Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 49
Conversa de Bar




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No segundo que eu abri a porta da Boate -que estava fechada por culpa da tempestade- e passei por ela, eu então finalmente pude soltar o manto do meu rosto com certo alívio, tomando um fôlego grande e respirando profundamente de contra a porta sabendo que já haviam alguns olhares mal-encarados vindo na minha direção.

As pessoas em um geral aqui na Citadela eram todas muito fechadas com suas vidas, opiniões, conceitos... e por isso não era incomum você ser hostilizado em algum lugar aonde você pudesse ser considerado um estranho (isso é um reflexo da natureza dos povos do deserto mesmo). Mas aqui na boate (em particular) por saberem que haviam muitas razões (garotas) para um estranho querer arrumar confusão, era que os outros clientes definitivamente acabavam tendo essa atitude nada gentil com qualquer pessoa que entrasse sem nenhum anúncio por essa porta.
"Não que isso também continue até a noite, afinal aí é quando todos começam à encher a cara e esquecer até mesmo aonde estão... Mas de manhã é muito fácil ninguém querer te fazer sentir ser bem-vindo nos lugares."
Só que no instante em que eu tirei o manto que me cobria e me revelei -acompanhado do som da areia que caia sem parar no chão da entrada à cada novo movimento que eu fazia- foi então que os clientes desviaram os seus olhares e fingiram estar fazendo qualquer outra coisa.
Era sempre assim, e por eu não me importar com isso foi então que eu comecei à andar logo em direção ao bar de Rigur -sem sequer me importar de olhar para outra coisa que não fosse o meu manto todo sujo, chateado por saber que eu iria ter que lavá-lo agora.

— "Ah meu deus, um monstro de areia atacou o Yura!"
— "Rigur..."

Eu respondi cumprimentando-o secamente ao que não tinha muito humor para rir junto com ele daquela minha situação degradante. Porém Rigur por outro lado simplesmente continuou à ignorar o meu olhar nada feliz e insistiu com seu próprio clima de animação -puxando assunto como se não tivesse uma pessoa mal-humorada bem na sua frente.

— "Você parece que mergulhou no deserto antes de vir para cá, não me diga que ficou passeando pela tempestade?"
— "Passear não é o melhor termo... Mas realmente, eu tive que enfrentar ela."

Eu disse aquilo com um olhar sombrio tentando esconder dentro de mim a real razão para eu ter corrido em meio à aquele vendaval. Agora com mais calma eu estava conseguindo pensar melhor no que aconteceu, mas ainda sim não deixava de sentir que deveria de guardar isso só para mim.
Esbarrar em Damian não era o que estava realmente me incomodando bem lá no fundo (e eu sabia disso), mas sim o fato de que a presença dele trazia junto o nome de Gale para os meus pensamentos. E com a mistura de sentimentos que esses pensamentos me traziam, eu só queria era fingir mesmo que nada havia acontecido... especialmente porque eu sei que Damian e eu temos assuntos muito diferentes com Gale para sequer entrarmos em qualquer tipo de acordo.
"Eu percebi isso muito bem ontem, quando trabalhamos juntos. Se eu me envolver na vingança de Damian achando que isso vai me ajudar à deter Gale e seus planos, eu só vou no final é conseguir que ele acabe morto... e realmente não é isso que eu quero."
Preso naqueles pensamentos então eu mal pude me preparar para ouvir mais uma vez a voz de Rigur, me questionando ainda em um tom um pouco zombado.

— "Yura, eu sei que você levou uma bronca por ter se atrasado da última vez... mas não quer dizer também que você tinha que enfrentar essa tempestade só para conseguir chegar cedo aqui. Não sou tão incompreensível assim cara."
— "N-não foi bem isso... Eu... Eu só estou com fome. Muita fome."

Ao que eu tentei achar dentro de mim qualquer outra razão para ter corrido por dentro daquela tempestade, foi então que eu ouvi o meu estômago roncar um pouco finalmente me dando conta de que eu estava faminto! Fugir de Damian havia me feito ignorar as minhas necessidades básicas, mas agora que eu estava mais relaxado, finalmente a sensação de fome voltara com força total!

— "Certo, certo. Já entendi."

