Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 132
Repetidores




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— "Ebraín, você disse 'Repetidor'?"
— "Sim, imagino que você não saiba do que se-... ahem, pelo visto vocês DOIS não sabem."
— "Não sei Gale mas, é a primeira vez que escuto essa palavra."
— "De fato não é um termo comum, especialmente quando muitos sequer admitem a existência dos Vessels. Mas como posso explicar-... 'Repetidor' Yura e Gale, é como chamamos os descendentes de um Vessel. Quando um Humano nasce de um Vessel ele tende a desenvolver na sua genética certos vícios emocionais acerca do sentimento de seus pais, 'repetindo-o' dentro deles."
— "Então é como se... os poderes de Grivah passassem geneticamente para as próximas gerações?"
— "Algo assim, mas ao invés de também se tornarem catalisadores do poder de Grivah, os Repetidores são apenas humanos afetados psicologicamente pelo contato genético direto com a fonte desse poder."

Ouvindo atentamente àquela explicação eu então desviei o meu olhar para Saret, que constrangidamente parecia encarar o chão como se não estivesse gostando de ouvir seu segredo ser exposto tão levianamente assim, me fazendo ficar incomodado por ela, mas não o suficiente para que eu decidisse ignorar a minha ainda imensa curiosidade -e igualmente a minha completa falta de culpa quanto a estar sendo insensível logo com ela.

— "Então Saret é-...?"
— "Neta. Neta do atual Vessel do Orgulho para ser mais específico, que aliás nunca foi uma pessoa agradável de se lidar já que ele tinha uma agenda diferente da minha a respeito dos Vessels. Não que isso seja relevante no momento mas, eu já vivenciei alguns conflitos de interesse contra ele. Saret porém não herdou a sua mentalidade, apenas a genética de Repetidor passada para ela, de seu avô, através de seu pai. O que justifica os seus intensos traços de orgulho por mais que a distância consanguínea tenha enfraquecido um pouco o impacto."
— "Quase como uma maldição... E isso pode mesmo atrair a Oráculo até você, Saret?"

Com uma expressão um pouco pesada eu então me voltei para Saret indagando-a, no que ela, em resposta, me devolveu um olhar irritado e defensivo quase como se não quisesse fazer parte daquela conversa -tanto quanto eu porém não me importava de forçá-la a fazer, se fosse para esclarecer de vez a situação em que tanto ela quanto eu estávamos agora presos juntos.

— "É claro que não, Skreas não ligam para Repetidores. Ou pelo menos, não eles..."

Suas palavras, ante firmes, foram sumindo em um sussurro que gradualmente pareceu se dissipar no ar junto do seu olhar, parecendo ela se ausentar da conversa quase como se estivesse se esvaindo para dentro de lembranças muito distantes. No que, talvez até sem notar, sua mão então começou a adentrar pelo decote de seu corpete antes de puxar consigo aquele cordão que eu já tinha visto-a segurar antes por entre os seus finos dedos -na casa de Ebraín, enquanto conversávamos! Me permitindo ela porém vê-lo melhor agora, visto que Saret não estava mais tentando sequer ocultá-lo de seus próprios olhos.

Aquele cordão parecia ser um acessório simples feito de tira de couro mas, sustentando em sua ponta uma bela e bruta pedra dourada, que gradualmente se alterava para mistos de outras duas cores como se elas estivessem vivas em seu interior! Ao que os tons por vezes se tornavam mais e mais rosados, e por outras vezes mais e mais esverdeados -porém todos inigualavelmente brilhantes e vívidos, quase como se houvesse um sol contido em seu interior! E foi ali, com Saret presa em um transe por conta daquelas cores que pareciam fazê-la frustradamente apertar a joia por entre os seus dedos como se quisesse esmigalhá-la, que Gale finalmente se intrometeu no assunto.

— "O que é esse negócio, velho?"
— "Isso Gale, é o que há décadas atrás os meus companheiros chamavam de pedra de Grivah, ou pedra das emoções. Ela reage à presença dos Vessels e dos Repetidores próximos a ela. Mas creio que você já tenha reparado que os Vessels conseguem afetá-la mais intensamente do que qualquer Repetidor afetaria."

