Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 135
O canto de dois pássaros cativos


Notas iniciais do capítulo

Ayooo-! (^ヮ^)/ (K.K. tem andado ultimamente com uns vícios linguísticos chineses... (culpa dos últimos doramas que eu assisti!)) (」°ロ°)」
Mas então, meus queridos leitores! K.K. tarda (MUITO) mas (quase sempre) não falha!
∑d(°∀°d) Eu estava desde o último capítulo atacando a ilustração de aniversário (afinal, ahem, janeiro está quase no fim... (snif... meu mês...) (╥﹏╥)) e enfim, depois de 3 dias de muita surra e umas sugestões de uma amiga na finalização, eu lhes trago a ilustração atrasada de aniversário! (ノ◕ヮ◕)ノ*:・゚✧
K.K. se alegra porque ela ficou, ahem, 80%(?) (¯ . ¯;) próxima de onde eu queria chegar e estou por isso muito satisfeita de enfim estar lhes dando ela de presente!
⁽⁽◝( • ω • )◜⁾⁾ (Não, sério, na hora da iluminação eu sei que fraquejei, mas era porque eu já estava muito cansada mesmo e os dias tem sido muito quentes aqui onde moro.)
(oT-T)尸
Bem, como sempre ela estará no fim desse capítulo (que à essa altura não tem mais nada a ver com o tema dela... snif... ( ; ω ; ) ) e espero que gostem! Além disso também espero que gostem do capítulo de hoje e que tenham uma ótima leitura como sempre!
K.K. ficará por aqui fritando que nem ovo no asfalto, e nos vemos na próxima!!
\(^▽^)/彡☆



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— "Lilith, vamos, dê algum espaço para o Yura terminar de entrar. Ele não é o nosso único hóspede."

Lilith podia ouvir a voz de V. vindo dos fundos da escada o quanto fosse, mas ela sequer ousava me soltar. Me obrigando a lentamente arrastá-la comigo para dentro daquela sala bem iluminada de móveis simples mas com certo refinamento, enquanto ela continuava a me segurar fortemente pela cintura -igual à uma criança. Quase levando junto com seus firmes pés o tapete que se estendia por entre dois grandes sofás e uma mesa de centro, enquanto passávamos por ele, ao que enfim, quando as minhas mãos então tocaram a bancada de uma pequena cozinha que dividia os fundos daquela sala com o resto dos outros móveis Lilith me soltou! Me permitindo voltar a me mexer mais livremente para finalmente terminar de observar o quão pouco aquele ambiente no qual havíamos vivido juntos de fato havia mudado.

Digo, os móveis certamente pareciam mais novos do que eu ou ela, mas o resto ainda era familiar... como o estuque amarelado das paredes adornado com uma pintura colorida porém desgastada em seu rodapé, as várias janelas enfileiradas e decoradas em formato de sino contornando uma única parede comprida que ia de um extremo da sala até o outro extremo da cozinha, e os corredores que se estendiam para além daquele cômodo ocultando em si várias outras portas de madeira escura com quartos singelos que V. usava, em maioria, para abrigar por algumas noites as jovens que ela comprava dos traficantes antes de conseguir realocá-las em algum novo espaço -além de Lilith e eu, nunca vi V. deixar outras pessoas se hospedarem por tempo demais aqui dada sua seletiva impaciência. Ao que mesmo que eu não soubesse para onde ela depois as levava, eu sabia que nada de ruim as acontecia já que sempre voltávamos a nos rever alguns dias depois, fosse pela cidade, ou aqui dentro dessa boate mesmo.

Nisso, enquanto eu me distraía relembrando dos velhos tempos e Lilith continuava a afundar o seu rosto contra a minha barriga como uma irmãzinha grudenta, os outros foram também conseguindo finalmente entrar, com um estranhamento que logo era dissipado pelo ambiente muito convidativo daquele espaço. Tendo Gale em especial soltado um sorriso quase inusitado quando enfim ele percebeu Lilith grudada em mim, no que rapidamente ele veio na nossa direção e se ajoelhou na sua frente, tomando uma de suas mãos e a cumprimentando de uma forma charmosa como se ela fosse uma pequena princesa.

