A Rainha da Beleza escrita por Meewy Wu


Capítulo 14
XIII - Rouxinol




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—Bom dia – Alicia empurrou a porta, enrolada em um roupão azul. Os pesados cabelos caiam por metade do se rosto, emaranhados em largas ondas. Ela estava descalça, na ponta dos pés quase, e não tinha nem uma joia. A única maquiagem eram restos negros do dia anterior em volta dos seus olhos, e os lábios naturalmente vermelhos.

Todas as conversas da mesa pararam aos poucos, enquanto todas se viravam para ela, confusas e preocupadas.

—O que foi? Parece que nunca me viram antes – falou ela, tomando seu lugar na cabeceira da mesa – Perderam o apetite?

—Você está bem, Alicia? – perguntou Tina, muito delicadamente – Parece... Um pouco doente.

—Eu só estou cansada, obrigada por se preocupar Valenttina – ela jogou os ombros para trás, com um gemido de dor – Isabel, pode me passar à geleia?

—Claro – Isabel deu os ombros, pegando o potinho de vidro e estendendo sobre a mesa em direção a ela, com um olhar dócil que me intrigou. Assim que Alicia estendeu a mão para alcançar a geleia, a manga do roupão deslizou até seu cotovelo, revelando uma série de hematomas roxos. Isabel puxou o braço alguns centímetros – Assim que você explicar de onde veio isso!

—Alicia! – arfou Jin – O que aconteceu? Seu braço está... Horrível!

—Obrigada por afirmar o obvio – Isabel revirou os olhos, empurrando a geleia pela mesa; esta deslizou pela mesa, passando reto pelo braço de Alicia e se espatifando no chão, criando uma série de manchas roxas no piso branco, exatamente como as do braço de Alicia – Então? Vai nos contar de onde veio tudo isso?

—Você poderia pelo menos uma vez, não fazer tudo ser sobre você, Isabel? – perguntou Alicia, a voz chorosa e ressentida. Ela empurrou a cadeira para trás, e se levantou – Não estou mais com fome. Vou voltar a me deitar.

—Não quer que eu vá a enfermaria pegar uma pomada para você? – perguntou Kali, prestativa, se levantando, mas ela foi ignorada bruscamente, enquanto Alicia saia da sala, cruzando por Annie que olhou confusa para todas.

—O que aconteceu? – perguntou ela, olhando sobre o ombro para de onde veio. No corredor dos quartos, a porta de Alicia bateu com força.

—Pergunte a Isabel – suspirou Tina, se levantando e saindo também.

—Eu só queria... ARG, ajudar! – Isabel jogou a colher de prata longe, esta, ressoando enquanto batia na parede e no piso - Al diavolo, a tutti voi. AL DIAVOLO! Tweedledum! Tweedledee! Andiamo!

Ela saiu da sala, batendo os saltos no chão, seguida pelas gêmeas correndo atrás dela sem falar uma palavra. Annie pegou o lugar de Tina, servindo a si mesma de café fervente e por fim perguntou – O que foi tudo isso?

Kali explicou para ela resumidamente a cena que presenciamos, antes que Annie pudesse terminar sua xícara de café e concluir – E Isabel ainda espera se tornar rainha... – antes de sair da sala.

—Para onde foram os tempos de paz? – perguntou Jin, massageando as têmporas. Kali deu um riso seco, fazendo com que ela levantasse a cabeça de novo – Sim, eu sei. Nunca houve tempos de paz.

—Não com Isabel por perto – falou Kali – Mas está tudo uma bagunça. Ela está pior do que nunca.

—Sinto por Lilie e Livie, viu o jeito que ela as chamou? – perguntou Jin, exasperada, e depois torceu a boca – Mas são elas quem escolhem suportar Isa. Nós bem sabemos que ela sabe não ser odiável, quando quer.

—Sim, o que me preocupa agora é Alicia, viu todos aqueles hematomas? – Kali franziu a testa – Faz alguma ideia de onde veio aquilo, Bethany?

—Eu... Não, nem imagino – confessei, também curiosa e preocupada naquele momento – Ela tinha um hematoma ontem, no almoço, mas agora parece muito pior.

—Kali, talvez você devesse falar com ela – Jin mordeu o lábio inferior – Se for o que eu penso, será mais fácil que ela conte pra você.

