Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 131
Ala Norte




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Ao longo do perigo que esse dia trazia consigo, Damian, Saret e eu seguimos então para longe da Boate, tentando eu e ela mantermos os nossos passos em um bom ritmo, por mais que Damian -com seus chifres cobertos pelo pano que costumava ficar escondido por dentro de seu casaco para não chamar muita atenção- não nos permitisse reduzi-los mesmo se tentassemos. Notando cada um de nós com intimidação o tempo que havíamos gasto na boate, graças ao início do movimento das pessoas pela rua procurando por um espaço ao longo das calçadas para expor os seus produtos ante o ainda refrescante sol da manhã. Sendo elas iluminadas pelo começo de mais um dia, enquanto que meus rastros por outro lado pareciam ser escurecidos pelos últimos grãos da areia de uma ampulheta que sombreava o meu destino. Liderando eu o nosso caminho com grande pressa, enquanto tentando não deduzir se a Oráculo já estaria ou não dando o seu próximo passo nesse meio tempo em que tentávamos voltar para o Gargalo.

E foi assim que -pela boa vontade de Grivah- fômos capazes de retornar antes mesmo do sol ser capaz de ultrapassar a altura das velhas casas a ponto de projetar as nossas sombras cansadas através daquele vasto chão que distanciava o término das moradias da abertura do grande buraco. Onde Damian então parou em seus passos, me puxando pelo ombro de volta para as sombras dos prédios e se dirigindo a eu e Saret com uma firmeza que tão mal ocultava o seu desconforto por estar em um lugar em que o remorso Humano era capaz de superar a educação que éramos impostos a ter com os Skreas.

— "Vocês vão e tragam aqueles dois, eu vou esperar daqui."
— "Espera, você então estava falando sério mesmo Damian? Você vai nos acompanhar até o fim dessa vez?"
— "Eu te já disse, não disse? Já que não posso tirar os meus olhos de você sem esperar que estrague tudo, não tenho outra escolha senão garantir eu mesmo que tudo ocorra como se deve!"
— "Err, t-tudo bem... Então nós vamos chamar Ebraín e já voltamos."
— "Ah, só-... só não se esqueça de avisá-lo por quê eu estou aqui. Não quero que ele interprete errado a minha presença... mais uma vez."

Damian me fez aquele pedido um pouco sem jeito, como se ter a desconfiança de um humano sobre ele o incomodasse mais do que ele iria me admitir. Só que eu mesmo não tive tempo de pensar muito nisso já que Saret logo se meteu entre nós dois acenando com a sua cabeça, prontamente me arrastando pelo braço para dentro do buraco e não me dando sequer a chance de olhar uma segunda vez para trás antes de Damian desaparecer das nossas vistas e da vista provavelmente dos guardas que nos encaravam à medida que agora nós dois nos aproximávamos dos portões.

— "Vamos para a Taberna do Homem morto, uma pessoa nos aguarda lá dentro."

Saret falou diretamente para um dos guardas que se impôs entre nós dois e a passagem, no que a expressão firme e decidida de Saret o fez recuar hostilmente até o seu companheiro de guarda que, por sua vez, apenas concordou com a cabeça sem muito se importar -acredito que esse era um dos guardas da noite passada, já que ele parecia ter nos reconhecido. O que permitiu que eu e Saret continuássemos em nosso caminho profundeza abaixo, até a porta da taberna onde Ebraín se destacava nos fundos daquele pequeno salão preocupantemente andando de um lado para o outro, junto de Gale, que por sua vez apenas parecia balançar tediosamente um copo vazio enquanto sentado no balcão nos esperando.
"Essa não... Ebraín já acordou, e ainda por cima chegamos depois de Gale! Isso não vai ser nada bom..."

Eu estremeci já prevendo o tamanho da bronca que ia receber, no que Gale, assim que percebeu as nossas figuras paradas naquela porta, nos apontou para Ebraín! Vindo ele correndo na nossa direção desferindo enfurecidas broncas, ao que eu apenas me encolhi onde estava e abaixei a cabeça, ciente de que eu merecia escutar tudo aquilo. Enquanto que Saret, por outro lado, alegava em troca que eu era o único responsável por trás de cada pequena acusação que Ebraín continuava jogando contra nós dois -eu já tinha que ter previsto que ela iria fazer isso! Não conseguindo nem mesmo ela porém aplacar a exaltação dele até que todas as palavras entaladas em sua garganta pudessem ter saído!
Nisso Ebraín tomou um longo fôlego parecendo tentar se acalmar antes de nos arrastar -ainda um pouco enfurecido- até o balcão, e arrancar com impaciência das mãos de Gale um pequeno papel com anotações.

