Não foi mais do que uma questão de segundos para que logo após o primeiro estrondo, nós então testemunhássemos grande parte daquele 5º andar desabando junto com quase todo o 4º andar que mal se sustentava sob ele! Ruindo disformemente sobre as danificadas vigas de madeira, ao que no romper errado de uma delas grande parte então da estrutura pareceu se inclinar justamente na nossa direção!
Sumindo em meio à cortina de cinzas que nos atingiu antes dos escombros, ao que eu fiquei estático naquele chão com a certeza de que a avalanche de detritos seria a próxima a nos acertar -e por isso, eu só pude fechar os meus olhos!
Ouvindo o estrondo das pedras, e o tremor do desmoronar delas em dueto com o som distante dos gritos de pânico das pessoas que também estavam na rua principal -sendo elas possivelmente atingidas também pelos escombros que eu apostava estarem caindo para todos os lados!
Me atordoando naquela mistura de medo e incapacidade de ver o que estava acontecendo, no que eu tentei cobrir a minha cabeça antes de então uma mão surgir do nada e me puxar com vontade pela cintura -para trás-, forçadamente me levantando daquele chão em recuo!!

Eu não tinha como ver o que estava acontecendo! Apenas deixei que aquela mão continuasse a me puxar sem me preocupar em imaginar à quem pertencia, no que o som das pedras acertando o chão daquele telhado me fizeram andar sem ter como prever se o próximo baque iria ser contra o meu corpo -como saber, se até em uma tempestade de areia eu conseguia enxergar melhor do que agora!?
Tossindo sem conseguir mais uma vez respirar direito por conta do calor que exalou daquele prédio, no que eu só fui me dar conta de que paramos quando então eu percebi que estávamos já do outro lado da beira daquele telhado! Me fazendo virar apreensivo para a direção daquele prédio que ruía sobre si mesmo, até por fim conseguir perceber no dissipar da poeira o resto dele (com muita dificuldade) ainda se sustentando sob não só as fortes chamas do incêndio, mas também, agora sob o peso de dois andares completamente arrasados!

E com aquilo -aquela certeza de que as coisas se acalmaram por um instante- a minha atenção então se voltou (um tanto atrasada) para a pessoa que estivera me segurando protetoramente na beira daquele prédio sem saber muito mais para onde ir.
No que eu não me surpreendi em nada ao perceber que era justamente Damian que estava ali comigo, já que eu havia sentido assim que paramos o ferro frio da lâmina de sua cimitarra encostando contra as minhas costas desprotegidas sem que sua mão parecesse pretender soltar qualquer um de nós dois.
Só que se era ele que estava comigo, então-...

Meus olhos preocupadamente se voltaram para todos os lados, em alarme!
"Onde-... Onde está o Gale!?"
Eu senti o meu peito se acelerar quando por fim notei a sua ausência!! Tudo que eu via -enquanto a nuvem de poeira ainda se assentava- eram escombros queimando na outra beirada do telhado!

— "GALE!!?"

Minha voz o chamou alto! Sem conseguir esconder o meu pânico, até por fim ver com isso um monte de cinzas ao lado de algumas rochas quebradas tentar se erguer em meio à elas! Tossindo e empurrando alguns escombros para o lado, no que no instante que Gale tentou se apoiar em seu braço para se levantar, a sua voz então escapou em um protesto de dor fazendo-o mais uma vez cair sobre aquele chão -ou melhor... sobre o corpo de Saret! No que nisso eu finalmente entendi que ele tivera se arremessado sobre ela para tentar protegê-la das pedras!

"Essa não!! Ele se machucou!"
Sem pensar muito eu me soltei de Damian! Correndo até Gale sem me importar se havia ou não um Skrea vindo logo atrás de mim, enquanto que minhas pernas automaticamente pulavam por sobre aqueles pedaços de pedra jogados pelo caminho até enfim eu conseguir me atirar mais uma vez no chão e me debruçar sob o seu corpo! Ajudando-o a se levantar, no que ele também não perdeu tempo nenhum para aceitar a minha ajuda!

— "Yura... Você está bem?..."
— "Sim. Mas e você-...!?"
— "Tsc... Está tudo bem, só pegou no meu braço."

