Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 28
Cidade Baixa




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— "Haaahh..."

Eu soltei um suspiro ao que voltava à sentir que não iria conseguir encontrar resposta alguma sozinho, assim como depender daqueles dois não iria me trazer também resultado algum. Igualmente também não dava para suspeitar qual era a real razão de Gale para se dedicar tanto à me manter fora dessa história, e isso me incomodava cada vez mais e mais, já que isso só me dava ainda mais vontade de me intrometer (não tenho como provar se aquele Skrea só estava sendo mal-humorado, ou se ele também não queria me dizer nada de propósito, mas não vou fazer minhas apostas sobre isso ainda)...
Novamente, eu então deixei escapar outro longo suspiro ao finalmente me dar conta de que cheguei no ponto desesperador de tentar tirar informações até mesmo de um Skrea! De um maldito SKREA!!
Será que realmente estava valendo tanto a pena assim eu me envolver nos assuntos de Gale? Será que realmente... se eu tentar confiar apenas nos outros para cuidar das coisas, todos os meus medos vão se realizar? Ou será que dessa vez eu estou apenas perdendo o controle da minha paranoia?
Desassossegado e frustrado com aqueles pensamentos, eu comecei finalmente à dar alguns passos -sem rumo algum- por aquele beco, chutando inquietamente o pouco de areia no chão que meu pé encontrava. Eu podia perceber como novamente me deixara prender "naquela realidade" que eu tanto detestava. Uma realidade aonde eu acreditava que só podia contar com as pessoas para criarem problemas em volta de mim, e nada mais além disso.
Tantas vezes eu quis ser capaz de confiar em alguém... confiar de verdade. Mas saber que eu jamais tive condições de manter as minhas tentativas até o fim, me fizeram à tempos deixar de acreditar nessa história de "poder depender de alguém", para resolver qualquer coisa que fosse. E então sob o desânimo no qual minha frustração havia se transformado, eu acabei olhando para baixo, me dando conta de que os meus pés eram os únicos que ainda estavam ali -pisando no chão gelado daquele beco silencioso.
"Sempre sendo o último a restar... Sempre por conta própria... Porque eu ainda me surpreendo com isso?"
De repente então meus olhos se voltaram para os frascos presos na minha cintura, e eu comecei à passar a mão pelo menor de todos eles sem pensar mais nos meus dilemas pessoais, tentando buscar alguma outra forma de me sentir minimamente satisfeito com a forma que aquela situação inteira havia terminado.

— "Bom, ao menos não foi perda total. Ainda tenho uma direção para tentar seguir se eu quiser, mesmo sem a ajuda deles..."

De repente em meio à minha abstração, algo no meu campo de visão chamou minha atenção e eu pude então notar uma coisa incomum que estava brilhando bem ali no chão -à alguns centímetros dos meus pés-, refletindo fracamente a luz da lua. Por curiosidade, eu me abaixei e a peguei, jurando que não havia reparado naquilo até então.

— "... Um... cordão?"

Era um cordão antigo, feito do que parecia ser prata... E havia em sua ponta um pingente oval com um desconhecido desenho em relevo em sua frente, lembrando algum tipo de brasão. Não só isso, mas o pingente parecia ter um fecho que dava para abrir também. Olhando para os lados para eu ter certeza de que não havia ninguém por perto, eu tentei cuidadosamente abrir o pingente que simplesmente roubou minha atenção, sem muito sucesso graças ao fecho estar bem desgastado.
Cordões, pulseiras, joias... diferente dos Skreas, nós humanos adoramos usar todo tipo de acessório possível. Mas diferente do ouro e do bronze, prata não é um material fácil de se encontrar por aqui, por isso não parece ser uma joia qualquer que um humano teria consigo arrumar também, ao menos não para se dar ao luxo de perder tão fácil assim no meio desse buraco.

