ecoou vindo do andar de baixo. Todas estremecemos. Alicia engoliu em seco e bateu a porta com força, deixando que as riscas sumissem no padrão da parede e se encolhendo no chão, abraçando as próprias pernas e encostando a testa nos joelhos.

Primeiro, pensei que ela estivesse chorando, mas depois percebi que ela estava murmurando palavras em espanhol. Não reconheci muitas, mas reconheci algumas. Ela estava orando.

—Ah, bem, aqui estão vocês – falou Isabel, os saltos tilintando contra o silêncio do corredor enquanto Dylan e as gêmeas a seguiam para dentro da parede que separava o corredor, entre aquilo que o mundo via, e aquele pequeno espaço seguro – E como vocês duas podem ver, ninguém se feriu. – ela parecia irrelevante a tudo aquilo, enquanto as gêmeas sorriam aliviadas, porém, Isabel parou ao lado de Tina e colocou a mão no ombro dela, a encarando da forma que apenas Isabel Venezza sabia fazer – Ninguém se feriu, não é mesmo?

—Ela está bem, não precisa se preocupar – falou Tina, abraçando ela – Eu mesma a vi saindo, junto com Veronicca, e o Duque James.

—Obrigada – falou Isabel, se afastando do abraço – E as outras?

—Annie está com Fox – falou Kali, ignorando enquanto Isabel bufava, claramente recuperada da pequena crise de preocupação – E Jin subiu mais cedo, não se sentia bem.

As gêmeas sentaram uma de cada lado de Alicia, tirando os sapatos e deitando as cabeças nos ombros da ruiva. Um silêncio constrangedor se estendeu pelo que poderia ter sido qualquer intervalo entre dez minutos e uma hora. Estávamos todos apavorados, e obviamente além de Lilie e Livie ninguém era corajoso o bastante para falar disso.

Ou talvez, só estivéssemos sendo fortes. Por que se um desaba-se, todos os outros o fariam. Um estrondo, vindo de baixo de nós, fez Tina quebrar o silêncio – Vamos sair daqui.

—Estamos seguros aqui, Valenttina – falou Dylan, tentando acalma-la.

—Fale o que quiser, mas isso não foi no primeiro andar – Tina falou, toda a doçura perdida no seu terror, com os olhos arregalados, antes de outro estrondo fazer todos estremece-los – Alicia.

—Ela tem razão, isso parece dentro da passagem – Alicia falou, franzindo a testa – Se alguém nos viu entrando, logo vai encontra a escada. É melhor irmos.

—Talvez eu devesse me encontrar com meu pai e Fox – falou Dylan, pensativo, enquanto todas seguiam Alicia para a parede.

Smettere di essere stupido! – Isabel grunhiu, entredentes, e todos se viraram para ela. Alguns pareciam melhores do que eu, em entender seu italiano irritado.

—Me perdoe senhorita Venezza, mas quando em seus padrões em não estou sendo estúpido? – perguntou ele, pela primeira vez desde que eu vira azedo com ela.

—Bem, está sendo mais estúpido do que normalmente – ela contra atacou, os olhos fervendo – Se ainda há conspiradores dentro do palácio, não deveria ficar por ainda vagando.

—Se há conspiradores, eu deveria estar junto há minha família – falou ele, sério. Pela primeira vez, eu via realmente um Duque em Dylan de Bordeaux – Apoiando ela.

—Não vai apoiar família nenhuma morta, seu grande stolto!

—Você pode parar de me xingar em Italiano? – ele perguntou – Não é corajosa o suficiente para fazê-lo na minha língua, Venezza?

—Eu posso xinga-lo em quantas línguas quiser, Bordeaux! – ela afirmou. Os dois apenas se encararam, furiosamente, antes de outro estrondo ainda mais próximo fizesse com que todos voltássemos à realidade.

—Isabel está certa Dylan, você deveria vir com a gente – Alicia falou, seus olhos azuis brilhante de pavor – Isabel, por favor, se comporte. Todos fiquem atrás de mim e em silêncio.

Alicia abriu a parede, enquanto todos, um de cada vez, se espremiam pela fresta que ela ousará abrir para passar para o outro lado.

Esperei, tentando não ficar nervosa, enquanto as gêmeas uma ao lado da outra decidiam quem iria passar primeiro.