Gale me disse aquilo inclinando então sua cabeça para um pedaço razoável de pedra que estava largada muito próxima do corpo de Saret. Tentando tocar em seu braço com um pouco de receio, ao que mesmo sem eu sentir qualquer hemorragia interna eu podia chutar que algum osso dele tivesse sido atingido com vontade.
Só que de pouco serviu para Damian porém aquele momento meu de preocupação com o estado de Gale -afinal, do que serviria mesmo? No que ele então surgiu por trás de mim e falou com frias palavras que ignoravam a desconfortante dor no olhar de Gale, mas não a iminência do resto daquele prédio que sabíamos que iria em algum instante terminar de desabar estando nós 4 ali ou não!

— "... Já chega, eu vou acabar logo com isso de uma vez. Assim que esse prédio terminar de cair aquela Oráculo deve querer verificar os arredores. E você e eu precisaremos já estar longe daqui quando isso acontecer."
— "Espera, DAMIAN!!"

Mais uma vez eu então tentei me atirar na frente de Damian para impedi-lo de chegar até Gale! Não sei exatamente por qual lógica eu decidi fazer aquilo senão puro instinto mas, logo que o fiz, pude então sentir em resposta a mão boa de Gale me puxar para o lado! Tomando ele próprio um passo para a frente, sem parecer se importar com a proximidade que a lâmina da cimitarra estava agora de seu corpo.
E nisso eu hesitei. Porque afinal, até onde eu queria tentar me indispor com Damian só para poupar Gale de algo que ele mesmo já estava preparado para arcar? No fim das contas, era apenas eu a pessoa ali que não tivera se preparado para esse fim, dentre nós 3.

Porém, sem que eu tivesse um segundo qualquer de oportunidade para presenciar a conclusão do inevitável -que nas mãos de Damian realmente não dependia de mais do que um segundo apenas para ocorrer-, uma voz inesperada então surgiu em meio àquele clima de forte tensão! Fazendo-nos todos virarmos em surpresa para o esquecido corpo de Saret, se debruçando em alarde sobre o piso arenoso do telhado enquanto tossia fortemente como se tentando buscar por um ar mais puro que até então seu corpo não tivera tido como inalar!

— "SARET!!"

Eu e Gale simplesmente esquecemos de Damian e corremos em sua direção aliviados -no que possivelmente até mesmo ele se sentiu perplexo, já que Damian não se aproveitou da nossa distração para ir até o fim de sua ameaça! Não, ele apenas ficou ali parado, nos observando. Aturdido provavelmente pelo mesmo choque que eu e Gale sentimos, e que ele por consequência não conseguiria deixar também de sentir.
E graças àquela oportunidade foi que então Gale e eu às pressas focamos apenas em amparar o corpo de Saret! Ajudando-a a se levantar enquanto que ela mordia os seus lábios em resposta ao toque de nossas mãos, já que claramente o seu corpo tivera se machucado muito mais do que o nosso no fogo! Precisando ela própria com isso de um tempo, até conseguir se sentir miseravelmente confortável em sua própria dor para enfim nos olhar com uma inesperada confusão.

"Espera, não me diga que ela não-...? Não, talvez ela só esteja tentando entender como foi que chegou até aqui. Ou talvez ela esteja em choque-..."
Nossos olhos se cruzaram em uma ambiguidade tão grande, que eu não tive outro instinto senão o de acreditar naquilo. Acreditar que Saret estava ainda demorando para se recordar de cada pequeno infortúnio que se seguiu após os escombros desabando sobre Minka. Já que eu a vi precisar piscar umas 4 vezes os seus longos cílios pretos para mim antes de então os seus olhos finalmente se abrirem em desespero e ela começar a empurrar nós dois para longe!
Agitadamente esquecendo toda a dor em seu corpo, e se virando freneticamente para os lados como se buscando por algo que ela não havia ainda conseguido encontrar! Isso... até então por fim os seus olhos finalmente notarem a cena daquele 4º andar que quase não mais existia intacto, hesitando por um instante sem conseguir acreditar!

— "Minka?... MINKA!!? Aonde ela está!??"

Saret gritou se virando para nós dois com imensa inquietação! Obrigando Gale a por fim segurá-la em seus braços com força até que ela pudesse se acalmar e me olhar nos olhos! Me olhar, e encontrar enfim estampado em mim aquela profunda tristeza que palavras não seriam capazes de expressar... mas que o seu coração mesmo assim ainda seria capaz de entender -porque ele já sabia a resposta.
Tremendo com seus olhos avermelhados pelas lágriamas que não queriam cair, até que então graças ao balançar da minha cabeça eles por fim se fecharam incapazes de suportar o óbvio!

