Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 130
Abrindo o jogo




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— "... Então esse é o lugar?"

A voz de Saret cortou o meu temor com um tom de incômodo capaz de me distrair. Cruzando ela defensivamente os seus braços enquanto fitando os arredores pouco convidativos dos becos escuros que, mesmo não tendo qualquer bêbado ou odalisca da noite anterior à vista, continuavam exalando um cheiro recente e desagradável de bebida com vômito. Fazendo o seu rosto se contorcer, como se nenhum dos seus sentidos estivessem minimamente familiarizados àquele tipo de ambiente.

— "Sim, é aqui que eu trabalho."
— "Humph... eu já tinha algumas suposições mas, não imaginava que esse lugar pudesse ser tão-..."
— "Toda manhã as meninas limpam os arredores, só é muito cedo ainda."

Pouco paciente com a demora de Saret para escolher uma ofensa ideal, eu então cortei-a esticando impacientemente a minha mão e empurrando aquela porta sem querer esperar ela terminar de processar a situação. Adentrando primeiro no salão principal e confirmando -pelo estado do lugar- uma óbvia mistura entre a bagunça da noite passada e a calmaria de uma manhã onde ninguém havia ainda chegado.
"Pelo visto eu não errei, ainda está muito cedo..."
Minha visão se expandiu por aquele silencioso e vazio salão à medida que os raios de sol vindos atravessando a porta também passavam por mim e por Saret aquecendo nossas costas e tentando se esticar para além das mesas à nossa frente.

— "Ei, ainda não estamos funcionando. Volte mais tar-..."

De repente uma voz familiar nos chamou a atenção vindo da direção dos fundos, no que com uma vassoura em mãos Rigur surgira do corredor dos funcionários tentando tapar um longo bocejo com a sua outra mão sem nem terminar de olhar direito para nós dois -mesmo tendo um trabalho pouco ativo, Rigur certamente tinha horários muito cansativos graças à própria agenda de funcionamento da Boate. Ele dizia que não precisava dormir muito mas, sequer seu "muito" parecia ser suficiente já que eu só o via conseguindo parar para descansar durante o entardecer e após as madrugadas, pouco antes da Boate reabrir de manhã.
Sendo assim, vê-lo cansado àquela hora não era algo tão improvável, especialmente quando ele precisava usar o seu próprio tempo de descanso para finalizar algum serviço que as meninas não conseguiram terminar no turno anterior, não me admirando precisar esperá-lo esfregar os seus olhos e se aproximar um pouco mais para enfim ele perceber que era EU o invasor.

— "Ah-! YURA!! É você!"

Com um grande sorriso em seu rosto e uma empolgação que não combinava com a postura ainda cansada de seu corpo, Rigur então largou a vassoura para o lado e simplesmente correu até nós dois tentando nos puxar para dentro enquanto se apressando para fechar aquela porta o mais rápido possível!

— "Entrem, entrem! Não deixe que alguém veja vocês dois na entrada, as regras da casa são de nunca deixar essa porta fechada mas, não estamos ainda em funcionamento! Se alguém entrar junto de vocês eu vou ter que expulsar e isso pode acabar me metendo em confusão mais tarde com o dono!"
— "Claro. Você está sozinho aliás? Achei que alguma das meninas já estaria por aqui nesse horário."
— "Ah, na verdade duas delas já chegaram mas... bem, perdemos um estoque de carne de camelo e elas tiveram que ir nas Avenidas comprar mais. Então eu fiquei sozinho com a vassoura, como você pode ver."
— "Isso explica porque você não está agora tirando um cochilo atrás do balcão -muito para a minha sorte."
— "Eei, aquilo foi só uma vez! Se você ficar dizendo essas coisas o que sua amiga aí vai pensar de mim? Ah, aliás... quem é ela mesmo Yura?"
— "Ah! É verdade, vocês não se conhecem."
— "Bem, eu certamente me lembraria de uma garota te seguindo por aí igual à uma sombra mas, eu sequer acho que já a vi andando pela Cidade Baixa."