Nisso então eu ouvi a compassiva voz de Rigur concordando com o que eu dissera enquanto sua cabeça balançava de leve, fazendo sua mão sem querer ir até os seus curtos cabelos -esfregando-os um pouco- e rindo acanhadamente dos meus motivos. Embalado por aquele movimento, ele então pareceu rapidamente mudar a atitude em seu olhar, procurando por alguém que estava atrás de mim e levantando sua mão para essa pessoa enquanto fazia um gesto rápido com seus dedos para ela -ele estava provavelmente pedindo para alguma das meninas me trazerem algo.
Sempre quando eu estava com muita fome, almoçar na Boate se tornava uma das minhas primeiras opções e Rigur sabia muito bem disso. A culinária daqui era tipicamente a mesma da minha terra de origem, e as meninas realmente cozinhavam muito bem (para os meus padrões).
Como eu mesmo não sabia cozinhar, e como as vendedoras de rua só vendiam pães e outras coisas secas, essa era a única chance que eu realmente tinha para comer um prato de comida de verdade. Rigur até insistia que eu viesse mais vezes comer aqui por isso, só que eu só costumo fazer isso mesmo quando eu já tenho que vir aqui de qualquer forma para trabalhar. Por essa razão apenas é que almoçar aqui nunca se tornou realmente um hábito diário meu.
Nisso então eu me ajeitei melhor em um dos bancos do balcão e me debrucei um pouco sobre ele -não escondendo a canseira que eu estava sentindo apenas pela lembrança de ter tentado despistar Damian em meio à uma tempestade daquelas.

— "Eei... Não faça isso, senão eu vou ter que limpar depois toda essa areia do balcão!"
— "Ah-, me desculpe."

Eu disse isso afastando apressadamente o meu corpo do balcão e então me virando com certo receio para a direção em que eu vim -agora que eu me tocara sobre isso- notando finalmente o perceptível rastro de areia que eu sem querer deixei por todo o chão da Boate...
"Ops..."
Eu pensei comigo me dando finalmente conta da bagunça que eu estava fazendo ali dentro. Naquele instante eu então voltei meus olhos para Rigur -que também encarava aquele rastro de areia pelo chão com um misto de entretenimento e cansaço.
Eu não precisava me esforçar para imaginar o que estava passando pela sua cabeça naquela hora, e por isso então eu rapidamente me adiantei, decidindo me responsabilizar por aquilo antes que ele pudesse dizer alguma coisa -encarando-o com seriedade enquanto falava com uma voz bem sóbria.

— "Eu vou limpar aquilo tudo depois. Só preciso comer algo antes mesmo."
— "Cara, você precisa mais do que comida..."

Rigur disse isso embalado em um suspiro ao que então voltara seu olhar para mim, me encarando de cima para baixo com um riso muito mal contido. Eu não consegui acompanhar direito aonde ele queria chegar, mas ele também não se demorou para continuar à falar.

— "Você é areia pura, se tentar limpar alguma coisa vai acabar sujando ainda mais. Tome um banho lá em cima no meu quarto e deixe que as meninas cuidem dessa bagunça que você fez. Ainda não está no seu horário de trabalho mesmo..."
— "Ok, mas se elas reclamarem comigo que estão limpando a minha bagunça, eu vou dizer então que foi ordem sua deixar a limpeza com elas."
— "Não tem problema, elas são pagas para cuidarem dessas coisas mesmo."
— "Mas... são os clientes que pagam elas. E não exatamente a boate..."
— "Bem, é pelos clientes que a Boate precisa ficar limpa não é? Então continua tudo certo! Hehehe!"

Rigur disse aquilo deixando um irônico porém contagiante riso escapar e me fazendo rir também discretamente junto dele -mesmo que a razão por trás de seu riso não fosse uma das melhores. Eu sabia que se já fosse o meu horário de trabalho, com certeza então ele iria me mandar limpar esse chão. Por isso eu não levava tão a sério a tentativa de Rigur de fazer parecer como se ele estivesse me priorizando lá dentro -porque ele realmente não estava-, e acho que era por saber disso que eu acabei não me contendo e rindo junto dele (porque no fundo eu estava era rindo da minha própria desgraça).

Nisso então Rigur finalmente se acalmou um pouco e pegou uma garrafa de dentro de seu balcão, enchendo um copo com um líquido bem gelado e passando-o para mim com um sorriso que não duraria por muito mais tempo. Assim que eu peguei aquele copo, ele então se apoiou sobre o balcão com uma cara um pouco mais séria e me perguntou com uma voz tênue e bem baixa -para que apenas eu pudesse ouvir.