"Ela está morta, Saret..."
Minha mente profanou aquilo que eu não tive a coragem de dizer -nenhum de nós na verdade teve. Me prendendo em um incomodado silêncio, até que os olhos de Saret mais uma vez se arregalaram em espanto e ela encarou as suas mãos em terror!
Ah, finalmente esses sentimentos complexos que nem mesmo eu consigo fingir suportar.
Nessas horas a minha indiferença por ela não tem como significar nada. Porque estamos ligados por esse elo. Esse temor que temos daquilo que somos, coisa que as pessoas normais jamais terão como compreender. Então eu não consigo. Eu não tenho como não fingir que sei pelo quê ela está passando agora, como se esse problema não fosse meu também!

E sendo assim eu pousei então as minhas mãos sobre as delas -tentando esconde-las de nossos olhares- e chamando a sua atenção sem honestamente saber o que dizer para faze-la se sentir melhor. Honestamente, não havia nada que eu pudesse dizer.

— "Saret..."
— "..."
— "Eu sinto-... eu sinto muito."

Saret mais uma vez mordeu os seus lábios como se tentando suportar uma avalanche de sentimentos que aquela minha afirmação trouxe mais uma vez de volta para o seu desestabilizado coração, abaixando a sua cabeça e deixando que sua pesada franja escura tapasse os seus inconsoláveis olhos.
Tencionando os seus ombros e levando por fim as suas machucadas mãos até o seu rosto, em uma tentativa de esconder de todos nós ali o quanto o arrependimento de um ato sem escolha a estivera sendo capaz de perfurá-la por dentro. Até que por fim o seu corpo não mais aguentou, vacilanco por sobre o braço ainda bom de Gale como se o peso daquela horrível realidade estivesse agora todo sobre os seus frágeis ombros.

E assim, nós 3 não fomos capazes de fazer mais nada por ela senão ficarmos em silêncio (incluindo Damian). Observando-a quietamente perder todas as suas forças de uma só vez, até que um perigoso estalar das madeiras vindo do resto daquele prédio nos aturdiu em alerta! Como um prenúncio do perigo que ainda não havia passado, no que até mesmo Saret decidiu encarar com imenso receio o que restara daquela estrutura!

— "Não... Não!! O corpo dela ainda está lá! Eu não posso deixar-...!! Eu preciso tirá-la de lá! Eu não posso abandoná-la!!"

Sem nenhum aviso Saret então se levantou correndo diante da imagem do prédio quase por uma segunda vez tentando desabar! Esticando um de seus braços em sua direção como se querendo alcançá-lo, no que instintivamente Gale e eu pulamos sobre ela para impedi-la de dar mais um passo adiante -não sabíamos o que ela iria tentar fazer, mas não estávamos dispostos também a descobrir!
Não, eu não estou disposto à essa altura a deixar Saret se matar mais uma vez!! Nem eu, e pelo visto nem Gale!! No que imediatamente nossos olhares se cruzaram em um tom de urgência, junto aos contínuos estalares das vigas de madeira lentamente se rompendo e cedendo mais uma vez -tirando de nós quase todo o tempo que poderíamos ainda ter para sairmos dali em segurança!

— "Temos que sair daqui Gale!!"
— "Eu sei disso!"

Gale me disse aquilo com certa dificuldade de conter Saret usando apenas um braço, ao que ela tentava se debater entre nós dois agitadamente, até por fim uma ameaçadora levantada de sua mão na nossa direção fazer Gale instintivamente soltá-la! Com muita destreza levando a sua mão até um dos bolsos de sua cintura, e tirando um pano de dentro que ele no mesmo segundo pressionou contra o seu rosto!
No que quase como mágica, Saret então congelou os seus movimentos no meio do caminho e começou a amolecer sobre suas pernas. Perdendo a noção de seus pensamentos, até os seus olhos se fecharem por uma segunda vez e eu preicsar me atirar às pressas sob ela em uma tentativa de evitar sua violenta queda contra o chão!
"Tsc, ele podia ter avisado antes de fazer isso!!"

