Bells of Notre-Dame escrita por Elvish Song


Capítulo 18
De manhã


Notas iniciais do capítulo

Olááááá, meus amores! Nossa, nem tenho como me desculpar pelo sumiço (até tenho, porque fiquei muito doente, mas isso não é justificativa para desaparecer) mas agora retorno para vocês! O capítulo de hoje é mais curtinho porque, inicialmente, formava um capítulo só com o de amanhã, e ia ficar uma coisa monstruosa... Então, dividi e deixei a parte fofinha para esse aqui, e a parte tensa para o seguinte, ok?
Espero muito que gostem!



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Esmeralda acordou sentindo um estranho calor ao seu redor; ergueu a cabeça, e um enorme sorriso se espalhou por seu rosto ao encontrar Aaron olhando para si, o braço passado por sua cintura, o semblante sereno e extremamente feliz.

— Eu poderia acordar todos os dias desse jeito, e nunca me cansar da visão – sorriu a moça, beijando os lábios de seu amado – dormiu bem, meu amor?

— Um sono como não tinha desde menino. – ele acariciou o rosto da cigana, fascinado – não imagino que feitiço lançou sobre mim, mas sinto como se fosse um novo homem. Alguém muito mais feliz... Alguém digno de ser amado.

— Hm, então estou lhe fazendo bem – riu-se a jovem. Ele sorriu e deitou-se sobre o corpo pequeno, mas ela o empurrou delicadamente, ainda rindo:

— Nem pensar, Monsieur! Essas coisas não são feitas de dia! – a garota escapou aos braços de seu amante, que deitou-se de costas e esfregou o rosto, imaginando como alguém podia já acordar com tamanha disposição e energia.

— E o que se faz, a esta hora?

— Trabalhar, ou não haverá desjejum. – ela se vestiu sem ligar para o olhar de seu amado sobre seu corpo seminu, e ao ver que ele ainda não acordara de todo, puxou o cobertor de uma vez, marota – ande logo, preguiçoso! Se quer ser amante de uma cigana, é melhor se acostumar ao trabalho!

— Será que fiz um bom negócio? – ele sorriu e se levantou, empurrando Esmeralda contra a parede – seria muito pedir um suborno para começar bem o dia?

Ela arqueou uma sobrancelha, um sorriso torto nos lábios bonitos antes de puxar o homem para um beijo profundo e apaixonado, que se encerrou apenas depois de longos minutos.

— Você é um vício – sussurrou a moça, antes de fugir aos braços de Aaron e pegar as roupas dele no chão, jogando-as sobre seu amante – agora trate de se vestir, e venha me ajudar. Tenho de ordenhar a mãe de Djali, assar pão, ou não comeremos hoje.

— sempre começa os dias tão rápido? – perguntou Aaron, enquanto vestia o colete por sobre a camisa, e o casaco por cima de ambos.

— aproveito bem o meu dia. – assegurou a morena ao abrir a porta. Aaron juntou-se a ela e saíram juntos da kampína. Dois ou três passantes os fitaram por alguns segundos antes de prosseguirem seus caminhos, e o fato incomodou ligeiramente o francês; a latina, porém, não parecia minimamente incomodada.

— Não se importa que boatos se espalhem? – perguntou o moço, preocupado com a reputação da jovem.

— boatos? Sobre sermos amantes? – ela pegou um balde de madeira e começou a arrancar plantas gramíneas que cresciam junto a sua moradia – não são boatos se falam a verdade.

— Não a incomodam? – ele se abaixou para ajuda-la, mas foi parado pelo olhar penetrante da mulher, que falou pausadamente:

— Eu só vou dizer uma vez, Aaron, então guarde bem minhas palavras: eu não tenho vergonha de você. O fato de eu ter um amante talvez fosse uma preocupação, se nosso clã fosse mais conservador, mas a dizimação de nosso grupo nos obrigou a ser mais flexíveis em relação às exigências quanto a certos comportamentos. Eles olharão para você com alguma desconfiança, no começo, mas se provar com suas ações que merece a confiança deles, acabarão por aceita-lo.

— Fala como se algum dia pudessem me aceitar de fato. Como um de vocês.

Esmeralda o fitou longamente, pensativa, mas logo retomou sua atividade de colher cardos verdes e encher o balde com as resistentes ervas daninhas. Aaron, porém, conhecia sua amada, e perguntou:

— em que está pensando?

— nada demais. Devaneios, hipóteses, possibilidades. Nada concreto.

— Conseguirei saber algo, se insistir?

— Não mesmo. – ele suspirou, resignado, e seguiu a adolescente até o curral das cabras. Era tudo novo e instigante, e mesmo a simples ideia de conhecer melhor o mundo e a vida da mulher que roubara seu coração e mudara sua existência o enchia de inédita curiosidade e ansiedade.