Ao dizer aquilo com um tom acusatório Ebraín tomou então com rapidez o cordão das mãos de Saret e o empunhou na direção de Gale! Mostrando para todos nós aquela pedra instantaneamente se tingir em uma cor verde limão pulsante, no que Gale em resposta recuou franzindo o seu rosto ante a óbvia -porém indireta- acusação! Não parecendo Ebraín por outro lado se impressionar com aquela sua reação, visto que ele apenas recuou também calmamente a sua mão com um sorriso irônico e uma satisfatória certeza da qual não mais o nosso silêncio coletivo parecia ser capaz de duvidar.
"Essa pedra, se ela faz realmente o que ele disse então-... então de fato há mesmo algo anormal dentro de Gale e eu? E... até mesmo de Saret?"
Meu temerário questionamento -que mais parecia atrasado àquela altura- terminou então de roubar o resto do meu fôlego, no que nem mais respirar eu conseguia me lembrar de fazer enquanto totalmente intimidado por aquelas cores que continuavam a dançar encantadoramente dentro de uma pedra tão ínfima. Tão irrelevante, mas igualmente tão incapacitante.

E se aquela mera joia conseguia me abordar com uma certeza tão intensa, será que fora através da própria que Saret acabou tendo também as certezas dela? Acerca de si mesma e de mim? E será que era isso que ela ia me contar ontem quando estávamos conversando a sós antes de sermos interrompidos?
Aquelas dúvidas das quais as repostas pareciam tão óbvias não conseguiam parar de permear a minha mente, e dali, apenas os meus olhos foram capazes de ainda demonstrar qualquer reação sequer. Piscando atordoadamente, enquanto os tons de rosa e verde continuavam se misturando em um brilho estarrecedor sob os dedos de Ebraín. Antes dele finalmente devolvê-la para Saret que, sem pensar duas vezes, voltou a esconde-la das nossas vistas como se não quisesse olhar para ela por muito mais tempo.

— "Ao que sabemos, esse tipo de pedra surgiu há gerações atrás nas cavernas onde dizem que Grivah deu o seu último suspiro. Acredita-se que o lugar pode ter sido perturbado pela forte descarga da energia divina de Grivah enquanto ela dava o seu último suspiro, fazendo as rochas ao seu redor ganharem a propriedade única de refletir os traços da sua presença. Sabendo disso, nós Humanos então começamos a imitar os Skreas ao longo dos anos roubando-as deles para encontrar os Vessels primeiro. Só que, quando os Skreas começaram a desenvolver ferramentas de melhor alcance para encontrá-los, nós tivemos que então evoluir as nossas táticas, passando a depender mais das nossas habilidades de espionagem e venda de informações para nos igualarmos a eles em precisão e agilidade, o que fez com que estas pedras se tornassem apenas uma memorabilia obsoleta de tempos mais difíceis."

Falando aquilo com certa nostalgia em sua voz Ebraín então voltou-se para Gale e eu, dando um sorriso inesperado como se o passado -mesmo difícil- lhe fizesse falta, antes de bater ele sem nenhum aviso as suas duas mãos, com assertividade!

— "Mas já basta disso! O passado é relevante mas não quando estamos com pressa! Saret, dito tudo isso eu reforço o meu desejo de que você vá com eles. A sua presença para ela talvez possa não ter se destacado muito, mas eu prefiro não arriscar. Sem esses dois por perto você pode acabar virando um chamariz para os interesses dela, e considerando que aquela Skrea não demonstrou a menor decência para conseguir o que queria, eu desejaria poder agir com precaução também a seu respeito."
— "..."
— "Saret?"
— "Tudo bem..."

