Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 138
O que escolhemos temer




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Depois de finalmente terminar com aquela limpeza eu então tomei dois sacos grandes cheios de lixo em minhas mãos e comecei a arrastá-los sozinho até a direção da porta. Não sendo necessário esperar por instruções de V. a respeito do que fazer com aquilo afinal eu ainda era capaz de me recordar destas pequenas valas espalhadas pelas ruas de Nahalt, formadas elas de estuque e cobertas por tábuas de madeira onde toda manhã bem cedo pessoas encarregadas as visitavam levando todo o seu conteúdo para algum lugar muito além do meu interesse. Da mesma forma como também ocorria na Citadela, onde lá porém os Skreas se encarregavam disso diminuindo ainda mais a minha vontade de querer saber a respeito.

Nisso eu fui então arrastando despreocupadamente aqueles dois sacos pela areia prensada que contornava os arredores da boate, percebendo ao fundo a cena de Gale tentando trocar as luzes da varanda enquanto V. -igual a um cão de guarda- o observava intensamente. Sem querer chamar a atenção deles eu apenas continuei andando para além dos prédios vizinhos, no que não muito longe dali os meus olhos enfim avistaram um lugar bastante familiar. Um velho canteiro disposto bem onde duas ruas maiores se cruzavam e um pequeno fosso de água cristalina quase transbordando, decorado com pedrarias encrustadas, repousava ao lado de um velho banco de madeira sob a sombra de uma única palmeira que balançava com a seca brisa do deserto. Aquele tipo de fosso podia ser encontrado por toda Nahalt e era usado em maioria pelos moradores para compensar a falta de encanamento nas casas menores da cidade, não que porém eles fossem sempre visitados já que de qualquer modo ainda éramos um povo muito habituado a viver com pouca água -e por isso é que eu sempre vinha aqui quando queria ficar sozinho.

Não muito longe dali então, do outro lado da rua, foi que eu avistei a vala para se colocar o lixo exatamente onde me recordava que estaria -bem ao lado de um prédio de 3 andares que ficava de frente para uma das vias principais de Nahalt. Como uma cidade de fronteira muito visitada, Nahalt não podia se dar ao luxo de ser simplória. Sua organização e estrutura giravam todas em torno de seu centro comercial e todos os seus serviços igualmente eram concentrados nas rotas que davam até lá. Sendo que mesmo que a falta de muralhas ofuscando o seu horizonte ou que a falta das ruas asfaltadas por pedras não lhe dessem a mesma magnanimidade da Citadela, essa aqui certamente era uma das maiores cidades de referência na fronteira para aqueles que quisessem acesso às iguarias dos Desertos Profundos.

— "Haah, aposto que o centro deve estar movimentado aliás."

Meus olhos então divagaram pela infinita e larga rua de areia amarelada me recordando do quão pouco eu gostava de ir até aquele local -afinal, foi lá que meu próprio destino tinha sido colocado a venda. E por mais que Grivah pudesse estar olhando por mim naquele dia, como convencer um jovem acorrentado de que as coisas poderiam terminar bem? Eu ainda podia lembrar do meu medo naquele dia... e do alívio que senti ao ser levado para longe daquelas vozes que gritavam ferozmente seus preços assim como dos choros já familiares das outras escravas com quem convivi por anos e até hoje temo ousar pensar sobre o fim que tomaram.
"Haah, eu realmente não gosto do centro dessa cidade."
Eu sentei enfim no banco ao lado do fosso de forma desanimada, desejando covardemente por um breve momento retornar à Citadela mesmo que diferente daqui, lá não houvessem pássaros para cantar todas as manhãs, plantas e palmeiras tingidas em belos tons de verde e um sol que batia forte e calorosamente em meu rosto enquanto a brisa fresca circundava livremente os prédios e as ruas abertas dessa cidade. Sim, eu muito facilmente poderia sacrificar tudo isso se em troca desse para continuar bem longe da perversidade Humana que também existia por aqui. Mas por culpa daquela Oráculo...

— "Isso não tem mais como ser possível, não é? Eu vou ter que todo dia agora voltar a encarar essa rua e ser obrigado a engolir essas lembranças, mais uma vez..."