— Para que estamos colhendo cardos? – perguntou o gigante, curioso.

— alimento para as cabras – respondeu a jovem, pegando o balde – nunca cuidou de animais, não é?

— Apenas cavalos. – confirmou o moço, seguindo a jovem em direção ao rebanho de cabras – e por pouco tempo.

— Bom, vamos remediar isso – ela o puxou pela mão – melhor se abaixar: elas são domesticadas, mas não conhecem seu cheiro e podem se assustar. E os chifres fazem um belo estrago... Uma vez dei vinte pontos na coxa de um homem desavisado que assustou um filhote. A mãe veio em defesa de seu bebê e... Pode imaginar o que houve.

— Algo me diz que está se divertindo muito em me levar para uma situação em que eu poderia ser morto. Já é a terceira vez que faz isso.

— Bom, os soldados não te mataram, nem os Rrom – ela riu baixinho – talvez eu dê sorte com as cabras.

— Engraçadinha.

— Pare de resmungar e ofereça os talos a elas desse jeito – a menina estendeu alguns talos verdes para os animais perto de si – fará com que associem você ao alimento. – um sorriso enorme se desenhou no rosto da cigana, que se ajoelhou e recebeu nos braços uma bolinha branca e saltitante – ah, Djali! Com fome, querida? – com carinho, ela segurou o filhote num braço enquanto lhe dava de comer – devagar, esfomeada!

— Tem muito carinho por sua mascote – Aaron admirava a gentileza e amor com que Esmeralda tratava até mesmo os animais, e isso apenas aprofundava seu amor por ela. A cigana era a criatura mais humana, bondosa e altruísta que já conhecera, como uma criatura angelical enviada por Deus para amenizar o sofrimento dos que a conheciam.

— Djali quase morreu depois do parto; ficou doente e a mãe dela a rejeitou, então cuidei dessa coisinha por uma semana, até que ficasse forte e sua mãe a aceitasse. Desde então ela pensa que sou algo como uma segunda mãe. – a cigana ria enquanto empurrava Djali para o lado e amarrava as pernas da cabra branca que era mãe do filhote. As mãos experientes logo fizeram verter o leite para o balde, e ao cabo de alguns minutos tudo terminara. Ela soltou a cabra e deixou o filhote mamar, voltando-se sorridente para seu amante:

— E é assim que começamos o dia.

Voltaram para a kampina de Esmeralda, em cujo compartimento inferior – similar a um porão – pegou uma medida de grãos; logo em seguida levou-o para o centro do acampamento:

— Os homens cortam lenha, as mulheres fazem o desjejum. – ela lhe entregou um machado – sabe usar?

— Não deve ser difícil – sorriu o gigante, vendo os homens junto à pilha de lenha recolhida.

— Não seja indelicado, mas também não ligue se lhe lançarem olhares estranhos. Eles se acostumarão, com o tempo.

— Ou enfiarão uma faca no meu pescoço – riu o moço, mas não estava tão nervoso quanto estivera no dia anterior. Na verdade, sentia-se estranhamente à vontade naquele lugar, como se pertencesse àquela vida.

— Não se você não puxar uma faca primeiro. – sorriu a moça, começando a misturar o leite, o mel e a farinha de cereais para fazer um pão – ah, e tente não cortar o próprio pé com o machado, está bem?

— Engraçadinha. – o organista não podia estar mais feliz, enquanto seguia para junto dos outros homens. A princípio, como Esmeralda dissera, olharam-no de modo desconfiado e falaram entre si em Romani e Espanhol; o primeiro idioma era estranho ao francês, mas as línguas ibéricas não consistiam em desafio aos ouvidos do músico. Assim, pôde compreender os comentários maldosos sobre sua aparência e tamanho, assim como censuras ao comportamento escandaloso de Esmeralda e Miro que, sendo casados entre si, não apenas não haviam consumado o casamento como ainda mantinham amantes. E por cada maledicência sobre sua amada o antigo sineiro desejava usar o machado não nas toras, mas nas cabeças dos ciganos. Finalmente, irritado, respondeu em espanhol perfeito:

Por qué hablan de lo que Miro y Esmeralda hacen, si son casados y decidieron juntos como habríam de vivir?

Mais do que surpresos com a pronúncia perfeita do francês, os Rrom silenciaram por alguns instantes, antes que Lorenzo se dirigisse ao homem deformado:

— Não tem direito de voz, aqui, Gajô.

— Talvez não tenha voz em relação aos assuntos do Pátio, mas, até onde me recordo – o organista não se deixou intimidar – fui incumbido de proteger Esmeralda. E é o que farei, mesmo contra simples maledicências.