— "Me escutem agora, estamos muito em cima da hora! Eu preciso levá-los até os portões da Ala Norte antes dos mercadores começarem a deixar a cidade, há um comerciante de tapetes por lá que aceitou levar vocês até uma cidade que fica nos limites dos desertos, chamada Nahalt! Mas ele não vai esperar por nós se demorarmos demais!"
— "Nahalt... eu conheço esse nome."
— "De lá o meu contato procederá com o resto, já está tudo acertado, mas temos que partir todos agora! É muito chão daqui até os portões da Ala Norte e poderemos não ter a chance de achar outro mercador indo para aquela direção ainda hoje, caso precisemos!"
— "Espera Ebraín, mas por quê a Ala Norte? Por quê não saímos pela Ala Oeste mesmo, já que é mais perto?"
— "Porque eu não sei até onde aquela Oráculo alertou os guardas da Ala Oeste sobre vocês dois. E é fácil descrever a sua aparência Yura, então eu não vou correr o risco de ter você sendo reconhecido quando tentar passar pelos portões. Nossa maior chance será contar com a demora de comunicação entre essa e as outras Alas e tirar você da Citadela por uma saída menos óbvia."
— "Certo..."

Eu balancei a minha cabeça de forma desanimada -afinal meu corpo ainda estava cansado demais para fazer uma distância daquelas em tão pouco tempo-, procurando porém me conformar com aquela ideia mesmo sabendo que seria difícil sequer colocá-la em prática já que eu não havia sido o único entre nós que descansara pouco. Mas, no instante em que então eu vi Gale pular animado de sua cadeira apoiando o seu braço ao redor do meu pescoço, e Saret decididamente ajustando a amarração de sua capa para partir, eu não tive como ter outra atitude senão me cobrir com o meu manto e balançar novamente a cabeça para eles -mas dessa vez com muito mais convicção! Assim, nós então nos despedimos de Geva recebendo dele uma bolsa de couro com alguns suprimentos e saímos por fim daquele buraco, sabendo eu bem lá no fundo que ficar parado duvidando da nossa capacidade para fazer aquele trajeto era bem menos relevante agora do que o próprio risco que Gale e eu estaríamos correndo se ao menos não o tentássemos.

Mas assim que nos aproximamos das primeiras casas que encobriam o horizonte foi que então, surgindo das sombras, Damian voltou a aparecer -ainda com seu rosto e chifres encobertos! Pegando Ebraín e Gale de surpresa, no que Saret rapidamente se colocou entre eles percebendo que esquecemos de esclarecer essa parte durante a bronca que levamos! O que fez Ebraín na mesma hora reagir com imenso desgosto àquela tardia notícia, mesmo sem sinalizar ele qualquer rejeição à companhia de Damian dada a falta de tempo que tínhamos para ficar discutindo isso agora -um pouco diferente de Gale porém, que não perdeu a chance de encará-lo com extrema rejeição antes de recuar, me colocando ele entre os dois para se proteger da mortífera fitada que Damian o deu em resposta.

E daquela forma carregada de atrito nós 5 tomamos juntos o nosso caminho rumo à Ala Norte sem parar mais por nada -mesmo que o nosso ritmo não fosse dos melhores. Cruzando as ruas residenciais dos Distritos e logo chegando em uma acabada ponte elevada de cimento que cruzava os Aquedutos conectando a Ala Oeste com a Norte e a Leste. A ponte mal havia qualquer grade de segurança, mesmo que seu caminho fosse largo o suficiente para não sermos constantemente assombrados pela ideia de cair lá de cima. Não me impedindo aquilo porém de ainda sentir um arrepio ao cruzá-la, no que instantaneamente a cena de seus fragmentos se desfalecendo sob os meus pés e caindo dentro do vazio dos Aquedutos fizeram voltar a mim as lembranças daquela noite em que Gale me fez cruzar seu entorno pelas telas que gradeavam toda a sua extensão.
"Haah, Gale..."
Eu suspirei estremecendo sobre as precárias e expostas armações de ferro que sustentavam de uma ponta à outra o chão da passarela, não conseguindo esquecer daquele sentimento de perigo durante toda a travessia até enfim podermos afirmar que estávamos agora oficialmente na Ala Norte -e que eu não fazia mais ideia de para onde deveríamos seguir, afinal eu não conhecia nenhuma outra Ala além da Oeste.