Minha voz questionou aquilo para o meu próprio reflexo na água do fosso, ao que então sua superfície começou a se embaralhar ante meu próprio desejo de não querer me encarar de volta com aquele aspecto tão infeliz. Apoiando meus dedos naquela superfície cristalina e me recostando ainda mais sobre a beirada do fosso antes de começar a mover a água para lá e para cá com o meu dedo de forma entediada... assim como eu também costumava a fazer quando mais jovem, quando eu vinha para cá fugir dos problemas mesmo que timidamente não conseguisse me impedir de querer continuar a controlar a água e me afundar nesses poderes que tão pouco eu entendia, e que tanto faziam vários olhares distantes parecerem me julgar como um monstro, como um alguém de quem todos deveriam de ter medo.
"Haah... Até de V. eu tentei esconder isso por vários meses porque eu temia que ela fosse me tratar igual. Como se usar a feitiçaria fosse errado. Como se eu tivesse me tornado errado."
Só que um dia ela simplesmente me revelou já saber de tudo e acariciou a minha cabeça com um complacente sorriso dizendo que as coisas iriam melhorar. E no fim, acho que elas realmente melhoraram...

De repente, sem nem ter percebido ele se aproximar eu então me dei conta de um pequeno menino que estava me encarando debruçado do outro lado do fosso com uma expressão estranha! Me fazendo no susto -e não por poucos motivos- saltar para trás no que o garoto igualmente pulou assustado com a minha reação! Me encarando sem dizer nada como se ele não soubesse se aquilo era um sinal de que ele deveria de ter medo de mim, ou ficar fascinado pelas minhas habilidades!
Tomado por aquela inusitada situação minhas mãos então voltaram, com cautela, a puxar mais uma vez a água até os meus dedos ao ponto dela flutuar no ar. Fazendo os olhos daquele menino gradualmente voltarem a brilhar e a sua boca aumentar em um sorriso cada vez mais que aquela água era levitada acima da minha palma!

— "Você quer segurar também?"

Sendo levado pela sua empolgação eu então lhe perguntei capciosamente, no que o menino em sua inocência simplesmente balançou diversas vezes a cabeça animado estendendo sobre o fosso suas duas mãos! Me intrigando por sua falta de maldade e me fazendo assim conduzir a água da minha palma até a dele por mera curiosidade, no que em resposta, ele manteve as duas mãos firmes e juntas como se realmente acreditasse que agora era ele quem estava controlando aquela esfera de água disforme!
Primeiro então suas pequenas mãos tentaram lentamente se mover para um lado, e eu fiz a água lhe acompanhar o gesto. Depois ele então a moveu para o outro lado e eu fiz mais uma vez a água lhe seguir. Fazendo ele gestos cada vez mais rápidos e mais ousados, até que suas pernas começaram a se agitar e ele percebeu que não importasse para onde ele tentasse andar, eu iria fazer a esfera d'água se mover junto dele! Em questões de segundo o menino então já estava correndo para lá e para cá gargalhando, maravilhado com aquele truque enquanto eu apenas continuava sentado naquele banco me divertindo com a cena e conduzindo a água de forma discreta. Me lembrando naquela sua expressão da minha própria ingenuidade quando pela primeira vez eu também descobri que podia fazer isso, até que enfim uma voz me cruzou a mente...

"Propositalmente instigamos o medo nos Feiticeiros para mantê-los sob controle. Essa foi a defesa que nossa raça criou para se proteger..."
Sim, foi assim que também aconteceu comigo não foi Ebraín? Era isso que você queria que eu entendesse antes de partir... assim como essa criança eu nunca temi meus poderes de verdade, eu só aprendi a temê-los porque assim as pessoas iriam aceitar ficar perto de mim. Só que se eu continuar me deixando a ser guiado por esse medo eu apenas acabarei me tornando um alvo fácil igual à Saret. E você confia que eu posso arcar com essa força... você confia que eu deva voltar a acreditar nas coisas que posso fazer, mesmo que às vezes isso possa me transformar em um monstro. Porque à essa altura não há mais razão para eu continuar me temendo, já que eu me tornei maduro o suficiente para entender por quem que realmente devo me fazer ser temido.

