Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 80
(D) Armadilha




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Diante dos sons daqueles passos apressados que se perdiam e desapareciam dentro do imenso labirinto de vielas afrente dele, Damian se manteve apenas parado. Quieto quanto aos seus próprios pensamentos, e quieto também quanto suas próprias vontades naquele momento...
"É melhor deixá-lo ir."
Pensou ele, não se sentindo mais apto para segurar ali ao seu lado o difícil Humano chamado Yura.
Até o último instante ele tentou agir de acordo com os seus desejos. Impondo-os sobre aquele confuso Humano, ao que em um único segundo de descuido as palavras proferidas por Yura então o fizeram perceber a necessidade de agir agora com razão, mais do que com seus "temporários e intensos sentimentos".

— "Não somos nada... um do outro."

A voz de Damian então repetiu aquelas palavras como um lembrete da verdade que seu peito estava tendo ainda dificuldade para aceitar. Mesmo estando decidido sobre aquilo que sentia -sempre que tal humano se aproximava dele-, Damian ainda sim só agora se dera por perceber a ilusão em que estava se deixando mergulhar.
Não importava o quanto ele pudesse querer garantir a segurança de Yura, não importava o quanto ele pudesse querer abrir seu mundo para ele em um cego voto de confiança, não importava o quanto ele pudesse se esforçar para não afastá-lo de seu caminho... a verdade continuava sendo a mesma. Damian ainda era um Skrea, e Yura ainda um Humano.
Ou pior ainda, Yura poderia ser um Vessel agora também...

Nisso a voz de Damian engasgou em sua garganta e sua mão correu para amparar o susto que sua boca quase proferiu diante daquela possibilidade! Mantendo seus olhos compenetrados no vazio que sobrara diante dele, ao que uma coisa era ele estar fazendo tudo isso com um Humano, mas-... com um Vessel? Que sacrilégio poderia restar intacto aos olhos da sua -tão exigente- raça, caso Yura fosse realmente um Vessel?!
"E-Eu preciso ter certeza disso... eu duvido que ele seja, mas eu preciso ter essa certeza!"
A mente preocupada de Damian então o cobrou, fazendo seus olhos dispararem para o alto em busca de uma saída rápida daquele lugar! E ao que antes mesmo sua mente pudesse pensar melhor sobre aquilo, ele então se cobriu novamente por sua energia escura -que moldava as suas formas ao contorno de um falso dragão-, e disparou impulsivamente em largos passos prédio acima, como um raio escuro escalando aquelas paredes vazias até conseguir retornar novamente para os céus!

Quem dera se as palavras de Damian realmente tivessem trazido tanta certeza para ele, quanto trouxeram para Yura -no momento em que ele tão firmemente afirmou que aquele Humano não podia ser um Vessel.
Não, elas não trouxeram. Damian tinha muitas dúvidas quanto aquela afirmação, e agora aquilo parecia se transformar em um imenso empecilho dentro dele! Ao que quanto mais ele corria por sobre o topo daqueles prédios, e pulava seus vãos com maestria, mais ainda ele se sentia afundar em uma incerteza que o fazia temer pelo pior!

Era possível para Damian escolher não fazer mal a um Humano, já que sua raça o permitia sentir consideração pela sua atrasada raça irmã... Porém, o mesmo não poderia ser feito caso Yura por outro lado começasse agora a ser visto como aquilo que mais assombrava sua própria espécie -um Vessel!
E ao que cada vez mais Damian cruzava a cidade -rumo ao Capitólio-, mais ainda então ele sentia dentro de si sua mente implorar para Skreevah que tudo aquilo não tivesse realmente passado de um mero mal-entendido! Fechando seus olhos por vários momentos, ao que a incômoda luz do pôr-do-sol banhando a cidade começara agora a fazê-lo se sentir correndo contra o tempo, na busca daquelas difíceis respostas!

Sendo assim -em menos tempo do que ele pudesse ter se dado conta- seu corpo então parou de frente aos portões do Capitólio. Estando este inusitadamente vazio, ao que então um suor gelado escorreu pelo seu corpo...
"Eles não vão me receber bem, depois do que aconteceu."
Disse Damian para si mesmo... não só constatando o que já era óbvio, mas também constatando especialmente aquilo que ele até então tentara evitar de pensar!
Infelizmente ele precisara intervir pela vida de Yura, e fora avistado por todos aqueles Skreas de uma só vez! O que poderia não parecer significar muito para um estranho, mas que para Damian, podia significar bem mais do que suas boas-vindas novamente ao Capitólio.