— "Olá, o meu nome é Gale. E quem você seria, pequena dama?"

Lilith sem pensar muito se escondeu então atrás de mim timidamente, soltando porém um sorriso delicado como se nem mesmo a sua vergonha pudesse disfarçar a facilidade com a qual ela se apegava à qualquer pessoa que lhe tratasse bem. No que mesmo eu sabendo que Gale porém não era uma boa influência para ninguém, eu não me preocupei muito em deixá-los interagir já que eu não acreditava também que ele iria ser capaz de fazer algo de ruim com ela estando ele tão longe de seu próprio domínio. Afinal, Gale podia ser uma pessoa perigosa, mas não quando tendo tão poucas motivações ou recursos... além de que, se tratando especialmente dos mais jovens, ele honestamente tomava um cuidado especial para mantê-los longe do seu mau caminho. Me fazendo acreditar que até mesmo Gale conseguia ser capaz de alguma decência, mesmo que a sua famosa inconsideração pelo próximo pudesse constantemente falar mais alto.
Coisa que V. porém não sabia, no que ao percebê-la encarar os dois com uma expressão suspeita eu então lhe balancei logo a minha cabeça instigando-a a não intervir de imediato -talvez eu não pudesse convencê-la de minhas opiniões a respeito de Damian, mas certamente em se tratando de Lilith V. era capaz de confiar no meu julgamento. O que a fez por fim sorrir de uma forma mais tranquila para a interação amigável dos dois antes de começar a explicar do outro lado cômodo, para Gale.

— "Essa é Lilith, uma protegida que eu abrigo desde que era um bebê. Lilith é albina e o seu corpo não possui muita resistência física, então eu acabo mantendo-a aqui dentro para a sua segurança. Afinal, tanto o sol dos desertos quanto o povo daqui podem não representar um ambiente muito seguro para a sua... delicadeza, infelizmente. E é por isso que eu gostaria de lhes pedir para respeitarem duas outras regras especiais. Não tentem tirá-la daqui de dentro e, sejam amigáveis com ela. Fazê-la companhia enquanto eu não puder também será visto como uma forma de pagarem pela estadia de vocês... e adquirir a minha gratidão."

A voz de V. sequer tentou parecer muito animada ao terminar aquela frase, me fazendo recordar de como ela costumava ser capaz de às vezes sacrificar até mesmo o seu orgulho se fosse para alegrar Lilith um pouco -assim como no passado ela também costumava fazer comigo. O que fez o meu rosto se tranquilizar com aquela gentileza nostálgica que sempre parecia bater de frente com a própria dureza de seu coração, dentro do qual ela até hoje ainda parecia nos guardar com unhas e dentes. O que por outro lado foi recebido com estranheza por Damian e Saret, já que no instante em que eles terminaram de conseguir entrar naquela sala e escutar aquelas palavras os dois simplesmente travaram em seus movimentos e recuaram alguns passos para trás, fazendo expressões bem incômodas. No que V., notando uma estranha aversão em seus olhares, apenas segurou um riso irônico e lhes disse com certa confiança.

— "Ah sim, eu me esqueci disso. Não se preocupem, eu sei que inicialmente pode ser um pouco estranho mas vocês irão se acostumar depois de alguns dias."

"Se acostumar? Do que ela está falando?"
Com certa compaixão em seu tom V. então deu alguns tapinhas no ombro de Saret, que agora não conseguia mais tirar os seus olhos de Lilith. No que antes porém de eu ter a intenção de questionar o que suas palavras poderiam querer dizer, e o que realmente estava acontecendo com eles, V. simplesmente se voltou para a minha direção e começou a caminhar até onde eu estava sem tirar os seus olhos da minha figura cofusa. Afastando Lilith um pouco do meu corpo e me puxando em sua direção, ao que após apoiar suas mãos gentilmente em meus ombros ela voltou a me admirar de cima a baixo como se aquele instante na rua não tivesse sozinho sido o suficiente para saciar as suas saudades.