Ao ouvir Rigur brincar com a forma como Saret estava se escondendo atrás de mim um tanto tímida, eu pude senti-la então rapidamente se ajeitar do meu lado como se ela não se importasse tanto em estar em um lugar promíscuo daqueles quanto ela parecia se importar em ser reduzida ao título de "minha sombra"! O que me fez precisar conter um pouco o riso, antes de voltar a poder apresentá-los decentemente.

— "Hehe... Rigur, essa é Saret. Ela é uma-... -qual seria a melhor palavra- uma conhecida?"
— "'Conhecida'? Hum... Ah! Espera aí! Yura, não me diga que ela é aquela 'tal pessoa'!? Hah, eu sabia! Você não podia esconder isso de mim, eu sabia que você estava afim de alguém quando apareceu aqui naquele dia e-...!"

Rigur de repente desatou a falar o que me pegou totalmente de surpresa! Me fazendo olhar sem jeito para Saret tanto porque ela não tinha por quê ficar sabendo da minha vida daquela forma, como também porque eu sequer poderia cogitar a possibilidade de gostar dela daquela maneira! Só que antes que eu tivesse como impedir Rigur de prosseguir ainda mais com aquele mau entendido, Saret se aproximou dele com uma expressão aterrorizante e apenas decretou em um tom firme e direto.

— "Eu não sou nenhuma 'tal pessoa'. E de longe eu sequer sou amiga dele, então pare de se empolgar tanto. A única razão para eu estar aqui é porque eu não tive outra escolha -só isso."
— "Que medo..."

Eu pude ouvir Rigur engolir as suas próprias palavras ante a aura irritada de Saret que fez tanto ele quanto eu estremecermos e nos afastarmos alguns passos para o lado. Me forçando a então interceder pela alma de Rigur, ao que certamente Saret parecia ser capaz de matá-lo caso ele simplesmente não apagasse de vez aquela ideia da cabeça!

— "Err, Rigur, Saret é apenas uma feiticeira que possui a mesma mestra que eu. E essa é a nossa única ligação, realmente."
— "Obrigado por me avisar só agora que ela também é uma feiticeira Yura. Agora, que eu acabei de irritá-la!"

Sua voz me sussurrou alto como se temendo pela própria vida enquanto Saret continuava encarando-o de uma forma assustadora. Fazendo Rigur precisar pensar duas vezes antes de escolher suas próximas palavras, e nos direcionar para o balcão mais a frente em uma tentativa de corrigir a complicada primeira impressão que ficou entre eles dois.

— "Err, venha, sente-se aqui um pouco... Saret, não é? Você deve estar com sede, deixa eu te servir algo!"
— "Não precisa."
— "Ah! Não seja tímida! Pela sua expressão dá para ver que boates não são muito o seu tipo de ambiente, não é? Mas não precisa ficar tão na defensiva assim! A única coisa aqui dentro que pode te causar problemas é o Yura, e você já veio com ele então, apenas tente relaxar!"
— "Bom... Eu concordo que ele causa muitos problemas..."

Saret apoiou a mão em seu queixo parecendo refletir um pouco, aceitando por fim o convite de Rigur no que eu por outro lado apenas parei pelo meio do caminho revoltado com o descaramento dos dois!

— "Ei! Não fiquem falando mal de mim como se eu não estivesse aqui!"
— "Hahaha, mas eu só estou dizendo a verdade Yura! Sempre que você some eu acabo tendo problemas com os seus clientes. Ahhh, quanto dinheiro eu perco só porque você se mete em confusões e deixa de aparecer para trabalhar... teria sido muito mais fácil se eu tivesse te prendido aqui com alguma dívida desde o início."
— "Rigur, você sabe que nunca iria ter conseguido me prender aqui dentro com uma dívida."
— "Claro, claro... Afinal a única coisa que você realmente faz questão de ter de mim é a certeza de que eu vou sempre estar por perto para te ajudar, né?"
— "Como todo bom amigo faria."
— "Bem que eu sabia que isso não era uma visita só para matar as saudades... Então diga logo, o que trouxe vocês dois até a Cidade Baixa tão cedo assim?"