— "Ah!!"

De repente, distraído por aquela introspecção eu então me assustei com o som da voz do garoto no que a esfera de água que ele carregava simplesmente estourou! Me fazendo olhar para as minhas próprias mãos e me questionar se aquilo fora um descuido meu, antes de finalmente gritar para o menino lhe chamando de volta ao notá-lo me olhar com uma expressão muito triste -como se ele acreditasse ter feito algo de errado.

— "Se você se afastar demais eu não vou conseguir controlá-la."
— "..."
— "Não fique assim, venha. Eu lhe darei outra."

Ao me ouvir dizer aquilo o menino então voltou a abrir um enorme sorriso em seu rosto! Correndo animado até mim com suas duas mãos juntas já preparadas para receber uma nova esfera de água, no que no instante em que eu então eu me apoiei no fosso para formar uma nova e lhe dar, subitamente uma figura muito maior apareceu entre nós dois puxando o menino violentamente por um de seus braços para o mais longe possível de mim!
Possivelmente a pessoa tentando recuar com ele enquanto me encarando com uma expressão de horror era sua mãe, me tratando como se eu fosse uma aberração -ao que o menino porém não parecia conseguir entender nada. Só que diferente do passado eu não me sentia mais tão intimidado por essa situação, eu não sentia que deveria. Afinal, ao contrário dessa cidade inteira já estava na hora de eu enfim aceitar que não era mais ignorante a respeito da identidade dos meus próprios poderes. Já estava na hora de eu aceitar me desamarrar desses velhos tabus.

Vendo então aquela mãe e seu filho desaparecendo às pressas pelo horizonte das ruas e prédios de Nahalt eu enfim me levantei do banco, muito mais reconfortado com aquela conclusão em meu peito no que logo eu me prestei a enfim retornar para RedLight e para o resto dos trabalhos que V. poderia ter para mim. Vendo a tarde se suceder tranquilamente.
Obedientemente eu varri toda a frente da boate enquanto V. continuava a ocupar Gale com diferentes serviços intermináveis, me dando ali a oportunidade para divagar o meu olhar em paz diversas vezes para aquele céu azul, para o topo de cada prédio e para o horizonte onde os acampamentos se tornavam borrados como uma trépida ilusão estampada pelo calor. Me perguntando sempre onde Damian poderia estar ao que sua figura se tornara tão ilusória quanto o sentimento de que ele havia vindo conosco ontem para Nahalt. Mas de alguma forma meu peito porém não se apertava com aquilo, nada naquela cidade poderia posar como uma ameaça para ele senão o repúdio das pessoas, e pelo mero fato dos arredores estarem calmos demais é que eu podia deduzir que ele continuava bem. Escondido em algum lugar e tomando o seu tempo para reaparecer quando voltasse a se sentir melhor, ou talvez até mesmo quando V. saísse dos arredores -porque eu sabia que ela também não tinha deixado uma boa impressão nele.

Porém a noite chegou e Damian não reapareceu. Provavelmente graças a V. que jamais saiu do alcance da minha visão durante a tarde inteira mesmo que isso lhe tivesse custado o sono, ou talvez por conta da presença de Gale que de tempos em tempos eu notava me observar mesmo que não pudesse facilmente ficar se aproximando. Sendo que agora que o excesso de pessoas amantes da vida noturna começava a chegar na boate nos forçando a nos esconder no segundo andar, mais ainda a possibilidade de encontrar Damian e ter qualquer chance de conversar diretamente com ele sobre as coisas que percebi hoje pareceram enfim se desvanecer junto à ardente luz do sol. Ao que esgotado pelas minhas próprias expectativas frustradas eu então tomei silenciosamente algum tempo com Lilith e Gale para comermos alguma coisa antes de me esconder em meu quarto e repousar por puro tédio no escuro, avesso à ideia de ficar com eles jogando jogos na sala ou de até mesmo ir trás de Saret em seu quarto para incomodá-la um pouco mais -desde o anoitecer Saret não parecia querer ficar no mesmo recinto que eu, ou será que talvez fosse com Gale? Era difícil de saber às vezes quem ela parecia detestar mais...