—Me surpreende ela acreditar que você é capaz de se comportar – ouvi Dylan falar para Isabel, novamente descontraído como de costume.

—Cale a boca – ela respondeu entre dentes. Eu era capaz de sentir o nervosismo na voz dela.

—E pensar que eu quase acreditei que você estava preocupada comigo alguns minutos atrás – ele suspirou, rindo, enquanto a segunda gêmea passava e eu a seguia, ouvindo Isabel bufar.

Os corredores vazios do palácio eram aterrorizantes, por isso, foi um alívio quando enfim chegamos à casa das musas. Eu nunca havia percebido o quão isolado ele era do resto do castelo, mas apenas alguém que conhecesse muito bem poderia saber como chegar até ali.

Mal Alicia trancara a porta – com todas suas três trancas – e Kali anunciou que iria ver ser Jin estava bem. Ela foi a única a ir. Todos nós nos encaramos mais uma vez aquela noite, sem querer admitir nossos medos de ficarmos sozinhos, mesmo que todos estivessem exaustos.

Nem mesmo as gêmeas, que tinham uma há outra. Nem mesmo Isabel, que aproveitaria qualquer outra situação para lembrar o quanto ela achava sua cama mais agradável que a companhia de qualquer um de nós, em vez disso, ela se prontificou em direção a sala de televisão.

—Não vamos ficar aqui parados a noite inteira, não é mesmo? – ela havia dito, antes de adentrar a sala e se acomodar em seu divã. As gêmeas a seguiram, jogando-se as duas no tapete e Alicia foi para sua escrivaninha, fingindo – não sei dizer ao certo se para nós, ou para si mesma – que podia aproveitar aquele tempo para colocar alguma papelada em dia.

Dylan e Tina tomaram um sofá, deixando o outro livre para mim que, ignorando o decoro e a etiqueta, me deitei com os pés sobre ele e fiquei ali, observando há todos. As gêmeas dormiram tão rápido quanto possível, e Isabel deu um sorrisinho quase doce quando as viu dormindo, antes de fechar os olhos também, embora eu soubesse que ela ainda estava acordada.

Tina e Dylan conversavam, em voz baixa, e Alicia parecia ler e reler a mesma folha de um documento. Eu peguei no sono. Em algum momento, alguém deve ter apagado a luz, por que quando acordei foi com a luz do corredor direto em meus olhos.

—Fiquei tão preocupada que você se machucasse – Ouvi Alicia falar, aliviada. Olhei para a porta, sem conseguir ver com quem ela falava. Apenas conseguia ver uma perna, coberta pela calça do uniforme dos guardas. Não o ouvi responder – Até quando vai agir assim comigo?

Mais uma pausa, mais uma resposta que eu não conseguia ouvir.

—Estão todos dormindo, ninguém vai nos ouvir – ela grunhiu, parecendo prestes a chorar – Estou tão cansada disso...

Ela saiu da sala, fechando a porta, me impedindo de seguir ouvindo. Voltei a fechar os olhos, cansada demais para me envergonhar em ouvir a conversa dos outros, mas ouvi um par de passos dentro da sala. Abri os olhos, vendo Isabel andar até a mesa de Alicia e pegar algumas folhas.

Era a primeira vez que eu via Isabel Venezza sem seus sapatos de salto alto.

Ela remexeu alguns envelopes, impaciente, olhando para a porta para se certificar que Alicia não estava voltando, ela pegou um, soltando um grunhido irritado e voltou para seu divã, para a exata posição em que estava minutos antes. Fechei os olhos, antes que ela pudesse perceber que eu a espionava, e imediatamente apaguei novamente.

...

Eu deveria ter aula de Espanhol aquela manhã. Mas já eram onze horas quando acordei, ainda no sofá, e ninguém havia me chamado. Presumi que aulas e qualquer outro tipo de afazer parecido haviam sido cancelados.

As gêmeas ainda estava estendidas no tapete fofo, dormindo profundamente, mas não havia ninguém mais ali. Segui até meu quarto, pelos completamente vazios corredores. Tanto as portas de Alicia quanto Isabel estavam abertas, mas nenhuma delas estava em seus quartos.

