Angels or demons escrita por Aline


Capítulo 8
Novo dono - parte I




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Não conseguia concluir uma razão, mas os fatos eram que Nickolas tinha a capacidade de criar em mim tantas emoções em tão pouco tempo que, com certeza, não era saudável. Nada nele era saudável. Nada do que fazia comigo era saudável ou bom ou, sequer, necessário. Ele parecia gostar de jogar comigo, como se eu fosse uma pequena bola que pudesse ser atirada para onde ele quisesse para depois, ordenar que regressasse, vezes sem conta.

Não sabia explicar o que o levava a me deixar em casa. Casa. Como se minha mente não estivesse confusa quanto a esse conceito. Fui abraçada por minha mãe e, depois por meu pai, e durante os segundos em que seus corpos estiveram em contato com o meu, a sensação de abandono desapareceu, apenas para retornar, mal me largaram, com ainda mais força. Como é que, em tão pouco tempo, alguém me poderia ter marcado tanto, especialmente alguém com Nickolas? Ele era sádico, desumano, cruel, arrogante, mas me fazia sentir segura e protegida, de um modo que nunca experimentara antes. Era estranho, arrepiante e ao mesmo tempo, reconfortante.

O olhos de Anthonny estavam em mim e tenho a certeza que um laivo de raiva pairava sobre eles. Talvez, noutro tempo, tivesse medo, contufo, depois de experimentar a ira de um demônio, o mau humor de um anjo não me parecia nada de temível.

— Para o escritório - ele ordenou, desviando o olhar e caminhando para o elevador. Segui-o, num passo confiante, ainda que perturbada pelo abandono recente. As portas de metal se fecharam, mas Anthonny continuou me ignorando. Não havia problema. Não importava, o silêncio era bem-vindo naquela altura em que as palavras pediam lágrimas que as ajudassem saindo.
Durante a subida do elevador, tentei colocar minha cabeça em ordem e analisar os fatos: Nickolas, por alguma razão desconhecida, me devolvera e eu, por outra qualquer razão também desconhecida, me sentia mal por isso.

Queria saber qual era meu problema, o que estava de errado comigo e, ao mesmo tempo, sentia raiva, me sentia traída porque pensava.. pensava que tínhamos "algo". Esse é o modo mais fiel de expressar o porquê de me sentir tão mal. Nickolas e eu tínhamos algo e esse algo, fosse o que fosse, não era compatível com o abandono supostamente. Era isso que me fazia sentir mal. Ele quebrara o nosso algo.

Quando o elevador parou, foi o vento que Anthonny fez ao passar por mim que me despertou. Fui atrás dele até a sala de paredes de vidro, tão limpa e imaculada quanto me lembrava e ainda mais fria.

— O que aconteceu: Por que é que ele não quis mais você? O que você fez? - disparou.

— Não fiz nada - respondi, sem emoção.

— Tem que haver alguma coisa! - Anthonny levou as mãos à cabeça, em desespero e começou a andar de um lado para o outro. – Mas você é sempre tão quieta! O que pode ter feito? - de repente, virou seu corpo para mim, seus olhos mais abertos do que o costume. – Ele usou você? Se alimentou de você?

Fiz o possível para não corar. Podia contar o que se passara mas agora que Nickolas já não estava ali, partilhar o momento mais intenso de minha estadia em sua casa era como me desfazer da única parte dele que ainda permanecia comigo. Estranho mas era assim.

— Se alimentou de mim, uma vez - acabei dizendo.

— Só isso?

Assenti com a cabeça.

— Então não percebo o porquê - Anthonny se atirou para a cadeira, do modo despojado que era tão habitual em Nickolas e tão estranho nele.

— Posso ir? - questionei.

Ele me estudou, por uns momentos, antes de responder:

— Sim, pode.

Sem esperar, virei as costas e saí. A vontade de chorar era tão grande! Mas não devia chorar. Conhecia o demônio há tão pouco tempo e eu não era fraca ou frágil. Não. Meus pais, Anthonny, os outros escravos pensavam assim mas eu sabia que não e, por algum motivo à qual era estranha, parecia me conhecer melhor do que o paraíso. Talvez fosse isso. Talvez eu pertencesse ao inferno. Talvez. Ia ter de esperar para confirmar isso porque eu ia fazer de tudo para mostrar pra todo mundo quem eu realmente era.

Dizem que a raiva é uma das cinco fases da perda. Eu assinava por baixo.

Foi com meu próprio pé e sem qualquer necessidade de encorajamento que me deixei conduzir por Anthonny até àquela habitação. Toda a raiva que sentia estava unicamente direcionada a uma pessoa e era, única e exclusivamente, a ele a ele que desejava ferir com aquele ato. Tinha dúvidas que resultasse, mas meu coração me garantia que sim e me dizia que o risco valia a pena.

O local onde este outro demônio vivia não possuía nenhum dos traços característicos da casa de Nickolas. Não era grande nem acolhedor, ou confortável ou apelativo. Era frio de um modo diferente da de Anthonny e sem aquela luz natural da mesma.

Estranhei o fato de não ter medo. Não tinha. Acho que a irritação e a vontade de ferir Nickolas eram superiores ao medo.

Quando Anthonny entrara no meu quarto, dois dias depois do meu regresso, dizendo que os Tronos já haviam decidido e que seria entregue a um outro demônio, nem sequer pestanejei, muito pelo contrário, meu olhos se esbugalharam com a possibilidade que aquilo me conferia. Era o tudo ou nada. Sim, havia uma grande probabilidade de tudo aquilo dar errado e eu acabar ferida e sozinha prisioneira de um demônio sádico. Rezava para que não fosse assim.

