Era uma vez Peter e Wendy escrita por Segunda Estrela


Capítulo 9
Capítulo 9




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Wendy olhou para a noite profunda. O céu não estava negro, estava pintado de azul, com um brilho claro no horizonte. Cada estrela, cada pontinho brilhante iluminava a rua. Estava tão vazia, naquela parte de Londres, as pessoas de bem já estavam em casa. Ela cerrou os olhos, com medo do que poderia acontecer. Seus irmãos jamais concordariam, mas ela sabia que não tinha escolha. Ela era a única que podia voltar, era a única que podia convencer Peter a libertar Bae. Talvez estivesse dando muito crédito a si mesma, afinal, uma parte dela insistia que o rapaz não a ouviria. Wendy tentaria de qualquer jeito, porque era tudo culpa dela.

Sentiu seu coração palpitar, também não saberia se ele a aceitaria de volta. Tinha que tentar. Por Bae. Nada disso teria acontecia se o tivesse ouvido. Como se arrependia de tudo que tinha feito, como se arrependia de ter conhecido Peter Pan, de ter desejado que ele a livrasse de sua família.

Wendy colocou as mãos no peito, e sussurrou com sua voz falhando:

— Eu acredito. - Toda sua crença e decepção estavam nessas palavras.

Por um momento, achou que nada aconteceria. A noite continuava clara e as estrelas continuavam brilhantes. Só que de repente, o quarto foi tomado por uma lufada de vento frio. Ela estremeceu, sabendo o que aconteceria em seguida. A sombra apareceu na janela, com seus olhos que queimavam em brasa. Ela conseguia ver algo de Peter neles, e sabia que nada mais eram do que espelhos dos verdadeiros.

Não precisou dizer uma palavra sequer, no momento que a viu, a sombra estendeu sua mão magra de dedos longos. Wendy a segurou sem hesitação e deu uma última olhada em seus irmãos, depois se jogou na noite infinda.

Voaram mais rápido do que imaginou que seria possível. Naquela vez, não reparou na beleza das estrelas, ou como o mar brilhava sob a lua. Tudo que conseguia pensar era Peter, e o rosto que ele faria quando a encontrasse de novo. Talvez ficasse com raiva, talvez a rechaçasse com nojo ou a afogasse no lago das sereias.

O sol já nascia quando conseguiu ver a Terra do Nunca surgir no céu, ou no horizonte. Era difícil de dizer. Tinha um brilho sobrenatural, pouco comum, tons coloridos como se o sol nascesse com os brilhos de um arco-íris. E ele mesmo fosse pintando as árvores, rios, montanhas e cada cantinho da ilha.

Wendy suspirou fundo, era difícil não se sentir maravilhada, mesmo naquela situação. O amanhecer da Terra do Nunca era uma das coisas mais bonitas que já tinha visto na vida.

Quando se aproximaram o suficiente da areia, a sombra a jogou. Nada parecido com o cuidado da primeira vez, simplesmente largou sua mão e Wendy caiu na praia. Ela tentou se recompor e bateu a sujeira. Tentou chamar a sombra de volta, mas sabia que ela não voltaria. Deu uma olhada na floresta que se estendia na sua frente. Teria que encontrar o acampamento sozinha mais uma vez? Era só mais um teste?

Ela segurou as lágrimas, e seguiu em frente. Por algum motivo, começou a lembrar de seu sonho. Em que uma mulher de verde chamava seu nome, e Peter tentava matá-la. Balançou a cabeça, tentando se livrar dos pensamentos ruins, mas nada parecia funcionar.

Foi exatamente como da primeira vez, quanto mais avançava, mais perdida ficava. As árvores se confundiam e ela era tomada por um sentimento de desespero. Continuava correndo, aflita e assustada. O que Peter teria feito com Bae? Será que ele tinha se tornado um garoto perdido? Sem lembranças? Isso a apavorava mais que tudo.

Ela estava há tempo demais vagando pela floresta quando percebeu um barulho distante de sinos. Sinos pequeninos que tocavam rapidamente. Ela levantou seus olhos redondos, já tinha ouvido algo parecido na Terra do Nunca antes, tinha certeza. Procurou em volta a origem do som.

Wendy sentiu um alguém dar um puxão doloroso no seu cabelo. Reprimindo um gemido de dor, ela se virou rápido e viu uma bolinha de luz amarela voando a centímetros do seu rosto. Era dali que saíam os sons. Os mesmos de quando se perdeu da primeira vez.

A bolinha de luz começou a voar na sua frente, para cima e para baixo, como se estivesse ansiosa que Wendy a seguisse. Encantada e curiosa, Wendy se esqueceu de sua correria pela floresta e se viu seguindo a bolinha mágica de luz. Vagou sem um rumo certo por um tempo, imaginando se estava fazendo alguma besteira seguindo aquela coisinha. Ela a tinha salvado antes, poderia fazer o mesmo agora.