Rigur enfim chegou ao ponto com uma certa cara de desapontamento, no que eu por outro lado só pude cruzar os meus braços em uma reação resguardada. Procurando as palavras certas para explicar aquela situação, mesmo sem saber ao certo até onde eu poderia ou não ficar revelando as coisas para ele sem comprometer a sua boa vontade de participar dos meus assuntos.

— "Bem... Rigur, se lembra que da última vez que eu apareci aqui eu te disse que estava com problemas e precisava desaparecer?"
— "Claro, e desapareceu o quê? Por 3 dias antes de precisar de mim novamente? Foi um novo recorde."
— "Então... eu acabei descobrindo que esses problemas são muito maiores do que eu pensava. E eu realmente não vou poder mais ficar pela cidade, eu vou ter que ir embora da Citadela por um tempo indeterminado."

Apoiando então minhas mãos sobre o balcão e me aproximando melhor de Rigur, eu expliquei aquilo de um modo tão sério que ele sequer se prestou ao trabalho de tirar os seus olhos de mim enquanto terminava de servir um copo de bebida gelada para Saret. Franzindo então as suas sobrancelhas com preocupação e finalmente parecendo começar a levar a minha presença ali tão a sério que não mais eu podia dizer que isso o estava deixando contente.

— "Yura... o que afinal está acontecendo?"
— "Eu-... eu não sei se posso te contar tudo."

Meus dentes então trincaram como se eu ainda tivesse muita dificuldade para deixar a verdade sair. Quero dizer, mesmo sabendo que Rigur era meu amigo e que àquela altura provavelmente eu só iria poder contar com a sua ajuda abrindo todo o jogo, um lado meu continuava incerto do que iria acontecer se eu admitisse na sua frente que eu era um Vessel. E eu temia mais do que tudo que ele não iria gostar de saber... ou melhor, que ele iria deixar de gostar de mim quando soubesse.
Foi assim que muito dividido entre a minha necessidade e meu receio, meus dedos começaram a se contrair sobre o balcão quase arrancando lascas de madeira consigo. Não esperando eu, porém, que Saret -após dois goles de sua bebida- pudesse decidir respondê-lo em meu lugar sem muito mais delongar.

— "Yura é um Vessel, e há uma Oráculo na cidade tentando matar ele."
— "O-o quê!? E-espera aí... você... você está falando sério? Isso é sério?! Yura?!"

Rigur reagiu espantado! Dando alguns passos para trás como se não quisesse acreditar antes de então pular para frente e se jogar sobre o balcão me encarando alarmado! Enquanto eu por outro lado, sem mais escolha apenas aturei a sua agitação tomando um longo fôlego para poder respondê-lo, mesmo que com a minha voz ainda muito trêmula e incerta do que dizer.

— "E-eu... eu não sei o que te responder. Quero dizer, eu também não sei o que pensar. Mas sendo verdade ou não realmente há uma Oráculo-..."
— "Tsc, não precisa me dizer mais nada! Nem sei porque você ainda está aqui, se isso for verdade você tem que sair dessa cidade -agora!"
— "Rigur..."

Sua voz foi capaz de me tirar qualquer resto de reação que eu ainda poderia ter, no que o seu susto simplesmente pareceu se dissolver de sua face quando Rigur então bateu de forma assertiva com as suas duas mãos sobre o balcão, quase como se querendo me afugentar dali de dentro! Mesmo que eu por outro lado não conseguisse me comover com a sua agitação mais do que porém com a confusão que a sua reação me causou.

— "Eu não entendo, achei que você não gostasse de Vessels, quero dizer-... as coisas que aconteceram nos Desertos Profundos, os extermínios... você também estava lá!"
— "... Olha, Yura. É verdade que eu tenho péssimas lembranças do que aconteceu (e qual de nós não têm?), mas... você é meu amigo! E eu não vou abrir mão disso por um remorso sem propósito -eu não sou assim. Então mesmo que seja hipocrisia minha dizer isso, e mesmo que você possa ter tido de fato algo a ver com aquele dia, não me interessa, eu vou continuar querendo você vivo mesmo que metade dessa cidade passe a desejar o oposto!"
— "!!"