— Você está bem? Parece muito relaxada - comentou Anthonny, no caminho.

— Estou ótima - respondi, com confiança.

De repente, o anjo parou.

— Você mudou, pequena - ele disse, me olhando. ­­– Me pergunto o que terá ele feito com você para te deixar assim - numa carícia sutil, enrolou uma madeixa de meu cabelo em seus dedos pálidos. – Gostaria de ter sido eu a fazê-lo.

Engoli em seco. Antes de minha visita ao inferno, a mera possibilidade de Anthonny tocar em mim com um dedo era suficiente para fazer todo meu corpo vibrar. Agora, já não fazia nada. Nem pouco, mais ou menos.

— O Domínio Anthonny nunca desejaria chegar à devassidão de fazer mesmo que Nickolas - afirmei, olhando fixamente em seus olhos.

— Me chame apenas de Anthonny - ele murmurou. – Chama ele apenas de Nickolas. Por que não a mim apenas Anthonny?

Parecia sofrer, sofrer de um modo diferente a todas as forças de sofrer que eu já vira, no entanto, algo no modo como os seus olhos brilhavam me era familiar.

— Anthonny? - sussurrei mais como uma pergunta do que como outra coisa qualquer.

— Isso - num gesto tão simples e angélico com o ser que atuava, Anthonny tocou com os lábios nos meus, apenas por uns segundos, sem mais nada que não um toque suave, quase insensível. Fraternal, acima de tudo.

Não me despertava calor ou paixão ou tudo aquilo que os beijos de Nickolas faziam. Foi graças a esse beijo que todas as fantasias reminiscentes que meu subconsciente ainda possuía sobre Anthonny se evaporaram. Aquele fora um beijo... de irmãos.

O anjo desviou o olhar e bateu à porta que, imediatamente se abriu. Esperava encontrar alguém como Fontes, mas apenas o vazio nos recebeu. Anthonny não pareceu ter problema nenhum com isso e entrou como se estivesse em sua própria casa. O interior me surpreendeu.

Simples era uma palavra que não se adequava à decoração. As paredes eram douradas, cheias de quadros, esculturas, molduras e outro tipo de coisas, tudo altamente preenchido, mesmo que a junção fosse pesada e com pouco requinte. Entramos numa sala ocupada com muitos livros; armários, mobília, tudo e mais alguma coisa. Uma cadeira vermelha de veludo estava de costas para nós, mas não demorou muito para que se virasse, mostrando um demônio de cabelo pelos ombros, extremamente bem cuidado, emoldurando uma face magra e com pouco expressão.

Estava ricamente vestido, ainda que de um modo exagerado, e poderia ser facilmente confundido com um anjo, aliás, como qualquer outro demônio.

— Estava esperando pela vossa visita - disse ele, em uma voz fina, ainda que sensual. Se levantou em um salto felino e se aproximou de mim. Observou-me, muito atentamente, sem mostrar o que pensava. – Um ótimo espécime, sem dúvida. Perfeita para minha coleção. Fico com ela - se endireitou e colocou as mãos nos bolsos das calças de tecido roxo. – Como se chama, minha querida?

— Gabrielle, senhor - respondi.

— Gabrielle? Muito banal. Precisa de outro nome, bem mais exótico - levou um dedo ao queixo e começou às voltas pela sala. De repente, parou e olhou atentamente para Anthonny. – Você também seria um bom acréscimo à minha coleção - se aproximou do anjo. – Não estaria interessado em mudar de lado, anjinho?

Senti Anthonny enrijecer.

— Minha missão aqui está cumprida - disse. Olhou para mim e fez um sinal de respeito com a cabeça. – Fica bem, pequena.

— Gabrielle, - repetiu o demônio, com asco - Tão banal, precisa de algo com mais força! Com mais poder! - num gesto demasiado determinado voltou a se sentar na cadeira, com se tudo aquilo o aborrecesse e cansasse imensamente. Anthonny já tinha partido, me deixando sozinha com aquele demônio cujo nome seque conhecia. Mais uma vez.

— Posso fazer uma pergunta?

Demorou alguns segundos para que ele levantasse a cabeça e me olhasse com uma expressão surpreendida, como se fosse estranho eu falar. Acabou por acenar com a mão afirmativamente.

— Estou na presença de quem? - questionei.

Ele se levantou, num salto, como se toda sua vitalidade tivesse regressado.

— Peço perdão por minha falta de consideração. Meu nome é Avaritia, Guardião da Colina das Rochas - fez uma reverência pronunciada e um sorriso.

— Ganância? - perguntei, apenas para confirmar porque seu nome significava isso mesmo, ganância.

— De fato.

E estava explicado o excesso daquela casa.

— Quais serão minhas funções?

— Hmm, nada de mais. Acima de tudo, se mostrar a meus convidados que recebo com frequência. Desejo-os invejosos.

O olhar malicioso que me enviou a seguir foi apenas o começo. Uma hora depois de minha chegada, o cômodo onde eu passaria a dormir foi inundando por um grupo de almas humanas, de aspecto superficial e fútil. Me tocaram os cabelos e o rosto, enquanto diziam que aquelas eram as ordens do Guardião Avaritia, para me tornar mais bonita e espetacular. Um líquido escuro foi utilizado para me contornar os olhos, uma mouse suave para me avermelhar os lábios, um pó branco foi espalhado em meu rosto. Meu cabelo já não era crespo ou rebelde, mas antes cuidado e macio. Em pouco tempo, me tornei outra pessoa. Era isso que Avaritia desejava.


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