O cara da sala ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 9
Capítulo 8




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Meu eu interior queria agradecer Alex pela tacada perfeita de simular que estávamos tendo algo. Por outro lado, minha razão se negava à criar um plano desses apenas para que eu saísse bem disso tudo.

Ryan é apenas um cara que esteve comigo e está — ou sempre esteve — com Seline. A vida continua. Não foi nada grave. Ele não terminou um noivado comigo. E já passou da hora de eu trazer Jonathan para o presente.

Quando Diane chegou, uma hora depois, devido à problemas familiares, Alex e eu já havíamos conseguido um bom material e o dispensei para o almoço. Minha garganta estava dolorida demais para que eu pensasse ou quisesse comer.

A voz da chefe chamou por mim quando o elevador se abriu, revelando apenas a silhueta de Ryan que me olhou e eu recusei fitá-lo de volta, entrando na sala.

 

— Anna, está tudo bem? — Será que Diane percebeu? Ah, não, ela olhou o lenço que estou segurando por causa dos espirros.

— Sim. Precisa de alguma coisa? — Espirrei. Droga!

— Onde está Alex? — Colocou seu óculos com uma armação grossa e escura. Eu usaria.

— Foi almoçar, tentou te esperar, mas eu disse que poderia ir. Quando ele voltar, eu vou, se você deixar...

— Não, menina, você vai para casa assim que ele chegar. Podemos lidar com uma tarde sem os seus serviços e Jennifer dá conta, tenho certeza.

— É minha primeira semana, Diane... — Encarei meus pés depois de um longo suspiro.

— Por isso mesmo. Eu sei como é essa carga sobre você e não posso deixar que trabalhe assim. Não queremos oferecer esse tipo de trabalho. Vá para casa e descanse, se estiver bem amanhã, venha... Do contrário, nos vemos na Segunda. — Sorriu.

— Obrigada. Obrigada! 

— Ok, então termine suas coisas e melhoras, querida.

 

Seu tom foi tão maternal que me deixou emotiva. Saí da sala com um sorriso que se desmanchou um pouco ao ver Ryan cruzando minha mesa, outra vez, e dessa com a câmera em mãos. Seu olhar estava com um parcela de rigidez, como se me questionasse sobre o que viu antes de sair, mas não tinha nada à esconder, literalmente, deixando que ele me olhasse o quanto quisesse.

Se eu pudesse fazer um pedido, seria o de sua sala ser mais distante do meu território, mas o que uma novata pode pedir?

Deixei Jennifer no comando do andar — e do bebezão que Alex é — e me arrastei até em casa. O clima daqui é um pouco mais frio ou o dia está me parecendo o mais frio de toda a minha vida. Febre. Não poderia pedir nadinha a mais.

Lancei meu corpo ao sofá, depois de achar perdido, na cozinha, uma cartela de remédios para dor e febre. Obrigada Rachel por me salvar sem saber. Ainda há um buraco no meio do teto da sala — que se eu me esforçasse, poderia ver o andar de cima —, mas já não chove dentro. O que é ótimo, porque não estou fisiologicamente preparada para dormir com alguém ou por um acaso dividir a cama de alguém com Seline.

O dia caiu rápido e um total de zero mensagens e ligações entraram no meu celular. Tirando as notificações sem sentido do Facebook, avisando coisas que eu não tinha interesse em saber, ninguém lembrou de mim. 

Decidi checar a rede social porque não conseguia fazer nada, senão mexer minhas mãos e meus olhos, já que o resto do corpo havia desistido de mim. Uma das notificações era de postagens no grupo da Glam e, por fim, minhas fotos ou as fotos do mural da vergonha da Anna estavam lá. Como eu estava tensa como aquela noite começou... E como tudo foi ficando mais fácil quando notei que as pessoas estavam ali por mim e interessadas no que eu tinha à dizer.

É claro que todas aquelas pessoas estavam lá para rir de mim, também, mas se reuniram por minha causa e criaram uma noite minha. Há quanto tempo eu não tinha algo assim? Como foi bom ser apenas eu, sem me sentir inferior por ter um noivo que parecia perfeito e me preocupar apenas com o que meu coração queria dizer. E ele disse muito.

Caretas, risos, drinks... Era impressionante como Ryan me fez parecer bem em todas. Deslizei o dedo com um pouco de velocidade procurando o elemento surpresa que eu sabia que existia, mais ou menos. Nossa foto estava lá. Nosso sorriso, também. Apesar do dia estranho, nada transparecia ali, éramos apenas duas pessoas em um bar e que se conheciam. Simples. Como tudo deveria ser.