Era estranho entrar no meu quarto. Como toda a casa das musas, ele estava silencioso, vazio e nada acolhedor. Romeu cochilava em cima da cama, um péssimo hábito, embora eu não me importasse realmente com isso.

Olhei para o armário, e em seguida para meus pés doloridos, tocando o chão gelado após uma noite dentro de apertados sapatos de salto. Por um minuto, a ideia de escolher um dos macios pijamas de sede e passar o dia na cama me pareceu tentadora, principalmente enquanto eu soltava as fitas do vestido, libertando meus seios e cintura do tecido apertado.

Mas eu não conseguiria dormir tão cedo novamente.

Então lentamente peguei o vestido do chão e o pendurei. Coloquei os sapatos no lugar, quase mecanicamente, e me sentei em frente à penteadeira, tirando todas as joias. Fiquei feliz por não ter visto Alicia, sabendo que ela me repreenderia pelo estado da minha pele, embora talvez de todas estivesse em uma situação semelhante.

Preparei tudo com o maior cuidado para tomar banho. Separei as toalhas, os cremes e sabonetes. Escolhi a roupa que colocaria, e respirei fundo com os olhos fechados, antes de pegar um par de sapatos de salto para usar junto ao vestido florido que colocaria.

Dormir naquele sofá me deixará completamente exausta. Toda a confusão da noite anterior ainda me atordoava, em um medo irracional de que ainda houvesse algum intruso no palácio. O diário de Paris, esquecido sobre o criado mudo, me lembrava das centenas de segredos que aquela cidade – minha cidade agora – guardava.

Eu estava destruída: Física, mental e psicologicamente. Mas no palácio, isso não importava, se seu cabelo estivesse bonito e você usasse os sapatos certos, percebi, enquanto cruzava o corredor deserto do segundo andar, com Romeu no colo e o som dos meus próprios sapatos ecoando em minha volta.

...

Não fiz muito no resto da manhã. Eu pretendia passear pelos jardins com Romeu, mas algo me impediu de fazê-lo. No lugar disto, andamos por dois ou três andares do palácio, antes de uma garota de não mais de quatorze anos me alcançar, avisando que a Rainha estava convidando todas as musas para se juntarem a ela no almoço.

O salão de jantar do palácio era deslumbrante. Ou, pelo menos, aquele para qual fui levada, no quarto andar da construção, era. Era todo de um branco cinzento brilhante, como se um leve sopro de prata tivesse banhado toda a sala. Haviam quatro lustres brilhantes pendurados sob nossas cabeças, e a mesa de vidro cristalino tinha flores brancas em vasos prateados.

Havia muito mais do que apenas musas ali. Veronicca conversava com Dylan, Annie e Valenttina perto de uma janela, e Isabel com sua tia andando pelo salão. As outras garotas estavam espalhadas entre as outras pessoas no salão, todas em um estado ainda um pouco abaladas, percebi. Alicia estava parada em uma grande janela, sozinha, parecendo perdida em pensamentos. Eu nunca a vira tão triste antes.

Eu reconhecia boa parte daquelas pessoas: Nobres, em maioria, e alguns criados de alto nível, como conselheiros e amas de companhia. As crianças riam, sentadas no chão jogando algum jogo desconhecido para mim. Em Corippo, pensei, não haveriam tantas crianças reunidas sem estarem correndo de um lado para o outro. Mesmo as crianças pareciam enfeites naquele castelo.

Antes que eu pudesse me juntar a algum grupo, as portas se abriram e A Rainha Lenna, ladeada por Fox e pelo Duque James, entrou, estudando calmamente o salão. Eles seguiram seu caminho, até a Rainha chegar à cabeceira da longa mesa. Segui o resto dos convidados, pegando um lugar ao longo da mesa.

—Por favor, sentem-se todos – pediu a rainha, permanecendo em pé enquanto todos ocupavam suas cadeiras muito lentamente. A principio, pensei que apenas eu me sentia estranha, mas os olhares curiosos seguiram por toda a extensão da mesa: Ninguém sentava-se antes da Rainha. Mesmo Fox parecia confuso, em seu lugar á esquerda da mãe.

Enquanto a tensão se estendia pelo salão, meu olhar cruzou com o dele, que tal como eu analisava as reações em volta da mesa. Todos os outros pareciam estáticos, esperando pela palavra da Rainha. Ele se virou para a mãe, tal como os outros, mas não rápido o suficiente para que eu não pudesse vê-lo sorrir. Sorri também, nem perceberá até aquele momento que estava preocupada com Fox.