Com a voz mais desanimada que eu acho já ter ouvido-a usar, Saret então balançou a sua cabeça enquanto ainda encarando o chão com um aspecto de derrota. O que me fez não saber como consolá-la um mínimo sequer, já que no instante em que eu tentei aproximar a minha mão de seu ombro ela simplesmente deu um passo brusco para frente e seguiu adiante sem falar mais nada com nenhum de nós três. Caminhando sozinha na direção daquela carroça cujo dono não estava mais a vista, como se um misto de raiva e solidão seguisse-a em seu rastro fazendo até mesmo eu desistir de tentar me importar. O que não impediu Ebraín porém de soltar um exasperado suspiro antes dele nos delegar exatamente o contrário.

— "Haah... Yura, Gale, vocês dois já devem estar familiarizados com o temperamento difícil de Saret, e foi justamente por isso que eu expus o segredo dela na frente de vocês dois -para conseguirem entendê-la melhor. Vejam, Saret não controla o próprio orgulho, ou a sua intensidade, e isso acaba afastando as pessoas quando ela mais precisa de apoio."
— "..."
— "Eu já entendi que algo muito sério aconteceu naquele incêndio e que isso mexeu demais com ela, mas Saret não vai poder fugir da realidade para sempre -ela vai ter que encarar os fatos em algum momento. E até ela ser capaz de recuperar a confiança em si mesma para fazer isso, eu os peço -não muito por opção-, mantenham-se perto dela e ajudem-na no que for, por mais que ela tente afastá-los. Ela irá precisar desse tipo de suporte em Nahalt."
— "Tsc, mesmo que você diga isso Ebraín, eu não acho que eu ou Gale seriamos os melhores para conseguir-..."
— "Eu sei disso Yura, mas uma vez em Nahalt vocês dois se tornarão a única coisa familiar que ela ainda terá por perto para lhe servir de apoio. Então é a minha obrigação instruí-los, não levem para o lado pessoal caso ela aja de modo excessivamente orgulhoso. Recorram à sua sensatez e aguardem para que Saret, ao seu tempo, volte a conter as suas emoções. Só assim eu acredito que a sua velha força de espírito conseguirá se recompor."

Eu não ousei perguntar ou responder Ebraín após ouvir aquelas palavras, já que eu tão bem sabia a razão para Saret estar daquela maneira, assim como igualmente a razão pela qual eu não seria capaz de fazê-la se sentir melhor. Mas enquanto eu tentava evitar olhá-lo nos olhos e revelá-lo meu grande pessimismo sobre ela sequer ser capaz de talvez superar o que teve que fazer, Gale, por sua vez, tomou a minha frente colocando a sua mão em meu ombro e balançou a cabeça para Ebraín sem sequer faltar com o dúbio otimismo -ou talvez masoquismo- que ele sempre parecia ter independente do desafio! Não me dando ele outra escolha senão também imitá-lo, já que sua mão não parecia que iria parar de me apertar com força enquanto Ebraín também não parasse de nos encarar duvidosamente!

— "Ótimo! Estamos então entendidos. Agora vejamos... eu vou ter então que triplicar as provisões da viagem e mandar um aviso para Nahalt sobre a ida também de Saret, mas isso eu posso fazer após vocês três partirem. Enquanto isso vocês dois vão para a carroça me esperar. Parece que eles já acabaram de abastecer ela e estão na loja do outro lado finalizando a compra, eu terei que ser rápido."

Falando aquilo Ebraín então, sem esperar muito para checar se iríamos lhe obedecer, nos deu as suas costas e se embrenhou multidão adentro. Me permitindo finalmente sentir um alívio quando Gale enfim soltou o meu ombro, no que eu não tive outra escolha senão encará-lo desconfiado de sua própria convicção ao achar que iríamos conseguir realmente lidar com Saret como Ebraín nos pediu! Fazendo Gale, por sua vez, apenas retribuir o meu amargor com um sorriso animado e um tapa nas costas de leve!

— "Vamos, vai ser interessante!"
— "... Só se for para você, eu e Saret nunca nos demos bem."
— "Bom, então parece que vai depender só de mim, não é?"
— "Acho que sim... pelo menos se ela puder te matar acho que ela vai se sentir mais satisfeita."
— "Hahah, você é meu amigo e é ela quem te deixa desanimado desse jeito? Que inveja."
— "Continue falando..."