— "Então Yura, e o que foi aquele negócio ontem com aquele Skrea? Aquilo me preocupou por um instante."
— "Ah, aquilo...? N-não foi nada, ele só precisava da minha ajuda."
— "Espera. Você? Ajudando um Skrea? ...Conta outra. E eu notei que ele estava com o medalhão que você havia encontrado no outro dia também. Você sabe o que significa, não é?"
— "Sim, significa que ele provavelmente tem relação com Derak."
— "Yura, se ele tem uma relação com Derak significa então no mínimo que ou ele tem uma patente alta, ou que ele é de uma ordem superiora! E não presta cruzar o caminho de um Skrea desses! Esses caras são muito mais perigosos, fanáticos e segregadores do que os Skreas normais que aparecem por aqui. E eu soube que eles passam por um treinamento especial só para realmente se tornarem assim!"

Ouvir Rigur falando aquilo em um certo tom de desespero me fez finalmente então focar um pouco nesses pensamentos.
É verdade, Damian realmente carrega o símbolo de Derak com ele por alguma razão que eu ainda não sei, já que ele mesmo admitiu não ser um General... Com isso restava apenas a explicação de que ele podia ser de ordem superiora, mas ainda sim eu não sentia que isso também combinava tanto assim com ele da forma que deveria. Se Damian realmente fosse de alguma ordem superiora alta demais, eu com certeza então não teria conseguido enfrentá-lo todas essas vezes das formas que enfrentei. Sem falar que sua atitude -quanto à odiar humanos- não parece ser tão radical da maneira que Rigur afirma que deveria ser.
Eu não sei porque ele realmente carrega aquele símbolo, mas algo me diz bem no fundo que o caso dele é diferente demais para eu ou Rigur conseguirmos adivinhar sozinhos.

Sentindo então que não teria como debater ou trazer qualquer esclarecimento sobre isso, eu apenas voltei meu olhar sério até Rigur que parecia estar preocupado. Eu sentia que ele só iria se contentar com uma boa e convincente resposta, e que muito provavelmente o que eu sabia sobre Damian não seria o suficiente para satisfaze-lo. Por isso eu acabei respondendo-o evasivamente, acidentalmente desviando mais uma vez os meus olhos para os lados como se procurasse na minha mente qualquer tipo de desculpa que pudesse ao menos acalma-lo um pouco, mesmo que não colasse tão bem.

— "Alguma coisa me diz que esse não é muito o caso daquele Skrea, existe algo de diferente nele que não sei explicar..."
— "Exatamente, e por isso aquele cara não é boa coisa-...!! Espera. Yura, não é a sua cara ficar minimizando esse tipo de coisa... Seja sincero comigo, você por acaso se envolveu com ele?!"

Rigur me questionou com um olhar preocupado mas muito insinuante que parecia querer me pressionar contra alguma parede, me fazendo então de repente pensar em coisas que sem querer me encabularam no mesmo instante! Ele realmente estava me perguntando o que eu acho que ele estava me perguntando, ou eu apenas entendi errado??
Sem querer realmente deixar espaços porém para qualquer suposição, eu então o contra-ataquei o mais rápido possível em um tom frustrado, gaguejando um pouco ao que sozinha a ideia de me envolver com um Skrea me deixava não só desconfortável como extremamente tenso (PORQUE ISSO SERIA IMPOSSÍVEL ATÉ DE SE IMAGINAR)!

— "O-o que afinal está passando pela sua cabeça!? Ele só me procurou porque queria aquele medalhão de volta!... E... depois também surgiu por coincidência um assunto em comum que fomos resolver. N-Nada mais além disso!!"
— "Um assunto em comum..."

Ignorando um pouco a exaltação em minha voz, Rigur então apenas repetiu minhas palavras pensativamente me olhando de uma forma muito desconfiada. Seu interesse parecia haver passado completamente do assunto que ele havia trazido à tona para o assunto que eu havia trazido -sobre eu ter cooperado com um Skrea-, e aquilo sozinho começou então à parecer corroer sua mente mais e mais.
Ele me encarava de um modo sério, não parecendo nem um pouco convencido com apenas aquilo que eu havia dito já que muito raramente os assuntos de um Humano e de um Skrea sequer se cruzavam, e em resposta isso só fazia eu me sentir mais e mais inseguro quanto à também manter aquele assunto -porque haviam muitos detalhes sobre os últimos dias que eu simplesmente ainda não podia sair dizendo por aí para os outros.
Nisso (como se ele tivesse notado a minha insegurança), Rigur então resolveu finalmente quebrar aquele clima pesado levando em descontração sua mão até seu queixo enquanto balançava sua cabeça para os lados. Ele começou à me olhar de forma curiosa porém ainda levemente consternada -já que ele não estava nem um pouco convencido, mas ainda sim não queria também ficar me pressionando contra a parede para conseguir respostas forçadas (afinal não é esse o estilo dele).

