Era uma vez Peter e Wendy escrita por Segunda Estrela


Capítulo 11
Capítulo 11




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Peter voou devagar até o acampamento novamente. Agora, já haviam meninos perdidos correndo e brigando pelo caminho. Viu seus olhos esticarem como gaviões. Alguns pareceram surpresos, a maioria apreensiva demais.

O primeiro a correr até ele foi Piuí, como esperado.

— É a senhorita Wendy?

— Papai trouxe a mamãe de volta pra casa. - Respondeu o rapaz com cinismo.

O garotinho olhou com medo para o corpo desfalecido da jovem. Sabia que ele estava se perguntando se foi Peter que fez aquilo com Wendy, mas não tinha coragem de se manifestar em voz alta.

Peter a levou de volta para seu pequeno quarto. Deitou-a na cama e foi embora.

Os dias passaram de uma maneira estranha depois daquilo. Peter se recusava a vê-la e tentava criar distrações para sua cabeça. Mas o tempo todo, as dúvidas sobre o que fazer com a garota flutuavam pela sua mente. Ele estava perdido, perdido e confuso.

E a Terra do Nunca seguia seu espírito sombrio. Agora haviam sempre nuvens de tempestade ao longe. Chamuscando com trovões como se esperassem o momento de trazer um dilúvio que inundaria tudo e todos.

Wendy vagava sozinha pelo acampamento, nenhum menino perdido falava com ela mais. E isso não era a pior parte. Não sabia aonde Bae tinha ido, mas estava aliviada que tinha fugido. Agora, como poderia ela mesma sair dali? Como poderia ajudar Peter se ele se recusava a vê-la? Ela passava o dia sentada na praia, olhando para as nuvens cinza ao longe, enquanto seus raios batiam com raiva no oceano. Alguém tinha lhe dito que o clima era um reflexo do que Peter realmente sentia. Será que ele também estava triste? Será que ele também sentia falta dela?

Wendy temeu que depois daquele momento entre os dois, nunca mais pudesse ter outra chance. Deitava seu rosto nos joelhos, enquanto pensava o quanto poderia chamar sua insistência de coragem. Qual era a verdadeira definição de sua fé?

Queria deixar suas sombras desaparecerem na areia.

A tempestade ao longe podia puxar e bater nela quando chegasse, ela ia aguentar. Os pés estavam grudados no chão. Já pertencia aquele lugar. E esperaria por todos os anos que ainda estavam por vir. Wendy se apaixonaria por ele toda vez que abrisse seus olhos.

O infinito da Terra do Nunca desabrochava no seu peito, como se ela mesma pudesse aguentar a magia, pudesse aguentar o universo. Como se sua vida fossem linhas distorcidas e caminhos confusos para ela chegar ali. Talvez assim fosse encontrar o amor verdadeiro.

Voltou para seu pequeno quarto devagar, como tinha feito nos últimos dias. Só que algo diferente aconteceu daquela vez. Peter estava no acampamento e falou com ela.

Todos reunidos em volta da fogueira. Todos com os olhos atentos ao líder. Girando e se movendo com a luz amarelada do fogo, eles pareciam faíscas e fogos de artifício dançantes. Havia certa beleza ali. Havia beleza naquelas criaturinhas selvagens e inconscientes que viviam flutuando.

— O que está acontecendo? - Perguntou Wendy, olhando diretamente para Peter, sem nenhuma comoção, no entanto.

O rapaz retribuiu o olhar com uma calmaria desinteressada. Mesmo que trovões se agitassem no seu peito, seus olhos eram distantes, como aquela tempestade.

— Gancho quer roubar uma coisa minha. - Respondeu ele, sua voz de relâmpagos vazios.

— Que coisa? - Perguntou a jovenzinha, tentando parecer o mais concentrada possível.

Enquanto isso, Peter a avaliava. Aquele rosto de menino de coral, com olhos de um demônio. Não sabia quanto tempo ficou olhando para ele, ou ele que olhava para ela? Tudo tinha um estranho senso de importância.

Peter fez um pequeno sinal com a mão, para que ela o seguisse.

Ela andou atrás dele sem hesitar, acompanhando-o com seus passos lentos. Seu corpo se movia como se estivesse lutando contra ventos fortes. Sonolento e leve.

Chegaram perto da grande árvore de Peter. Ela estendia sua copa em uma altura tão grande, que de manhã não se podia ver sem bloquear o sol. Diziam que ali era tão alto, que em noites como aquela, a lua brilhava como uma joia, e você podia tocá-la se ficasse na ponta dos pés.