Sendo assim eu não tive outra opção senão ficar tentando fechar os meus olhos algumas vezes enquanto me recostava no macio colchão da cama, rolando de um lado para o outro por diversas vezes ao longo do que a noite foi parecendo apenas se aprofundar ainda mais dentro das horas que eu sentia passar -graças às trocas de música no primeiro andar que realmente reverberavam até aqui em cima, mesmo que na noite anterior o cansaço não tivesse me permitido notar. Mantendo assim a minha mente à deriva naquela luz gelada que voltava a entrar mais uma vez pela abertura na parede, até enfim o som da porta do quarto se abrindo discretamente e o chamar de uma voz me despertar.

— "Ei, está dormindo?"
— "... Não."

Eu sentei na cama na mesma hora, pouco admirado de ver Gale entrando com muito cuidado como se tentasse se esconder de Lilith. Vindo ele então na minha direção, ao que instintivamente eu me encolhi ainda mais do outro lado da cama dando-lhe espaço para também sentar, mas o mais longe possível de mim.

— "Lilith está te incomodando muito?"
— "Heh, ela já foi para o quarto..."
— "Você é mais paciente com ela do que eu costumava me lembrar que você conseguia ser."
— "Bem, aqui eu não tenho que ficar cuidando de uma gangue inteira, então acho que tempo de sobra para algumas danças e jogos de tabuleiro."
— "... Achei que era a Tessa quem cuidava da gangue, e não você."
— "Haha, até em Nahalt essa má fama me acompanhou? Que constrangedor."
— "Cínico..."

Gale riu da minha reação pouco admirada, já sabendo eu muito bem que ele não se envergonhava nem um pouco de admitir que todo o trabalho mais pesado de administração era completamente feito por Tessa. O que por outro lado não fez ele deixar de apreciar a minha tentativa de grosseria quase como se estivesse precisando um pouco daquilo.

— "Haah, é bom finalmente poder conversar com você. Eu já estava entediado tendo que ficar o dia todo com aquela mulher na minha cola."
— "Bom, você ganha a desconfiança dos outros por merecer."
— "Heh, e você? Eu também tenho a sua desconfiança ou você apenas está do meu lado agora porque gosta de mim?"
— "... Talvez os dois, só não me pergunte como eu realmente posso ser capaz de ainda querer ser seu amigo. Talvez esse mistério nem Grivah consiga resolver."
— "Yura..."

De repente, como se ele estivesse tentando juntar coragem para trocar o assunto Gale então subitamente mudou o seu tom me chamando como se desejasse que eu lhe olhasse nos olhos para escutar o que quer que ele tinha a me dizer.

— "Yura, seja honesto comigo. Durante essa tarde toda você-... você só ficou pensando naquele Skrea, não foi?"
— "??"
— "Eu... eu não quero mais esconder que posso notar quando você faz isso. Quando você está pensando em qualquer outra pessoa que não seja eu, e ainda mais quando você está atraído por qualquer outra pessoa que não seja eu."
— "P-por quê esse assunto?"
— "Porque eu já estou cansado de ficar fingindo que perder para um Skrea não está me irritando!"
— "Espera, Gale-...!"

Eu me inclinei então em sua direção tentando evitar que Gale entrasse no arriscado assunto que eu achei que ele estava tentando entrar! Só que no instante em que eu dei aquele mole, Gale por impulso segurou um dos meus braços e me forçou a me aproximar dele ainda mais! Me encarando muito profundamente sem me dar ali a menor chance de evitá-lo ou impedi-lo de continuar!

— "Eu não estou mais disposto a ficar tentando entender isso sozinho... Por quê? Por quê ele e não eu!? Primeiro eu achei que o problema era eu ser homem, mas aí você se atrai por uma pessoa que sequer Humana é!? Sem falar daquela mulher... por quê até mesmo ela foi capaz de te ter, enquanto que eu sequer sinto que tenho o direito de tentar te tocar!?"
— "Gale, não é como se eu pudesse controlar os meus sentimentos-...!!"
— "Mas você também não tenta! Mesmo sabendo agora que todas essas pessoas só te amam porque elas não têm escolha, você continua confiando nelas! Diferente de mim que-... que te ama porque eu realmente escolhi me sentir assim, porque eu honestamente quis me sentir assim por você..."
— "!..."
— "Tsc, eu até acho que posso tentar entender o seu caso com aquela mulher mas... por que você ainda parece apostar nos sentimentos daquele Skrea como se eles conseguissem valer de alguma coisa?"
— "..."
— "Diferente dele, eu sou capaz de sentir de verdade algo por você..."
— "... Mas diferente de você, eu ainda posso confiar nas intenções dele."