A Oráculo não era qualquer uma, e seu pai jamais escondeu ou mediu palavras quando fora para deixar bem claro que Damian estava proibido de se meter com aquilo que estava acontecendo dentro dessa cidade... Sendo assim, ele sabia que entrar naquele Capitólio depois do que fizera podia significar mais do que apenas uma punição por má conduta! Sendo que tudo iria depender agora de até onde ele estava disposto a ir para conseguir essas respostas, e do quanto ele iria conseguir também ser evasivo ali dentro para consegui-las.
"Talvez o conselho ainda não tenha sido avisado sobre mim... mas eu só vou ter como ter certeza disso se tentar entrar."
Damian então respirou com dificuldade na tentativa de se manter firme e calmo, andando assim por fim até a frente daquela imensa construção que quase desafiava a magnanimidade dos próprios muros da cidade.

Dentro de seu peito, não era realmente como se ele quisesse entrar naquele lugar e arriscar de verdade a sua sorte. Só que ele estava dentro da Citadela, e se seu pai realmente já estivesse bem querendo encontrá-lo para puni-lo, seria então inútil para Damian sequer tentar fugir de seu alcance -porque todos os Skreas iriam começar a caçá-lo com muito gosto, revirando toda aquela cidade até encontrá-lo!
Não, era mais fácil admitir de uma vez que não dava para evitar as consequências daquele seu breve ato impensado, e que ele deveria assim aceitar logo qualquer punição que fosse receber do conselho -como o Skrea que ele era, e que ele tanto queria se provar ser.

Porém, ao que Damian então passou pelos primeiros guardas imóveis afrente dos portões, a firmeza de seus olhos por um instante se deixaram escapar através de uma gota de surpresa e estranhamento. Notando que eles sequer pareceram dar importância para a sua passagem, ao que -estando ou não com problemas-, Damian jamais se sentira meramente bem-vindo em qualquer instalação Skreana que houvesse de pé sobre as areias daquele imenso Deserto!
Sendo assim sua mente então o pressionou ainda mais em se preocupar com o que poderia estar aguardando-o dentro daquele Capitólio. Ao que ele se permitiu brevemente sentir estar caminhando para dentro de uma armadilha, antes de novamente então voltar o seu olhar àquele caminho que se formava diante dele.

"Não vou arriscar ir atrás de outro Skrea para procurar respostas... Tenho que achar uma forma diferente de descobrir o que preciso descobrir, sem precisar depender de me aproximar dos outros aqui dentro."
Sendo assim Damian então ajustou sua mente o mais rápido possível. Desviando subitamente do caminho de praxe ao qual todos os Skreas normalmente tomavam ali dentro, até finalmente conseguir encontrar uns corredores vazios (e de muito pouco movimento) nos quais ele pôde seguramente transitar. Seguindo assim então com maior premeditância, ao que seu olhar parecia saber exatamente pelo quê agora ele precisava procurar ali dentro.

Independente de sempre ter tido uma vida muito atada dentro da sua sociedade, Damian -desde jovem- fora alguém que adorava gastar seu tempo explorando os espaços que estavam ao seu alcance. Garantindo assim para si uma noção melhor dos seus arredores -e dos segredos contidos neles- antes mesmo de ter oficialmente tido a chance de andar livremente por dentro daquela vasta cidade!
E ao que ele possuía essa noção melhor dos segredos do próprio Capitólio, seus instintos então insistiram em sua busca por um cômodo que ele já havia uma vez visto lá dentro. Um cômodo pouco usado, mas que continha dentro dele todas as relíquias místicas que um Oráculo poderia vir a desejar usar durante sua estadia na Citadela!

Se fosse um Humano andando ali por dentro, talvez ele nunca fosse capaz de considerar que havia tal local dentro do Capitólio dedicado à religião e espiritualidade Skreana -afinal, racionalidade e misticismo sempre foram dois conceitos muito antagônicos para se conseguir combinar.
Porém, havia. E isso era mais do que um fato para qualquer Skrea, já que aquela raça tão firme e dura com seus próprios conceitos abraçava a religião de tal modo, que até mesmo ela chegava a ganhar nuances de um fanatismo que superava àquele ao dos próprios Humanos!

Um fanatismo capaz de existir, porque os Skreas dependiam e veneravam muito mais abertamente a sua necessidade de respostas e os seus vínculos espirituais com Skreevah -como se fosse ele um inquestionável mestre-, do que os Humanos. Que por outro lado apenas aceitavam tudo da forma que era, e recorriam à imagem de Grivah apenas quando diante de uma situação de extrema dificuldade -como se fosse ela porém nada mais do que uma mãe condescendente.
Fazendo assim então com que os Skreas acabassem se tornando uma raça altamente colecionadora e desbravadora do imaterial, e permitindo-os dessa forma transformar -com o tempo- o estudo das energias em algo bem convencional para a sua sociedade. O que os fez abraçarem racionalmente todo um universo, que os Humanos por outro lado ainda preferiam tratar e aceitar como sendo propositalmente misterioso e desmerecido de respostas.