A luzinha a guiou para uma grande árvore. Um carvalho gigante, maior que os próprios prédios de Londres. Ele esticava seus ramos para o céu, e seus frondosos galhos pareciam capaz de cobrir toda a Terra do Nunca com sua sombra. Sua casca brilhava com um tom dourado entre os sulcos da madeira e era tão largo que Wendy sabia que precisaria de mais de trinta passos para contorná-lo. Quando chegou mais perto, pôde sentir a energia estranha que saía dele. Não sabia explicar, mas se aproximar devagar foi como sentir um coração batendo, nada mais fazia barulho na floresta, era só ela e aquela coisa viva na sua frente, respirando.

Então, acordada de seu transe, viu a pequena luz entrar pelas aberturas das raízes. Não hesitou em segui-la, e continuou seu caminho com persistência. Equilibrando-se e entrando por entre as estirpes, não sabia para onde estava indo, mas continuou. Impressionada com o quão profundas aquelas raízes conseguiam ir. Ela finalmente chegou a um lugar dentro da árvore, não sabia dizer se era uma sala, ou apenas um buraco em baixo da árvore feito pelo tempo. Deveria ser escuro, mas haviam lanternas espalhadas, que faziam as paredes refletirem com um misterioso brilho dourado que se espalhava como musgo pelos galhos, como se alguém tivesse jogado pó de ouro por ali.

Sentada, no centro da cúpula, havia uma mulher vestida de verde. Ela tinha os fios loiros presos em um coque bagunçado e estava imersa nos seus próprios pensamentos.

— Eu não acredito, é você. - Gritou Wendy, chamando a atenção da moça. - Quem fala nos meus sonhos.

A mulher, primeiro, pareceu surpresa, mas ao ver quem estava ali, seu sorriso se abriu e pareceu se iluminar como o brilho dourado da grande árvore.

— Wendy. - E era do mesmo jeito que ouviu todas aquelas vezes, em seus sonhos. - Você veio mesmo.

Descendo por entre os galhos, Wendy chegou perto da mulher. Uma simpatia profunda crescendo em seu peito.

— Quem é você? - Wendy perguntava com seus olhos verdes escuros e leitosos refletindo aquele brilho cróceo das paredes, seu rosto iluminado por lindos tons de amarelo.

— Eu sou Sininho, uma fada. - Deu de ombros devagar. - Ou era.

— Uma fada de verdade? Isso é maravilhoso. - E mais uma vez Wendy estava extasiada pela magia. - O que é esse lugar?

Sininho deu um sorriso melancólico, dando uma olhada em volta, com nostalgia.

— Essa árvore era sagrada para as fadas, muito tempo atrás, quando elas ainda moravam na Terra do Nunca, muito antes de Peter Pan chegar. Daqui nascia todo o pozinho mágico, ele jorrava por esses galhos e inundava a Terra do Nunca com magia. - Ela deu um suspiro triste, um sorriso distante em seus lábios. - Nem mesmo Pan pode nos achar aqui. É claro que ele não sabe que isso existe, ou já teria destruído tudo.

Wendy olhou para seus pés sujos e descalços. A sensação de angústia no seu peito só aumentou, e pior, uma sensação que ela vinha tentando ignorar, mas se tornava cada vez mais difícil. Medo. Ele crescia mesmo que a garota não soubesse sua origem. Ou não queria admitir.

— Ele é mesmo o monstro que todos falam, não é? - Perguntou Wendy, cabisbaixa.

Sininho demorou para responder, como se procurasse as palavras certas.

— Não, mas o monstro vive nele.

— Como pode dizer essas coisas? Ele ameaçou raptar os meus irmãos, ele ia me manter prisioneira na Terra do Nunca.

— Mas ele o fez? Não, mesmo que ele negue, ele a libertou, Wendy. E ele não raptou nem voltou para capturar seus irmãos. Esse é um tipo de misericórdia que ele nunca mostrou com mais ninguém.

— Como pode chamar isso de misericórdia? - Perguntou ela, em profunda confusão.

— Querida, precisa entender o quão perturbada é a mente de Pan, e precisa perdoá-lo.

Wendy não queria acreditar na audácia daquelas palavras, e preferia não pensar que ela sugeria uma reconciliação com Peter. A fada não poderia estar certa, ele nem mesmo pensara nela quando a mandou embora. Disse que não a queria.

A pior parte é que pela primeira vez, a dúvida surgiu nos seus pensamentos. Será que ele poderia mesmo ter feito aquilo movido por algum estranho ato de piedade?

— Só você pode salvá-lo, Wendy.

Wendy Pássaro estava ainda mais confusa, e agora olhava para Sininho com tristeza e culpa brilhando nos seus olhos, por baixo daquelas sobrancelhas franzidas.