"Bem... Isso tem jeito de ser meio antigo, não parece ser muito valioso mas com certeza não parece também que foi feito aqui nos desertos. Aposto que seu dono pode estar sentindo falta disso, então não sinto que eu deva simplesmente deixá-lo aqui abandonado, no meio do nada. Como não é uma joia qualquer, talvez Rigur possa até saber identificar quem é o dono, se eu levar para ele dar uma olhada... ou talvez tenha uma foto aqui que possa me dizer-...!"
Finalmente abrindo o pingente com um pouco mais de esforço, ao que ele estava bem emperrado, eu pude então ver que realmente havia uma foto antiga dentro dele... Era uma pequena foto de uma mulher humana de cabelos cheios e negros, rosto fino e pálido, e expressão bem plácida.
"Estranho... Com certeza isso não pertence à alguém daqui. Aposto que esse cordão tem no mínimo alguma história."
Tendo então mais certeza de que aquilo podia ser importante o suficiente para que seu dono quisesse-o de volta, eu resolvi prendê-lo em uma das cordas em minha cintura para não cair, levando-o comigo como se realmente não fosse nada demais. Não vai me custar nada mostrar ele por aí, e qualquer coisa se não achar o dono, ainda posso vender isso. Pessoas adoram joias, especialmente as vindas de fora.

Antes de sair daquele beco, eu então olhei mais algumas vezes ao redor, com dificuldade de deixar para trás aquele lugar, ao que eu podia sentir que sair dali significaria voltar ao meu cotidiano e perder todos os rastros que até agora tentei tão insistentemente seguir... Mas não dá para enxergar mais nada que esteja ao meu alcance e que ainda dê para ser feito, além de voltar à ficar na minha e deixar que as coisas se desenrolem um pouco mais. Tenho quase a certeza de que se eu cegamente procurar forçar ainda mais a barra hoje, vou acabar conseguindo causar muito mais problemas do que os que já causei... como por exemplo ter ajudado aquele Skrea (sim, eu já estou começando à me sentir um pouco arrependido sobre isso).
E agora, no fim disso tudo... Toda aquela situação, todo aquele medo e desespero para impedir algo ruim de acontecer... Tudo aquilo agora parece apenas uma tempestade de areia que passou por mim, me abandonado pelo meio do caminho, me deixando sozinho, para trás enquanto ela segue seu próprio rumo. Levando consigo toda aquela areia que eu tão firme tentei segurar com minhas mãos, apenas para descobrir que não havia realmente pego nada enquanto era atingido por ela.
"É frustrante, mas realmente não dá pra fazer mais nada. Melhor eu sair daqui logo, ou vou congelar até a morte nesse beco."

Pensando então com mais calma sobre para onde eu deveria ir agora, logo eliminei da minha mente a ideia de levar ainda nessa noite o frasco para Ebraín analisar, já que ele havia ido para casa mais cedo, e com certeza já estaria dormindo. No mínimo eu terei que achar algum tempo amanhã de manhã para ele analisar esse conteúdo.
E então quase que recorrentemente, a ideia de também rastrear Gale e aquele Skrea pela cidade mais uma vez voltou para minha mente que parecia não querer ainda desistir... Mas continuar tentando fazer uma coisa dessas realmente seria uma perda de tempo inigualável, afinal, mesmo que eu os encontre, o que eu iria fazer em seguida...?! Ser quase morto por qualquer um deles mais uma vez?!... Não, eu já estava cansado demais para continuar me aventurando sem descanso algum.
"É, realmente não me resta mais nada para fazer além de voltar para a Cidade Baixa, e talvez para casa direto..."
Confirmando aquilo na minha mente, eu então ajeitei mais uma vez o meu manto para cobrir meu rosto, voltando à andar pelos becos de um modo à saber exatamente as ruas que eu deveria pegar, mesmo que aquela área pudesse ainda sim parecer tão estranha para mim. Eu sempre tive o dom de acabar encontrando meu próprio caminho nessa cidade, mesmo que agora em meio aos meus passos mudos, eu desfocadamente estivesse também lutando em silêncio para manter minha paciência no controle -acima da minha própria ansiedade-, permitindo assim que aqueles problemas todos que me atormentavam, fossem finalmente soterrados pelo tempo que eu precisasse que fossem.
Sem provas ou melhores explicações, eu não tinha nem mesmo como me convencer à abandonar minhas outras responsabilidades e dedicar todas as minhas forças à essa história. Afinal, eu realmente tenho uma vida "normal" que precisa ser vivida. Não dá para eu fingir que sou desocupado.
"...Não importa o quanto isso me alarme, ou o quanto eu não queira abaixar minha guarda para o azar novamente. Eu tenho que cuidar também de meus próprios assuntos."