Minha voz saiu de forma automática, quase como se eu soubesse exatamente o que dizer para Gale para ele enfim me soltar e me olhar por vários minutos naquele escuro parcial de uma forma perdida. Sem qualquer capacidade de me contradizer ante tudo que até então formou os nossos laços mais do que desgastados e remendados.
Porém, no que eu tentei mais uma vez me afastar de seu alcance me aproveitando daquela oportunidade, Gale de repente voltou do seu transe e novamente me agarrou com força pelo pulso como se ele não pretendesse novamente me deixar mais escapar!

— "Ghh-... Gale!?"
— "Humph, se o problema são as minhas intenções então eu posso tornar elas bem claras!"

Ao falar aquilo de um modo ameaçador Gale começou a me puxar na sua direção como se fosse novamente tentar um avanço em mim! Só que por alguma razão eu não sentia que dessa vez ele estava só brincando, ou que dessa vez ele iria parar antes de realmente fazer algo! Não, dessa vez Gale parecia mesmo estar falando bem sério -e eu não me senti capaz de duvidar disso!
Foi assim que com a minha outra mão livre eu então precisei reagir rápido lhe dando um soco no estômago com toda vontade! No que ele teve que me soltar para se debruçar sobre o seu corpo com uma expressão de dor, me dando a chance de saltar para fora da cama e sair quarto afora sem pensar duas vezes!!

"Gale finalmente perdeu a cabeça!!"
Meu coração palpitava enquanto eu cruzava o corredor, a sala e enfim as escadas da boate às pressas querendo fugir daquela situação! Daquela confusa situação onde eu não sabia como reagir porque-... porque mesmo eu sempre sabendo bem lá no fundo que os seus sentimentos por mim pudessem de fato ser bem mais do que só uma brincadeira, eu continuava não me sentindo pronto ainda para confrontar isso daquela forma. Eu tinha quase certeza sobre o que eu sentia por Damian mas, jamais eu consegui decifrar muito os meus sentimentos por Gale senão pelo misto de repulsa e atração que eu sempre tive por aquele seu gênio perspicaz e perigoso! Estar com ele sempre foi como se eu estivesse acima do mundo, dos riscos mundanos, das minhas próprias expectativas sobre o que a vida me traria a seguir! E isso me excitava, me fazia sentir a vida como uma aventura da qual eu finalmente podia fazer parte! Só que ao mesmo tempo se fosse para comparar o que eu sentia por ele e o que eu sentia por Damian, era-... era tão diferente. Era tão diferente que eu não era capaz de comparar. E se eu não fosse capaz de comparar, então isso ao menos devia de querer dizer que eu não sentia de fato amor por Gale como ele tanto queria que eu sentisse. Só que se eu não amo ele, então por quê o meu coração continua batendo com tanta força assim?

Extremamente confuso por aquela situação eu então encontrei uma forma de cruzar pelo meio de todas as pessoas que dançavam e se amontoavam pelo meio do salão. Quase fechando os meus olhos enquanto tentava passar por elas para ignorar o latejar da música alta reverberando em mim de forma dissonante com o palpitar do meu coração, ao que enfim saindo pela porta da frente eu me agarrei à uma das colunas de suporte do segundo andar da boate e respirei profundamente! Como se até então o ar tivesse me faltado e meus pensamentos sequer conseguissem mais fazer sentido muito além do meu desejo de apenas continuar a respirar. Respirar, e tentar de alguma maneira me acalmar.
Só que assim que eu então tomei o meu primeiro fôlego, o som de uma voz surgindo atrás de mim fez o meu coração novamente disparar ensandecidamente!