— "Agora sim, vamos ver você melhor... Nossa, mesmo crescido você continua aquele mesmo menino lindo que derretia os corações da maioria das minhas meninas... e vejo que nem mesmo as roupas que eu te fazia vestir você parou de usar -elas ainda valorizam o seu corpo tão bem. Haah, que inveja não ter podido ficar com você por mais tempo. Como eu queria ter podido ver cada centímetro seu crescendo entre esses panos."
— "V., n-não diga essas coisas assim...!"

Eu tentei um pouco sem graça afastar V. enquanto ela acariciava o meu rosto, passando os seus dedos por entre as mechas do meu cabelo como se me tocar fosse uma necessidade além de seu próprio controle. O que acabou me trazendo complicadas recordações do quanto não só o seu apego por mim sempre fora muito sincero, como também muito pouco inocente em comparação aos sentimentos de outras pessoas como Sal e Ebraín. Realidade que naquela época nem me importava muito -afinal eu conseguia me contentar apenas com o fato de não estar sendo maltratado- muito diferente de hoje porém, onde eu não conseguia mais deixar de me sentir complexado pelo tipo de "amor" que as pessoas continuavam alegando ter por mim.
O que fez -provavelmente por já conhecer aquela minha reação evasiva- Gale então, que estava do meu lado, se levantar do chão nos encarando com uma incômoda suspeita que até mesmo eu não duvidava dele ser capaz de ter.

— "Então... Você e o Yura já se conheciam, não é? Eu me lembro dele ter me contado há alguns anos atrás que uma mulher no limite dos Desertos Profundos havia tirado ele da mão dos traficantes e o criado, antes dele vir parar na Citadela-..."
— "Sim, eu fui essa pessoa -como você está tentando insinuar. Assim como Lilith, Yura também foi um de meus protegidos."
— "Heh... Interessante. Então se importa se eu perguntar uma coisa que sempre me deixou curioso?"
— "Diga."
— "Por quê você o deixou ir tão facilmente? Não era para ele ter uma dívida com você? Afinal, ele era um escravo e você deve ter gastado uma boa quantia nele..."
— "Bem, eu não costumo cobrar dívidas impossíveis de serem pagas. É claro que ter deixado Yura partir realmente foi uma decisão difícil, já que eu me afeiçoei tanto a ele que a mera ideia de libertá-lo se tornou tão difícil quanto recusar o seu pedido de deixá-lo partir. Mas no fim eu o fiz, afinal tudo que eu podia ensiná-lo eu já o ensinei. E tudo que eu podia aproveitar... eu já aproveitei."

Ao responder Gale em um tom insinuante como se V. já soubesse onde é que ele estava tentando chegar com aquele assunto, sem parar de encará-lo de volta, ela então apoiou a sua mão em meu peito e a deslizou lentamente até o vão entre os panos na minha cintura como se cada segundo daquilo fosse um deleite para as suas lembranças! Me fazendo em resposta empurrar constrangidamente a sua mão para longe ao que o seu toque igualmente fez velhas memórias percorrerem o meu corpo como uma corrente elétrica, antes de Gale me segurar por trás e me puxar mais para junto dele quase arrastando Lilith conosco -que por Grivah eu espero não ter entendido o que estava acontecendo!
Meu peito então se acelerou no que eu não queria nem mesmo olhar na cara de Gale! Da forma que ele me segurava eu tinha a certeza de que ele já havia terminado de entender que V. fora a primeira pessoa a ter conseguido me levar para um quarto para fazer comigo tudo o que ela pudesse querer! Quero dizer, não que eu também não tivesse aproveitado, afinal, naquela época eu também já era um homem com necessidades e isso não aconteceu mais do que duas vezes, m-mas-... agora, falar sobre isso na frente dos meus 'amigos'!? Eu não queria ter que me lembrar ou admitir uma coisa tão desnecessária como essa!!
"E-especialmente não na frente de-...!"

