Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 29
Medalhão




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Ao entrar na boate, uma escuridão misturada a uma ininterrupta dança de luzes coloridas invadiu meus sentidos, ao que o som alto de música em constante batida tentava movimentar -em um ritmo incomodo- até o ponto mais profundo da minha alma. Aquele ambiente inteiro me atacara sem piedade. O clima de muitas pessoas transitando para lá e para cá, Odaliscas carregando bebidas entre as pessoas escondidas sob a baixa iluminação, todos conversando em um tom alto que apenas muitos copos de bebidas eram capazes de reproduzir, sentadas ao redor de mesas e aproveitando o momento, assim como o show à sua frente... isso tudo era uma visão bem comum aqui.
Entre eles, mais e mais odaliscas também davam atenção nas mesas desses clientes, sem realmente precisarem serem vulgares ou apelar, afinal ser uma odalisca não era uma questão de se prostituir e usar seus corpos, mas sim fascinar e usar seus encantos através da beleza -tanto vindos da aparência, quanto da arte.
Me escondendo entre as meninas que passavam por mim -adornadas em joias e com suas belas roupas de dança com tecidos bem finos que exibiam seus belos corpos-, eu, quase como uma sombra toda coberta, passei por elas evitando ser notado. O lado ruim de ser um homem que trabalhava ali, era que isso me fazia ser identificado e reconhecido muito facilmente por qualquer um nesse lugar, e as meninas em especial eram até mais grudentas comigo do que as garotas de Sal eram.
"Por alguma razão eu sempre fui popular com as mulheres (excluindo Saret)... Não sei se é porque me pareço com elas, ou se há realmente algo em mim tão especial assim que faz elas sempre quererem se aproximar. (Pensando bem, acho que sou popular com muita gente, homens ou mulheres... tsc)"

Finalmente chegando no bar com dificuldade de passar sem esbarrar em nenhuma das meninas que estavam trabalhando, eu me inclinei sobre o balcão e deixei que meu véu caísse um pouco, apenas para que o barman me visse.

— "Yura! Achei que não te veria aqui essa noite! Seu dia é só amanhã, não é?"

Falando isso, o barman -que era um homem bem jovem e de aparência um tanto moderna, desarrumada e irrequieta- se virou ainda com um copo na mão que estava enxugando, e começou à olhar para um enorme quadro com várias anotações sobre cada menina da boate -assim como seus expedientes- tentando confirmar qual seria realmente o meu próximo dia de trabalho.
Sem deixar ele terminar de verificar, eu completei ao que o som da música e das conversas me obrigavam à gritar -para poder ser ouvido por ele.

— "Sim, vou pegar amanhã o dia inteiro. Rigur, quero que você dê uma olhada em algo para mim."

Me ouvindo, o rapaz de cabelos castanho claro, curtos e arrepiados, piercings nas orelhas, cavanhaque mal aparado, olhos escuros e agitados, e dono de um corpo ágil e fino, se virou novamente para mim e observou bem o cordão que eu tirei da minha cintura, segurando acima do balcão para ele ver.

— "Já viu isso aqui antes com alguém? Encontrei pelo chão da cidade."

Rigur soltando uma de suas mãos do copo, segurou o pingente estudando-o com uma expressão bastante curiosa...

— "Ummm... Não, ao menos não com um humano. Está vendo esse emblema aqui bem na frente do pingente?"
— "O que tem?"
— "Eu tenho quase certeza de que esse é o símbolo de Derak, já vi alguns Skreas aqui na boate com esse símbolo. Grupo bem chato de se lidar."
— "Sério?? Tem certeza?"
— "Sim, não sei como você conseguiu isso aí, mas eu tomaria cuidado porque isso não deve ter pertencido à um Skrea qualquer."

Pegando então de volta o pingente, eu passei meu dedo pelo símbolo gravado nele... Será que isso era daquele Skrea que nos atacou? Faria sentido se fosse... Mas então porque tem uma foto de uma mulher humana dentro dele?
E mais importante do que isso, Rigur tinha toda razão em me alertar. Um Skrea não carrega o símbolo de um patriarca atoa... Derak é um dos patriarcas aqui do oeste -o tipo mais puro e poderoso da raça que existe-, esses patriarcas trabalham dentro das instalações dos Skreas, direto, sem jamais saírem para a cidade, tomando as decisões mais importantes no alto escalão. Nem mesmo quando houve a guerra civil à alguns anos, esses patriarcas se deram ao trabalho de saírem de dentro desses prédios para fazer qualquer coisa. E quando um Skrea carrega esse tipo de símbolo, significa que ele está diretamente ligado ao patriarca de alguma forma, colocando-os em uma posição bem mais superior dentro dos regimentos deles.
Não é qualquer Skrea que carrega símbolos assim, então Gale não atacou um mero Skrea, e nem mesmo um Skrea superior... Ele atacou um Skrea com patente alta...!
"Perigoso, definitivamente perigoso."

