Era uma vez Peter e Wendy escrita por Segunda Estrela


Capítulo 10
Capítulo 10




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Quando estava indo embora, Wendy parou para examinar a árvore mais uma vez. O cheiro do carvalho era diferente do resto da floresta. Era como se fosse coberto de um perfume inebriante de flores exóticas e madeira. E ainda assim, não era parecido com nada que tinha sentido antes. Embora a dúvida fosse terrível, ela conseguia imaginar o que lhe dava aquele cheiro, magia.

A menina de cabelos dourados e nariz arrebitado deu uma última olhada para a fada.

— E se você estiver errada? E se amor não puder salvá-lo?

Então Sininho deu um suspiro triste, mas continuava com aquela expressão esperançosa.

— Você vai tentar do mesmo jeito, não vai? - E ela não precisava de uma resposta.

No fundo, Wendy sabia que era verdade, ela tentaria mesmo que não tivessem lhe pedido, não podia evitar. Ela olhou para a floresta escura, precisava parar de temer tudo que estivesse lhe prendendo ali. Parar de ter medo até mesmo do próprio garoto. Era mais fácil de falar do que fazer, mas quando finalmente saiu das entranhas da árvore, se sentiu tomada por uma coragem que nunca tinha enfrentado. Bravura que não se via, mas ela podia sentir em cada pedacinho do seu corpo. Mesmo que Peter a afastasse, ela podia mostrar para ele o quão libertador a redenção seria. Talvez fosse demais se dar uma tarefa dessas, mas Wendy não desistiria dele, nunca.

Ela sabia para onde devia ir. O caminho da trilha brilhava na sua frente. Podia ir para qualquer lugar da ilha, e saberia voltar. Tinha sido uma menina perdida, e sabia encontrar o caminho de volta.

Ela viu o acampamento muito antes de chegar nele. As pequenas cabanas pareceram surgir devagar enquanto avançava. E exatamente como da primeira vez que se perdera na floresta, ela foi vista quando deu o primeiro passo na terra seca da clareira. Mas desta vez, não havia meninos perdidos correndo, só ele.

— Olha só quem decidiu voltar.

Wendy virou o corpo, nas suas costas surgiu Peter Pan. Ele não estava feliz, ela sabia. Mas era Wendy que não sabia o que estava sentindo ao vê-lo na sua frente. Era uma mistura de sentimentos. E ela odiava admitir o calor que crescia em seu peito. Ele não tinha mudado um detalhe sequer, não sabia o motivo, mas ela achou que seria diferente.

Wendy não soube o que fazer. Devia abraça-lo? Fingir que nada tinha acontecido? Não conseguia se decidir. Estava contente em vê-lo? Odiava admitir que sim.

— Olá Peter.

No momento em que ele a ouviu chamar, daquela janelinha pequena na noite de Londres, não conseguiu recusar. Estava curioso, estava ansioso e queria vê lá. Se odiava por isso, mas estava aliviado que ela tinha voltado. Estava desesperado por ela ter voltado. Não queria perdê-la mais uma vez, mas não suportava a garota perto dele.

— Por que você voltou? - Rosnou ele com raiva, mas não sabia se realmente queria ouvir a resposta.

— Eu voltei para salvar o Bae.

Isso o irritou profundamente. E odiava que isso o irritasse. A primeira coisa que quis fazer foi gritar que todo seu esforço tinha sido inútil. Que seu maldito namorado tinha fugido. Ou que o maldito namorado, agora, era mais importante para ele do que ela jamais havia sido.

— Só eu sei onde ele está. Quero ver como você vai conseguir isso.

Ela suspirou fundo.

— Eu vou salvar você.

Peter riu com todo deboche que conseguiu reunir. Ele odiava tudo naquele momento, desde como sua voz soava até o jeito piedoso que ela olhava para ele. Aproximou-se devagar, não pode resistir urgência em tocar aquele rosto de boneca. Tinha consciência do sorriso cínico em seus lábios. Ele a sentiu tremer, e isso o encheu de prazer. Ela cheirava a flores. Levantou a mão devagar, acariciando sua bochecha com delicadeza. Ela se esquivou rapidamente. Peter esticou seus braços e entrelaçou seus dedos naquele cabelo macio. Afundou seu rosto nas madeixas, sentindo o perfume. E cada vez ela tremia mais.