Eu apontei a minha mão para a sua direção ameaçadoramente, no que ele apenas sacudiu os ombros em mais um riso bem-humorado subestimando completamente a realidade de quão depressivo ele às vezes também me fazia sentir! Partindo Gale porém para a carroça como se não estivesse nem aí para a minha reação, no que eu não tive outra escolha senão apenas engolir o meu temperamento e segui-lo quietamente.

Assim que nos aproximamos porém daquela velha carroça de madeira largada junto aos dois fedorentos camelos presos à ela, Gale, sem nenhum aviso disparou na minha frente conseguindo pegar Saret em plena queda! No que ela parecia ter estado esse tempo todo tentando subir sozinha no transporte, mesmo que seu corpo não estivesse lhe ajudando em nada...

— "Não ouse me ajudar!"
— "Heh, certo... certo."

Saret desferiu sua irritação sobre Gale, empurrando-o para trás para que a soltasse sem sequer se importar com a reação conturbada dele quando ela o acertou justamente em seu braço ainda machucado! Pouco eu me importando porém em vê-lo pagar pela sua própria tentativa de cavalheirismo, no que Gale respeitou o pedido de Saret se mantendo ali -a um passo de distância- enquanto ela voltava mais uma vez a tentar escalar a carroça sozinha, paralisando em seus movimentos sempre que as faixas e ataduras pelo seu corpo pareciam atrapalhá-la até que finalmente uma de suas mãos conseguiu terminar de erguê-la por sobre a proteção da carroça. Ouvindo Gale, enquanto isso, me sussurrar discretamente.

— "Até que não vai ser tão difícil..."
— "Gale... só não dê motivos para ela terminar de querer te matar. Ebraín nos pediu para ajudá-la, e não para terminar de tirá-la do sério."
— "Heh, você precisa enxergar melhor aquilo que não é tão óbvio. Se ela estivesse com tanto ódio assim ela não iria ter me deixado ficar perto o suficiente para conseguir segurá-la de novo, caso precisasse. Eu vou conseguir lidar com ela, apenas observe."
— "... Pensando bem agora, acho que vai ser bem mais fácil suportar o orgulho de Saret nessa viagem do que o seu ego."

Eu balancei a minha cabeça um tanto decepcionado comigo mesmo pela situação em que acabei me colocando -quanto a ter que agora precisar aturar esses dois se eu quisesse proteger a minha vida. No que assim que eu terminei de fazer aquilo, enquanto encarando a imagem de Gale se apoiando na carroça para igualmente subir nela, uma mão escura então, do nada, surgiu do nosso lado puxando Gale para trás -e para cima de mim!
No que antes mesmo que eu tentasse sair do caminho de sua queda, a mesma mão coberta por uma escuridão o segurou em pleno ar antes que ele me acertasse, suspendendo-o pelo pescoço, como se ameaçando apertá-lo até nenhum ar conseguir mais escapar de sua boca!

— "Onde você está pensando que vai, maldito!"
— "Gh-!!"

Eu vi Damian então terminar de arremessar Gale no chão, do meu lado, no que a sua figura irada estava deixando chispes de fogo negro escaparem por todo o seu corpo! Me fazendo olhar para o lado desesperado, e notar que não estava sendo apenas eu a pessoa a perceber aquilo!

— "Damian, não!!"

Eu me meti entre os dois agarrando Damian, na tentativa de tapar a sua figura da vista dos outros antes que os guardas pudessem também olhar na nossa direção! O que o fez rosnar para mim antes de, por um segundo momento, ele entender para onde estava indo a minha atenção e reconsiderar a sua própria fúria ante a preocupante comoção que começou a se formar perto de nós três!

— "Damian... se controle. Por favor."
— "Khh-..."

Eu falei aquilo contra o seu peito enquanto sentia a sua pesada respiração junto à adrenalina em seu corpo acelerando o seu pulso. Preocupado porque ele nunca tinha muita sensatez quando rodeado por Humanos, no que eu pude sentir uma de suas mãos então se apoiar em mim e ele me puxar mais para perto, soltando três longos suspiros sobre o meu ombro até conseguir me afastar para o lado com certa calma -independente de sua expressão ainda parecer muito irritada.