—O que você... Um homem? – Kali ergueu uma das sobrancelhas grossas perfeitas – Não, Alicia... Ela nunca deixaria que algum homem fizesse isso com ela. Lembra como ela quase mandou cortar a orelha daquele amigo de Dylan, uma vez?

—Lembro, eu tinha acabado de chegar ao palácio – riu Jin – Tenho medo do Soldado Martins até hoje, depois daquele dia.

Deixei que as duas conversassem, e me concentrei no meu café da manhã. A cada dia aquele palácio parecia mais e mais bagunçado.

—De Juliet, Dakota, Teodore... Mesmo Sabrinne se recusa vir! – ela arfou, inconformada – Por que estão fazendo isso comigo?

—Você sabe como são seus irmãos, Isabel – suspirou Flora lá dentro. Eu conseguia vê-la revirando os olhos – Seguem sua mãe como um bando de cachorrinhos. Louise teve ao menos a decência de lhe mandar uma carta ela mesma?

—Teve, uma bem longa, aonde ela chegou ao ponto de me chamar de bastarda e puttana! – ela exclamou, furiosa.

—Sua mãe, vem perdendo o controle cada vez mais – Flora respondeu, calmamente, enquanto algo era arrastado lá dentro – Espero que seu irmão tenha um pouco do bom senso de seu pai, de outro modo, toda a Itália irá sucumbir sob as mãos dele. Saia de cima do Piano, Isabel!

—Os Venezzas não sucumbem – falou Isabel, determinada.

—Se eu tivesse de dizer, você é a única Venezza viva além de mim, Isabel – Os saltos de Flora estalavam no piso como os da sobrinha – Você, é a única que ainda tem o fogo de seu pai nas veias, para desafiar sua mãe. Ah, eu me lembro de como foi quando eles se casaram, Louise achava que domaria o marido em três dias. Eu lhe disse que meu irmão não era um homem a ser domado – ela riu maldosamente – Eles nunca haviam se visto antes do casamento, o primeiro ano foi uma guerra. Ela foi humilhada, seu pai se recusou a deitar com ela por meses: "Não vou me deitar com uma mulher que não quer deitar-se comigo" ele afirmava. Tão nobre. Em algum momento, imagino, foram obrigados a se entenderem... Foi quando se apaixonaram, e então, nove meses depois, Teodore nasceu... Agora, onde está Bethany?

—Pequeno passarinho Suíço – suspirou Isabel, com o mesmo tom maldoso que a pouco a tia usará – Me surpreende quanto está durando por aqui.

—Ela não é tão frágil quanto parece, Isa, nisso vocês duas são bem parecidas – deu para ouvir Isabel resmungar do outro lado, com certeza pensando o mesmo que eu. Não éramos nada parecidas. Ela era espetacularmente linda, quente e maldosa, e eu, não era nada disso. O silêncio na sala me fez tomar coragem para bater na porta, e esperar que Flora abrisse – Atrasada, Bethany.

—Desculpe, eu me perdi – menti, olhando para baixo.

—Você já está no palácio a tempo o suficiente para saber pelo menos a chegar até aqui – falou Flora, dando espaço para eu entrar – Espero que não se importe, Isabel vai me ajudar na aula de hoje. Achei que ela poderia ser um pequeno incentivo, para que você melhore seu desempenho. 

—Talvez devesse pendurar um relógio no pescoço dela. Na dança, pontualidade é tão importante quanto na vida real, Bethany – falou Isabel, sentada no banco do piano, atando suas sapatilhas vermelhas.

Fechei os olhos, respirando fundo. As aulas se tornavam cada dia mais cansativas, e aquela claramente não seria diferente. Isabel, porém, parecia disposta a deixar toda a nossa inimizade de lado durante a aula. Ela era exigente e implacável, dura como a tia, e muito mandona, até cruel em alguns momentos, mas em nenhum deles pareceu ir ao lado pessoal.

—Você, precisa tomar cuidado com seus joelhos – ela falou, quando eu estava me preparando para sair. Ainda tinha as sapatilhas, e pelo seu rosto, eu diria que ela ficaria ali por um longo tempo ainda, mesmo que a tia já tivesse ido. Talvez dançar fosse para Isabel Venezza o que ler era para mim. Talvez fosse onde ela se refugiava. Talvez Flora estivesse certa, e fossemos um pouco parecidas – Movimentos suaves. Não é apenas dobra-los, é uma dança. Cada pequeno centímetro de movimento pode mudar tudo o que você passa a sua plateia.