— "Entendi, se foi só isso... De qualquer modo, cuidado com AQUELE Skrea. Ele nunca me passou uma boa sensação antes, e continua a não me passar."
— "E-espera... Por acaso você também já o conhecia?"
— "Ummm, mais ou menos. Quero dizer, eu o conheço um pouco de vista. Durante uma época ele costumava aparecer por aqui acompanhado de uns outros 2 Skreas bem mais animados. Só que esse em particular apenas ficava sozinho em pé em um canto, encarando tudo com um olhar suspeito enquanto os outros se divertiam. E quando alguma das meninas tentava se aproximar dele, ele parecia se irritar e simplesmente ir embora como se tivesse entrado no lugar errado."
— "Pff-... Q-quero dizer, sério?"
— "Ah, sim. Ele sempre tinha um olhar de que esse era o último lugar em que ele gostaria de estar. Por isso sempre ficava com um pé atrás quando ele aparecia. Esse cara simplesmente nunca me fez o menor sentido! Até agora eu não entendo como ele conseguia naquela época parecer irritado sem que houvessem outros humanos também irritados perto dele! Nem era como se eu estivesse realmente olhando para um Skrea!"
— "É, eu entendo o que você quer dizer..."

Segurando um pouco o meu desejo de rir, eu então apenas encarei o copo entre minhas mãos que já estava totalmente vazio... Mesmo que eu agora entendesse que Damian era capaz de se recordar de sentimentos e usá-los por conta própria sem nenhuma influência humana, ainda sim eu sabia que faltava qualquer sentido para o porquê que ele realmente fazia isso. Afinal, nenhum dos métodos que os Skreas usam dependem do envolvimento de sentimentos, então não havia razão também para ele precisar fazer uma coisa dessas...
Por essa razão que mesmo que eu pudesse dizer que entendia como ele funcionava, no fundo eu realmente ainda não tinha a menor ideia.
"... Só que eu também não estou tão interessado em gastar meu tempo entendendo ele mais do que isso... Ele é um Skrea e eu um Humano, isso é tudo que eu realmente preciso aprender sobre ele."

Desviando os meus olhos então um pouco para baixo na tentativa de esquecer sobre as coisas que eu não compreendia, eu voltei à me lembrar das palavras de Rigur sobre os Skreas que o estavam acompanhando.
Até hoje eu só o vi andando e cuidando de seus assuntos sozinho, por isso eu tenho dificuldade em imaginar que ele realmente tenha amigos que pudessem arrastá-lo assim para uma boate na Cidade Baixa. Provavelmente quem Rigur viu com ele eram seus irmãos...
Não sei como explicar, mas a maneira que eu o vejo sair de sua natureza só pra conseguir se vingar de Gale me faz também conseguir imaginar em Damian a personalidade de alguém que conseguiria desafiar os seus próprios gostos, tudo para seguir os seus irmãos por aí não importasse quais caminhos eles tomassem ou em quais lugares eles entrassem.
"E o pior é que... Pensar sobre como ele era com seus irmãos acaba me fazendo imaginar como eu também seria com as minhas irmãs... se ao menos eu-..."

Foi aí que meus olhos pesadamente divagaram sem querer para a direção dos quartos dos fundos -aonde eu e ele havíamos conversado sobre isso-, deixando que as falhas lembranças sobre as minhas irmãs tomassem conta de mim e de minha própria percepção sobre a minha vida.
Na verdade eu já mal conseguia dizer que lembrava do rosto delas quando criança... Nem delas e nem da minha mãe direito. Mas esse sentimento dentro de mim ao menos -o de querer estar junto da minha família mais uma vez- era um sentimento que não precisava desses rostos, ou de lembranças perdidas para continuar forte no meu peito... mesmo que no fundo eu tenha medo de realizar esse meu sonho.
"E se eu descobrir que elas sofreram tanto ou muito mais do que eu enquanto estivemos separados? Será que eu conseguiria conviver com a responsabilidade de não ter sido o irmão que elas precisaram que eu fosse naquela época?"
Eu me questionei, enquanto a história de Damian e de suas atitudes com seus irmãos se misturava aos meus próprios desejos e receios quanto ao que restara da minha família também.


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