— "Não há nada para ver aqui gente, foi só um desentendimento pelos tapetes!"

A voz de Ebraín então surgiu por entre aquelas pessoas que ainda nos fitavam desconfiadas, conseguindo ele dispersar a maioria dos olhares curiosos com a sua simpática presença até finalmente nós voltarmos a não sermos tão dignos da atenção delas quanto os muitos produtos em exposição. Permitindo a ele finalmente se voltar então para nós, claramente irritado, antes de soltar os dois sacos de linho cheios de coisas no chão e caminhar até Gale para ajudá-lo a se levantar.

— "O que vocês pensam que estão fazendo!?"
— "Eu é que te pergunto, velho! Em nenhum momento eu disse que esse aí iria também sair da cidade!"
— "Haah, eu estava tentando evitar isso... mas admito que não esperava conseguir por muito mais tempo. Porém, veja, Gale irá continuar sendo útil para a segurança de Yura se ele for-..."
— "Quieto! Ele não vai escapar mais uma vez de mim! Ele fez um acordo comigo e ficará aqui para cumpri-lo, agora que Yura e a garota estão seguros!"
— "Infelizmente Skrea, eu não posso deixar isso acontecer..."

Indiferente ao fogo escuro que voltava a quase escapar das mãos de Damian, fechadas em punho, Ebraín então se prostrou entre ele e Gale, colocando uma de suas mãos em sua cintura e afastando o seu sobretudo o suficiente para que nós dois pudéssemos notar o cabo de um revólver pronto para ser usado -se necessário. Fazendo Damian apenas parecer se irritar ainda mais, no que ele rosnou!

— "Você acha que uma ameaça vai me impedir de algo, velho!? Eu tenho mais a perder deixando esse maldito escapar do que gastando alguns minutos para lidar também com você! Eu vou matá-lo querendo você ou não, e eu vou conseguir o que quero nem que precise ser aqui e agora!"

Em um único impulso Damian então me empurrou mais ainda para o lado inclinando o seu corpo em uma postura de ataque enquanto levando a sua mão por baixo de seu casaco até a parte de trás de sua calça, para além de onde a sua cimitarra e a sua adaga se encontravam! No que eu segurei a amarra de meu bastão preocupado, por não saber o que é que ele iria tentar empunhar contra Ebraín e Gale e se eu sequer iria conseguir ser mais ágil do que essa coisa! Arriscando eu então a entrar novamente na sua frente, em uma cega tentativa de apelar mais uma vez para a sua razão antes que fosse tarde demais!

— "Damian, não faça nada aqui! Nós não podemos chamar a atenção dos guardas, você mesmo disse isso! Tente se concentrar, você está perdendo o controle denovo!"
— "Grrr..."

Damian parou então de se mover como se preso entre o desejo de não me escutar e a noção de que ele precisava fazer isso -ao invés de continuar se deixando levar pelas centenas de emoções ao seu redor! No que Ebraín também decidiu seguir a mesma estratégia que eu, ao invés de continuar tentando incitá-lo para dentro de uma briga!

— "Yura está certo e você sabe disso. Se você fizer isso, aqui e agora, não vamos ter como disfarçar as suas ações por uma segunda vez antes que os guardas nos notem -e antes que a notícia da nossa tentativa de fuga consiga chegar nos ouvidos da Oráculo."
— "Tsc!"

Finalmente, ao ouvir a palavra "Oráculo" Damian então pareceu perder completamente a sua postura, soltando ele o que quer que havia por baixo de seu casaco e me encarando, com um misto de raiva e arrependimento, que me fez entender quão no limiar do seu autocontrole ele agora estava tentando se manter -tanto por culpa de Gale quanto por culpa minha.

— "Sinto muito por isso Skrea, mas eu não deixarei você levar Gale para a Oráculo às custas dela poupar Yura. Não que eu tenha a certeza de que você realmente fez algum acordo com ela para protegê-lo, mas... vendo agora que você era um Skrea Superior, não estou mais inclinado a cogitar também a que as suas intenções a respeito dele estiveram sendo de algum modo boas."
— "!!"