— Não devia ter voltado. - E ele tinha certeza disso.

Ela hesitou, o que significava aquele abraço? Não podia não se deixar levar por tudo que Sininho falava. Ele realmente a amava ou iria? Precisava acreditar nele? Wendy acreditava tanto que chegava a doer. Ela retribuiu o abraço e para a surpresa do garoto, ele gostou. Ela o segurou com força e lutando contra todos os sentimentos no seu peito, começou a chorar.

Peter não entendeu e quis afastá-la, mas não conseguiu.

— Eu te amo.

Isso o fez congelar. Imediatamente sua postura se tornou tensa, ela a largou como se ela pegasse fogo.

— Por que está dizendo isso? Acha que pode me enganar? Que pode me convencer a soltá-lo?

— Isso não tem a ver com Bae. Tem a ver com você.

Peter não queria ouvir. Era doloroso.

— Bae não está aqui sua garota idiota. Ele fugiu, você veio a toa. - Ele gritava para aqueles olhos gentis cheios de água. - E agora vai ficar aqui para sempre.

Ela percorreu o espaço entre os dois e o beijou. Não sabia o que a motivava, mas ela precisava tê-lo perto. Para sua surpresa, dessa vez ele não a recusou, e retribuiu o beijo intensamente. Não sabia se era saudade ou se era vê-la aos prantos na sua frente, completamente indefesa. Ele agarrou o cabelo da garota entre seus dedos longos e quis desesperadamente trucidá-la.

— Por que você fez isso? - Rosnou Peter.

— Você sente também.

Ele limpou a própria boca como se estivesse com nojo.

— Nunca mais faça isso. - Grunhiu ele com raiva.

— Não. Você não é o que tenta parecer. Você é muito mais que isso, eu sei.

— Sou mais o que?

— Quando eu te conheci, tudo que eu queria era ser como você. Você é livre, livre como eu nunca pensei que alguém conseguiria. É livre e cheio de coragem. Eu te amei desde o primeiro minuto.

— Cale a sua boca.

— Mas eu sei que você também sente alguma coisa, agora eu sei.

Ele saiu voando com raiva. Mas não raiva somente dela, raiva dele mesmo.

Só que dessa vez Wendy não ia deixá-lo fugir. Ela correu pela floresta, sabia exatamente para onde devia ir. Quase tropeçando nos próprios pés, ela chegou no mesmo penhasco de pedras preciosas onde tinham brigado antes.

— Eu não terminei de falar com você.

— Mas eu sim. Você não significa nada para mim Wendy, achei que tinha deixado isso claro quando te mandei embora.

Ela abaixou o rosto. Sim, tinha acreditado quando ele falou, mas não agora. Agora ela estava cheia de uma confiança tola e infantil.

— Realmente não se importa? Realmente não faz diferença se eu vivo ou morro?

O menino concordou com a cabeça sem olhar para ela. Sua figura graciosa na beira do precipício, juntando-se na silhueta da montanha. Wendy se aproximou devagar, viu que os ombros largos dele estremeceram. Ela colocou-se na sua frente, de costas para a grande queda.

— Então está tudo bem. Se é o que realmente pensa.

E com delicadeza, acariciou o rosto de Peter com carinho, como se ele fosse uma criança em suas mãos. Depois lhe deu um sorriso fraco, quase desaparecendo. Então se jogou para trás, e se deixou cair ouvindo o barulho do mar.

A queda foi linda, ela viu todo seu corpo iluminado com as luzes coloridas dos milhares de diamantes. Foi como descer escorregando por um arco-íris. Depois fechou os olhos, quando o medo decidiu aparecer. Sentiu o mar chegando mais perto, o barulho das ondas batendo nas pedras. Pedras.

Braços se juntaram a sua volta, e ela agarrou o corpo leve como um pássaro. Abriu os olhos devagar quando sentiu que não caía mais. Peter a segurava, não olhava para ela, simplesmente se concentrava no horizonte ao longe, onde o mar parecia desaparecer em uma queda sem fim.