A Rainha de um longo suspiro – Esperemos – ela anunciou, ainda em pé. Não pode deixar de notar, que mesmo após todo o caos, ela ainda parecia intocada pelo desespero. Seus olhos azuis gelo estavam cansados, mas isso não a deixava nem um pouco menos bonita. Dava sombras há lugares diferentes de seu rosto, a fazendo parecer ainda mais majestosa.

Como uma única mulher poderia ser tão bela?

Os cabelos estavam presos em um coque alto, a coroa parecia fazer parte do corpo dela. Ela estava em perfeita harmonia com a sala, com um longo vestido cor de prata, e assim, parada sobre todos nós, era como se ela fosse de fato invencível.

Havia algo vibrante e poderoso, imaginei, no fato de ser uma rainha.

A porta se abriu, enquanto o Soldado Martins, Fox e outro guarda entravam, usando uniformes brancos que uma vez, Tina me contará que eram cerimoniais. Os três também tinham medalhas douradas e vermelhas brilhantes no peito.

—Por favor cavalheiros, sentem-se – pediu a rainha, e assim que eles o fizeram, ela deu um olhar triste para os lugares ainda vazios na mesa – Imagino que sejamos apenas nós, por fim...

"Apenas nós", éramos, pelo menos 40 pessoas.

—Na noite de ontem, passamos por um trágico ataque – falou ela – Se vocês estão aqui hoje, é um símbolo de que o Petit Palace contava com os recursos para que todos nós ficássemos em segurança. Nossos guardas lutaram incansavelmente, por mais de quatro horas, contra invasores negros e seus aliados. Entre esses aliados, jovens de famílias nobres apoiadoras do palácio. Não sei dizer o que pode fazer garotos doces e inteligentes, que tiveram durante toda sua vida todas as oportunidades que o nosso mundo pode oferecer, nos traírem desta forma. – ela olhou, mas uma vez para os lugares vazios. – Respeitamos suas famílias, que preferiram não compartilhar sua dor conosco hoje.

—Nossas tropas, ainda estão por toda a cidade, buscando por fugitivos e outros apoiadores que foram delatados pelos prisioneiros – Ela anunciou – Mas hoje, quero agradecer em especial há estes três guardas que garantiram a segurança das musas, da família real e seus associados na noite passada. De hoje até o resto de suas vidas, as medalhas que carregam são o símbolo de sua lealdade e comprometimento com o palácio.

Enquanto os três se levantavam, palmas das mais distintas, das mais educadas as mais vibrantes, ressoaram pelo salão de prata.

—Também agradeço meu irmão James, que colocou seus próprios homens a nossa disposição – O duque foi igualmente aplaudido – E antes eu possamos comer, gostaria de lhe avisar que em algumas semanas receberemos alguns convidados. Após os terríveis ataques a Eurásia vem sofrendo, uma série de embaixadores dos dez países da Grande Paris chegará ao Palácio, para discutir planos de guerra. Confio a todos vocês para serem amigáveis e demonstrarem a mesma hospitalidade que recebem no palácio. Eu mesma, nos próximos dias, me ausentarei para me reunir com algumas pessoas muito importantes, por isso, meu filho Fox ficará responsável por qualquer problema que possa aparecer neste tempo.

Foi à vez de Fox se levantar e ser aplaudido, antes da rainha sentar-se e os pratos serem servidos. Foi um almoço silencioso. A maior parte dos convidados de tempos em tempos olhava para as cadeiras vazias e sussurravam entre si. Falavam nomes que eu não conhecia, falavam dos filhos de alguém.

"Loiro, olhos azuis, lindo como um anjo... E tão educado" falavam "Era o orgulho da mãe, como ela deve estar em desgraça" falavam "Um destruidor de corações" falavam "Destruiu o coração de seu pobre pai" falavam. E falavam, falavam, falavam sem parar.

Olhei para Alicia, distante e abatida, sentada em minha frente. Tinha um hematoma roxo no braço, destacando-se na pele perfeita. Parecia uma mancha de tinta, simplesmente não combinava com a imagem em si. Alicia, com os cabelos perfeitos, a maquiagem perfeita, o vestido branco perfeito, e o hematoma.