A caminho da casa das musas, exausta e suada, pela janela vi Lilie e Livie nos jardins, sem reconhecer quem era quem. Uma, montava a cavalo, e a outra, tinha um cavalete e tintas a sua frente, pintando uma tela que eu não conseguia identificar de onde eu estava. Junto a ela, o Duque James apreciava a obra, segurando uma taça que mesmo a distância eu apostaria que estava cheia de vinho do mais caro, e ainda era hora do almoço.

Na casa das musas, Tina estava assistindo televisão, rabiscando no seu caderno, quando me viu entrando e sorriu - Bethany! Venha, venha, venha... Dê uma olhada. Desenhei para você. Pode usar no casamento do Duque daqui a algumas semanas, o que acha?

Ela me jogou o caderno, onde mais uma das lindas criações de Valenttina me surpreendia. O vestido era rosa, a saia tinha renda branca e o corpete era bordado com pérolas. Era lindo, deslumbrante. Era tudo que eu imaginava em um vestido de princesa, como as dos livros. Eu nem sequer conseguia me imaginar dentro de um vestido como aquele.

—Você ficou sem palavras – ela sorriu, arrancando o caderno das minhas mãos – Espero conseguir acabar a tempo do casamento, eu tenho tanto o que fazer. Mas como foi a aula de dança? Isabel não te atormentou muito?

—Você sabia? – perguntei, erguendo uma sobrancelha.

—Todas sabiam – ela deu os ombros – Imagino que ela deva ter feito um inferno para você, desde manhã e vi que ela estava totalmente... Alicia? Alicia!

Olhei sobre o ombro, vendo apenas o vulto vermelho do cabelo dela passar por nós antes de sumir em direção ao corredor dos quartos. Tina deu um suspiro, frustrada.

—Estou preocupada com ela – Ela se encolheu, puxando os pés para cima do sofá – Não sei o que está acontecendo, Bethany.

—Talvez você devesse tentar falar com ela, perguntar o que está acontecendo – tentei aconselhar, tão perdida quanto ela – Sabe, sem todas nós por perto.

—Ela está me evitando. Provavelmente a todas nós, e não quero invadir o espaço dela – Tina solto o coque, deixando a cascata loira brilhante cair por suas costas – Alicia nunca agiu assim, e obviamente ela não quer falar com ninguém agora. Não sei como cuidar dela desse jeito. É sempre ela quem cuida de nós!

—Talvez ela esteja falando a verdade, talvez só esteja cansada. Manter tudo isso em ordem deve ser um trabalho cansativo, mesmo para Alicia – é claro, que uma parte minha gritava querendo saber sobre os hematomas, mas eu não precisava lembrar daquilo agora. Eu tinha que acalmar Tina, antes que mais uma desmoronasse – talvez a gente só tenha que dar um tempo para ela descansar.

—Sim, acho que você pode ter razão, eu vou falar com as meninas para não incomodarem ela e a deixarem... – o estrondo a calou. Entreolhamos-nos, preocupadas, antes que Tina se levantasse e saísse correndo – Alicia!

A segui, enquanto Annie saia do seu próprio quarto, assustada – O que foi isso? Isabel está...

—Não foi Isabel, foi Alicia – falou Valenttina, forçando a porta – Está trancada. Alicia abre a porta! Alicia! Está tudo bem?

—Vai embora! – gritou ela lá de dentro. A voz denunciava o quanto havia chorado. Tina forçou a porta mais uma vez – Vai embora Valenttina, eu quero ficar sozinha!

—Alicia, que barulho foi esse? – perguntei, enquanto Annie me ajudava a afastar Tina na porta – Você está bem?

—Bethany, leva ela embora. Valenttina e quem mais esteja ai, eu quero ficar sozinha! – outro estrondo.

—Annie, chame um dos guardas. Algum com uma chave real, de preferência – falou Tina para a morena – Estou preocupada.

Outro estrondo. Annie tirou os sapatos, deixando-os ali no meio do corredor e saiu correndo, enquanto as gêmeas dobravam o corredor e viam o que estava acontecendo. Outro estrondo. Dessa vez, vidro se quebrou. Alicia estava falando do lado de dentro, não conseguia entender o que era, mas estava. Tina implorava na porta para que ela abrisse, e as gêmeas se juntaram a ela.

Tudo piorou quando todos os barulhos pararam. O silêncio era mais assustador que o barulho. Quando finalmente Annie chegou, foi Veronicca quem trouxe consigo, e assim que ela abriu a porta, todas correram para dentro do quarto vazio, e em seguida, para o banheiro.

