A Lenda de Yuan escrita por Seok


Capítulo 9
Disparo no escuro




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O dia começou bastante corrido. Jinora disse-me que meu treino na dobra de ar teria que esperar, e que não seria ela a me ensinar, e sim seu filho, também mestre, Kelzang. Eu a questionei, mas ela afirmou que seria minha mentora espiritual quando eu estivesse pronto. Ela também alertou que não seria uma tarefa fácil, devido ao meu elemento natural ser Terra e, provavelmente, eu teria dificuldades em entender a leveza e versatilidade do ar. Contudo, diante da ameaça iminente em que nos encontrávamos, o Lótus Branco entrou em um consenso: eu deveria partir em uma jornada espiritual e encontrar o espírito que Korra me dissera. Eu entraria pelo portal, assim, não correria o risco de estar sem minha dominação caso precisasse dela. Jinora alertou-me que seria difícil, contudo, era algo que eu precisava passar sozinho, para crescer tanto como homem quanto como Avatar. Ela me acompanharia até certo ponto, para minha proteção — mesmo idosa, era uma dobradora extremamente habilidosa. Minha partida era segredo absoluto, competente apenas ao Mestre Hu, do Lótus Branco, meus pais, Ikki, Rohan e Jinora. Fang não sabia, tampouco Seoyin. Eu guardaria segredo até o fim do dia, quando estivesse prestes a partir.

Quanto ao presidente, a cidade continuaria em estado de alerta por tempo indeterminado. Estabeleceram um toque de recolher e qualquer um que estivesse fora de casa após o horário estipulado seria considerado como traidor ou igualitário; a informação que me chegou foi que Tarrlok, um antigo conselheiro, uma vez estipulou essa lei. Eu não concordei, mas Ikki disse que eu deveria me concentrar na tarefa que estava prestes a realizar. Falou, também, que eu ainda era muito novo e inexperiente para contestar uma ordem do próprio líder da cidade.

Vi meus dois amigos sentados no jardim do Templo. Estavam de mãos dadas, em um banco, e olhavam para as flores. Eu respirei fundo e me aproximei.

— Oi, pessoal.

— Yuan! — disseram, em uníssono.

— Estou tão orgulhoso de você. — disse-me Fang. — Não nos falamos recentemente. Você anda tão ocupado com essas coisas de Avatar…

— Também acho, Yuan. — acrescentou Seoyin. — Mas eu entendo, afinal, ser o Avatar não é muito fácil.

— E nem é algo que eu queira ser. — concluí.

— Você é muito forte, Yuan. Eu e Fang ouvimos quando seu mestre disse que você está se saindo muito bem na dobra de fogo e aprendendo muito rápido. E eu consegui me esconder no telhado, o que não é grande coisa, já que sou dobradora de ar, mas isso não vem ao caso… O que importa é que eu também ouvi o que aconteceu. Sabemos que estão atrás de você.

— E nós não vamos deixar nada te acontecer.

Eles pareciam convictos. Eu senti vontade de sorrir, mas não o fiz por algum motivo. De qualquer forma, era reconfortante ver como eles se importavam comigo. Era bom ser importante para alguém, sem ser comparado ao meu irmão.

— Obrigado, pessoal. — finalmente, eu disse.

— Nós somos um time agora. Eu, você e a Seo.

— O que você quer dizer, tipo… O time Avatar?

— É, eu acho que sim.

E acho que um consentimento ocorreu entre nós três. Não sobre algo específico. Apenas consentimos na mesma coisa, e eu acho que é a coisa mais importante que pode acontecer em uma amizade sincera.

 

                                                                              [...]

Depois do horário de almoço, fui convocado na Delegacia de Cidade República, assim como meu irmão. Ambos estávamos devidamente uniformizados, como fora ordenado. Por algum motivo, eu estava ansioso. Não ansioso por alguma coisa, só me sentia apreensivo. Os dobradores que transitavam por lá já eram homens adultos, e eu era apenas uma criança. Mesmo o meu irmão parecia muito mais velho e maduro se eu olhasse bem, o que era estranho, já que tínhamos a mesma idade.