Meu coração então pulou ecoando por todas as extremidades do meu corpo, me deixando tão surdo que nem mesmo o riso irônico de V. conseguia mais chegar até mim! Ao que os meus olhos fitaram Damian do outro lado daquele cômodo nos encarando discretamente com uma irritação que parecia mais focada nas mãos de Gale ao meu redor do que na relevância do que escutara, não tomando ele porém qualquer outra atitude após isso senão apenas desviar a sua atenção para o lado e voltar a fingir que nada daquilo lhe dizia respeito!
"Huh? Por quê comparado à Gale ele sequer está tentando se incomodar? Quero dizer, por que logo ele parece estar se importando tão pouco com a ideia de que V. fez essas coisas comigo?! E-... e por quê eu, por outro lado, não consigo me importar menos com isso?"
Honestamente, perceber aquilo fez o meu coração dar um nó dentro de mim. Porque eu nunca havia pensado nisso antes mas, agora eu não conseguia simplesmente esquecer. A forma insinuante que V. me tocara, será que algum dia Damian iria também querer me tocar assim, para valer, ou será que cada vez mais essa possibilidade vai se provar como uma ideia surreal porque eu e ele somos diferentes demais? Não que eu quisesse também muito ter esse tipo de relação com um Skrea mas, amar... amar para a minha raça não parava apenas em palavras. E por mais que eu até soubesse que Damian era capaz de ter certos impulsos Humanos, será que ele era capaz de igualmente se entregar a eles antes que a sua natureza Skreana falasse mais alto? Ou será que esse era o real limite da nossa relação? Eu temia por aquela resposta. Minhas inseguranças e sentimentos Humanos temiam por aquela resposta, e quanto mais eu o via se dividir entre os seus dois lados tão opostos, mais eu começava a agora me sentir magoado pela chance de algum dia no futuro eu acabar me arrependendo de ter aceitado que o amo... porque eu sei que depois disso não há mais retorno para mim, mesmo que para ele ainda possa ter.

— "Hehehe, a estadia de vocês aqui certamente será interessante."

A voz de V. então cortou o meu estado de completo desamparo no que ela finalmente estendeu a sua mão para Lilith sair de perto de Gale e vir para o seu lado. Apoiando com isso gentilmente uma de suas mãos em sua cabeça e nos observando por uma última vez mesmo que cada um de nós recebesse o seu atento olhar com reações bem negativas, àquela altura.

— "Vocês realmente vão ser um grupo e tanto para lidar... Mas acho que por hoje já chega de conversa, vocês devem estar cansados e eu tenho mais o que fazer. Vou lhes mostrar os seus quartos e amanhã, depois de comerem, eu explicarei melhor as suas tarefas. E não se preocupem, eu prometi para aquele velho que cuidaria de vocês e eu jamais volto atrás das promessas que faço. Eu vou protegê-los com o mesmo empenho com o qual protejo todos que estão sob minha guarda, e, quando o momento chegar eu também irei providenciar o devido retorno de todos vocês para aquela cidade imprestável que chamam de lar."

Mesmo que nenhum de nós ainda lhes respondesse de volta, V. prontamente continuou a nos ditar as suas ordens como se a nossa satisfação não fosse exatamente uma prioridade em comparação às palavras que ela queria nos fazer terminar de ouvir.

— "Lilith, leve Gale e Yura para o quarto em que eles ficarão. Saret, você me acompanha. Eu pensei em deixá-la junto de Lilith em um dos quartos, mas acredito que por hoje você irá se sentir melhor se tiver alguma privacidade. Você ficará sozinha e Lilith dormirá comigo, essa noite. Amanhã você já deverá estar se sentindo melhor para dividir o quarto com ela."

Ouvindo aquilo Saret então balançou a sua cabeça timidamente como se acatando aquelas ordens a contragosto, totalmente desprovida da sua forte personalidade ou de seu desejo de encarar qualquer um de nós no que ela foi se aproximando de V. à medida em que Lilith voltou pulando animada para o lado de Gale, lhe agarrando pelo braço e o forçando a me soltar, no que as suas pequenas mãos foram lhe puxando para a direção dos quartos mais ao fundo sem se lembrar ela de esperar também por mim!
O que não me preocupou muito aliás já que eu já imaginava aonde V. decidira nos colocar. Me atentando com isso a questioná-la privadamente sobre uma última coisa, ao invés de, de fato, tentar acompanhá-los para fora dalí.