Eu estava horrorizada demais para seguir no mesmo ritmo que elas. O espelho de Alicia estava quebrado, e no chão em frente a onde ele ficava, havia um par de sapatos e um vestido. Segui para o banheiro, onde a pior cena se revelava. A pele dela estava cinza, menos os olhos, vermelhos e dificilmente ainda abertos, e ela estava usando apenas as roupas de baixo. A boca estava suja, e o cheiro pungente do vomito que se espalhava pelo fundo da banheira enchia a peça.

As gêmeas e Valenttina a tiravam da banheira, os hematomas do corpo dela expostos a todas nós. Veronicca olhava tudo aquilo tão horrorizada quanto eu, enquanto Annie ligava a banheira para que a água levasse tudo aquilo.

—Enrole ela em um cobertor, ela está muito gelada – falou Tina para as gêmeas no quarto – Vou pedir para que alguém traga remédios e...

—Sem remédios, Valenttina – falou Veronicca, se abaixando e juntando do chão do banheiro frascos e caixas – ela tomou muitos remédios já. Alicia consegue me ouvir?

—Sim – ela concordou fraca, enquanto as gêmeas a enrolavam – Consigo...

—Por que fez isso? Por que tomou todos esses remédios? Você podia ter morrido Alicia! – falou ela, encarando Alicia como se fosse uma criança.

—Ele disse que eu estou gorda – ela falou, sonolenta e zonza – Ele disse que eu estou gorda...

—Gorda? Alicia faça-me um favor – Veronicca sentou ao lado dela – Quem disse isso?

—Ele... – ela apontou para o espelho em pedaços, antes de por fim desmaiar.

"21/12/2165

Eu o matei. O apunhalei pelas costas sem pensar duas vezes. Ainda sinto que estou cheirando a sangue.

Ele era meu amigo. Apesar de tudo. Meu último amigo vivo, e eu o matei. Pela França.

Descanse em paz Victor, e me perdoe.

Mas é chegada a hora de vencermos esta guerra"

—Bethany – ergui os olhos do livro, assustada. Alicia tinha os olhos entreabertos, tentando se sentar na cama – O que... Por que está aqui?

Senti o livro escorregando das minhas pernas até o chão enquanto saltava da cadeira até ela, a impedindo de levantar – Não, fique deitada – pedi, sem saber o que fazer naquela situação – Você ainda não está bem, não vai ajudar se levantar.

—Me sinto mal – ela falou, balançando a cabeça e voltando a se enterrar nos travesseiros – Eu não lembro... O que eu fiz? Oh, pela rainha, por que eu me sinto tão mal?

Suspirei. Mesmo naquele estado, Alicia ainda era linda como uma rosa vermelha flamejante em meio ao mais gélido dos invernos. O que podia ter feito ela se desesperar tanto a chegar a duvidar da própria beleza? Ela, que vivia para ser uma musa – para ser bela?

—Eu não sei – confessei, um pouco envergonhada por não poder dar uma resposta aos desesperados olhos azul-piscina dela – Tina disse que você tomou remédio, muitos remédios Alicia... Você estava vomitando quando chegamos. Estava tremendo, gelada e cinza... Todas ficaram tão assustadas!

—Remédio? – ela perguntou confusa – Remédios...

Fiquei ali, impotente, enquanto ela se perdia em seus próprios pensamentos. Os olhos dela se encheram de água duas ou três vezes, mas ela nada disse. Eu também abri minha boca algumas vezes, mas nada saiu de lá. Por fim, quando ela me encontrou novamente com os olhos, tudo que falou foi.

—Estou com sede – ele reclamou, olhando para o jarro de água do outro lado do quarto como se fosse o mais lindo diamante da coroa – Se importa em...

—Claro que não – falei, atravessando o quarto para buscar água para ela. Na parede, uma dezena de fotos mostrava uma garotinha de cabelos loiros morango, com um homem de cabelos da mesma cor e uma mulher de cabelos escuros. A única coisa que ligava a Alicia daquela cama com a garotinha hoje eram os olhos. – São seus pais?

Ela ergueu a cabeça lentamente, olhando para as fotos. Seus olhos se encheram de dor, me fazendo me arrepender no mesmo minuto de ter perguntado.

Ela engoliu em seco – Eram.