Em menos de uma semana, já era impossível calcular quantas fotos esse cara tirou de mim e quantas fotos temos juntos. Três? Quatro? E fotos minhas, publicadas ou não, quantas devem ser?

Minha mente tenta contar, mas se perde. Seu desejo por tirar fotos minhas é algo surreal. É como se ele não quisesse mais perder meus traços, já que o fez meses atrás, mas isso é loucura. Seu riso satisfeito ontem demonstrava que eu estava dando justamente o que ele precisava. Onde vai colocar e por que o faz? Não sei, mas eu gosto de deixá-lo feliz, mesmo que isso implique em mostrar meu rosto para uma câmera.

Ontem foram duas, eu acho. E isso porque eu o freei. Sua proximidade e respiração me deixaram com uma espécie de dormência mental que se eu deixasse a cena se estender, não sei até onde poderia ir. Posso lembrar do seu sorriso tão perto do meu, dos seus lábios tão bem preenchidos e rosados e da sua respiração tensa, esbarrando seu quadril no meu. Onde isso nos levou da última vez? Beijos!

Fecho os olhos tentando me lembrar do seu gosto e imaginar o que poderia ter acontecido na noite anterior, quando a campainha faz um barulho tão alto e estridente que eu rolo do sofá ao chão, me embolando na coberta, criando um sushi de mim.

Droga de buraco, esse barulho esquisito é sua culpa. Aposto que o vizinho de cima até percebeu que eu caí.

Tento me desfazer da coberta e do cabelo que grudou no meu rosto e abro a porta, assoprando uma mecha que voltou para o meu nariz.

E claro que é Alex.

 

— Que barulho foi esse? — Olhou para dentro do apartamento sobre meus ombros. — O teto está caindo de novo?

— Eu caí. Do sofá. — Tentei parecer séria, mas sentia meu cabelo emaranhado, me tornando uma piada.

— Você não pode ser real. — Gargalhou. — Escuta, eu pedi uma pizza, quer um pedaço? É melhor você não cozinhar, vai queimar o andar.

— Ha. Ha. Sim, eu quero. Obrigada...

— Deve estar subindo aí. — Apontou o elevador com a cabeça.

 

Esperamos o entregador subir e enquanto abria sua mochila para entregar a pizza do Alex, tocou a campainha do apartamento de Ryan.

Ótimo. Mais coisas em trio por hoje!

 

— Vai comer pizza? — O moreno ergueu as sobrancelhas para mim.

— Sim e você também. Bom apetite. — Disse enquanto segurava a pizza para Alex pagar.

— Vou, mas não sou eu quem estou gripado. Isso não vai te ajudar em nada, a não ser ter mais dor de garganta. Tomou seu chá? — Ah, agora ele está preocupado comigo?

— Ninguém me deu e eu não tenho disposição de ir até o mercado, agora. 

 

Ryan desapareceu por um instante com sua pizza, deixando a porta aberta e jogou dois saquinhos de chá na mão de Alex.

 

— Cuida melhor da sua garota. 

— Obrigado, cara. Quer entrar e comer com a gente? — Alex questionou.

— Estou esperando visitas. Se cuida, Anna.

 

É claro que ele está e eu não precisava pensar muito para imaginar quem fosse.

Aceno com a cabeça, agradecendo o que parece uma preocupação — um pouco tardia — e Alex toca minhas costas, sinalizando que era hora de entrarmos.

 

— Não quero que ele pense que temos algo... Até porque deve estar estampado que não quero nada com ninguém. — Suspirei.

— Você prefere que ele te mostre que superou vocês dois enquanto você fica para trás, sofrendo por ele?

— E se eles forem só amigos? — Encolhi os ombros.

— Anna, por favor! E eu também não quero nada, você é minha amiga. Daqui uns dias desmentimos ou "terminamos". Qualquer coisa, mas agora é necessário. Sou homem, eu sei. — Se lançou à cozinha, pegando pratos como se estivesse em casa.

— Senhor conhecedor dos homens, por que ele me deu chá, então? — Abri a caixa da pizza e me sentei pela primeira vez frente ao balcão.

— Pode ser tanta coisa. Tipo se mostrar melhor que eu, estar com ciuminho, querer te confundir. Ele pode até se importar de verdade com você, mas ainda vai jantar com ela, então o que importa?

— Você tem razão. Eu que sou boba demais e desaprendi tudo sobre homens. Fico fantasiando coisas que não são... 

— Logo você volta ao jogo, só tem coisa demais na sua cabeça. — Me apontou quando espirrei. —  Saúde! 

