DeH; O guerreiro sem motivos para viver escrita por P B Souza


Capítulo 2
Como Escravo e como guerreiro


Notas iniciais do capítulo

Segunda parte da história.
Espero que gostem, e incluí também o mapa de Garfh, Moogul e arredores.
Boa leitura!



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As lendas cercavam aqueles campos entre Garfh e Moogul da mesma forma que o chicote cercava os sonhos de Alek.

Havia sangue entre as duas cidades e as cidades vizinhas todas. E se as antigas crenças diziam que do sangue dos impuros nasciam os dragões como reflexo da maldade e vilania do homem, Alek temia imaginar o tipo de deformidade animalesca que poderia nascer do sangue dos bruxos massacrados pelas tropas Moogulistas durante a 4° era, quando Moogul surgiu da guerra entre os grandiosos reinos de Lorval e Garfh.

As histórias eram horripilantes e embora Garfh fosse piada para todos os outros reinos, algo de macabro existia em suas terras, pois nenhum reino ousava invadir suas fronteiras. “São demônios conjurados do sangue com magia negra”, diziam.

Os relatos espalhados iam desde hienas sanguinárias raivosas passando por escorpiões e besouros gigantes até monstros jamais vistos, dotados de centenas de garras e dezenas de olhos e bocas. Garfh jamais ficaria sem aberrações, casa de magos e bruxos, qualquer monstruosidade imaginada, temia Alek, podia ganhar vida!

E cada ousado viajante via um monstro diferente, cada monstro peculiar a sua forma, cada forma intimamente ligada ao que o viajante desafortunado temia.

Muito embora a verdade fosse mais simples.

A Confraria Garfhna Puritana de Bruxos e Magos fazia o possível e impossível para manter tal verdade em sigilo, pois eram os ditos monstros os responsáveis por proteger Garfh uma vez que o antes glorioso centro comercial do Sacro-Império Magmun era agora não mais que um reduto de magos puritanos refugiados, sem exército ou armas para uma guerra ou sequer uma invasão de qualquer grupo de saqueadores.

Assim sendo, enquanto Garfh nutrisse medo no coração dos que de suas terras se aproximavam, Garfh estaria segura, pois precisava se manter existente, pois no coração de Garfh uma rica cultura aguardava o momento certo para despertar novamente.

E era este medo que instilado pelos dizeres e pela criatividade, aumentava no peito de Alek a cada metro que avançavam pelo chão pouco fértil e cheio de desníveis naquela planície sem fim que se estendia em todas as direções até os limites de onde os olhos podiam ver.

Até mesmo o cavalo parecia pressentir algo ruim, e tentava constantemente mudar de curso, forçando Alek a esporá-lo e puxar as rédeas com força, trazendo-o de volta ao caminho que deviam tomar. E quanto ao caminho em si não havia mistérios. Era uma linha reta que deveria seguir.

Garfh e Moogul estavam em linha de colisão constante uma com a outra, divididas por um extenso campo desolado chamado Campo de Sangue que raramente via movimentação humana.

Alek se perguntava como encontraria um viajante e ainda cumpriria com sua missão pessoal.

Garfh era, além dos monstros, conhecida por suas gemas raras que brotavam do chão de forma espontânea, os ditos diamantes sangrentos. E era isso que Alek procurava ali, pois essas mesmas pedras eram quase impossíveis de serem mineradas, inexistente por exceto alguns lugares específicos das ilhas. O que fazia com que seu preço e o valor agregado à estas gemas, que em Moogul eram chamadas diamante sangrentos, mas no resto das quatro ilhas eram chamadas rubis, fosse inestimável.

Tal pedra excessivamente cara, de inigualável beleza, e símbolo do amor, era usada apenas com um propósito; matrimonio. E se sua dificuldade de ser encontrada a tornava rara, maior era o simbolismo agregado ao presente. No entanto em Garfh essas mesmas pedras nasciam do chão, brotavam como se fossem batatas, e ninguém ousava lá ir para colher os tesouros.

Talvez fosse fácil demais para os olhos, mas os perigos de Garfh eram os monstros, e as histórias amedrontavam até mesmo os mais corajosos dos mineradores. Alek, porém, era um guerreiro, e deveria suplantar seu medo, enquanto como escravo não importava se tinha medo ou não.

E apenas por tal razão ele estava ali. Alek havia perdido tudo, então havia sido a escolha perfeita de seu mestre, pois não recusaria a aventura, e seu mestre, que se casaria em breve, queria um presente marcante para sua bela noiva. Então ali estava, com seu cavalo, sua espada, o ouro e a carta. Pronto para enfrentar sua última batalha e deixar que outrem levasse o diamante sangrento para casa. A casa que havia deixado para ser onze vezes maldito, livre e morto.

Toda noite fincava no chão uma estaca de madeira que servia para prender o cavalo com a corda, e então dormia logo ao lado, em uma coberta de couro que servia de coberta e de colchão, mas já estava tudo fedendo a cavalo, inclusive o próprio Alek. Não que ele se incomodasse. Como escravo já tinha tido três mestres, e o atual era o melhor que tivera, lhe permitiu ter boa vida, esposa e filha. Lhe pagava, mesmo que pouco, mas era mais que qualquer outro escravo poderia pedir. Não lhe batia e ainda lhe oferecia comida fresca e local para banho diário, em troca pedira apenas obediência, e assim Alek o fez. Era uma vida melhor que a de qualquer outro escravo em Moogul e melhor que a de muitos trabalhadores de outros reinos que eram livres.