— "Eu não vou recuar dessa vez. Eu já me cansei de ficar sempre em último!"

Me virando então de forma agitada, antes que eu sequer pudesse fazer algo mais além de perceber Gale vindo para cima de mim os seus braços então me envolveram e o seu corpo me empurrou contra aquela mesma pilastra na qual eu estava me segurando! Não tomando ele qualquer segundo para me beijar com vontade no que eu tentei, eu até tentei resistir. Só que quanto mais eu tentava resistir, por alguma razão mais a minha boca parecia parar de tentar de impedi-lo de a abrir. Me entregando por fim àquele momento como se em minha cabeça tudo fizesse tão pouco sentido que lutar contra ele sequer era necessário, sequer era uma possibilidade que aquela estranha fantasia parecia me oferecer. De repente então seus movimentos pareceram ficar cada vez mais quentes, ousados, assim como os meus que pararam de tentar afastá-lo e começaram a apenas segurá-lo em troca da mesma forma com a qual eu também o sentia me segurar firmemente -eu estava mesmo cedendo ao avanço dele? Mas por quê? Por quê, se meu coração porém não estava batendo da mesma forma que bateu quando Damian fez isso comigo? Ou por quê se aquele calor não era o mesmo que eu tinha o desejo de sentir contra o meu corpo? Por quê mesmo assim estava sendo tão difícil decidir impedi-lo àquela altura?

— "Solte ele."

Uma voz de repente surgiu então por trás de Gale, no que nós dois na mesma hora paramos o que estávamos fazendo já notando à quem ela pertencia. Ao que antes mesmo que eu pudesse admirar melhor no olhar dele uma desapontadora certeza sobre o que estava prestes a acontecer em seguida, o som do tilintar familiar de uma lâmina batendo contra correntes me fez no mesmo segundo ignorar tudo e passar por baixo de Gale que igualmente procurou se virar para trás já pronto para pegar a sua adaga! Não conseguindo ele porém evadir a minha mão que o segurou em pleno caminho, estendendo eu minha outra mão então para usar os meus poderes e segurar Damian, momentos antes dele ter a chance de alcançar Gale com a sua lâmina!

Me mantendo entre os dois sem mover um músculo a mais, eu então encarei aquela forma de Damian completamente tomada pelo fogo negro de Skreevah se dissipar, brasa por brasa até que nada mais restasse senão seu olhar muito irritado e suas presas à mostra contendo um rosnado que seu corpo não conseguia mais desferir enquanto eu o mantivesse sob meu completo controle -e não, dessa vez eu não estava com medo de machucar Damian porque eu sabia que eu não ia fazer isso. Não era isso que eu queria fazer com ele, por mais que meus dedos ainda tremessem e um suor frio escorresse pelas minhas costas em resposta à delicadeza daquela situação.
"É só eu não perder o foco... se eu não perder o foco, não vou machucá-lo. Não se desconcentre Yura, ficará tudo bem."

— "Heh, que interessante ver Yura preferir me proteger dessa vez. Acho que isso deve significar algo até mesmo para você, não é Skrea?"
— "Cale a boca Gale!!"
— "Eu me pergunto se ele tem algo para me dizer Yura. Mas com você paralisando ele dessa maneira... será que ele sequer vai ser capaz de gritar se eu aproveitar essa a chance para matá-lo?"
— "Gale, eu juro que se você tentar se mexer eu farei pior com você!!"

Irritado com as provocações de Gale eu então lhe respondi com muita raiva! Que direito ele acha que ainda tinha de pensar que eu estava do seu lado depois do que fez comigo!? Minha mão estremeceu ante o meu foco que ousava sair completamente de Damian para Gale! Só que eu não podia fazer isso, porque eu sabia que controlar Gale sem os meus poderes ainda era muito mais fácil do que tentar conter Damian! Sendo que sem o meu bastão comigo, eu também não teria outra forma melhor de segurá-los um em cada canto sem ser assim!
Foi aí que preso naquela difícil situação de impedir um Skrea raivoso e um Humano babaca de se matarem, uma voz feminina do nada surgiu ao fundo me ordenando seriamente.

— "Solte os dois Yura."


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