Seguindo pelos becos, eu fui subindo por entre algumas escadas escondidas pelo próprio escuro das estreitas vielas, e por outras plataformas completamente desniveladas pelo abandono... E assim, em apenas uma questão de tempo, eu finalmente pude alcançar as ruas da famosa Cidade Baixa.
Vida transbordava naquele lugar -como acontecia toda noite-, de dentro dos prédios e dos comércios que se recusavam à dormir junto com o resto da cidade... Eu cobri melhor meu rosto ao que algumas poucas pessoas -e até Skreas- andavam pelas ruas, coloridas pelas luzes fortes de cada um daqueles diferentes estabelecimentos. Esse lugar era um deserto de manhã, e até parecia um lugar tão normal quanto todo o resto dessa Citadela, mas à noite, era como se vida florescesse em meio a tanta escuridão e frieza, e um doentio calor humano envolvesse por completo essa área.
"Um lugar que transborda em luzes corrompidas pela escuridão dos desejos humanos... Corrompidas pelo pior que existe em nós."
Era esse calor humano proibido que atraia tanto os Skreas, quanto os humanos, todos cansados de uma vida rotineiramente preta e branca... Tingindo-os todos no mesmo ritmo musical, nas mesmas cores, nos mesmos detestáveis e incorretos... viciantes sentimentos.
Em meio às pessoas que andavam em grupos aqui, você tinha os membros de gangues e os ladrões que se disfarçavam solitariamente andando entre as pessoas e as ignorando por não temerem nada dentro de seus próprios territórios, e em meio deles também, as odaliscas tão comuns nesse bairro. Mulheres criadas desde jovens, com ou sem um passado de abuso e escravidão, fugidas de todos os cantos esquecidos do deserto e criadas para iludirem os homens, atraírem eles com suas aparências, vozes, danças, gestos...
Conhecidas por serem ardilosas porém extremamente atraentes, cada uma dessas odaliscas movimentavam a Cidade Baixa, atraindo todo tipo de homem -humano ou skrea- para uma noite de prazeres muitas vezes de alto custo.

Eu parei um instante admirando uma dupla de odaliscas seduzindo dois Skreas militares que estavam facilmente dando bola para elas... Tentando me esconder sob meu pano para não ser confundido com elas e abordado por alguém desagradável, eu não pude evitar de soltar um riso... Eu conhecia aquelas duas, trabalhávamos juntos.
Não era por acidente que eu usava essas roupas que uso, ou que eu parecesse ser aquilo que pareço... E de certa forma aquele Skrea no beco não estava tão errado assim, se ao menos ele tivesse julgado da forma certa. Eu não sou uma "Odalisca", ao menos não constantemente e nem da forma degradante que ele implicou, mas realmente trabalho as vezes como uma, já que foi isso que me ensinaram à ser durante minha juventude inteira. Por ser um homem, eu tenho meus critérios porém... Eu trabalho para iludir, atrair, mas jamais ultrapasso os limites que eu não queira ultrapassar. E é até espantoso o quanto os Skreas me adoram no meu trabalho, mesmo que seja só para me olhar. Talvez porque o real desejo deles seja o prazer que apenas os sentimentos humanos trazem, e não o prazer físico. Mas eu não sei com certeza, nunca me dei ao trabalho de entender já que mesmo sem fazer isso eles me pagam bastante.
Porém aquelas duas, elas vão aonde tiverem que ir para conseguir um bom dinheiro, já que precisam competir entre si. Talvez por isso eu trabalhe como uma odalisca no fim... não existe concorrência alguma para mim, então é um trabalho muito fácil.
Seguindo pela rua larga que parecia até fora de lugar -já que era completamente contornada por outros becos-, eu tomei meu caminho até uma pequena escadinha que me levava à um corredor de paredes, e então, à entrada da boate aonde eu trabalhava uma vez ou outra. Mesmo sendo minimamente escondido, o lugar era bem movimentado e conhecido, e por ser um local de grande concentração de Skreas militares, ali se tornava um lugar muito difícil de se ver também membros de gangues por perto, ou até mesmo humanos encrenqueiros quaisquer, fazendo desse lugar quase que um ponto seguro (se você não tiver problema quanto à cruzar o caminho de alguns Skreas meio alterados).
Era por essa e algumas outras razões que desde que vim morar nesse bairro, eu me fidelizei apenas com esse estabelecimento. Porque naquela época, eu abominava muito mais os humanos, do que a complicada raça dragão (e talvez até hoje eu ainda me sinta um pouco assim).


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