Mas então perdeu tudo que um dia amou, e seu mestre queria um diamante, e, sendo assim, ali estava Alek, longe de casa como nunca antes, solitário como nunca antes.

Foi apenas na quarta noite que viu, nos campos a frente, pequenos brilhos avermelhados iluminados pela luz do luar, brilhando tão longe que pareciam estrelas no chão. Estava perto de realizar sua missão, e então estaria livre para cumprir sua própria tarefa. Mais um dia, dois não mais tardar, e teria o diamante sangrento.

Foi então, enquanto, deitado de lado olhava os rubis, que ouviu o cavalo se levantar de supetão a relinchar, como se em fúria ou em pavor. Os relinchos eram de um bicho apavorado e o cavalo, agora já em pé, puxava a corda em trancos que faziam a precária prisão com a estaca se soltasse lentamente. Alek, temendo o óbvio, tentou acalmar o animal de quatro patas, pois sabia que se o cavalo escapasse ele teria de andar o resto de sua jornada, porém o que um homem poderia fazer para conter um cavalo sem feri-lo, pois, dependia do animal em pleno estado de saúde?

Se colocou na frente do cavalo, mas foi inútil. O animal escoiceou o ar uma última vez quando a estaca saiu do chão por completa em um último tranco. Alek não teve tempo para evitar o que sequer viu, apenas sentiu.

O cavalo desviou dele e correu para a direção de onde tinham vindo na véspera, então a estaca, presa na corda presa ao cavalo em um nó que não se desfaria facialmente, voou no ar em uma centena de movimentos, mais cruel que o mais cruel dos chicotes, acertou Alek em cheio logo abaixo de seu peito, fincando fundo na carne e lhe causando excruciante dor.

Então o cavalo fugindo, amedrontado, puxou a corda que puxou a estaca antes mesmo que Alek pudesse cair no chão. O guerreiro-escravo sentiu-se enganchado como um pedaço de carne de açougueiro, e então arrastado. Por dez metros berrou, suas costas sendo raladas no chão grosseiro de terra e pedras, sentiu o sangue saindo da ferida e brotando dos cortes nas costas, e vendo que ali morreria se não agisse, conseguiu, com dificuldade imensurável, puxar a estaca de dentro de si mesmo, ainda em movimento, e então, quando soltou a madeira, rolou no chão com sangue voando de seu corpo como uma bolota de farrapos encharcada rolando ladeira abaixo.

Quando finalmente parou sentia-se trespassado e esfolado, e ainda mais solitário, pois o cavalo sumia deixando apenas poeira para trás.

— Animal maldito. Onze vezes lhe condeno! — Resmungou sentindo o sangue subir na garganta lentamente como se estivesse preste a engasgar.

Queria uma boa morte, ao invés disto conseguiu ser atingido por um cavalo desnorteado e um pedaço de madeira como se fosse um pajem em treinamento. Como consolo imaginava-se encontrando em breve sua amada e sua filha. Ambas haviam morrido no tronco há dez dias, injustamente acusadas, raptadas na noite, e espancadas na madrugada. Alek havia clamado por justiça, seu mestre podia ser um homem bondoso, mas o que faria? Iria contra a ordem das coisas em Moogul?

Então não houve justiça, e sequer houve um enterro. Mas agora ele encontraria sua esposa, e sua filha. De lado cuspiu sangue contra o chão de terra. Desejava apenas que acabasse logo, então se deitou de barriga para cima, para ver o céu uma última vez, pois esperava que, após aquilo, fosse ver a terra lá de cima. Porém o que viu não foram as estrelas, mas sim negrume.

Sombras voando baixo com suas roupas feitas em trevas e fumaça, olhos de perdição, rubis em brasas, queimando olhavam para ele lá de cima, e braços finos se esticavam de dentro das roupas negras, braços finos e negros, ossos no lugar da pele e da carne. Vinham para lhe abraçar com aqueles olhos de perdição.

Alek queria ter agarrado sua espada que estava a dez metros de distância, aonde havia dormido. Queria ter aproveitado a chance para se levantar e lutar, e morrer uma boa morte, pois como guerreiro era esse seu derradeiro dever. Então mesmo sem espada teria se levantado, mas a dor não lhe permitiria isso também.

E então já era tarde.

Havia fracassado como escravo com seu mestre, e como guerreiro consigo mesmo.

Os monstros de Garfh haviam chegado.


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Notas finais do capítulo

Parece que acabou, mas tem mais um capítulo!
Até o próximo, e não deixem de comentar :)
...
Ps. para quem quiser ver o mapa completo > http://i.imgur.com/omwukeE.jpg < Pois esse do capítulo é "zoom" em uma pequena parcela da ilha!
Ps do ps. São 4 ilhas, mas as outras não importam, então nem falarei sobre elas xD



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