—Desculpe, eu não deveria ter perguntado – senti o sangue correr pro meu resto, enquanto atravessava o quarto e entregava a ela sua água – Não é da minha conta. E você não precisa de mais coisas a te aborrecer agora.

—Obrigada – ela pegou o copo com as duas mãos, como se temesse que ele caísse – Aqueles eram meus pais, Bethany, no tempo em que eu era aquela garotinha – ela suspirou, bebendo a água gole atrás de gole até que não restava mais nada do copo – Onde estão as outras? Estão dormindo? Já deve ser tarde, se quiser você também pode ir dormir. Eu vou ficar...

—Não é nem um pouco tarde – a cortei – e eu vou ficar aqui até que alguma das meninas volte, elas estão jantando com o Duque e com...

—O duque? – a respiração dela ficou pesada, e seus olhos se arregalaram de pavor – Elas estão com James?

—Sim, ele deu um jantar. Isabel disse que como eu era a mais nova, não faria tanta diferença minha presença – revirei os olhos – De qualquer forma, não é como se eu fizesse questão de esta lá.

—Bethany, chame elas... O duque, ele... – ele começou a arfar – Elas não estão seguras, Bethany...

—Alicia, se acalme – pedi, sentando ao lado dela – O que ouve? Você está tremendo de novo, eu tenho que chamar alguém? Um médico, ou...

—As meninas, chame as meninas de volta – ela falou, tentando se levantar – Eu não quero elas perto daquele homem, nenhum delas!

—Alicia! – gritei, a empurrando de volta – Está tudo bem. Elas só estão jantando, Dylan e Fox estão lá, e guardas. O que está acontecendo? Por que você está falando isso? O duque... Ele fez algo? Você viu algo, ou soube de algo?

—Bethany ele... Ele... – ela começou a chorar, encolhida na cama. Então eu entendi. Finalmente, eu entendi o que havia acontecido, e tudo fazia sentido, por que eu já vira aquilo muitas outras vezes. Garotas órfãs, sem famílias para protegê-las sempre estavam sujeitas a esse tipo de monstro. Às vezes, até garotas de família.

—Alicia – me deitei ao lado dela, a abraçando entre os montes de cobertas – Alicia, você precisa falar isso para alguém. Precisa contar pra Veronicca, o para a Rainha, ou...

—Não – ela agarrou meu braço com força, soluçando em prantos. A piscina azul de seus olhos transbordará – Não, Bethany, por favor. Eu não quero que ninguém saiba... Não quero que... Que ninguém saiba!

— Esta tudo bem, tudo bem – falei, enquanto ela apertava meu braço – Eu não vou contar a ninguém certo? Eu prometo.

Demorou até que ela se acalmasse, mas quando aconteceu ela parecia tão vulnerável quando a garotinha das fotos. Ela me abraçou com tanta força que achei que fosse me quebrar – Obrigada Bethany. Obrigada.

—Tem alguma coisa que eu possa fazer pra ajudar? – perguntei, incapaz.

—Eu só quero dormir – ela falou, se aconchegando nos edredons azuis – Eu só quero esquecer tudo isso. Pode cantar pra eu dormir, Bethany?

—Eu não sei nenhuma música – falei, mas ela ainda me encarava. Como eu podia negar aquele único pedido, tão simples, depois de tudo que ela havia passado? – Tudo bem, eu canto.

Ela por fim, revelou um tímido sorriso no canto da boca, antes de fechar os olhos. Sentei-me de volta na cama, com a mão no seu ombro, a ninando enquanto a respiração dela desacelerava e o rosto perdia a vermelhidão.

—Meu pai sempre cantava para que eu dormisse... – ela falou, já não totalmente consciente. Eu segui ali, cantarolando uma melodia que me remetia a uma velha canção de ninar que eu não lembrava mais.

Aos poucos, enquanto se repetiam os versos, as palavras tomavam formas na minha mente, e eu cantava para aquela garota adormecida que já nem podia me ouvir.

Em algum momento, ouvi a porta bater. Talvez tenha sido apenas o vento, mas eu não sabia de verdade. Pois eu mesma já estava quase pegando no sono, repetindo a mesma canção até as palavras deixaram de se tornarem entendíveis, enquanto o pequeno rouxinol azul de Alicia, em uma gaiola dourada do outro lado do quarto imitava a melodia.

"Eu vou construir um pequeno navio, pra poder velejar... Por todo esse mar... enfim me encontrar. Eu vou viajar para bem longe daqui, e para... Voltar."


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