— Parece corajoso demais para alguém que perdeu a proteção de seu caro padrinho inquisidor. – acusou o mais moço. A discussão teria seguido acirrada se o mais velho não respirasse fundo, decidido a não alimentar as animosidades no local:

— Eu entendo sua raiva por mim, rapaz. Sei que a mereço em todos os seus aspectos, mas isso não muda o fato de que Esmeralda e eu estamos juntos. Eu a amo, e jurei diante de Deus e dos homens protege-la contra todo o mal, até que chegue a época de seu povo partir. Até lá, você me verá por aqui eventualmente, e não pretendo ser desrespeitoso ou violar qualquer regra do povo de Esmeralda. Deseja uma discussão? Procurou no lugar errado. Quer sangue? Sinta-se à vontade para derramar o meu, mas lembre-se bem de que sou a única pessoa que conheceu o Juiz Frollo e, conhecendo seu modo de agir, pode proteger aquela garota de suas más intenções. – ele se virou e golpeou um pedaço de lenha com o machado, partindo ao meio com um só golpe uma tora que os outros haviam desistido de cortar – entenda isso: se eu quisesse lhes causar mal, já teria causado. Não é minha intenção. Não desejo brigas, sangue ou sofrimento. Já tive o bastante disso para toda a vida. – ele olhou para onde as mulheres se juntavam – ela é tudo o que me importa.

Diogo e Lorenzo pareciam perplexos, como se aquelas palavras fossem tudo o que não esperassem ouvir. Ante a mudez dos dez homens ao seu redor, o gigante deu de ombros e finalizou:

— Pensem o que quiserem de mim. Apenas deixem-me em paz, e respeitemos um aos outros, para haver alguma paz.

O silêncio permaneceu, quebrado apenas pelo som dos toretes sendo quebrados pelas lâminas. Quando havia o suficiente, Aaron encheu os braços de lenha e levou a pilha até sua amada, que já acendera o fogo com pequenos galhos e começou a colocar os pedaços maiores sobre as chamas fracas da fogueira, que logo se avivou e começou a crepitar. O pão estava modelado e foi posto no simples forno de barro, pouco mais que um buraco no chão revestido com pedras, enquanto o leite fervia sobre as brasas.

— Problemas com os outros, querido? – perguntou ela, preocupada.

— Alguns. Mas nada que eu não esperasse, ou com os quais não possa lidar.

— Sinto muito por isso... Há algo que...? – ela ia continuar a pergunta, mas ele a silenciou pousando um dedo sobre os lábios rubros:

— Não peça desculpas. Isso acontece comigo desde sempre, e com motivos bem menos razoáveis do que ressentimento pelo número de pessoas que ajudei a perseguir e matar. – ele sorriu – Na verdade, meu amor, eu não me lembro de já ter sido tão feliz em minha vida. – a mão enorme pegou a da moça e a levou a seus lábios, beijando suavemente os dedos cor de bronze – obrigado. Obrigado por tudo. Por ter entrado em minha vida, por ter me ensinado o que era a bondade, a compaixão... O amor.

Os olhos verdes da cigana ficaram marejados de lágrimas quando ela acariciou a máscara que cobria o rosto de seu amado; queria poder retirar as dores que ele carregava, substituir as memórias ruins por amor puro, mas isso era impossível. Só o que podia fazer era dar a ele todo o amor que tinha, e esperar que isso curasse as antigas feridas.

— Eu amo você. – sussurrou a adolescente, o que arrancou um sorriso do artista, que a abraçou e respondeu:

— Não mais do que eu a amo... Feiticeira.

O casal trocou um sorriso e deixou que suas frontes se tocassem, os olhos cerrados em confiança e amor que todos os passantes podiam perceber com a clareza do dia. E por mais errado, improvável e espantoso que pudesse parecer, fato era que poucas vezes haviam visto um casal que emanasse tamanho amor mútuo. Algumas das mulheres mais velhas – as anciãs do grupo – olhavam para ambos e franziam os cenhos: não era o tipo de casal que aceitaria se separar ao fim do inverno. E se o fizesse, o que restaria seriam dois corações despedaçados, impossíveis de se consertar. Mas que alternativa haveria? Certamente Esmeralda não poderia ficar em Paris, a qual se lhe tornava mais e mais perigosa a cada dia... Mas como poderiam aceitar um Gajô, um estranho no seio de sua comunidade? Além disso, por mais que Aaron protegesse a cigana contra o juiz... Não seria ele próprio um perigo para a menina? Ele, com toda a sociedade hostil e hipócrita da qual era representante? Esperança e preocupação dançavam juntas nos olhares antigos, que viam muito mais do que as imagens chamadas de reais. Viam futuros possíveis: alguns belos, outros temíveis. Mas qual deles haveria de se concretizar?


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Notas finais do capítulo

E aí? Mereço reviews?



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