E ao que Damian detinha facilmente toda aquela noção, ele então automaticamente considerou -como melhor opção- procurar pelos famosos objetos utilizados pelos Oráculos em seus diversos rituais. Esperando assim conseguir usá-los para chegar mais perto das respostas sobre Yura, do que ele sequer iria conseguir chegar se por outro lado apenas tentasse depender dos membros de sua raça!
Se motivando então mais ainda a desconsiderar o pequeno detalhe de que não era tão bem visto assim qualquer Skrea decidir sair mexendo nos conceituados relicários de sua raça, ao que ele se manteve bem firme, mesmo diante daquele seu -tão questionável- objetivo. Afinal, Damian não estava realmente em uma posição tão boa assim para ficar também impondo ainda mais limitações à sua complicada busca.

"Aonde afinal está essa sala...?"
Ele então reafirmou, expurgando propositalmente de sua mente a noção de que ele não estava agindo de uma forma muito correta com aquilo. Ao que a sombra dos corredores vazios o permitiu facilmente explorar cada um dos milhares de cômodos misteriosos à sua frente, se sequer ser notado por Skreas que pudessem acidentalmente passar por ali.
E ao que o tempo daquela sua busca passou de forma muito discreta -ao som de portas se abrindo e fechando em sequência-, foi que então sua mão por fim alcançou a porta que dava para a -tão escondida e inutilizada- sala dos empoeirados objetos sacros da Citadela!

Como esperado, as grandes teias de aranha nos cantos do quarto e a poeira cobrindo quase tudo diante de seus olhos delatavam com muita naturalidade aquilo que Damian tanto já sabia -devia de se ter uns 20 anos, desde que esse lugar foi realmente utilizado por alguém. O que não o fez porém deixar de perceber que aquela sala havia sido recentemente visitada (provavelmente pela própria Oráculo), já que a poeira sobre alguns distintos objetos parecera ter sido removida não fazia tanto tempo assim.

Nisso Damian então forçou os seus passos a se silenciarem ainda mais do que os dos próprios ratos, adentrando com cuidado naquela sala e se dirigindo com extrema cautela à cada um dos distintos objetos que pareciam terem sido recentemente manipulados. Ao que suas mãos começaram a deslizar curiosamente por sobre cada um deles, evitando porém ainda sim de deixar no processo qualquer tipo de rastro que pudesse vir a delatar depois sua presença ali dentro.

"Eu me lembro de ter ouvido que os Oráculos antigamente usavam objetos e rituais para detectar à longa distância a presença ou o nascimento dos Vessels... E aposto que se realmente houver algo assim aqui dentro, ela então o usou antes de começar a procurá-los pela cidade!"
Damian afirmou com sua cabeça em uma cega esperança, encarando assim com suspeita então todos aqueles objetos de formatos inimaginavelmente diferentes -sendo nenhum deles porém, suficientemente familiar ao seu próprio uso.

E ao que cada vez mais ele se deixava começar a se preocupar com a falta de praticidade naquele seu plano, foi que então seus olhos por fim se prenderam a um globo de vidro sustentado sobre uma armação esquelética de cobre -bem ao fundo daquela sala.
Talvez fosse apenas a sua curiosidade que tivesse falado mais alto, mas quase que como se tivesse sido atraído por aquilo, Damian então ignorou os objetos mais próximos a ele e se aproximou daquele distinto orbe. Apoiando automaticamente uma de suas mãos sobre aquela perfeitamente lisa e limpa superfície, e encarando-o então com um certo fascínio que sequer parecia pertencer mais à sua mente.

Nisso sua mão então repousou sobre a cristalina esfera que se encontrava sustentada em seu centro, percorrendo com seus olhos o confuso formato do resto daquele raro objeto -que se destacava sozinho no meio do entulhado quarto. Até notar com isso diversas inscrições vindas de um antigo dialeto de sua raça -gravadas na armação de cobre que o contornava. O que tomou a sua atenção, até que de repente algo dentro do próprio Orbe finalmente pareceu começar a se mover sozinho!

Sendo assim, quase como tomada por uma força mágica, a superfície cristalina daquela esfera então começou a se mutar para uma coloração aquosa e esbranquiçada... se movendo inusitadamente por sob a mão de Damian -como se reagisse à ela-, até que por fim uma forma bem mais definida pareceu tentar se formar por dentro daquela enevoada esfera-...!