Com aquilo então, tendo o sol batendo em nossas costas e rompendo enfim o frescor da manhã que agora dava lugar ao calor abafado de um dia completamente sem nuvens, nós continuamos seguindo diligentemente Ebraín pelo longo entremeio de ruas estranhas que pareciam serpentear umas entre as outras. Muitas vezes me fazendo sentir estar em uma cidade totalmente diferente, e em outras me fazendo perceber que Gale também estava se sentindo assim sempre que o seu corpo esbarrava no meu, andando ele colado a mim como se não quisesse se afastar um mínimo sequer e arriscar nos perder de vista naquelas ruas tão estranhas.
Já Saret e Damian, sem muito parecerem se perturbar com o cenário apenas seguiam atrás de nós, atentos aos sons e às pessoas pelas quais passávamos como se, ao contrário de nós dois, eles não conseguissem ter a sua atenção roubada por nada além do risco que corríamos enquanto andando tão expostos pela cidade há mais de 30 minutos sem uma pausa sequer. Ouvindo eu sem querer -graças a nossa curta distância- Saret então cochichar algo para Damian, no que ele não pareceu se incomodar muito em respondê-la.

— "Você acha que a Oráculo já voltou para as ruas a essa hora?"
— "... Não sei. Como alguns guardas morreram sob as suas ordens ela teria que perder algum tempo indo ainda ao Quartel para prestar contas, mas... eles sequer eram de patente alta."
— "Então a morte deles pode ser ignorada."
— "... Sim, e se ela não revelar a ninguém que eu estive envolvido nisso a morte deles definitivamente vai ser ignorada."
— "..."
— "..."
— "Então ela não vai contar para ninguém."
— "É o que você pensa, Humana?"
— "Bem, se eu quisesse voltar à minha caça de imediato então é exatamente isso o que eu faria."
— "... Levando isso em conta, a única coisa então que ainda pode atrasá-la será o tempo que ela vai levar para nos rastrear do Capitólio."
— "E quanto tempo você acha que ela pode levar nisso?"
— "Não faço ideia... nossa distância e o movimento constante podem gerar certa demora até ela conseguir precisão no rastreio, mas vocês se aproximaram muito das Avenidas indo até a Cidade Baixa. E isso pode ter sido justamente a oportunidade que ela precisou para conseguir retomar o rastro."
— "Então é possível que ela esteja já nos perseguindo, desde aquela hora?"
— "Talvez não ou já estaríamos com problemas, mas é possível que ela esteja nos observando através dos dispositivos para ver até onde vamos. E que ela alerte os Skreas da Ala Norte quando perceber que terminarmos de nos mover -eu não vou me surpreender se isso acabar acontecendo."

Damian falou aquilo com um tom pesado, me fazendo enfim entender o seu alarde em ter nos tirado o quanto antes da Boate. Ao que por outro lado, com o canto do meu olho, eu pude reparar Gale fazer uma expressão ainda pior do que a minha como se ele igualmente estivesse considerando ter feito uma enorme besteira. Não tendo eu porém a chance de lhe perguntar qualquer coisa já que a voz de Ebraín, vinda lá da frente, então nos roubou as atenções em um tom altivo.

— "Isso significa então que temos que andar ainda mais rápido! Vamos!"

Sua aguçada audição que a idade jamais foi capaz de condenar decretou, no que todos nós, com um senso de perigo aumentado, apenas concordamos acelerando ainda mais o passo -independente de quão pouco qualquer um de nós estivesse realmente com a capacidade de fazê-lo por muito mais tempo.
"Haah... não sei se os meus pés conseguem se mover mais rápido do que isso. Mas eu não posso, não posso também me dar ao luxo de andar mais devagar!"
Com aquela firmeza que o medo me causava eu então continuei a andar rápido, junto de todos, para além das ominosas ruas que deixávamos para trás. Adiante em uma incerta escuridão que parecia nos seguir e escoltar ao mesmo tempo, acompanhando-nos ela como se capaz de nos engolir vivos no primeiro momento em que ousássemos reconsiderar o nosso ímpeto de apenas continuar seguindo em frente para o mais longe possível daquela Skrea! Daquela Skrea, e da completa incerteza do que também poderia estar nos aguardando no virar de cada próxima rua!