Aquelas palavras me atingiram -e me consolaram- de uma forma que eu nunca poderia ter esperado! Rigur não ia mesmo jogar nada daquilo contra mim?!
"M-mas... até mesmo eu quando soube acabei me culpando de alguma forma! Como ele porém pode tão facilmente se desviar dessa vontade?!"
Minha confusão pareceu apenas aumentar ainda mais, no que gradualmente um alívio também passou a me tomar por inteiro enfraquecendo os meus ombros e fazendo o meu corpo por fim relaxar sobre o balcão. Até o ponto em que um fraco sorriso se formou nos meus lábios, me incentivando a murmurar algo para ele em um tom libertador.

— "Rigur... obrigado..."
— "Não tem que me agradecer por nada. Afinal o que você esperava que eu ia dizer? Yura, você vivo me dá mais lucro do que morto! E-... quem mais poderia ser capaz de aparecer aqui para me distrair às 5 da manhã com uma história tão boa como essa? Seria uma mentira dizer que eu conseguiria te substituir -no pior dos casos."

Rigur ria de forma descontraída ao que eu também não fui capaz de esconder um riso de alívio, percebendo até mesmo no canto do meu olho Saret esconder igualmente uma agradável expressão por trás de uma nova golada de bebida enquanto nos ouvindo tranquilamente trocar palavras tão idiotas.
Só que mesmo que o clima da conversa estivesse agora mais leve após termos terminado de nos entender, Rigur pareceu não se permitir esquecer que minha presença ali ainda continuava tendo um propósito -me indagando ele  assim que o seu leve riso cessou.

— "Ok então, eu já entendi a razão por trás do seu desaparecimento nesses últimos dias. Mas termine de me explicar, afinal por quê mesmo que você sequer veio até aqui?"
— "Bem... a razão para eu ter que partir é justamente a razão que eu também tive para precisar vir aqui te ver."
— "Yura, Yura... Eu sei que às vezes eu te dou comida, mas eu não sou a sua mãe. Você não tem que ficar sempre me devendo explicações sobre o seu paradeiro -especialmente em uma situação grave como essa!"
— "Ugh, eu não vim te ver só por isso! R-Rigur, a verdade é que eu-... quero dizer, v-você por acaso ainda se lembra daquele Skrea que esteve andando comigo nos últimos dias?"
— "Aquele mal-humorado que não gosta de ninguém muito perto dele? Sim. O que tem ele?"
— "Eu... preciso que você fique atento à qualquer informação sobre ele enquanto eu estiver fora. O nome dele é Damian. Qualquer coisa que você ouvir, qualquer boato sobre o paradeiro, sobre o estado dele, qualquer coisa!! Eu vou precisar que você arrume um jeito de me repassar isso! Por favor-...!"
— "Ei, ei!! Calma Yura! Até parece que a sua vida está dependendo disso!"
— "Eu-...!"

Ao ouvir Rigur dizer aquilo os meus sentidos simplesmente pareceram travar todos ao mesmo tempo em um misto de vergonha e frustração! Eu-...!
"Eu sei que minha vida não vai terminar mas... mas mesmo assim a sensação que eu tenho é exatamente essa. Essa sensação de que eu já estou muito cansado de perder as pessoas que eu não quero perder. Eu não-...!"
O peso daquela verdade pareceu então se forçar contra as minhas costas no que eu não tive mais como fingir não estar ali por outro motivo senão por puro desespero. Incapaz de olhar diretamente para Rigur ou Saret enquanto eles tiravam as suas próprias conclusões, no que de repente eu pude ouvir Saret suspirar quietamente antes de interromper o assunto com um tom totalmente indiferente à minha reação conturbada.