Todos reuniram-se em uma sala com um palanque em uma das extremidades. Os policiais estavam devidamente posicionados, como militares, então eu achei que seria melhor se eu fizesse o mesmo.
Após algum tempo, Beifong entrou e ficou no centro do palanque.

— Os senhores estão aqui para uma missão. Reuni somente os mais qualificados à enfrentar uma ameaça específica. Uma cidade nos arredores de Cidade República está em sério perigo, e vocês foram escolhidos entre muitos para levarem a paz àquele lugar. Os igualitários ganharam extrema força na cidade de Abbey, e vocês formarão equipes de elite para fazer com que os dobradores e não dobradores possam dormir em paz novamente. A ameaça igualista, como devem saber, está promovendo uma caça aos dobradores na cidade mencionada, e não se sabe o que os acontece após serem pegos.

Não sei dizer exatamente como eu me senti na hora. Tudo que fiz foi olhar para Shun, mas ele não retribuiu o meu olhar. Permaneceu rígido, de expressão fechada, como se não me conhecesse. A ideia de adentrar no meio de dobradores de elite para enfrentar igualitários, que sabem exatamente como lutar contra dobradores, era assustador demais; entretanto, só eu parecia assustado. Beifong continuou:

— Aos que não estão acostumados a adentrar em um batalhão comandado por mim, é melhor se adaptarem aos meus métodos e regras. E quem pisar fora da linha, será expulso. A delegacia de polícia ficará sob as ordens do subcomandante, Tsangyang. Partiremos em dois dias. Estão liberados.

Os policiais começaram a conversar entre si, mas quando Beifong estava prestes a sair pela porta, eu o alcancei.

— Chefe, hmm… acho que isso deve ser algum erro. Eu deveria começar o meu treino com Jinora.

— Não, não é um erro. Você terá seu treino de dobra de ar, contudo, como você deve saber, o filho de Jinora será seu professor. Ele se ofereceu a vir conosco, visto que o Mestre Tenzin estabeleceu que a Nação do Ar também ajudaria o Avatar a manter o equilíbrio do mundo.

— Mas eu não tenho experiência de campo. Eu não vou saber o que fazer.

— Ouça, criança — ele foi bastante claro na última palavra. — Recebi de fontes confiáveis que você excede as expectativas na dobra de fogo. E também fui alertado que é um bom dobrador de terra, mas é gentil demais. É a oportunidade perfeita para para eu quebrar sua gentileza e te tornar sólido e forte como uma rocha.

Foi um pouco sombrio, mas uma vez me disseram que discutir com o Beifong era perda de tempo. Decidi, então, aceitar. Se era uma chance de ajudar os que precisam, talvez fosse o certo a fazer. Beifong deu as costas novamente e saiu.

Eu estava saindo também quando ouvi alguém comentar, a voz carregada de deboche e parecia nem se preocupar de eu escutar.

“Chefe, eu acho que deve estar havendo algum engano…’’

E todos caíram na gargalhada. Eu fechei os punhos e contraí o maxilar. Respirei fundo e continuei.

“Acha? Eu tenho certeza. Treinamos durante anos pra um pirralho entrar aqui?’’

Fechei a porta e respirei fundo. Eles estavam certos, afinal. Pelo menos, era o que eu achava. Eu era apenas um menino no meio de tantos homens. Entretanto, eu era um menino, mas um soldado. E estava decidido a fazer o meu melhor pelo bem das pessoas. Então por que fizeram aqueles comentários? Não sei dizer se realmente senti vontade de chorar, mas meu rosto ardeu. Ardeu porque eu não podia fazer nada. Porque me lembrava como eu sempre vivi na sombra do meu irmão e porque ninguém falou nada sobre ele. Shun não dava abertura para isso. Era um menino, assim como eu, mas sua postura era a de um homem adulto. E eu não acho que ele teria problemas em enfrentar qualquer um deles em uma luta. Meu irmão, no fim das contas, era um mestre graduado na dominação de terra. E era impiedoso como um dobrador de fogo.

Então, finalmente, fui para casa.

 

— Yuan. — disse Jinora. — Está pronto?

— Estou pronto.