 

Conversamos sobre a Glam e seus romances, o que me fez relaxar sobre o homem ao meu lado. Não tínhamos nada em comum e ele não procurava nenhuma relação comigo, apenas queria me ajudar à me sentir melhor, de forma altruísta.

Debaixo da máscara dura, do jeito extremamente humorado e mulherengo, havia um amigo excelente.

É oficial, arrumei meu primeiro amigo nessa cidade.

E é muito possível uma amizade entre homem e mulher.

 

  ••• 

 

Acordo, outra vez, no sofá. O sol invade a janela da sala e aquece meus pés sob a manta que virou inseparável do meu corpo desde ontem. Corpo, esse, que não reage nada bem à nenhum estímulo.

Sem contar minha garganta que parece ter visto um ralador noite anterior.

Eu estou cem vezes pior e vou torcer muito para durar o resto desse dia.

Reúno um pouco de energia e encontro meu celular para espiar a hora. Já são três e meia da tarde. Dormi cerca de quinze horas. Quinze! Que tipo de urso eu sou?

Não há comida nenhuma na geladeira e se eu ver a causadora da minha dor de garganta, vou enlouquecer. Por sorte, quando crio coragem em levantar e me arrastar com a manta até a cozinha, noto a caixa de pizza transbordando na lata de lixo e lembro que Alex a terminou ontem enquanto eu me ajeitava para deitar no sofá, me recusando à ir para o quarto e escutar meu vizinho fazendo quem sabe o quê.

No entanto, os dois sachês de chá seguem na pia e isso é tudo com o que posso lidar. Volto com o líquido já pronto para o sofá e assisto todas as coisas que passam na TV. 

O buraco segue lá, horrível. Penso que Bob até deve ter tocado a campainha, mas desistiu depois de notar que eu hibernei aqui dentro. E se hoje é sexta-feira... Isso significa que o buraco vai permanecer ali até o próximo dia útil.

Até a casa resolveu ficar doente, também...

Quando a noite começou à cair, senti algo parecido à fome, mas só de pensar em descer para comprar ou encomendar e ter que sair do meu ninho, me deu muita preguiça. A melhor solução seria esperar Alex chegar da Glam porque, com certeza, ele adoraria resolver isso para mim.

Ou não.

 

Alex:

Reunião no Sparkles hoje, espero que esteja melhor. Beijos 18h32

 

Droga. Pense, Anna, pense.

Como não me surgiu nada melhor, tudo o que fiz foi esperar. Esperar até que eu tivesse muita fome e energia suficiente para lidar com isso. Meu celular tocou de novo e uma esperança ressurgiu em mim de que meu amigo falaria sobre estar trazendo comida.

 

Rachel:

Sexta à noite, no 802... ;) 19h19

 

Droga, droga, droga!

Eu não posso lidar com uma festa nesse estado. O pior é que não tenho como avisar o garoto disso. E se ele realmente vai dar uma festa por mim? E se ele vier me buscar e encontrar todos esses lenços nojentos espalhados aqui?

Vamos nos reorganizar...

Eu estou sozinha no andar.

Meus vizinhos provavelmente estão na reunião e no mesmo lugar.

Estou morrendo de fome.

Festas tem comida.

Mas eu preciso cancelá-la antes que aconteça porque estou doente.

Junto toda a bagunça que sou e me coloco de pé, calçando minhas pantufas de unicórnio e ajeito a calça de pijama listrada, na cintura. Minha regata branca se ajusta ao corpo, me deixando com frio e pego um cardigã vermelho sobre a mala antes de sair correndo para o elevador.

Após apertar o botão incessantemente, por fim o elevador se encontra no meu andar e subo ao de Kyle. Vibro de frio antes de tocar a campainha e penso que seria bom ter trazido a manta, mas eu já estou a versão humana do caos e se outra pessoa abrir a porta, vou pensar seriamente em me mudar do prédio.

 

— Anna, oi! — Abriu mais a porta enquanto me checava com um sorriso arrebatador. Tinha um pouco de confusão em seus olhos, o que era compreensível. — Sua festa não começou ainda, mas pode entrar.

— Então... — Não saí do lugar, mas coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha. — É sobre isso que vim dizer, se a festa for mesmo por mim, é melhor cancelar. Não estou nada... — Espirro. — Bem.

— Meu Deus, você parecia ótima na Quarta! — Colocou a mão sobre minha testa. Eu estava um pouco suada, pelo visto. — Não tem problema, eu cancelo já. Você está um pouco quente. Tomou alguma coisa? 

— Não... Podemos marcar para outro dia. Se você quiser, claro. — Dei um sorriso fraco. 

— Sem dúvidas, sua festa precisa acontecer. — Riu. — Entra, eu tenho alguma coisa para essa gripe toda. 