— "Ele se arriscou ontem para nos proteger de uma emboscada de Skreas e acabou ficando para trás para podermos fugir, desde então não temos informações dele. Por isso seria o mínimo tentarmos confirmar que ele continua bem depois do que fez."
— "Humph... eu entendo a situação. Claro, eu posso sim ficar de olho nessa informação para vocês dois e dar o meu jeito de avisá-los."
— "Obrigada."

Eu encarei Saret surpreso pela sua atitude, mas igualmente tranquilizado pela compreensão que ela teve comigo àquela altura. No que ela mesmo sem tentar ser muito simpática apenas me balançou a sua cabeça em confirmação, antes de voltar a se distrair com seu copo de bebida não dando uma segunda chance para nossos olhares se cruzarem após aquilo.
"Realmente, até que ela consegue ser uma pessoa legal quando ela tenta."
Meus pensamentos se viram forçados a admitir aquilo, percebendo que talvez não fora tão ruim assim ter permitido que ela viesse comigo-...

— "BAM!!"

De repente o som forte da porta da frente sendo quase arrombada nos fez saltar de nossos lugares! Alarmados, ao que minhas mãos prontamente tentaram alcançar o meu bastão não esperando que aquilo pudesse significar algo bom! Será que algum Skrea havia nos visto entrar!? Não, se tivessem então eles já teriam entrado-... isso quer dizer!? Era a Oráculo!? Ela havia me rastreado até ali!? Meus olhos tentaram assimilar aquilo enquanto eu, Rigur e Saret cautelosamente recuávamos ante a figura escura que adentrava por entre os fortes raios de sol que invadiam o recinto junto de seus passos lentos e pesados! Temendo identificar aquela pessoa não convidada como um inimigo, até que de repente-...!

— "Grrr! O QUE VOCÊS DOIS PENSAM QUE ESTÃO FAZENDO!?"

Ao ouvir aquela voz os meus olhos piscaram algumas vezes em perplexão e eu só pude congelar aonde estava, vendo aquela figura bruscamente fechar com força a porta, bloqueando novamente a luz do sol e, assim, me fazendo sentir uma fraqueza tão grande que até as minhas mãos soltaram a alça do meu bastão quando os traços irritados do rosto de Damian me encarando se tornaram distinguíveis naquela fraca iluminação natural que retornou ao recinto!
"E-ele... é ele mesmo!? Por Grivah, ele está bem-...!?"

Minha boca se abriu como se eu quisesse tentar dizer algo, mas eu só pude sentir um soluço mudo saindo de dentro de mim junto das lágrimas que quase escaparam involuntariamente dos meus olhos! No que não querendo correr o risco de pensar em mais nada e desabar por completo, eu apenas corri na sua direção ignorando aquela sua hostil expressão, e me atirando em seus braços como se nada mais importasse além de confirmar que eu não havia de fato o perdido para sempre!
"Não, eu não o perdi! Ele está aqui, de verdade! Obrigado Grivah! Obrigado por não ter tirado ele de mim também! Obrigado-...!"
Segurando-o com força, eu então escondi o meu rosto contra o seu peito com medo que aqueles sentimentos empilhados dentro de mim pudessem escapar com ainda mais força ao senti-lo tão perto mais uma vez! O seu calor, eu não estava imaginando coisas, era realmente ele quem eu estava abrançando!

— "E-ei...!"

Eu então ouvi a sua voz me chamar de um modo acanhado como se Damian não soubesse como agir entre o seu estado de fúria e o meu estado de desespero! Tentando ele segurar com força os meus ombros como se quisesse me afastar, mas, assim que o tentou fazer... e que os nossos olhos se encontraram por um momento terrivelmente silencioso... suas mãos então pararam de me afastar e apenas me puxaram de volta! Me envolvendo como se igualmente ele pudesse sentir um alívio inexplicável por me ter ali na sua frente e não estivesse pronto para abrir mão disso ainda! Deitando ele então a sua cabeça sobre o meu ombro e suspirando de um jeito muito cansado, no que eu pude sentir as batidas agitadas de seu coração contra o meu gradualmente diminuindo até ele parecer se acalmar...