Eu pensei um tanto frustrado, sem porém ter tempo de dizer qualquer coisa já que em uma questão de segundos nós ouvimos então o resto daquele prédio começando a ceder junto à uma nova cortina de poeira ganhando forma e vindo na nossa direção!
Nessa mesma hora eu pude sentir Gale então se abaixar para tentar me ajudar a tirar Saret dali! Ao que com a dificuldade de só conseguir usar 1 braço, e de eu também não ser a pessoa mais forte entre nós dois, acabamos sendo muito menos ágeis do que Damian por outro lado! Que se meteu no nosso meio e facilmente ergue Saret por sobre o seu ombro! Carregando-a para fora dali sozinho, antes dele se virar para as nossas caras de surpresa e gritar irritado!

— "Parem de perder tempo e andem logo!! Temos que sair daqui AGORA!"

Seu alerta me fez retomar instantaneamente a noção de perigo! Ao que eu então me estiquei para recolher o meu bastão que estava ainda jogado no chão, e me voltei logo em seguida para o Gale, para dar algum suporte ao seu corpo e conseguirmos ambos sair dali o mais rápido possível!
Com isso nós corremos juntos até as escadas externas daquele prédio sobre o qual estávamos, antes que o resto das pedras desmoronando pudessem atrapalhar a nossa fuga e nos prender ali -tão próximo do alcance ainda da Oráculo e de todos aqueles Skreas!

Eu não estava disposto a correr aquele risco, assim como eu sabia que Damian ou Gale também não estavam dispostos (não era incomum à nenhum de nós 3 o receio de cruzar com a Oráculo)! Descendo todos aquelas escadas às pressas, ao que os nossos breves tropeços pelos degraus em meio àquela nova cortina de poeira -que por fim nos alcançou-, e aos tremores do prédio desabando, eram compensados pela determinação mútua entre mim e Gale de não deixarmos um ao outro para trás!
Especialmente não agora, que enxergar o caminho voltara a se tornar um desafio e Gale tivera que passar a depender dos meus poderes de rastreamento que estavam totalmente focados em Damian, e na direção pela qual ele estava seguindo!

Chegando todos com isso -enfim- até o térreo, no que naquele mesmo segundo em que Gale e eu pisamos aliviados no chão de areia batida do beco lateral, a voz de Damian então mais uma vez nos chamou!

— "Não parem! Precisamos sair desse perímetro antes do prédio terminar de cair, ou eles vão conseguir nos encontrar!"
— "Tsc, detesto ter que seguir ordens desse Skrea..."
— "Se tiver algum problema com isso maldito, então eu posso te matar, largar essa aqui pelo caminho e voltar a me preocupar só com a Odalisca! Vai ser bem mais fácil para mim até!"

Mesmo que Gale tivesse me sussurrado aquilo, Damian -com sua ótima audição- ainda sim fora capaz de ouvir a sua incomodada reclamação! Ameaçando-o no que Gale engoliu com certa raiva as suas palavras e voltou a se focar no caminho diante de nós.
O mesmo caminho que os seus e os meus olhos não conseguiam visualizar ainda, mas que mesmo assim ele fielmente seguiu com as suas pernas! Acompanhando os meus passos sem questionar, ao que aquela não iria ser a primeira vez que ele tivera que depender dos meus poderes para conseguirmos encontrar o nosso caminho pela Ala Oeste!
E nisso nós dois seguimos no rastro de Damian -que manteve um ritmo aceitavelmente rápido para termos como também acompanhar. Nos afastando ao máximo da rua principal, até enfim chegarmos em um beco ermo e sem muito espaço. Desprovido até mesmo da luz do sol, que parecia desistir de tocar o chão chegando só até na metade das altas paredes cercando o nosso arredor.

— "Tudo bem, onde então você pretende deixar essa humana? Eu quero tirar logo esse problema do meu caminho, antes dela decidir acordar por uma segunda vez."
— "!! Ah-..."

Aquela frase de Damian me pegou um pouco de surpresa, ao que mal estávamos eu e Gale ainda nos recuperando e ele já resolveu abordar uma questão que a minha cabeça sequer tivera tido tempo para pensar! Olhando um pouco perdido para eles dois sem boas respostas, antes do próprio Gale nos cortar e dar um passo afrente. Tomando ele a dianteira daquele assunto.