— "V., e Damian? Aonde ele vai ficar?"
— "Ele não 'vai ficar', Yura. Eu não vou deixar um Skrea solto e sem supervisão aqui dentro perto de Lilith."
— "O-quê!? Mas ele não vai fazer nada com ela! Eu disse que me responsabilizo por ele e você aceitou! Como pode voltar atrás da sua palavra?!"
— "E quem disse que eu voltei? Eu concordei que ele poderia entrar, mas não que ele iria também poder passar a noite aqui!"
— "Isso-... isso não é justo V.! Você me manipulou!"

Quase como se todos os meus bons sentimentos de gratidão por ela se dissolvessem ante a ideia de trair a confiança de Damian deixando-o ficar sozinho em Nahalt, eu então me impus contra V. mais uma vez gritando com ela em um rompante tão brusco que sequer Saret conseguiu disfarçar o seu susto! Ao que V. mais uma vez então se posicionou de forma hostil contra mim como se tentando esmagar o meu ímpeto com a sua presença, no que de repente uma voz vinda de longe nos interrompeu inesperadamente!

— "Yura. Está tudo bem."

A voz incomumente mansa de Damian me fez virar correndo para a sua direção em alerta, no que ao percebê-lo já estar caminhando até a porta para ir embora eu então disparei em sua direção esticando uma das minhas mãos a tempo de conseguir segurá-lo pelo braço! Fazendo ele apenas se virar para mim com uma expressão cansada, o que me deixou ainda mais inquieto sem saber como mediar aquele momento!

— "Damian!"
— "Está tudo bem, não brigue com ela por isso. Eu já estou indo."
— "Não!! Se você ceder à vontade dela-...!"
— "Yura, eu não me importo com o que ela pensa ou não de mim. Mas ela não está errada em me mandar sair... esse lugar não é para um Skrea. Eu não estou me sentindo bem aqui dentro, há muitos sentimentos misturados poluindo os meus pensamentos."
— "Damian... Mas se você for, aonde que você vai ficar-...?"
— "Não se preocupe, eu vou encontrar um lugar mais calmo. Se eu já não acreditasse que fosse capaz de me virar sozinho eu nunca teria proposto vir."
— "..."
— "Eu volto amanhã, de manhã... quando não houverem mais tantos Humanos por perto."

Sem conseguir lhe dar uma resposta eu então olhei Damian me dar as costas, caminhando ele com alguma dificuldade para fora daquela porta até sumir da minha vista. E me fazendo perceber bem ali que nem mesmo o seu ímpeto parecia mais ser o mesmo desde aquele incêndio, o que me fez igualmente perder o meu próprio ímpeto de tentar lhe enfrentar, lhe impedir de agir assim. Ao que novamente uma estranha distância entre nós dois pareceu se fazer presente, me afogando ela em um inconsolável silêncio do qual V. logo se aproveitou para conseguir me perturbar um pouco mais.

— "Você realmente esperava que isso fosse terminar diferente Yura? Ele é um Skrea, e não um Humano. Ele jamais será tratado por nós de outra maneira, e ele mesmo não vai querer ser tratado por nós de outra maneira."
— "Grr-... Você não sabe do que está falando!!"

Irritado, eu então a encarei de um modo frustrado passando por ela e Saret com passos pesados sem querer voltar a olhar novamente em seu rosto! No que antes que eu pudesse sumir pelo corredor, sem querer acabei ouvindo a voz de Saret ao fundo alertar V. sobre a sua própria atitude.

— "Você está agindo errado..."

Aquela frase cortada pela minha própria pressa ecoou solitariamente pela minha mente no que eu tentei de algum modo conter o resto dos meus impulsos.
"Era mesmo V. que estava agindo errado, e não eu?"
Afinal perder a cabeça por um Skrea, pela pessoa que eu amava, mesmo que isso significasse ir contra uma das pessoas que eu mais era grato por estar hoje vivo... será que aquilo era mesmo normal? Será que eu não estava passando dos limites? Ou será que esse tipo de sentimentos realmente não tinha quaisquer limites onde eu pudesse me segurar?
Tais pensamentos me consumiram em uma confusa tristeza no que enfim, sendo guiado pela lembrança de onde uma vez fora o meu antigo quarto, eu abri uma das portas à minha frente me deparando com a cena de Lilith pulando alegremente sobre o colchão da minha cama -não mais arrumada- enquanto ouvindo Gale lhe contar algumas pequenas histórias sobre a Citadela como se os problemas que aconteciam além daquele quarto não fossem mais dignos da sua cansada atenção.