Tão logo ela percebeu que eu estava olhando, se levantou e pediu licença, antes de sair do salão sob os olhos de todos. A mesa de jantar pareceu ficar ainda mais tensa após isso. Aos poucos, enquanto acabavam de comer, todos pediram suas licenças e se foram. Mesmo a rainha teve de ir, e em pouco tempo o grupo havia se reduzido consideravelmente.

Foi com Apolo que acabei conversando, por fim. Ele tinha um olhar distante e a testa franzida, da mesa forma que ficava quando alguma informação de seus livros não batia. Por várias vezes durante nossa conversa ele abriu e fechou a boca, como se quisesse dizer algo, mas não disse.

—Ele está bem ali – segui os olhos dele até Fox, que ria em um pequeno círculo com Annie, Tina e Dylan – Você está correndo os olhos por todo o salão atrás dele, Bethany...

—Não estou não – afirmei, sentindo o sangue correr para meu rosto tão rápido quando pude vira-lo. Ele estava certo, eu estava. É claro que eu estava.

—Não se apaixone pelo príncipe, Bethany – suspirou Apolo, por fim, distante – Não entre nesse mundo de joias e ouro que Isis sonhava. Nada é bonito aqui. Eu vejo o outro lado, as pessoas aqui se machucam e morrem. A realeza é fria e cruel, eles não tem limites quando se trata de manter as aparências. Eu sei que você é esperta demais para...

—Esperta demais para que? – perguntou Veronicca, se aproximando de nós suavemente.

—Esperta demais para acabar caindo na conversa de algum nobre aproveitador – falou Apolo, rapidamente de uma forma quase brincalhona.

—Sim, eu acho o mesmo – sorriu Veronicca, dando um longo gole em sua taça de champanhe – Bethany, aquele hematoma no braço de Alicia... Sabe alguma coisa sobre aquilo? Se ela se bateu ou...

—Não, eu não faço ideia – as palavras saíram quase como uma confissão, como se fosse alguma obrigação minha saber de algo – Talvez tenha sido ontem no ataque, talvez ela tenha se batido na pressa, ou esbarrado em...

—Não – Apolo me interrompeu – Eu conversei com a Srta. Alicia ontem, após o ataque. Queria garantir que todas as garotas da Casa das Musas estavam bem, e eu tenho certeza Lady Veronicca, que ela não estava com aquele hematoma.

Veronicca tencionou os ombros, dando um sorriso duro e mecânico para nós – Bem, imagino que eu tenha que perguntar a ela mais tarde. Obrigada, a vocês dois.

Fiquei observando Veronicca se afastar até o soldado Martins e os dois mantendo uma conversa pesada. Não queria olhar para Apolo, temendo que ele visse nos meus olhos que eu havia ouvido ele e Alicia na noite anterior.

—Bethany, sobre o que eu estava falando...

—Bethany! – gritou Tina, perto da porta – Você vem?

—Eu tenho que ir – falei para Apolo – desculpe.

—Tome cuidado, Bethany – ele suspirou, antes de eu me afastar atrás de Tina e Annie.

 

...

Eu conseguia ouvir do meu quarto as meninas durante o jantar. Conseguia escuta-las enquanto encolhida na cama, eu ninava Romeu. Eu conseguia escuta-las gritando e rindo enquanto olhava para o teto. Conseguia ouvi-las enquanto me sentava e jogava meus travesseiros longe, e quando passava os olhos pelas folhas do Diário de Paris sem de fato ler nada que estava escrito.

Eu as ouvi até que cada uma fosse para seu quarto, e a casa das musas de calasse. E então, quando o silêncio reinou, eu me levantei e peguei Romeu no colo, levando ele e o diário comigo, passando por cada porta, pensando em cada nova face das meninas por trás delas que eu virá nas últimas vinte e quatro horas.

Então, deixei a casa das musas e segui pelos corredores desertos do palácio, passando pelo quadro do Rei e entrando na biblioteca. Não havia nenhum jovem estudioso, ou reunião do clero ali aquela noite. Estava completamente vazia, e, com Romeu nos braços, subi até minha torre. Por que eu também já me sentia completamente vazia.


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