Eu me revoltei com a suposição de Ebraín sobre Damian, não esperando porém que Damian, por sua vez, pudesse travar ante aquelas acusações que pareciam ter lhe afetado quase como se fossem verdade! Me sentindo um tanto surpreso, antes de vê-lo finalmente fechar as suas mãos em punhos e recuperar a sua voz, reagindo de uma forma muito irada!

— "Não ouse falar sobre o que você não sabe, velho! Eu nunca faria acordo nenhum com aquela mulher!"
— "Que seja outro termo então que você está usando para poder conseguir negar o que está negando, mas eu não sou tolo Skrea! Ou você realmente acha que eu vou acreditar que, como Skrea Superior, você seria tão capaz assim de ficar do nosso lado ao ponto de trair a vontade de uma das patentes mais altas em sua hierarquia? Humph, eu não lidei com gente como você por toda a minha vida para logo hoje escolher ser ingênuo! E certamente não cometerei o erro de não fazer o que for preciso para também lhe impedir!"

Ebraín disse aquilo puxando então a arma de sua cintura e engatilhando-a por baixo de seu sobretudo! No que instintivamente eu corri então para a frente de Damian tentando atrapalhar a sua mira, forçando Ebraín a precisar interromper as suas ações só para ele poder (finalmente) ignorá-lo em troca de gritar comigo!

— "Saia da frente Yura!"
— "Não."
— "Haah... eu estou tão decepcionado com você, garoto. Você colocou um Skrea Superior não só no seu, mas também no nosso caminho, e ainda tem a coragem de defendê-lo bem aqui na minha frente! Eu até tentei compreender você estar andando com um Skrea já que você também ficou próximo de Gale -eu já entendi que o seu julgamento de caráter desafia até a mais básica sensatez-, mas um Superior... isso está muito além, até mesmo para você! E não venha me dizer que você não sabia que ele era um, porque eu o vi lidar com a energia escura dele como se já estivesse acostumado!"
— "..."
— "Ou será que fui EU que falhei em lhe ensinar o suficiente? Yura, você sequer entende o que são os Skreas Superiores? Skreas mortais e viciosos que obedecem à uma patente alta, e que possuem um código moral e de honra muito mais radical do que sequer o de um Oráculo!? Eles são treinados para serem a elite de sua própria raça, para liderarem o seu povo! E mesmo assim... mesmo assim você ainda está determinado a protegê-lo? A criar um laço de confiança com ele?! Yura, você sequer está pensando em Sáshia-?!"
— "NÃO A ENVOLVA NISSO!"

Me irritando mais e mais com as suas acusações, eu acabei perdendo o meu controle por um instante e gritando com Ebraín! No que, preocupados com as atenções erradas sendo trazidas para a nossa direção mais uma vez, Ebraín prontamente guardou o seu revólver enquanto Gale e eu parecemos sondar os arredores confirmando se alguém havia voltado a nos olhar de forma suspeita -o que por sorte não aconteceu, já que a minha voz não pareceu ter se sobressaído muito a dos vendedores mais próximos gritando os seus preços. Tomando eu então um fôlego para tentar me acalmar -especialmente agora que ele havia parado de ameaçar atirar em Damian- antes de tentar então, de algum modo, me justificar para Ebraín procurando fazê-lo parar de achar que eu não tive noção da areia movediça sobre a qual eu estive nesses últimos dias tentando caminhar!

— "Ebraín, me escuta, sim eu sabia que Damian era um Skrea Superior e sim, eu pensei, E PENSO sempre no que aconteceu com Sáshia. Mas Damian não é a pessoa que você o está acusando ser!"
— "Não diga que aquilo que eu posso ver com os meus próprios olhos está errado Yura, ou você vai agora alegar que as razões para ele estar tentado nos atacar não são porque ele é um Skrea Superior!?"
— "E não são!! Damian só está agindo assim porque ele não consegue se controlar, porque há muitas pessoas aqui e ele é um Híbrido!"