— Você lembra de tudo, certo? O espírito que vamos encontrar é tão antigo quanto o próprio tempo. Ele me reconheceria como inimiga, já que sou uma dobradora. Mas os espíritos podem sentir a energia de Raava em você. Ele te reconhecerá como amigo. Por isso, só você pode contatá-lo.

— E… como eu falo com ele?

— Não tenho certeza — afirmou. — Não existem relatos em livros sobre isso. Ninguém jamais conseguiu comunicar-se com ele, além do Avatar.

— Como ele se chama?

— Yen Hao, o espírito da memória e dos vínculos. Devemos encontrá-lo perto da Árvore do Tempo.

— Mas… Jinora… A Árvore do Tempo fica nos portais do Polo Sul e Norte. Não vamos levar tempo para chegar até lá? Quer dizer, é impossível ir da Cidade República até o Polo Sul sem um bisão voador ou um barco.

— Não — disse. — O Avatar é muito poderoso no mundo espiritual. Seus sentimentos e ações afetam tudo ao seu redor.

— Eu não sou “O Avatar.’’ Eu sou um Avatar em treinamento. Não entendo nada do mundo espiritual.

Jinora sorriu compassivamente e colocou a mão em meu ombro.

— Você me lembra muito minha velha amiga. Ela também não era ligada aos espíritos, mas fez coisas extraordinárias. O Avatar não é bom em tudo, Yuan. Assim como uma pessoa normal, precisa aprender aos poucos. Seja como a folha e deixe-se levar pelo vento.

— Estamos de partida?

— Sim, sim, estamos.

— Eu preciso falar com uma pessoa.

— Tudo bem.

Parti, então, para o lado de fora do Templo. Procurei por Fang em todos os lugares, mas não o achei. O céu estava alaranjado, o sol se pondo por trás dos mares. Tudo me parecia tão mais extenso do que realmente era. A imensidão do mar, o céu, tudo era infinito. Algo em mim me dizia que meu coração estava em outro lugar. Achei, então, por entre as árvores, meu querido dobrador de água. Ele estava deitado sob sua sombra, olhando para as ondas que quebravam na costa. Ele se levantou assim que me viu.

— Yuan, eu soube…

— É.

— Você vai ficar bem? Por favor, prometa… prometa que vai voltar.

Eu o olhei por alguns instantes.

— Eu prometo que vou tentar, Fang.

A distância entre nós dois era quase nula. Eu o olhava bem nos olhos, azuis como o mar, profundos como a mais pura das águas. Pelo menos, pareciam assim para mim. Fang ostentava uma expressão de preocupação, mas que ficava extremamente delicada em seu rosto. Tão lindo, foi o que pensei.

Eu não sabia o porque, mas tive a sensação de que seria a última vez que eu veria Fang em muito tempo. Ele me olhava, preocupado, esperando por alguma resposta. Eu levei minha mão até o seu rosto e senti seu calor pelos meus dedos conforme eu o acariciava. Os olhos azul-água de Fang encontraram os meus, e mesmo que eu não tivesse seu consentimento, disse:

— Você fica lindo quando está preocupado comigo.

E, então, tão repentino quando o despertar ou o adormecer, uni nossos lábios com um beijo. Fang pareceu não ter reação, mas não pude voltar atrás. Encaixei meus lábios sobre os dele, e fechei os olhos instintivamente. Não durou mais do que três segundos, mas pude sentir o sabor maravilhoso que ele tinha. Alguns meros instantes que pareceram durar para sempre.

— Absolutamente lindo. — concluí.

Afastei-me, e os olhinhos azuis do dobrador de água piscaram repetitivamente, como se tentando processar o acontecimento. Não esperei resposta. Sabia que ficaria magoado se ouvisse algo que não queria. Eu não conseguia pensar direito, minha mente estava confusa, turbulenta, como em um oceano revolto. A profundidade das minhas emoções estavam prestes a me afogar em nervosismo, minhas mãos trêmulas e suadas pela tensão. Tudo bem, foi só um beijinho — ainda assim, foi o suficiente para me fazer surtar por dentro.

  Dei as costas e corri para Jinora. Mundo Espiritual, aí vou eu.


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