— "Haaah..."

Minha única reação foi respirar aquele ar aliviado, como se todos os nossos problemas por um instante sumissem de vista, encobertos pela luz forte daquele radiante pôr do sol que eu nunca imaginei um dia se tornar tão reconfortante assim para mim quanto estava conseguindo ser agora. Afinal, estar finalmente do lado de fora significava -contra todas as minhas expectativas- que eu estava conseguindo, mais uma vez, escapar por muito pouco daquela Oráculo!
"Acho que Grivah realmente gosta de mim."

Mas, por mais que eu adorasse ficar apreciando minha própria sorte, não era como se também pudéssemos já dizer que estava tudo terminado. Não, sequer estava... sentindo o excesso de areia sobre o meu manto foi que então eu o tirei, sacudindo-o instintivamente por saber que se fosse preciso voltar a correr por essas ruas eu não iria poder ter as minhas roupas pesando sobre o meu corpo e me atrapalhando. Voltando a envolver aquele manto novamente pelos meus ombros antes de finalmente tentar olhar melhor os arredores, procurando entender aonde afinal estávamos -e se realmente tínhamos ou não algum tempo de sobra para ficarmos ali parados.
"Ebraín disse 40 metros... a quantos metros será que devemos estar agora da Rua do Alquimista?"

O pequeno corredor de prédios onde nos encontrávamos não me passava uma impressão diferente das ruelas e menores becos espalhados por todo o resto da Citadela, porém, apenas por julgar a curta altura das construções ao nosso redor e a falta de qualquer sinal de vida foi que logo eu consegui perceber que não estávamos também tão longe assim de onde deveríamos. O chão não era mais feito de paralelepípedos e não era possível ver madeira nas estruturas dos prédios, mas as paredes feitas rudimentarmente de pedra conseguiam exalar de suas velhas rachaduras uma sensação única de décadas passadas que apenas as mais antigas construções mantidas no interior da cidade seriam capazes.

"Pelo estado destas construções acho que nos movemos para o leste... mais para dentro da Citadela do que antes estávamos. Só que não vejo nenhum sinal das muralhas ainda, então não devemos sequer estar perto ainda do Gargalo."
Eu analisei os arredores não muito tranquilizado, mas um pouco satisfeito ao menos, por suspeitar que havíamos seguido justamente para uma direção que os Skreas não costumavam tomar -o que era o mínimo para eu acreditar que iríamos mesmo conseguir fugir deles. Porém, enquanto eu me contentara em apenas deduzir tudo aquilo, a voz de Damian por outro lado falhou em demonstrar a mesma paciência, questionando Ebraín apressadamente enquanto que o resto de nós ainda parecíamos precisar daquele breve momento de descanso para respirar fundo.

— "Ei, onde estamos exatamente?"
— "Se não me engano devemos estar há alguns blocos de distância da minha rua, seguindo para leste. O necessário para ao menos termos saído do raio de detecção daquela Oráculo."
— "Leste..."

Damian então levantou sua cabeça por um instante como se parecesse tentar pensar em algo que estava muito além da minha capacidade de percepção. Encarando ele os céus como se buscasse por alguma coisa, e logo então se virando agilmente para a continuação do corredor no qual estávamos sem conseguir demonstrar uma expressão muito agradável.
"O que será que está se passando pela cabeça dele?"
Eu o observava fixamente, ao contrário dos outros que pareciam indiferentes à sua movimentação, notando eu, a sua figura gradualmente ser acertada pela luz quente do sol que se punha a oeste, à medida em que ele foi se afastando das paredes verticais que nos ocultavam. Ao que seu corpo ficou inteiramente coberto pelos mesmos tons de laranja que me lembravam os potes de barro que os mercadores levavam consigo, ao cair de cada noite, como um sinal de um mal pressentimento que eu só terminei de compreender quando então ele retornou para o nosso lado nos alertando!