Ela sorriu para si mesma em uma complacência triste. Não sabia a razão, mas mesmo que aquilo provasse que ela significava algo para Peter, ainda sentia uma melancolia vazia no peito.

Mas a garota não queria pensar em nada agora, só queria ver aquele sol pálido e distante que parecia acariciar seu rosto. Queria tocar no rapaz em seus braços e nunca mais deixá-lo. Queria aguentar o peso do céu sobre seus ombros para que ele nunca caísse sobre suas cabeças. Os corpos unidos como se tivessem sido criados para se encaixarem.

E Peter, naquele momento, se sentiu apenas um garoto. Um jovem ignorante que nada entendia da vida. De que importava todos os poderes e magia se aquele momento nunca tivesse existido? Não havia mais nada no mundo.

E o céu da terra do nunca se transformava em um degrade de azul, amarelo e rosa. Um turquesa claro brilhando no horizonte, enquanto nuvens macias como algodão se dissipavam e pareciam misturar-se com as outras cores. Clareando-o como tinta aquarela se misturando na água.

— Uma aquarela. - Sussurrou Wendy entre os lábios de boneca.

E o abraçou ainda mais, erguendo seu rosto para tocar seus lábios. E o beijou como se uma eternidade os separasse até então.

Foi assim, um nos braços do outro, que tudo ficou negro.

Uma sombra escura como as noites sem estrelas. Envolveu os dois que nem um véu. Wendy perdeu completamente os sentidos. Não sabia mais onde estava, nem conseguia mais sentir Peter. Era como se estivesse flutuando, mergulhada em água parada. Ouvia uma voz distante, mas não sabia quem era, ou o que dizia. Tentou se mover, mas não sentia os braços, nem as pernas. Era como se fosse apenas uma consciência vazia.

Subitamente, estava se afogando.

— O que você está fazendo? - Gritou Peter para sua sombra.

— Eu pergunto a mesma coisa. - A voz revirava com puro ódio. Tanta raiva que Peter não sabia explicar. Aquilo era ele?

Peter tapou os ouvidos e perseguiu a fumaça negra enquanto voava. Mas não importava o que fizesse, ela o contornava e desaparecia. Sabia que Wendy estava lá dentro, sabia por que sua sombra também sabia.

— Me devolve a garota.

— Não, eu estou fazendo o que nós dois queremos.

E ele podia sentir o peito pressionado, como se suas mãos apertassem o coração de um passarinho. A sombra ia sufocá-la lá dentro.

— Eu só vou dizer mais uma vez. Me devolve a garota.

— Ela é realmente tão importante? Mais importante que o poder? A imortalidade? Você está fraco.

Wendy ia morrer lá dentro.

Peter gritou e avançou mais uma vez. Reunindo seus sentimentos e força de vontade. Conseguiu ultrapassar a fumaça negra, com esforço. Foi como se tentasse mergulhar e nadar por uma correnteza. Alcançou Wendy e a tirou de lá sentindo o corpo queimar como se tivesse mergulhado em ácido.

A garota estava fria como o inverno, o rosto branco como as pétalas de um jasmim da noite.

Peter sentiu raiva. De tudo.

A sombra tinha razão, estava ficando fraco por causa dela. Pensou em deixá-la cair no mar, se afogar nas ondas devagar, enquanto era levada pelas sereias. Seria um final digno para quem passou a vida procurando magia em todas as coisas.

Deu uma olhada naquele rosto que memorizou tantas vezes na sua cabeça. As bochechas voltavam a ficar rosa, os lábios imóveis como em uma oração silenciosa. O nariz arrebitado e bem desenhado. Os cílios longos. O lábio inferior delicado, maior que o superior.

Esboçou os desenhos do rosto com a ponta dos dedos.

Não, ele não tinha com jogá-la no mar. Não conseguiria, nem com toda a magia do mundo.


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Notas finais do capítulo

Por favor, me digam se tem alguma coisa errada. Obrigada, eu adoro ouvir opinião de vocês.



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