— "Heh, então eu não entendi errado pelo visto. Naquela hora em que você se aproximou no telhado para pegar ela, e me ignorou... Eu sabia que houve uma boa razão para você não me matar bem ali, e acho até que já sei qual é. Você precisa de mim para garantir que ela fique apagada, não é isso?"
— "Sim, mas não subestime demais essa sua sorte também. Você vai morrer de qualquer forma, só que eu prefiro fazer isso depois que essa humana deixar de ser um problema meu."
— "Será que não é você que está subestimando a sua sorte? Eu poderia achar uma forma de fugir com o tanto de chances que você está me dando hoje."
— "Fique à vontade para tentar. Mas aí será ela que eu vou matar no seu lugar."
— "Claro, assim como você fez com o Yura naquele dia? Haha. Se eu não caí na primeira vez que você usou esse blefe, então o que te faz achar que agora eu vou cair?"
— "Humph, não se esqueça de uma coisa só. Quem está com dificuldades em se manter agora de pé é você, e não eu."
— "Tsc, é, eu não teria como me esquecer disso. Mas ainda sim não gosto de deixar que um lixo de Skrea pense que pode me controlar como bem entende. Se eu for fazer algo, será porque eu quero, e não porque eu tenho medo de você."
— "E é por isso que você então também não tentou correr ainda?"
— "Eu quero me garantir tanto quanto você que ela e o Yura cheguem até um local seguro. E depois disso, podemos terminar de acertar as nossas contas."
— "Então estamos acertados."
— "Sim... muito para o meu desgosto, estamos."

Damian e Gale trocaram aquelas palavras como se farpas estivessem sendo usadas em seu lugar. Desferindo conclusões com tanta agilidade, que eu mesmo tive dificuldades para acompanhá-los -se bem que eu não tinha como esperar algo de diferente deles dois também.
Engolindo silenciosamente o meu desconforto em saber que Gale só continuava ali vivo ao meu lado, para mais tarde morrer -no que Damian estava certo. Gale estava tão debilitado e com dor, que eu não tinha como acreditar que ele iria mais sair dessa... Nem mesmo se a BlackHole tentasse intervir -já que ninguém lá era páreo para um Skrea como Damian. Ou nem mesmo se eu decidisse tentar. Porque afinal, proteger Gale significava o mesmo que machucar Damian, e eu não ia ser capaz de aceitar fazer uma coisa dessas. Não agora com tantos sentimentos por ele se intrometendo dentro da ousadia de eu cogitar tentar fazê-lo!
No que então eu me calei. Abaixando um pouco a minha cabeça e engolindo aqueles meus inúteis pensamentos, antes de Gale receosamente apoiar seu queixo com a mão e o esfregar por alguns segundos enquanto encarando o caminho pelo qual viemos.

— "É... Mas mesmo assim eu não tenho ideias."

Suas palavras quebraram o aborrecimento em meu olhar, no que então eu o encarei tentando entender o motivo de sua frase. Fazendo-o instantaneamente se dirigir também a mim, e ignorando mais do que com prazer a contínua expressão irritada de Damian para ele.

— "Antes do incêndio, quando estávamos só nós dois e a garota, eu cheguei a pensar em levá-las até a BlackHole para elas ficarem seguras. Pelo menos só até a poeira abaixar, mas... não pretendo mais fazer isso, especialmente com você e esse aí junto."
— "Não brinque comigo, você ia levar uma Feiticeira direto para as mãos da sua gangue!? Como isso é 'ficar seguro'!?"
— "Ninguém lá sabe que ela é uma Feiticeira, e eu não pretendia deixar que soubessem. Devo à ela esse favor, e mais alguns outros que pelo visto não vou poder pagar..."
— "Gale..."
— "Só que eu não estou disposto a correr esse risco mais. Especialmente sabendo que você e 'esse aí' vão estar na minha cola. Não tem como os meus Homens, ou o seu grupo de Feiticeiras reagir tranquilamente quando virem nós 4 batendo na porta deles. Afinal, se você também tiver cogitado a sua Clínica então é melhor desistir. Duvido que você terá forças para levá-la até lá sozinha, assim como permissão para levá-la acompanhado."
— "Tsc..."

Eu engoli minhas palavras ao que Gale se adiantou à elas. Mas ele estava certo. Realmente eu não ia ter como conseguir carregar Saret muito longe por conta própria, ou de modo seguro antes dela talvez acordar mais uma vez -eu precisava da ajuda dele e do Damian. Assim como Gale não iria conseguir fazer nada sozinho sem Damian segui-lo. E assim como Damian não iria se dar ao trabalho de fazer nada por conta própria já que o único humano pelo qual ele estava disposto a realmente fazer algo, era eu. Estávamos então os 4, presos uns aos outros. E por consequência disso limitados também para onde poderíamos conseguir ir.
Ao que a Clínica até que não era uma ideia tão ruim assim -já que Gale não iria sobreviver mesmo para poder repassar a sua localização para o resto da BlackHole. Se não fosse porém o fato de Damian estar igualmente junto, e dele ser um Skrea.