— "Não vai demorar muito mais para escurecer. É provável que a Oráculo retorne para o Capitólio assim que anoitecer, mas não confio que os guardas farão o mesmo. Quando esse sol sumir, com certeza seremos pegos."
— "Se for assim eles não terão como nos achar -não sem o auxílio dela. As ruas onde estamos são antigas, elas funcionam como um labirinto de becos. Isso nos dará cobertura suficiente para-..."
— "Somos os únicos andando por essas ruas em um bom raio de distância, estamos mais desprotegidos aqui do que você imagina velho. Então não pense que a falta dela irá dificultá-los em alguma coisa. Ela vai dar a ordem, e eles vão nos caçar com muita eficiência, especialmente quando escurecer e vocês se tornarem ainda mais lentos para se mover. Eu já fiz parte de uma patrulha noturna, e eu sei bem como vocês ficam em desvantagem no escuro."
— "Em outras palavras então, você está afirmando que se continuarmos nestas ruas será só uma questão de tempo para sermos capturados?"
— "Na melhor das possibilidades, sim. Caso Skreevah ainda nos permita ter algum tipo de vantagem antes desse sol terminar de se pôr."

Ouvindo preocupado aquela firme e inclemente troca de palavras entre Ebraín e Damian, eu pude vê-los rapidamente aceitarem em suas faces a certeza de que estávamos ainda sob o claro risco de sermos encontrados! No que eu, tendo as minhas dúvidas, me coloquei entre os dois indagando Damian.

— "Espera, mas a Ala Oeste é muito grande! Eles não saberão sequer por onde começar a nos procurar! Não podemos também ignorar isso-...!"
— "Não é verdade... quando saímos do alcance da Oráculo ela não pôde saber para onde estávamos indo, mas pôde saber a direção que tomamos. Então eles sabem exatamente por onde começar a nos procurar."
— "Tsc, então como iremos sair dessa?!"
— "Talvez... nos abrigando em algum lugar longe daqui. Mesmo que eles não desistam dessa busca durante toda a madrugada, sem a Oráculo, eles não vão ter como dizer se somos nós entre os outros Humanos dentro de alguma construção. Mas para isso dar certo não podemos ser encontrados antes... eu ainda não percebi nenhuma presença além da nossa por aqui, mas não sei quanto tempo... Velho, quanto tempo você acha que aquela Feiticeira foi capaz de nos conseguir?"

Damian então voltou a questionar Ebraín. Tocando ele, porém em um assunto que nenhum de nós estávamos ainda muito confortáveis para sequer ousar pensar novamente a respeito, à medida que nem mesmo EU consegui colocar a minha compreensão quanto à natureza insensível dele, acima do peso de sua pessimista insinuação a respeito de Sal. O que me fez querer desviar amargamente os meus olhos de sua figura -mesmo sabendo bem lá no fundo que ele não dissera aquilo por mal- enquanto que Saret e Ebraín por sua vez sequer tentaram esconder dele a irritação em seus olhares. Reagindo Ebraín àquelas palavras com uma resposta firme mas igualmente ácida.

— "Sal seria capaz de atrasá-los pelo tempo que precisássemos! Então a verdadeira pergunta a ser feita é, por quanto tempo você acha que os SEUS amigos tentaram aguentar, até perceberem que não seriam capazes de passar por ela?"

Damian apenas olhou de volta para Ebraín, sem reação, aparentemente incapaz de saber como respondê-lo pois não mais o assunto estava racional da forma com a qual ele sabia lidar. No que, enquanto eu podia senti-lo se perder em seu próprio silêncio ante aquele questionamento, Ebraín aproveitou a chance para igualmente distrair Saret e eu daqueles pensamentos terríveis.

— "Estávamos com muita pressa antes para eu poder lhes garantir isso, mas confiem em mim. Ela só ficou para trás porque sabia que era capaz de atrasar aqueles Skreas -e eu a deixei ficar porque tinha certeza disso. Sal e eu passamos grande parte da nossa vida lidando com situações como essa, e ela sempre foi muito boa em conseguir nos tirar delas. Então eu garanto a vocês dois, ela está bem -até mais do que nós 3 no momento."