Peter Pan segurou sua mão, e Wendy sentiu aquele calor doce percorrer seu corpo. Eles subiram devagar, como se Peter não tivesse pressa de nada em seu mundo. Como se o tempo pudesse esperar por ele.

Quando chegou lá em cima, a garota viu que era verdade, a lua parecia tão perto que se esticasse os dedos conseguiria encostar nela. A luz que os rodeava era suave, mas presente. Como se ao invés de precisar subir, a lua descesse para cumprimentá-los.

— Espere aqui. - Sibilou ele em aviso.

E ela esperou, vendo aquela linda luz esmagadora. Era assim que Peter vivia? Como podia haver tanta escuridão nele se era cercado por luz e beleza? Talvez algumas pessoas nascessem quebradas.

Sentiu um pouco de vertigem ao se aproximar da beirada. Mas sabia que, aos poucos, estava se acostumando com as grandes alturas. Ele voltou rápido, carregando um frasco azul entre seus dedos velozes.

— O que isto faz?

— Permite com que se converse com os mortos. Quase todas as poções do mundo podem ser feitas aqui. E esta é perigosa, especialmente para ele. - Ele olhava para o pequeno frasco quase com carinho, como se o aninhasse em suas mãos.

— O que ele deseja com isso?

— Não é da sua conta. O que importa é que quero que carregue isso com você.

E dizendo essas palavras, entregou para ela o vidro. Wendy hesitou em pegá-lo, como se esperasse alguma brincadeira de mal gosto.

— Comigo? Mas por quê?

— Porque ele jamais vai pensar que eu confiaria isto a alguém.

— Então por que está confiando a mim?

Ele olhou para baixo, a expressão serena e letárgica.

— Você é diferente. - Disse, fazendo uma pequena pausa, franzindo as sobrancelhas. - Eu sei que nunca me trairia.

— Como pode ter tanta certeza?

Ele riu. Seco e apático.

— Eu não tenho.

Mas, naquela terra, naquele lugar, nunca era uma palavra ambígua. E ele não era deus, não poderia saber o futuro.

— Venha, vamos descer. - Disse ele esticando a mão.

— Um dia eu vou poder voar sozinha?

Os olhos verdes faiscaram, refletindo o luar azul. Mas não respondeu, simplesmente colocou seus dedos em volta daquela pequena cintura e desceram embalados pelo plenilúnio.

— Podemos fazer outra festa? - A voz de Wendy estava trêmula.

— Todos os dias aqui tem festa.

Todos os dias haviam festa, mas Peter não tocava mais. E o clima que se instalava nessas celebrações era imoral, indecente. Não sabia explicar a razão, mas um sentimento ruim se apossava no seu estômago, como se estivesse no meio de um ritual. Talvez sempre tivesse sido assim, ela que estava cega.

— Sim, mas com músicas como aquelas de novo. Mamãe dizia que música é como sentimentos que podemos ouvir. Mas recentemente, todos os sentimentos que ouço quando as escuto é tristeza.

— Faremos diferente hoje então.

Wendy sorriu. O mundo brilhava mais que o sol quando ela sorria.

Naquela noite, não teve vestido, nem apresentação. Só as mesmas danças de sempre, mas desta vez, Peter tocava. E ela podia notar a diferença. Sentou-se em um galho velho e pôde observá-lo de longe. Aqueles olhinhos que faiscavam sobre as chamas.

Ela refletiu sobre o que seria da sua vida daqui para frente. Não se dava mais o luxo de sentir falta de ninguém, tinha tudo sido culpa dela. Mas agora, havia esperança. Porque ela tinha fé nele. Ainda acreditava que podia convencê-lo a deixar todos ir. Convencê-lo a ir para casa com ela.

Peter levantou de súbito do outro lado do fogo. Seus olhos arregalados e as sobrancelhas torcidas de raiva. Mais rápido do que podia acompanhar, ele pegou um punhal e o apertou entre os dedos.

Sem ter tempo de entender o que acontecia, ela viu o acampamento ser invadido por todos os lados. Não sabia quem eram, aquelas pessoas misturadas nas sombras. Mas os outros meninos perdidos sabiam como lidar com aquilo, já tinham feito isso antes. Enquanto homens desciam de árvores e carregavam suas armas. Os meninos perdidos embainhavam suas espadas e corriam para a batalha.

Wendy não estava carregando nada, mas sabia onde tinham guardado sua espada.

Infelizmente, não pôde chegar nem perto do seu quarto. Uma lâmina fria encostou no seu pescoço. Seus lindos olhos se arregalaram. Não sabia quantas vezes mais ficaria perto de morrer.