Ao que um intenso receio começou à me tomar sem que eu realmente me desse conta, eu apoiei minha cabeça em minha mão tentando apenas esquecer tudo isso, antes que mais uma vez eu me deixasse atrair de volta para a história que tanto me esforçara em enterrar. Superior ou não, se aquele Skrea quisesse ele já teria à muito tempo jogado um exército inteiro nas ruas. Se ele não o fez ainda, então não tenho porque ficar me preocupando tanto assim. Não é como se isso fosse se complicar do nada, logo agora que eu finalmente relaxei um pouco... não é?

— "Yura, você está bem?"

Olhando para frente, eu percebi Rigur me olhando apreensivo como se eu realmente estivesse fazendo uma cara bem preocupante.

— "Ah-!... S-sim. Ei, Rigur, você ouviu algo sobre um ataque à Skreas nas avenidas hoje?"
— "Um ataque? Ainda não ouvi nada sobre isso não..."

Rigur me respondeu um tanto contrariado com minha dúvida... Rigur não era o dono dessa Boate, mas ele era um de seus representantes, assim como também o ponto de encontro de todas as fofocas e informações que as meninas conseguiam pelas ruas e através de seus clientes -já que ele ajudava à ficar sempre de olho em todas elas, gerenciando a localização e o quadro de horário de cada uma- repassando também as informações que elas adquiriam, para os clientes que estivessem em busca de respostas ( mas pelo preço certo, claro). Acima disso tudo, Rigur tinha uma extraordinária memória fotográfica, que o permitia identificar e decorar cada cliente, cada pedido, cada receita de bebida, assim como todos os detalhes e diferenças de tudo que estava ao seu redor à cada mínimo instante. Tudo isso tornava Rigur o melhor informante que eu tinha, e por trabalhar com ele eu ganhava acesso livre ao seu cabeçário inteiro de informações sem precisar pagar por isso.
Esse homem realmente poderia se dar bem em qualquer lugar em que fosse trabalhar, se assim o quisesse, mas sempre que era questionado sobre isso, a resposta de Rigur sempre era a mesma: "Eu gosto daqui, porque o trabalho é bem relaxante, e em todos os outros lugares eu fui demitido pela minha agitação ou por passar tempo demais prestando atenção em tudo menos no que eu devia fazer... Sabe, talvez eu tenha nascido para ficar atrás desse balcão. Eu realmente gosto desse meu cantinho, e das meninas."
Aquele era o jeito de Rigur, e ninguém estava interessado em tentar mudar isso, porque suas habilidades realmente o faziam se encaixar muito bem nessa boate.

— "Yura, você tem certeza de que aconteceu algum ataque? Porque olha ao redor, todos os Skreas que estão aqui hoje parecem estar bem relaxados... Se houve um ataque ou não, pelo menos então nenhum deles também está sabendo."

Eu balancei minha cabeça concordando com Rigur enquanto sorria em troca, me levantando da bancada e voltando à amarrar aquele cordão na minha cintura, bem escondido. Talvez eu possa usar isso para confrontar Gale se eu tiver a chance... Se bem que... eu quero mais é confrontá-lo com meu bastão, e não com as minhas palavras (dessa vez).
Só que Rigur também tinha razão, Skreas não são desorganizados como nós humanos... Más notícias se espalham muito facilmente entre eles -especialmente quando é muito relevante, como um ataque. Se Gale realmente atacou e matou algum Skrea, os corpos então já deveriam ter sido encontrados e esses Skreas aqui alertados à muito tempo.
Não importa o quanto eu olhe para isso, ou o quanto eu saiba que alguns Skreas realmente vieram atrás dele... nada está realmente conseguindo se encaixar, quando eu paro e vejo esse pessoal aqui facilmente relaxado.
Sabendo que as maiores respostas que eu precisava estavam ainda muito longe de mim, eu voltei então ao fato de que com ou sem mortes, Gale realmente tinha atacado alguém importante. E sendo Gale o responsável, eu podia ter quase toda a certeza de que seu alvo havia sido proposital.
Afinal ele quis tramar algo grave, isso é fato. Mas no fim acabou falhando... Quem me dera se aquele homem tivesse visto o ataque inteiro, ele poderia saber me dizer o que aconteceu de errado, e assim eu poderia desvendar o que Gale tentara afinal fazer acontecer...
"Agora vou ter que realmente contar com um milagre, para poder desvendar tudo isso."

Finalmente usando o último recurso que eu tinha para gastar nessa noite, eu resolvi dar meia-volta e finalmente ir para casa dormir, estávamos no meio da madrugada já, e eu estava começando à realmente sentir o cansaço surgir no meu corpo -que já suportara bastante coisa hoje.