Eu ouvi aquelas palavras tentando assimilar cada fragmento da convicta esperança de Ebraín, quase como se à essa altura a minha capacidade de sentir isso por conta própria tivesse se tornado ínfima demais para funcionar sozinha. Quero dizer, eu sabia que Sal era uma feiticeira muito forte e capaz de fazer coisas que eu nem imaginava serem possíveis no passado! Só que... por mais que eu soubesse disso, e por mais que eu confiasse muito em seus poderes, acho que eu apenas não conseguia esquecer do quanto aquela Oráculo esteve nos últimos dias roubando todo o meu otimismo... Por culpa dela eu senti a proximidade da morte muito mais intensamente do que eu havia me desacostumado a sentir, e eu não conseguia mais, por isso, subestimar o seu envolvimento... mesmo que ela própria -ou os seus soldados- não significassem problema algum para Sal.

"Eu sei que preciso, mas não quero também me decepcionar... eu não quero ser ingênuo e acreditar na melhor possibilidade quando-... quando até agora só o pior continuou acontecendo."
Meu olhar então foi até o chão, incapaz de fingir por muito mais tempo que eu estava conseguindo ter alguma confiança a respeito da segurança de Sal... preso, dentro daquele complicado dilema entre querer acreditar em Ebraín e simplesmente não conseguir. O que fez Saret, por sua vez, se aproximar do meu lado e simplesmente balançar a sua cabeça com uma cega determinação que não me fez o menor sentido! Ela tinha mais razões do que eu para não ter mais qualquer confiança nas nossas sortes, e mesmo assim-...!

Era como se não houvesse uma lógica sequer em seu olhar, nada, senão apenas o claro medo pelo pior reluzindo através do tremer de sua pupila, e o cego desejo de não se deixar mais ser dominada por isso se tornando visível através da sua expressão -mesmo que, assim como eu, ela também tivesse sido uma vítima das ações doentias da Oráculo. Sendo que vê-la ter aquela atitude, uma que eu sequer naquele momento estava tendo a coragem de ter, me fez enfim perceber... o quanto eu estava me sentindo estranhamente admirado pela sua força pela primeira vez na minha vida. Desistindo assim de minhas próprias inseguranças e apenas balançando a minha cabeça de volta para ela, no que Saret estivera seriamente me encarando por estes breves segundos esperando que eu -assim como ela- desistisse logo da minha ousadia em querer continuar pensando o pior! Assim como Ebraín, que por fim nos sorriu com maior tranquilidade.

— "Isso mesmo, tenham fé na mestra de vocês dois. E não nos amigos desse Skrea que sequer deveria de estar aqui-..."

Quase como se incapaz de continuar mantendo porém a sua postura racional enquanto ouvia Ebraín dizer o que queria, Damian rosnou, finalmente explodindo em um rompante!

— "Grrr! Já chega! Diga o que quiser sobre mim, mas nunca, NUNCA MAIS ouse insinuar que aqueles Skreas eram meus amigos, Velho! Você não faz ideia do que está dizendo e eu não vou relevar isso novamente só porque você é um Humano ignorante!"

Ebraín ao ouvir aquilo se voltou então para Damian com uma aura assustadora, ainda calmo, porém claramente decidido a não deixar um Skrea ter a última palavra tão facilmente assim -mesmo que eu acredite que isso sequer fosse mais relevante para a nossa segurança do que agora estava sendo para o seu próprio orgulho.

— "Ahem, me perdoe por isso. 'Amizade' de fato não é um termo popular para a sua raça... acho que eu deveria de ter dito 'lealdade' não é mesmo? Afinal não importa quão sincera está sendo a sua boa vontade no momento, todos os Skreas sempre terminam ficando do mesmo lado -o lado que for contrário aos Humanos."
— "O que você quer insinuar com isso?"
— "Exatamente aquilo que você entendeu. Não pense que eu aprovo a sua presença aqui porque eu confio em você, ou porque acredito que não foi você que trouxe aqueles Skreas até nós! Você só continua aqui conosco porque na emergência eu precisei de alguém capaz de arrastar Yura à força para fora daquela casa. E porque eu continuo precisando priorizar a segurança desses dois acima das minhas próprias vontades pessoais."