— Veja só, minha ratinha está de volta. Achei que Peter já teria se livrado de você. Sabe, foi muito rude da sua parte interromper nossa conversa daquele jeito.

Então percebeu que a lâmina no seu pescoço não era uma faca ou algo parecido, era um gancho.

— Seu pirata tratante.

— Querida, não veja as coisas apenas do seu ponto de vista. Tente mudar a perspectiva. - Sussurrou ele provocantemente.

Ele a puxou para perto, os lábios roçando em sua orelha, enquanto segurava seus braços com força.

— Que tal um experimento? Vamos descobrir agora o que você vale para Pan.

Ele andou devagar, Wendy tropeçava enquanto era arrastada. O gancho roçando em sua pele clara.

— Peter Pan! Ei, adivinha o que tenho aqui. Ouvi dizer que não gosta que mexam em suas coisas.

Ela esperou um segundo, dois, até que finalmente a figura de Peter Pan tremulou em sua frente. Uma silhueta iluminada pelo fogo, olhos como fogo. Wendy sentiu Gancho hesitar, tremer um pouco, como se estivesse com medo.

— Ei, me dê o que eu quero e eu deixo ela ir.

— O que? Acha que eu realmente me importo? Mate-a! Vamos! - Gritou o garoto com raiva.

Gancho deu uma olhada nos dois. Havia algo de diferente no modo como ele falava, no modo como olhava para ela.

E Wendy, ela esperava, confiando nele e esperando. Fechou os olhos, com medo do que poderia ver.

— Você não a mataria, não tem culhões. - Desafiou o rapaz.

— Não acredito, você se importa mesmo com ela. - Gancho parecia em choque.

Peter engoliu em seco, e não conseguiu pensar em uma resposta.

— Pode ser que não a mate, mas posso levá-la e escondê-la em um lugar onde nunca mais vai vê-la.

— Peter. - Clamou Wendy.

— Isso, peça ao seu doce Peter que a salve. Vamos ver se ele escuta.

— Não. - Respondeu o garoto.

— Vamos!

— Já disse que não.

—Vamos logo, quer saber? Eu vou realmente deixar essa menina sangrando como um porco aos meus pés. Ela deve ser igualzinha a você.

— Wendy!

O gancho raspou sua pele e o sangue vermelho escorreu delicadamente como tinta.

— Dê para ele. - Os dentes de Pan rangiam com ódio.

— Não acredito. - Gancho riu como se tivesse ouvido a piada mais engraçada do mundo.

Wendy esperou, olhando para ele com apreensão.

— Tem certeza?

Pan concordou devagar com a cabeça, as mãos tremiam de ódio.

Wendy deslizou sua mão até os bolsos e pegou o pequeno frasco. Os olhos azuis elétricos de Gancho brilharam de admiração, um sorriso torto em seus lábios.

— Estava com você o tempo todo? Podia ter se salvado, mas preferiu confiar nele? - E ele riu com o maior gosto.

— Vai se arrepender disso Gancho. Nas noites escuras, vai tremer em suas calças imaginando que eu estou em cada sombra, cada canto e cada uivo da noite. Vai se ver sozinho no escuro, e sua espinha vai tremer, porque eu vou estar lá.

O homem sentiu sim um tremor na espinha. Deu um passo para trás, e lentamente, foi desvencilhando seus dedos firmes da garota. Ele levantou seu gancho e uma arma de fogo, apontando para tudo ao redor. Fez sinal para que seus piratas o seguissem, e aos poucos todo mundo foi saindo do acampamento. Wendy reparou o quão serenamente os homens desapareciam, como se nunca nem estivesse estado ali.

E quando só haviam os meninos perdidos e Peter, o clima se tornou traiçoeiro. Os rapazes cochichavam entre si e olhavam para ele desconfiados.

— Senhor, por que fez isso? - Perguntou Félix, quase com medo.

—Não me questione.

Peter saiu voando, um vento frio envolveu a todos e a fogueira se apagou como em um grande sopro. A noite ficou muito escura, até mesmo a lua pareceu desaparecer entre as nuvens pesadas. O sentimento geral era de confusão, Peter nunca tinha sacrificado nada por ninguém. Talvez tudo fizesse parte de um plano maior, tudo era sempre parte de um plano. Eles preferiram acreditar nisso.


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Notas finais do capítulo

Uma última coisa, não sei se notaram, mas todo mundo chama ele de Pan ou Peter Pan, Wendy que chama ele de Peter.
Muito obrigado pelos comentários, foi o suficiente para me deixar bem feliz. Mas é a vida, eu vou postar logo tudo isso antes que eu me esqueça. Não faz diferença mesmo. Muito obrigada a todo mundo.



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