— Não quero dar trabalho para mais ninguém, Kyle... — Minha frase pareceu um gemido comparada ao eco que minha barriga fez.

— Entra ou eu te carrego aqui para dentro. E vamos dar um jeito nessa fome aí também.

 

Se eu escutasse meus pais, jamais entraria na casa de um cara que acabei de conhecer e que parece incrivelmente gentil, ainda mais estando tão doente, mas estou sozinha na cidade e, a cada dia, tratando de ouvir meus instintos. Kyle é um cara legal e está se oferecendo para me ajudar. Além do mais, Rachel saberia onde me procurar se suspeitasse que algo deu errado.

Dou alguns passos para dentro enquanto o moreno se divide entre fechar a porta e mexer no celular, provavelmente cancelando tudo. Contrário ao que pensei, não há bexigas, comidas e tudo que pareça uma festa espalhado por aqui, exceto um fardo de refrigerante próximo à porta. Seu apartamento tem uma cor variada à um amarelo pastel que quase não se vê, entre uma variedade de pôsteres de filmes e séries.

 

— Pode ficar à vontade, acho que tenho uma sopa aqui, vou preparar. — Apontou o sofá que ficava abaixo de pôsteres de Star Wars, Pulp Fiction e Iron Man enquanto entrava e falava alto da cozinha. — Sei que isso soa como se eu fosse um psicopata, mas minha irmã estava doente dias atrás e tive que deixar um arsenal de coisas aqui.

— Ela mora com você? — Olhei em volta, procurando toques femininos.

— Não... Mora em outro prédio, divide com uma amiga. Fica perto da faculdade e tal. — Conseguia ouvir barulhos de pratos e copos de fundo. — Mas vocês vão se conhecer logo, eu espero.

 

Me apresentar para a família? Bom sinal.

Kyle se distrai terminando a sopa e eu me cubro com o edredom que ele estava. Seu cheiro está grudado aqui e parece bom, apesar de meu nariz mal estar me deixando sentir alguma coisa. Minutos depois ele aparece com uma bandeja com sopa, água e uma cartela de remédios.

 

— Como vê, é Aspirina, não estou tentando envenenar você. Espero que a sopa esteja boa. — Riu, jogando seu corpo do meu lado no sofá.

— Eu sei, obrigada. — Sorri, apontando a tela da TV. — Se importa em dar play? Gosto de comer assistindo coisas e adoro Friends!

— Você gosta? Chegou na hora certa, então. Estou fazendo maratona. Minha irmã passou uns dias aqui e acabou me viciando nisso. — Pegou o controle, atendendo meu pedido.

— Você nunca viu Friends antes?

— Não... Isso é um problema, pelo que percebi. 

— Se não terminar essa maratona, talvez eu nunca mais fale com você. — Dei de ombros, brincando.

— E se você não colocar essa sopa para dentro, sua garganta não vai te deixar falar com ninguém por um bom tempo. — Piscou, aceitando a brincadeira e dando a primeira colherada na minha boca.

 

Nossa conversa se estendeu sobre variedades enquanto eu comia. Kyle parecia prestar atenção em todas as coisas que eu tinha à dizer, especialmente por eu estar um pouco rouca, eu acho. Durante aquele tempo, todas as piores coisas da semana haviam sumido da minha mente. Inclusive, até, me fez perceber que a primeira semana na cidade estava muito perto de terminar.

 

— Deixa eu ver se entendi... Você se mudou e na primeira semana conseguiu cair na própria mentira, cair numa revista importante, ser o coelho do ano e fazer a água do prédio cair toda em você? — Dizia ele entre risadas enquanto acabava com um saco de Doritos.

— E daí peguei gripe, estou quase morrendo, mas decidi passar minhas últimas horas contando minha vida à um estranho. — Levantei o dedo, sinalizando. — Sem estar bêbada.

— Isso é muito bom. — Fez uma pausa. — Agora... O que realmente te trouxe à essa cidade?

— Em resumo... Boas oportunidades, uma traição e um pé na bunda. — Poderia comemorar comigo mesma estar contando isso sem me sentir mal pela primeira vez. Parecia até engraçado, agora.

— Então, em resumo... Você está na cidade sozinha e solteira?

— Resumidamente resumido. É isso.

— Era tudo que eu queria saber.

 

Seu braço contornou meus ombros e me puxou levemente contra o seu peito, algo que eu não quis recusar. Descansei a cabeça ali mesmo e minha mão sobre sua barriga, após um breve suspiro.

No conto de fadas perfeito, haveria um beijo agora.

Já no meu, aquilo era tudo o que eu queria no momento.


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