Ebraín pareceu acusar aquilo olhando de lado para Gale, tão rápido, que eu não saberia dizer se aquela indireta também servira para ele ou não. No que Damian por outro lado pareceu ignorar completamente a maior parte daquela opinião como se ela não o surpreendesse em nada, antes de, porém, demonstrar sua irritação sobre uma única questão em particular.

— "Humph, quantas vezes você ainda precisa que eu diga? Eu não tive nada a ver com o surgimento daqueles Skreas na sua porta!"
— "Não importa quantas vezes você continue afirmando isso, eu não vou parar de suspeitar das suas reais intenções! Afinal aquela Oráculo sabia que você estava conosco -e isso me diz muito mais a respeito da situação do que as suas palavras conseguem me dizer."
— "Tsc, ela pode ter me seguido de alguma forma... mas não foi com o meu consentimento! Não pense que eu tenho interesse em deixar que esses dois sejam pegos por ela!"
— "Isso pode até ser, e é apenas por isso que eu ainda continuo considerando a sua utilidade acima das minhas suspeitas -afinal Skreas não são conhecidos por mentir. Mas não vou só por isso deixar também de duvidar das implicações por trás da sua presença aqui. Afinal, mesmo que até o seu desejo de ajudá-los seja sincero, ele não será relevante quando aquela Oráculo lhe ordenar algo -e se isso acontecer, quando acontecer, por Grivah! Tomara que você não esteja mais em nossa companhia porque eu sei exatamente qual será o final dessa história."
— "..."

Naquele mesmo momento eu pude ver Damian então se calar como se não houvesse mais nenhuma palavra, nenhuma capacidade dentro dele de encontrar algo que merecesse ainda ser dito. Diferente de Ebraín porém, que mesmo diminuindo o seu tom à medida que a fúria de Damian se aplacava, não parecia ainda sim satisfeito para encerrar as coisas por ali.

— "Então me diga Skrea, você ainda acha que por alguma razão eu devo considerar tratá-lo como alguém digno da minha confiança?"
— "... Não."
— "Ótimo. Então não espere que eu o faça mesmo que os outros possam escolher pensar diferente. Afinal, para o bem de Saret e Yura eu não vou mudar de opinião. E até nossos caminhos se separarem, espero também que você comece a ter mais tato com as suas próprias palavras pois eu não vou também ficar relevando-as só por você ser um Skrea impetuoso."

Com aquelas palavras duras Damian apenas fechou a sua expressão contendo consigo sua incapacidade de refutá-las... mesmo que por outro lado eu ainda acreditasse que ele pudesse SIM ser muito mais do que apenas aquela imagem de Skrea que inicialmente eu também estive impondo contra ele!
"Grrr... Ebraín não tem o direito de tratá-lo tão mal!"
Meu corpo tentou porém se segurar para não se manifestar a respeito daquilo, sabendo que esticar tal discussão não iria levar-nos a lugar algum -Ebraín estava muito intransigente no momento para eu poder convencê-lo do contrário. No que do nada a voz de Gale resolveu se pronunciar do meu lado, em um tom totalmente oposto ao clima pesado que se formou entre nós 5.

— "Ótimo, todos concordamos em não confiar no Skrea. Podemos então sair daqui? Eu gostaria de continuar vivo até amanhã."
— "Grr, e você não se precipite em achar que conquistou esse direito!"

Damian rosnou de longe para ele segurando seu impulso como se um chispe de sua energia escura escapasse por entre seus dedos! Sendo aquilo porém ignorado por Ebraín, que apenas cruzou os seus braços voltando-se então para o resto de nós um tanto pensativo... e reticente em responder Gale sem acabar expondo demais sua própria conturbação a respeito daquilo.