— "Essa... eu jamais teria adivinhado, honestamente."

De repente a voz audível de Rigur me fez sair daquele transe impulsivo! Abrindo os meus olhos em choque e rapidamente me lembrando que não estávamos sozinhos, no que eu tentei me soltar de Damian mais rápido até do que ele próprio me soltou no susto! E me virando para Saret e Rigur, que fixamente nos encaravam do balcão, tentando explicar essa cena para eles como uma criança desesperada que mal conseguia acertar as suas próprias palavras!

— "Espera! Rigur! I-isso não é o que está parecendo!"
— "Amm, isso não tem como parecer qualquer outra coisa Yura, sinto muito. Você acabou de se entregar na nossa frente."
— "Ugh, não! Isso tudo foi só uma confusão, ele-... eu-...!"
— "Estão afim um do outro. Só não entendo ainda como isso é possível, quero dizer, eu acabei de ver mas... logo com um Skrea? E você?! Isso está tão além dos meus poderes de compreensão..."

Rigur cruzou então os seus braços balançando a sua cabeça de uma forma negativa sem porém perder um malicioso e irônico sorriso que tão mal contrastava com a sua expressão ainda levemente inconformada. O que não foi o caso porém de Saret, que por sua vez voltou apenas a dar as suas costas para mim enquanto complementando aquele momento vergonhoso com algumas palavras extras, pouco antes de voltar a dar mais atenção ao seu copo de bebida do que à minha acidental humilhação que mal parecia impressioná-la de fato.

— "... Eu já suspeitava."

Eu terminei de me sentir destruído pelos dois quando Rigur então balançou a sua cabeça concordando com ela, antes de decidir pegar um copo e igualmente se servir uma bebida quase como se depois daquela cena ele não fosse mais capaz de querer passar o resto do dia sóbrio.
Não me dando eles com isso mais nenhuma atenção digna do meu desespero, no que Damian por outro lado, parecendo indiferente à conclusão daquela nossa exposição após o susto de termos sido vistos, apenas suspirou novamente de uma forma cansada e me puxou pelo braço de volta para o seu lado, me indagando ele com uma reação um tanto frustrada.

— "Esqueça eles. O que eu preciso saber agora é, por quê só vocês dois estão aqui?! Onde está aquele maldito, não me diga que!?"
— "Gale? Ele está bem, ele já deve ter-... essa não, Ebraín também já deve ter à essa altura acordado e notado que sumimos, Saret!!"
— "Mas o quê você-...!? Espera, não me diga que vocês propositalmente se separaram deles dois!!"
— "..."
— "Grrr... Você não tem jeito mesmo!! Não acredito que foi só eu me afastar para você voltar a fazer tantas idiotices! Honestamente, Skreevah não podia ter me dado tarefa pior do que ter que cuidar de alguém como você...!"
— "Mas eu precisava vir aqui! Damian, eu não ia conseguir sair dessa cidade sem saber se você também tinha ficado bem!!"
— "Você queria ter certeza de que eu estava bem!? Então seguisse o plano e ficasse perto daquele humano desgraçado até eu conseguir encontrar vocês de novo!! Estou a noite toda tentando despistar aquele grupo de Skreas e você se separa da única chance que eu tenho de-...!"
— "Damian...?"
— "Tsc, esqueça. Isso não é um problema seu, apenas... não acredito que vou ter que me expor mais ainda para garantir que você saia dessa cidade antes de eu poder resolver o todo resto! Proteger você é pior do que ter que proteger os meus irmãos quando eles estavam viciados em sentimentos!!"

Damian me encarou muito irado! No que eu apenas abaixei a minha cabeça e o ouvi obedientemente, indeciso se eu me sentia feliz por estar ainda podendo receber uma bronca dele, ou intimidado pela sua dura expressão que não mostrava sinal de suavizar! No que pelo canto da minha visão eu pude notar os outros também timidamente tentando fingir que não faziam mais parte da mesma cena que nós dois. Inutilmente procurando não se intrometerem nos assuntos de um Skrea furioso, até que Rigur enfim não conseguiu mais esconder a sua personalidade enxerida e comentou alto para quem quisesse ouvir os seus provocativos pensamentos.