Eu então observei preocupado com o canto do meu olho a reação de Damian depois de dizer aquilo, notando o seu desconforto ao me ouvir revelar para os outros uma de suas menos favoritas verdades -mesmo sendo necessário- no que ele parecia agora querer evitar fazer contato visual com qualquer um de nós, brilhando o vermelho de seus olhos cada vez vez menos sob a escuridão do pano que cobria seu rosto, enquanto encarando ele as rodas da carroça ao seu lado completamente isento de qualquer reação contra aquela verdade que ele não tinha como consertar.

— "Um Híbrido..?"

A voz de Ebraín de repente tirou a minha lamentada atenção de Damian. No que a sua expressão de choque e confusão não conseguia sequer parecer acumular dúvidas, ou questionamentos, ante sincera e acuada reação de Damian. Não tinha como ele acreditar que eu havia mentido dessa vez, admitindo Ebraín finalmente em um tom muito admirado.

— "Impressionante, eu nunca havia visto um ainda jovem. Mas eu não entendo, e mesmo assim ele também é um Skrea Superior? Como seria possível isso acontecer-... não, isso não importa agora. Certamente o meu julgamento fora inflexível. Skrea, me desculpe por acusá-lo com tanta certeza em cima de informações tão incompletas."
— "... Não se dê ao trabalho de dizer algo tão irrelevante, humano. Eu ainda posso sentir vindo de você o mesmo desgosto por mim, não importa o que você tenha escutado."
— "Heh, não há mesmo dúvidas. Você é um Híbrido capaz de distinguir sentimentos-... Ahem, digo, você está certo, eu continuo não gostando de você. Mas não creio porém que o que eu disse seja também irrelevante, afinal, mesmo não confiando em você as minhas razões para isso não tem mais como serem baseadas em certezas. Como Híbrido, mesmo que eu ainda vá esperar as piores intenções vindo de você, admito que você poderá, se desejar, usar a capacidade que tem para decepcionar até mesmo estas minhas piores expectativas."
— "..."
— "Dito isso, eu então terei que me permitir dar uma segunda chance às suas palavras e lhe perguntar. Se você diz que está mesmo indo contra o desejo de sua Oráculo, o que agora eu acredito até ser algo possível, por qual outro motivo então você quer tanto matar Gale?"
— "Porque ele me tirou algo importante, e eu quero vingança."
— "Ah, sim... então a sua razão não é por ele ser um Vessel mas sim por ele ser o Gale mesmo. Acho que não posso condená-lo por esse motivo -afinal mais da metade dessa cidade também deseja matá-lo. Só que... mesmo que eu até entenda o seu lado, ainda sim não posso deixar ele ficar para trás para morrer. Isso é menos até por eu me importar com Gale sendo um Vessel, do que por eu estar me importando sobre o quê isso irá significar para a sua Oráculo, caso você na realidade acabe traindo a minha confiança e termine entregando-o à ela. Afinal, se ela tiver o menor sucesso que for no que deseja, pode acreditar, ela não irá apenas parar nele."
— "..."

Ebraín disse aquilo se voltando então para mim, no que Damian fez o mesmo, suspirando ele ao me ver e entender onde aquelas palavras estavam tentando chegar.
"Então esse tempo todo o medo de Ebraín não estava sendo o de sacrificar Gale por ele ser um Vessel, mas sim o de incentivar a perseguição da Oráculo contra mim? É... acho que eu consigo entender, afinal ainda estamos falando do Gale. Vessel ou não, ele ainda é uma presença muito problemática para todos nessa cidade."
Eu balancei a minha cabeça pouco motivado a interceder por ele, no que o prolongado silêncio de Damian me fez voltar a olhá-lo então com curiosidade! Notando a sua atenção se distanciar como se ele tentasse pensar bem a respeito daquilo sem conseguir desafiar racionalmente a justificativa de Ebraín, até que seus olhos vermelhos voltaram a se prender na figura de Gale com muita seriedade. Franzindo Damian por fim a sua sobrancelha como se arrependido do que iria dizer, antes dele dizer mesmo assim firmemente!
 
— "Que seja então. Eu irei junto."
— "!!"


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