— "Bem, mesmo sem o Skrea por perto ainda está sendo difícil para mim conseguir decidir o que fazer agora a respeito de vocês 3. Não que eu aprecie ter que ajudá-lo Gale, mas dentro da possibilidade de você ser um Vessel eu me sinto infelizmente na obrigação de garantir a sua segurança também... coisa que você não merece de fato, depois de tudo o que já fez contra as pessoas dessa cidade."
— "Eu nunca fiz nada contra as pessoas dessa cidade, elas é que continuam aceitando fazer as coisas que eu proponho -é um pouco diferente."
— "E qual comentário esperto você teria a fazer sobre os inocentes? Aqueles que jamais concordaram em se envolver nas coisas que você e sua gangue fica aprontando por aí!? Você sequer já chegou a considerá-los!?"
— "Tanto quanto eu até agora tive tempo livre para poder fazer isso."

Gale respondeu Ebraín da forma mais desdenhada possível, no que eu podia dizer com seu mero sorriso que ele de fato não se preocupava com essas coisas -afinal, ele também não tinha qualquer tempo livre mesmo. Fazendo Ebraín recuar ante a impossibilidade de acusar Gale após aquela dúbia resposta, dando então espaço para que Damian -agora mais calmo- interrompesse os dois com seu resiliente discernimento que continuava sendo posta à prova por ambos.

— "Tsc, não temos tempo livre para continuar discutindo. Você já sabe ou não afinal para onde irá levá-los, Velho?"
— "Ahem! Não exatamente, a Clínica é um local seguro para Saret e Yura, mas... Gale não pode vir junto. Talvez eu possa levá-lo de volta até a sua gangue-..."
— "Enquanto Yura estiver nessa cidade eles não devem ser afastados. Achei que você já tivesse entendido isso quando eu falei mais cedo."
— "Tirar Yura da Citadela à essa hora não é tão simples assim, estamos cercados por um enorme deserto! E para alcançar qualquer caravana de partida antes de anoitecer teríamos que ir para os portões da Ala Oeste, acabaríamos esbarrando com todos os Skreas dessa região de uma só vez! Se tiver que ser assim eu precisarei então fazer isso com calma, contatar pessoas, arrumar uma passagem segura para ele..."
— "Coloque-os em um abrigo temporário, longe das Avenidas, e aproveite a madrugada para fazer isso. Mas assim que amanhecer é melhor ele estar longe porque a Oráculo vai voltar a procurá-los pessoalmente, e ela vai conseguir encontrá-los antes que você esteja preparado."
— "Eu posso tentar mudá-los de lugar durante o dia para confundir ela."
— "Isso não vai impedi-la. Existem relíquias de rastreamento no Capitólio. Elas não são mais poderosas do que as usadas pelo Grande Conselho, mas depois do que aconteceu hoje eu duvido muito que ela não irá usá-las para garantir a captura do Vessel que ela está obcecada em eliminar."

Damian falou aquilo fechando então sua expressão para Gale, que o respondeu com um sério olhar sem discordar ou concordar com suas palavras. Mas igualmente, parecendo também não subestimar a sua própria situação, mesmo que ele não fosse ainda admitir que estávamos todos certo sobre ele ser de fato um Vessel -afinal, independente do seu desejo de negar aquilo ou do meu desejo de descobrir que todos estavam errados a nosso respeito, continuávamos não podendo rejeitar que o perigo era real e que ele não dependia das nossas vontades para existir. O que fez Ebraín pensativamente voltar a nos responder, após notar aquele pesado entreolhar entre nós 3.

— "Se você está certo disso, então acho que não há mesmo outro jeito... Até onde exatamente o alcance dessas relíquias chegam?"
— "Não tenho certeza, mas acredito que as maiores cobrem todo o perímetro da Citadela. De acordo com os nossos registros, originalmente elas eram usadas pela minha raça em cada uma das cidades principais para manter uma vigília interna durante os extermínios. Já quando se trava de buscas que fossem além das nossas cidades, eram utilizadas as relíquias exclusivas da Fortaleza."
— "Humph, o que quer dizer que eles possivelmente não estariam seguros sequer em outras alas... Certo, parece que não há outra maneira mesmo. Eu irei fazer contato com uma amiga que mora nos limites dos Desertos Profundos -ela entenderá a urgência. E se as aves mensageiras não tiverem problemas pelo caminho, talvez consigamos uma resposta dela até antes da próxima manhã."
— "Que seja então, mas encontre um lugar seguro para escondê-los até lá -e não os separe até que Yura possa partir."