— "Uau, é mesmo impressionante ver o Yura tão passivo diante de uma bronca dessas... Quero dizer, única vez que eu o vi fazer isso foi quando Sáshia brigou com ele aqui na boate na frente de todos! Mas depois dela eu honestamente duvidei de que iria haver outra pessoa capaz de deixar ele tão quieto assim, ESPECIALMENTE sendo um Skrea!"

Eu e Damian não fomos capazes de simplesmente ignorar Rigur falando aquelas coisas, no que assim que porém eu me voltei para o Skrea à minha frente ele sem explicação decidiu me soltar como se ouvir aquilo o tivesse feito enxergar a dureza da sua própria atitude. Voltando Damian então a se concentrar mais na sua disciplina do que nos seus difíceis humores como se algum gatilho simplesmente revertese-o à uma postura mais Skreana do que ele costumava ter comigo. Em uma reação que eu não muito entendi, afinal eu não consegui perceber o que exatamente Rigur teria dito de tão impactante para fazê-lo à essa altura se incomodar, mas que claramente o fez desviar a sua atenção para o vazio do canto do salão com uma expressão distante e contida, se restringindo ele a apenas uma breve última ordem.

— "Já chega... Vamos logo vocês dois, eu vou escoltá-los de volta."

Ouvindo aquilo Saret então prontamente se levantou acenando a sua cabeça para Damian e logo após para Rigur, lhe devolvendo o copo vazio, enquanto parecendo sussurrar um breve agradecimento para ele antes de começar a andar até a direção da porta, no que eu enquanto isso tentava discretamente segurar a mão de Damian buscando a sua atenção só para percebê-lo recuar diante do meu toque, me dando ele as suas costas e esperando apenas que eu igualmente o seguisse.
"Mas o quê-...? O quê afinal está acontecendo com esse Skrea!? Desde a casa de Ebraín que ele começou a do nada me tratar dessa maneira!"
Minha confusão me tomou forte, mas não forte suficiente para eu não conseguir porém perceber Rigur de relance correndo às pressas atrás de nós como se tentando me dizer uma última coisa antes de partirmos.

— "Espera! Não vão ainda! Yura!"
— "O-o quê?"
— "Eu sei que você não vai mais precisar 'daquele favor', mas eu ainda posso te ajudar de uma outra forma. Sabe os Skreas de patente alta que aparecem por aqui? Mesmo que talvez eu não consiga tirar nada de útil deles, eu ainda posso manipular os boatos que chegam até eles. Afinal sabe como é, mesmo que você vá para além dos Desertos Profundos não dá para garantir que os Skreas não irão tentar de algum modo te seguir."
— "! Você faria isso Rigur?"
— "Tsc, mas é claro que sim! Só que para isso eu vou precisar saber com quem manter contato enquanto você estiver fora, para poder desviar a atenção deles para a direção certa."

Falando aquilo Rigur então me passou um papel e um lápis, no qual eu prontamente anotei o nome de Ebraín e seu endereço -mesmo que ele não fosse voltar tão cedo para sua casa eu sabia que, ao menos, pelo nome já seria fácil de localizá-lo. Devolvendo para ele então o papel com um aceno de minha cabeça, e um grato sorriso que fez Rigur me retribuir em igual otimismo -independente da gravidade do momento-, apoiando ele então a sua mão sobre meu ombro de uma forma que ele tão raramente se dava ao trabalho de fazer, e me sorrindo por uma última vez antes de por fim me deixar ir. Mesmo estando ambos cientes de que, pela incerteza do destino, o nosso próximo reencontro poderia ser uma possibilidade tão distante que sequer nossas duas perspicácias juntas seriam capazes de agora voltar a idealizá-lo.


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