A raça dele não se agradava muito às nossas medicinas alternativas, e por mais que eu soubesse que Damian não iria dar importância para isso, como porém eu iria convencer Sal e as meninas já que aos seus olhos ele continuava sendo um Skrea!? No que dependerá delas, a minha confiança em Damian jamais vai poder passar por cima do meu dever de proteger a Clínica! Sendo que, se eu não o fizer, Sal então definitivamente o irá fazer no meu lugar... e com muito mais severidade.
"Não, pense Yura! Pense em qualquer outro lugar! Talvez a Boate?... Não, não só é um longo e arriscado caminho, como também não iríamos ter medicamentos direito para cuidar dos ferimentos de Saret lá. No meu apartamento também não possui nada para tratarmos ela. O melhor seria um Hospital mas, os Skreas não abrem facilmente suas portas para os Humanos. E duvido muito que Damian iria topar se expor (e se indispor) com a sua raça só para poder TENTAR ajudá-la. Sendo assim..."

Só há um lugar sobrando para onde eu posso levar ela em segurança. Continua não sendo um bom lugar para Gale e Damian aprenderem sobre, mas talvez seja o menos pior dentre todos... Afinal ele é perto o suficiente para conseguirmos carregar Saret sem exigir demais da resistência do corpo dela, ou da sorte de termos ela ainda desacordada. E lá eu sei que ela vai ter como ser tratada imediatamente. Assim como ser vigiada, e ter algum conforto para conseguir descansar até ser capaz de acertar os seus pensamentos... Tudo isso, em troca apenas de talvez eu ter que me expor à uma situação que até então eu tentei evitar a todo custo -a situação de ter que explicar para Ebraín porque afinal eu estava andando por aí acompanhado não só do líder da Black Hole, como também de um meio-Skrea!
"Tsc, não tem outro jeito, Ebraín é minha melhor (e única) solução nesse momento."
Eu então por fim estremeci sabendo que a vida de Saret merecia valer muito mais do que um mero receio de encarar aquele momento que eu mesmo trouxe para mim! Engolindo com isso a seco minhas apreensões, e falando em alto e bom som para eles dois antes que eu mesmo pudesse recuar da ideia!

— "E-eu sei de um lugar... E ele não é muito longe daqui, um lugar seguro para Saret ficar."

Aquelas palavras remoeram na ponta da minha língua com um pouco de arrependimento, antes que eu me permitisse terminar de dizê-las em uma falsa sensação de determinação. Sendo porém ignorado por Damian e Gale, que passaram por cima do meu claro incômodo e se recompuseram esperando que eu direcionasse para eles o caminho que iriamos então tomar.

— "Tudo bem. Mostre a direção."
— "... Certo."

Eu balancei minha cabeça para Damian tomando com isso a frente dele e de Gale. No que naquela altura eu sequer mais me preocupava em dar as costas para eles dois -não havia porque eu me preocupar, mesmo que o clima de animosidade continuasse já que eles por conta própria acertaram os seus próprios termos.
Me permitindo dessa forma focar apenas em levarmos Saret por entre aquelas ruas que se distanciavam mais e mais do inferno que abandonamos para trás. Não temendo os Skreas que falharam em perceber os nossos rastros mais do que porém os olhares de estranhos que poderiam surgir agora durante todo aquele caminho até a rua do Alquimista.

Olhares capazes de nos ligar àquele incêndio do qual escapamos. De nos acusar, por claramente termos abandonado tantas outras pessoas -mortas e vivas- sozinhas às vontades da Oráculo. De nos julgar, por estarmos andando junto a um Skrea, e, acima de tudo, de nos comprometer caso acidentalmente revelassem para quem não deveria o fato de que 3 humanos e 1 Skrea estiveram passeando pela escuridão de becos que apenas os ratos conheciam. Cansados, machucados, e desprotegidos contra os perigos dos quais fugiram, até por fim pararem -claramente exaustos- sobre aquele solado de madeira velha que pertencia à casa de ninguém mais do que o velho Alquimista da Ala Oeste, Ebraín.