— Se ele é mesmo tão horrível, o que uma garota boba como eu posso fazer? - Suas palavras soavam com tanta amargura que era difícil não se sentir aflita ou com pena.

— Oh, Wendy, eu sei que é difícil, mas eu posso sentir seu coração. Você o ama, não é?

Ela torceu seus dedos em uma tentativa inútil de negar. Não havia admitido tal absurdo nem para si mesma. Não, mesmo com tudo que ouvia, mesmo com tudo que via, alguma parte ingênua do seu cérebro impulsionava-a para frente em direção a um destino catastrófico. Catastrófico por acreditar em Peter Pan, catastrófico por não duvidar, nem um momento, de que havia bondade dentro dele.

— Eu acredito nele. - Sussurrou ela por entres aqueles lábios rosados, com tanta emoção que podia estar se confessando.

— Sua fé na redenção de um monstro é o que vai te permitir seguir em frente. É tudo que vai que vai precisar. Só precisa ser você mesma, gentil e bondosa. Mostre para ele compaixão e amor como ele nunca teve na vida.

Wendy apertou seus olhos, aquilo parecia mais um sonho. Talvez ela estivesse fantasiando com aquela ideia infantil de amor, e quando acordasse, perceberia o quão tola tinha sido.

— Por que eu? Com tantas outras pessoas no mundo, por que sou eu que vou salvá-lo?

Sininho deu um sorriso complacente, depois se aproximou devagar, colocando a mão no ombro de Wendy. Reuniu sua voz antes de finalmente falar, como se desse sua sentença final.

— Você é e será o único amor verdadeiro de Peter Pan.

A garota não pôde evitar arregalar os olhos e lhe devolver uma visão de surpresa. Aquele mesmo garoto que tinha dito que podiam matá-la ia sentir alguma coisa maior que ligeira curiosidade por ela? Era difícil de acreditar. Mesmo com o olhar de confiança no rosto da fada, não conseguiu levar um absurdo daqueles a sério.

— Ele não deve ter tal coisa.

Sininho deu um suspiro profundo, depois tomou a mão de Wendy nas suas.

— Eu costumava ser uma fada de verdade, há muito tempo. Eu decidi ajudar uma mulher, que como ele, era chamada de monstro. Eu falhei. Mas eu acredito que não estava errada, eu sei. Arrancaram minhas asas por isso. Essa é minha chance de provar que qualquer um pode ser salvo. Até mesmo alguém como ele. - Sininho se levantou e andou vagarosamente pela árvore do pozinho mágico. - Desses troncos eu peguei o último pingo de magia, e com o pó mágico, eu sacrifiquei esse restinho de nada para que ele encontrasse você.

— Você usou seu último pó de fada por isso? Ah, Sininho.

— Peter não sabia que estava sendo guiado pelo pó de fada quando te viu da primeira vez. Ele não é tão onisciente como gosta de pensar. Essa magia é muito poderosa, mais poderosa até que ele.

— Sininho, um dia vou te recompensar pelo pó de fada que perdeu, eu juro.

Sininho deu um sorriso gentil.

— Não precisa, só não desista dele, e tudo terá valido a pena.

Wendy lhe devolveu um sorriso tímido, ela queria acreditar que conseguia. E mesmo que acreditasse em Peter Pan, não sabia se acreditava nela mesma.

— Por que tudo isso? Por que se sacrificou tanto por ele? Por isso? Só para provar que estava certa?

— Eu ainda acredito em mim mesma, sabe? Eu sei que posso voltar a ser uma fada, esse ato provará que meus superiores estavam errados, e que todo mundo merece uma segunda chance.

A jovem de olhos verdes escuros concordou em silêncio.

— Tem outro problema, estou perdida nesta floresta. E eu sei que Peter não virá me mostrar o caminho.

— Existe um segredo para sair da floresta, você tem que encarar o que mais teme. Do que mais tem medo, Wendy?

Ela fechou os olhos, não conseguia pensar em nada. Na sua vida, nunca tinha passado por traumas ou momentos que a aterrorizassem. Uma vidinha simples em Londres, como de tantas outras garotas na cidade.

— Não sei. Crescer?

— Não. O que mais te apavora?

Ela pensou em silêncio.

— Nunca viver uma aventura.

Sininho riu.

— Você está na Terra do Nunca.

Ele tinha visto coisas maravilhosas naquele lugar, e não podia negar que era graças a Peter. Ele tinha ido buscá-la. Mesmo sendo tão mau, ele tinha sentido pena dela. Pelo menos era o que gostava de pensar.

— Me diga a verdade, do que mais tem medo?

— Peter. - E dessa vez, soube que estava falando a verdade.

Mais nenhuma palavra precisou ser dita, Wendy sabia o que fazer e Sininho tinha fé que ela conseguiria.


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