Passando todos nós, por vezes, de forma desconfiada por pessoas estranhas, e por outras vezes, por pessoas que nos encaravam com estranhamento. O que me fazia querer esconder ainda mais o rosto sob o meu manto para não ser reconhecido, mesmo sentindo que era Damian quem estava na realidade atraindo a maior parte das atenções! Afinal, ele estava vestido com roupas escuras similares às dos outros Skreas enquanto segurando a sua cimitarra fortemente, mas sempre mantendo a sua cabeça baixa para que ninguém notasse os seus olhos vermelhos mesmo com o caminho adiante requerendo a sua atenção. E aquilo parecia deixar as pessoas inquietas, ao mesmo tempo que a presença de Saret ao seu lado confundia as suas suspeitas já que ela andava tão firmemente como ele, tinha os cabelos tão igualmente negros e a pele tão similarmente pálida que a ideia dele ser um Skrea podia virar uma crível ilusão ante a certeza de que Saret e o resto de nós éramos todos Humanos vindos de diferentes regiões e seguindo para o mesmo destino.
O mesmo destino que nos obrigava a agora passar por pequenas ruas que constantemente nos apertavam contra outras pessoas estranhas, e que nos colavam contra as paredes de prédios que pareciam asfixiantemente se inclinar sobre as nossas cabeças entre um errático emaranhado de fios e luzes que os atavam, apagando com a sua presença o vasto céu acima de nós.

Porém nós continuamos caminhando o mais rápido que dava por sobre aquele chão desconfortável de blocos de pedras fincadas. Durante muitos minutos ou talvez mais de uma hora, até enfim chegarmos em estradas mais abertas de areia batida e melhor iluminadas pelo sol que, mais uma vez, voltava a se tornar visível por sobre novos prédios mais modernos. Clareando ele assim a minha vista e os meus sentidos, ao que aquela luz nos acompanhou brandamente até alcançarmos finalmente o que parecia ser o cruzamento de uma longa e aberta avenida. Familiar até, onde ao fundo eu podia testemunhar uma confusão de carroças e mercadores amontoando suas vozes na frente de dois grandes portões abertos em um mercado de rua muito familiar ao das Avenidas da Zona Oeste...

"Enfim, chegamos."
Eu senti as minhas pernas quase cederem, colocando a mão sobre meu peito e me inclinando um pouco para frente na tentativa de não desmoronar de exaustão assim que Ebraín nos mandou parar em nossos passos soltando ele também a bolsa de suprimentos no chão como se ela já tivesse há muito tempo se transformado em um fardo para as suas costas. Antes das mãos de Damian, de repente, me puxarem junto dele alguns passos de volta para as sombras do beco atrás de nós!

— "Tem muitos guardas, recuem!"

Ele falou agitado porém não alto o suficente para chamar a atenção dos estranhos que caminhavam mais adiante sem nos dar qualquer atenção, no que eu pude ver Saret, Gale e Ebraín igualmente recuando às pressas junto de nós dois enquanto encarando preocupados a multidão à nossa frente. Foi aí que eu finalmente me soltei de Damian e ergui melhor o meu corpo para consegui ver, um número incomum de guardas Skreas tanto nos portões quanto entre as pessoas na multidão, parecendo mais atentos ao movimento das pessoas do que normalmente os guardas na Ala Oeste costumavam ser.
"Não me diga que... isso é por nossa causa?"
Eu engoli a seco aquela temível possibilidade, não esperando que fosse ser logo Saret porém, a pessoa que iria tomar a coragem de perguntar primeiro isso à Damian.

— "Foi como você disse, eles foram alertados sobre nós."
— "É o que parece... mas eles ainda não sabem que estamos aqui ou estariam se movendo pela multidão de forma mais eficiente. Por enquanto eu diria que eles só estão sendo cautelosos."

Damian se calou com muita seriedade e voltou a observar os vários guardas  enquanto parecia raciocinar atentamente sobre a nossa situação. Intervindo Ebraín porém na sua pausa, e o indagando sem conseguir muito esperar pela vontade de Damian em voltar a falar.

— "Você acha dá para passá-lo pelo portão?"
— "Não se for a pé, mesmo com pouca eficiência eles estão vigiando bem a saída e fiscalizando todas as pessoas que passam próximas a eles. São mais de 5 guardas nos portões observando tudo, além dos 3 entre as pessoas e os 4 nas laterais da muralha."
— "E se ele tentar se esconder em uma das carroças? Alguma chance?"
— "..."