Enquanto Lilith por sua vez facilmente podia ignorar também quaisquer confusões, se em troca alguém lhe saciasse o seu sempre incansável desejo de saber mais sobre aquele vasto mundo do qual ela não tinha o direito de fazer parte como tanto queria. Se empolgando ela com cada pequeno detalhe à medida que Gale também se empolgava com a sua própria animação -ela queria saber tudo! Como era a sensação da areia vinda de longe quando entre os dedos dos pés, como as nuvens se moviam e que forma elas tomavam além dos céus que seus olhos não podiam enxergar, como eram as pessoas que existiam muito além das palmeiras e prédios que ocultavam a vista que aqueles seus encantados olhos conseguiam admirar apenas pelos vãos das pequenas janelas de cada quarto -sendo essas porém altas demais a ponto dela precisar se empilhar sobre várias cadeiras para conseguir alcançá-las, independente dos riscos de V. lhe descobrir e acabar lhe dando uma bronca! Tudo, tudo que Lilith pudesse ouvir sobre o que havia além de Nahalt ela iria querer ouvir -e pelo tardar inteiro da noite se também fosse possível.

E ela sempre fora assim desde que eu podia me lembrar, porque mesmo que se em minhas histórias de escravo a cor dos diferentes desertos fossem iguais, ela continuava insistindo que eu lhe contasse tudo que eu era capaz de me recordar. Fossem estas até mesmo memórias muito ruins, ou muito entediantes. E quando V. então me mandava ir no mercado do centro da cidade era certo ver Lilith se empolgar ainda mais, me pedindo para lhe trazer também qualquer coisa que encontrasse pelo meio do caminho!  Fosse uma pedra, um conto, um grão de uma semente. Ela apenas queria ter a chance de também poder se sentir um pouco fora de sua prisão, não que eu acreditasse muito na forma rigorosa com a qual V. a forçava a ficar presa aqui em cima, mas-... dado o seu zelo fora do comum por ela acho que eu igualmente acabei confiando muito mais na necessidade de protegê-la do que na minha própria compaixão pelos sonhos de liberdade dessa menina que, por muito tempo, substituiu em meu coração o lugar da minha irmã mais nova... e que no fim eu esqueci-...
"Como eu pude esquecer tão rápido de você, Lilith? Esquecer que você continuava aqui presa, sozinha? Será... será que eu fui mesmo capaz de tanto egoísmo assim só porque eu não queria voltar a também ficar preso?"

Mais uma vez eu pude então sentir o meu coração se fechar para o som de sua voz, em constrangimento, atirando o meu manto no chão e o meu corpo sobre aquela cama -que um dia fora de fato minha- mal dando tempo para a própria Lilith pular para o outro lado e se sentar na beirada, quieta. Tentando ela igualmente me perguntar sobre várias coisas, no que diferente de Gale porém o meu ânimo e a minha agilidade sequer estavam aptas para saciar a sua curiosidade.
Vendo o meu deplorável estado, Gale então não tardou para voltar a distraí-la com as suas histórias muito mais excitantes. No que eu apenas fiquei quieto ouvindo-o, e me deixando ser levado pela sua voz impressionável que algumas vezes mudava os fatos só para conseguir tirar olhares arregalados da própria Lilith -se bem que em alguns momentos até eu precisei intervir!
"Afinal, dizer que Skreas tomam a forma de grandes dragões devoradores de pessoas e voam nos céus da Citadela ocultando o sol com as suas escamadas negras para que os dias e as noites se unam em uma profunda escuridão?! O que ele está querendo colocar na cabeça dela!?"
Eu suspirava exasperado, mesmo que os risos de Lilith e de Gale voltassem a logo em seguida abafar o meu mau humor... sem querer, aquietando os dois aos poucos os transtornos do meu próprio coração até que por fim nada mais fosse capaz de restar dentro de mim senão a mera gratidão por estar ali ouvindo eles se divertirem. E a satisfação por saber que naquela noite nós todos iríamos enfim poder dormir sem novamente temer pelo dia seguinte.


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