Damian ordenou apontando o seu dedo para Gale e eu de uma forma bem incisiva, o que fez com que nós dois nos entreolhássemos sem muito saber o que dizer senão apenas continuarmos escutando eles enquanto incapazes de darmos opiniões melhores do que um Skrea e um Humano que viveu sua juventude protegendo Vessels poderiam dar. Sendo que Ebraín, por sua vez, pareceu apenas suspirar ao encarar Gale novamente com um incômodo que o fazia parecer perder grande parte de sua própria confiança no momento.

— "Haah, arrumar um lugar seguro para os dois passarem junto a noite será difícil... Eu não confio em deixar o Yura ser acolhido por pessoas dispostas a protegerem Gale, e ao mesmo tempo, as pessoas em que confio, a maioria recusaria Gale mesmo que o pedido visse pessoalmente de mim."
— "Não me importa, enquanto eles estiverem no alcance daquela mulher esse maldito será a única forma de desviar a atenção dela da presença de um Vessel primário -a única garantia que você terá de sucesso se precisar fugir com Yura por uma segunda vez."
— "Saiba que considerar sacrificar um Vessel para manter o outro vivo não é o tipo de tática que eu uso."
— "Essa é a única razão para esse maldito ainda estar aqui vivo. Então ou você mantém eles juntos para o bem de Yura, ou eu resolvo o seu dilema matando ele aqui mesmo e agora. Não lhe darei uma terceira opção -e definitivamente não tente me convencer a criar uma."
— "Humph."

Ebraín então voltou pensativamente o seu olhar para Gale como se cuidadosamente ponderasse aquilo. Sabendo eu que ele não iria considerar a ideia de usar a vida de Gale como escudo tão profundamente quanto eu porém seria capaz de considerar -e rejeitar-, ao que antes mesmo que eu pudesse terminar aquele pensamento ele já se decidira a respeito! Balançando sua cabeça em concordância e então voltando a sua atenção mais uma vez para Damian com uma resposta que não parecia em nada encontrar qualquer dificuldade para ser afirmada.

— "Tudo bem. Mas se for assim acho que não terei outra opção... eu não queria recorrer a isso mas, existe um lugar longe de Skreas que eu sei que aceitará abrigá-los pelo menos por uma noite sem fazerem muitas perguntas."
— "Não diga mais nada. É melhor que eu não saiba onde fica."
— "Certo. Garotos, vamos então... precisaremos cruzar essas ruas para o norte até a região vizinha antes desse sol terminar de se pôr. De lá eu deixarei vocês dois e levarei Saret para a clínica comigo. Já você, Skrea-..."
— "Eu só vou acompanhar vocês até o limite das Escadarias, por segurança. E de lá eu sigo para o lado oposto -não precisa se preocupar."
— "Pelo menos sensatez é um traço que nossas duas raças têm em comum. Se então todos concordamos, vamos andando! O mais rápido que conseguirem, enquanto ainda temos alguma luz no céu!"

Ebraín falou aquilo decidido, apontando então o seu dedo para o corredor de prédios à nossa frente e logo apertando o seu passo, no que brevemente Saret também começou a acompanhá-lo, imitando o seu ritmo mesmo que seu corpo parecesse ainda ter alguma dificuldade em fazê-lo.
Foi aí que eu apenas pude me virar para Gale, curioso quanto a se ele realmente estava aceitando apenas seguir com aquele plano que praticamente o trataria como dispensável. No que ele em retorno sorriu para mim tranquilamente sacudindo os seus ombros, antes de também apertar o seu passo sem parecer querer se dar ao trabalho de pensar muito nisso -afinal, acho que para ele, garantir a sua sobrevivência pelo momento já bastava. Me fazendo então suspirar, tentando ignorar que nem ele a extensão daquela ideia antes da a voz de Damian com pressa me chamar.

— "Yura? Vamos."