— "Admito que esse objeto é um dos mais interessantes que há aqui."

Uma inesperada voz feminina então surgiu por trás de suas costas! Fazendo-o soltar no mesmo segundo sua mão daquela esfera e se virar para a direção da porta, recuando assim um passo para trás -no susto!
Mesmo sendo um Skrea Superior, ele havia falhado totalmente em perceber a aproximação de uma outra pessoa por trás dele! Se fazendo assim questionar sobre desde quando ele estava na realidade sendo observado, ao que então das sombras surgiu ninguém mais do que a própria Oráculo! Com o capuz de seu manto abaixado, seus brancos cabelos incomuns à mostra, e um olhar até que muito tranquilo -para alguém que poderia ter agora a presença de Damian, como um desagradável empecilho que merecia ser removido de seu caminho!

Não, ela sequer demonstrou desprezo a ele, ao que casualmente apenas se aproximou mais e mais de até onde Damian se encontrava. Mantendo sempre firmemente em seu rosto um misterioso e ameaçador sorriso, enquanto Damian por instinto precisou se ver recuando ainda mais para o fundo daquele quarto -já que a Oráculo estava agora barrando seu caminho até a porta de saída. Contornando assim então com seus cuidadosos passos aquele distinto Orbe, até transformá-lo em um obstáculo entre ele e as -provavelmente- perturbadoras intenções da Oráculo.

Aquela realmente era uma péssima situação que Damian não sabia como contornar! Mesmo sendo capaz de fisicamente se defender -caso a Oráculo tentasse fazer algo contra ele com as suas próprias mãos-, ele ainda sim jamais iria se permitir reagir de igual para igual contra os seus avanços! Afinal, seria um sacrilégio e uma sentença de morte garantida, fazer tal ato impensado!
O que o obrigou então a eliminar correndo da sua mente qualquer tipo de contra-reação instintiva -mesmo que fosse para salvar sua própria pele-, e limitar assim os seus gestos à nada mais do que apenas uma contida postura de receio!

— "Huhu, não precisa ficar tão alarmado... Ninguém vai te fazer mal aqui, afinal, eu não avisei ao conselho sobre o que você fez nas Avenidas."
— "?!... Não avisou? Por quê você faria isso?"

Damian então perdeu por um instante sua pose e encarou a Oráculo com surpresa. Ao que aquilo só conseguira tornar ainda mais suspeito o seu temperamento nada hostil para com ele -afinal, gentileza também era um sentimento compassivo que nunca pertenceu à sua raça!
Sendo assim, a Oráculo então aumentou ainda mais o seu convencido sorriso em resposta, e cruzou os seus braços em prepotência. Observando Damian por mais um instante, antes de finalmente decidir explicar a ele o que estava realmente se passando pela sua mente.

— "Não me seria nada útil deixar Derak fazer algo a seu respeito. Afinal, eu ainda preciso de você vivo."
— "...?"
— "Há certas coisas que precisam ser feitas para que eu alcance o sucesso de minha missão, e elas me obrigam a ter alguém especial como você por perto."
— "Do que você está falando? Eu sou só um Híbrido! Não há nada de 'especial' em mim que você não consiga também encontrar em qualquer outro Skrea!"
— "Huhuhu, muito pelo contrário. É justamente por você ser um Híbrido que você é especial... Ou você acha que tudo que um Oráculo precisa ter para caçar Vessels, é o nosso sangue puro e a nossa devoção à Skreevah?"
— "Eu não-... Do que você está falando?"

Ouvindo a voz confusa de Damian, a Oráculo então deixou que um novo e malicioso riso escapasse da sua boca. Observando-o calmamente com uma mistura de fascínio e silêncio... antes de então aquela situação se tornar suficientemente perturbadora para que suas palavras pudessem finalmente atingir Damian do jeito mais impactante possível!

— "É de certo que um Oráculo precisa ter uma forte ligação com Skreevah. Porém, ter APENAS uma ligação com Skreevah iria acabar nos impossibilitando de fazer várias coisas das quais podemos fazer -e que os outros não podem. Não, muitas das vezes precisamos ter um pouco mais do que isso, se quisermos por exemplo ser capazes de detectar coisas como os Vessels que andam entre nós."
— "Como assim? Aonde você está tentando chegar?"
— "Bem, eu estou querendo dizer é que... se quisermos entrar em sintonia com algo que não faça parte de Skreevah, então precisamos ter dentro de nós também uma genética que nos possibilite fazer isso. Ou seja, nós precisamos na realidade ter igualmente os genes de Grivah correndo dentro de nós... Nós precisamos, assim como você, também ser Híbridos."
— "-!?"


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