Ciente daquela nova questão Damian então pareceu tomar mais um segundo para olhar o movimento perto dos portões. Prestando muita atenção nos guardas e nas pessoas que entravam e saíam, até finalmente concluir com um mínimo de segurança em sua voz.

— "Pode dar certo, eles não estão prestando muita atenção às carroças. E certamente não estão com meios para rastrear Vessels, já que todos parecem estar apenas focando no rosto das pessoas que passam por eles -se fosse diferente, eles sequer estariam se importando com isso."
— "..."
— "Mas isso deve ser só porque também a Oráculo não sabia para onde estávamos indo. Ela deve ter enviado um pequeno alerta às outras alas quando nos viu saindo da Ala Oeste e aguardou para ter a certeza de onde estávamos tentando chegar. Nos afastamos muito do alcance operacional dela, então não seria esperto ela fazer qualquer movimento antes de nós terminarmos o nosso."
— "Bem, isso então quer dizer que agora será a vez dela agir."

Enfim Damian parou de dar maior atenção ao movimento à sua frente, olhando então pausadamente para todos nós e fechando os seus punhos de uma forma muito amarga, antes de admitir que estávamos com problemas.

— "Sim... será apenas uma questão de tempo até ela enviar um comando de interceptação para cá. E quando ela fizer isso, o número de Skreas nessa rua deve triplicar, eles irão tentar nos fechar nesse setor até ela chegar pessoalmente para nos rastrear."

Ebraín então tomou também um segundo para ponderar aquelas palavras, alisando seu bigode algumas vezes com o dedo indicador até, por fim, concordar com a sua cabeça admitindo em um tom muito pouco otimista.

— "Então não tem jeito. Se recuarmos agora ela apenas conseguirá nos cercar em outro lugar até ficarmos exaustos demais para fugir. Vamos nos arriscar contra estes guardas mesmo, não é uma grande chance, mas é a melhor que temos pelo visto."
— "... Você mencionou usar uma carroça, velho... de qual delas você estava falando?"
— "É uma que está perto dos prédios ao leste, atrás dos dois rapazes em cima de uma mesa vendendo vasos largos de cerâmica. Ao lado de um cocho de água para os camelos."
— "!! Mas o qu-... aquela que ainda está sendo carregada!? Não temos como ter tempo para isso!"
— "Infelizmente precisaremos ter... eu fiz um acordo com o condutor dela e é a única que poderá levar hoje Yura até uma pessoa de minha confiança. Encontrar outra opção de transporte no meio dessa confusão não será mais rápido do que aguardar eles terminarem, acredite -a menos que você tenha alguma ideia melhor."

Damian pareceu querer rosnar com irritação pela impossibilidade de poder agir antes que as coisas piorassem! Mas independente da sua raiva, ainda teríamos que aguardar um pouco mais ou pela minha oportunidade de conseguir escapar, ou pela oportunidade da Oráculo em novamente nos alcançar. Fazendo ele provavelmente respirar fundo e tentar se acalmar, já que para um ou para o outro iríamos ter que de todo modo aguardar.

— "Grr, que seja, mas vamos ficar aqui então. Se tudo der errado será mais fácil fugir por aqui do que estando no meio daquela multidão e à vista de todos os Skreas desse setor!
— "Concordo, e contarei com você para vigiar a movimentação desses guardas. Se você notar algo de estranho nós fugimos -que antes vivamos para tentar mais uma vez, do que percamos insistindo no fracasso."
— "Isso soa como algo que o meu povo diria."
— "Prudência não é uma exclusividade só de vocês, mas sim de quem é esperto o suficiente para o ter... tocando nesse assunto aliás, Yura!"

Ebraín de repente me chamou se voltando então para a minha direção, no que eu quase dei um pulo não esperando por aquilo! Enquanto reparando Damian, por sua vez, parecer tão confuso com a abrupta troca de foco de Ebraín que ele sequer se deu ao trabalho de querer prestar muito mais atenção em todos nós. Respirando fundo e voltando os seus olhos para às pessoas à nossa frente de uma forma cansada, enquanto que Ebraín passava a me olhar de um modo muito incisivo.