— "Rigur, amanhã eu volto, obrigado pelas informações."
— "Até amanhã Yura!"

Falando isso, eu voltei a seguir meu rumo até a porta da boate, ainda driblando as meninas que estavam focadas demais nos clientes para notarem que era eu passando por elas... Claro que uma ou outra me via à distância e jogava risos ou acenava na minha direção, ao que eu também acenava para elas com um sorriso quase inteiramente coberto pelos meus panos. Eu também conseguia ouvir um ou outro cliente mais fiel me percebendo de longe, e já totalmente embriagado, chamando meu nome e levantando seus copos ou querendo minha atenção. Esses eu já tentava ignorar, já que eles não iriam se lembrar mais tarde que me viram, graças ao álcool...
Como eu havia dito, eu trabalhava como uma odalisca, mas eu não era uma. Então não importa o quanto eu fosse dedicado, fora do meu altamente maleável expediente de trabalho, eu não iria dar atenção alguma, e nem jogar o mesmo charme de sempre para eles -charme que eu só precisava jogar quando era pago para isso.
"Especialmente se eu não estiver afim."
Afinal, se alguns humanos e quase todos os Skreas que davam em cima de mim nessa boate à noite, de dia nas ruas me ignoravam e me tratavam como "mais um humano", então eu também tinha esse direito de agir como eu quisesse, fora do meu expediente (e pelo menos os Skreas sabiam respeitar isso).
Provavelmente a verdade é que estar aqui, para esses Skreas, é uma atividade malvista e até proibida dentre os mais fanáticos da sua raça... então quanto menos for revelado que eles andam pela Cidade Baixa à noite, melhor será para eles... e até para mim, porque assim não ganho também atenção indesejada de gente com más intenções.

Finalmente saindo do Clube, eu voltei pelo mesmo pequeno corredor, esbarrando em algumas mulheres que continuavam à buscar e trazer homens para o Clube, assim como pescadoras que puxavam os peixes com suas linhas. Sem dar bola para elas, eu segui de volta para a rua principal solitariamente, de cabeça baixa, sabendo que aquele era um horário fácil de atrair atenção caso alguém me identificasse.
Além dos Skreas viciados em sentimentos que frequentavam o clube, e que me conheciam, vários membros também de gangues da região sabiam quem eu era, por morar na cidade baixa e passar tempo demais andando por entre os becos da região oeste, os mesmos becos que eles também rondavam.
Graças ao meu estilo de vida neutro, nenhuma dessas pessoas tentavam criar problemas comigo, mas ainda sim às vezes um ou outro colocava na cabeça de tentar dar em cima de mim, e isso podia me tirar do sério. Não importa como eu estivesse vestido, ou o quão arrumado ou desarrumado eu fosse... Parece que eu sempre tive essa facilidade em atrair cantadas durante toda minha vida, e parece que nem assim eu me acostumei com isso também.
Finalmente um pouco mais afastado dos pontos mais agitados de comércio, eu entrei então por entre algumas ruas bem iluminadas e vazias, e finalmente cheguei na simplória entrada de um prédio de altura mediana... 6 andares, no total.

Entrando no prédio, eu abandonei na porta todos os pesados sentimentos que estivera carregando até então, fossem as dúvidas e medos de hoje, a fúria sobre Gale, as inconveniências de Saret, e até mesmo as lembranças desagradáveis de um passado inteiro que gostavam de me perseguir como uma sombra. Eu deixava tudo isso bem longe de mim para conseguir chegar até meu apartamento, meu pequeno e bagunçado apartamento que tinha poucas coisas para se olhar enquanto eu desenrolava meu manto do meu corpo, tirando todos aqueles panos que compunham minhas vestes. Apenas minhas roupas de baixo eram o que eu precisava para me jogar na minha cama como se fosse uma pedra e dormir até a manhã seguinte, confiando que despertaria no dia seguinte dentro do horário certo.
Eu não era uma pessoa que percebia o próprio cansaço até que me livrasse de todos os pesos que estivesse carregando durante o dia -fossem pensamentos, ou fossem as roupas do meu corpo... Por alguma razão sempre fui assim, talvez tinha sido uma forma que encontrei para jamais abaixar minha guarda nesse enorme mundo sem uma pessoa sequer para confiar ou para depender.
Mesmo havendo boas pessoas como Sal ou Ebraín, eu sabia que cada um tinha sua própria agenda, seus próprios objetivos pessoais, e que mesmo gostando de mim como diziam gostar, seria apenas uma questão de oportunidade para eles também agirem do mesmo modo que Gale agiu, afinal... as pessoas são assim.
E antes que eu me desse conta, eu apaguei... coberto e agarrado em meu cobertor, iluminado pela luz da lua que gentilmente entrava pela janela do meu quarto, no 2º andar.


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