— "Yura, já que temos então algum tempo a mais para eu instruir vocês... me escute com muita atenção pois talvez não haja outra oportunidade para eu lhe dizer isso. E sinto que você -mais do que os outros- precisa ouvir isso."
— "C-claro Ebraín."
— "Quando você chegar ao destino eu manterei contato através de cartas, sequer cogite retornar enquanto eu não avisar que é seguro, você me entendeu!? Eu não quero ver você perdendo a paciência ou sendo leviano com a sua segurança fora daqui!"
— "Não se preocupe Ebraín, eu não vou ser-...!"
— "Humph, será mesmo que eu poderei acreditar em você?! Porque depois de hoje cedo eu sinto que, dentre vocês três, só posso agora contar com o bom senso de Gale -afinal, ele foi o único que estava onde era para estar quando amanheceu!"
— "!..."

Jogando aquela indireta para cima de mim eu então desviei o meu olhar para o lado ainda com a consciência um tanto pesada, no que Gale por sua vez não soube conter o sorriso bobo, mesmo que soubéssemos que entre nós dois o mais incapaz de obedecer ordens sempre acabava sendo ele! Trocando eu olhares de implicância com ele independente da nossa óbvia tensão em sair dali, no que assim que eu me distraí de Ebraín, ele prosseguiu dentro daquele curto tempo e nos ignorou, se virando agora para Saret -ainda mais consternado.

— "E Saret... quanto a você, eu tenho um favor que já devia de ter lhe pedido desde o Gargalo -mas acabei me distraindo, graças às peripécias de vocês dois. Preciso que saia da Citadela com Yura, você também não pode permanecer aqui."
— "O-O quê!? Ebraín, eu não posso sair da cidade! Sal-...!"
— "Não tenho tempo para explicar tudo, mas eu consegui entrar em contato com Sal pela madrugada e ela me garantiu que está tudo bem. Só que ela ainda está mudando o local da Clínica e não tinha como vir pessoalmente te pedir isso, para partir junto de Yura e ficar em segurança com ele, pelo tempo que precisarmos que vocês dois fiquem."
— "!..."

O rosto de Saret se preencheu em um misto de alegria e desconforto ao descobrir que Sal lhe pedira tamanho esforço! Acho que se afastar ainda mais de tudo aquilo que agora lhe restou era um pedido cruel para ambos fazerem à ela depois de tudo o que aconteceu, já que suas mãos foram então em resposta até o seu rosto, cobrindo-o. Em um quieto estremecer que parecia se misturar entre o desejo de recusar aquele pedido direto de Sal e a sua incapacidade de realmente fazê-lo. Me obrigando então a, com aquela cena, desistir da minha bronca contra Gale e apenas voltar toda a minha atenção para ela, não ousando demonstrar maior alegria por saber que Sal estava bem, do que preocupação, em me perguntar se de fato aquilo era algo certo a se fazer com Saret -afinal, qual vantagem realmente havia nela fugir comigo?
Forçando assim Ebraín a pressioná-la ainda mais por uma resposta, já que ele por sua vez estava agora sendo pressionado pela minha intromissiva e indagante atenção.

— "Saret, você sabe que você é uma Repetidora... e que isso também vai te colocar em risco."
— "Skreas não ligam para Repetidores! Por quê eu tenho que partir!? Por quê eu não posso apenas voltar para a Clínica com você!?"
— "Haah... Porque havia uma Oráculo atrás de nós, e porque você estava conosco o tempo todo enquanto ela identificava os rapazes. Se essa Oráculo se frustrar por não conseguir encontrar mais Yura ou Gale, ela irá tentar rastrear você para usá-la como isca e chegar até eles, e você estará muito fraca para lutar sem depender dos seus poderes -eu estive notando a sua aversão recente a eles. Você não terá condições de se proteger se for preciso. E isso está preocupado muito, tanto Sal, quanto eu."
— "Tsc!"

Saret então franziu as suas sobrancelhas como se incapaz de questionar as coisas que Ebraín dissera. Me deixando perdido no assunto por sequer ter ouvido antes aquele termo "Repetidor" para saber do que os dois afinal estavam falando. No que eu me aproximei um pouco mais para tentar questioná-los antes que aquela discussão pudesse avançar e o termo acabar se perdendo -assim como Gale, que imitou com uma incomum curiosidade no olhar.
"Espera, isso então significa que ele também não faz ideia do que eles estão falando? Finalmente! Eu não sou mais o único desinformado!"


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