Eyes On Fire escrita por Brê Milk


Capítulo 29
Chapter 26: O visitante traz notícias




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Alec Volturi 

 

 


 Gemidos abafados de dor ecoavam pela vinícola italiana.
Em algum lugar, entre as videiras, um pequeno garotinho era espancado aos chute e socos por dois garotos maiores. O cabelo louro-acastanhado grudava em sua testa, empapado do próprio sangue, pingando no gramado e na camisa branca que usava. Já estava apanhando há uns bons minutos e se continuasse daquele jeito, com certeza iria dali direto para sete palmos abaixo da terra.
Mas a culpa era sua, tinha que admitir. Quem em sã consciência xingava os maiores valentões da aldeia de carcamanos de cérebros minúsculos? Com certeza ele. E não se arrependia, menos pelo parte da surra. Os xingaria de novo e quantas vezes quisesse. O problema, no entanto, era as consequências.

— Quero ver quem tem cérebro minúsculo agora, fedelho — Zombou um dos valentões, o levantando pela gola da camisa ensopada de sangue.

— Você, idiota — Cuspiu, corajosamente.

O valentão número 1 grunhiu e levantou o punho, prestes a desce-lo bem no meio do rosto do menino ensanguentado. E teria o feito se um grito furioso não tivesse ecoado próximo dali.

— Soltem o meu amigo!

Os dois garotos valentões se viraram, mas não tiveram tempo de se defender. Uma silhueta de cachos rebeldes vinha correndo a toda velocidade, descendo as elevações de terra e grama da vinícola, parando apenas quando chegou há meros centímetros de distância de onde eles estavam. Então, os acertou com os punhos e os ruídos de briga se misturaram com os resmungos do garotinho louro-acastanhado no chão.
Ele abriu os olhos, temendo ser golpeado pelos raios solares no céu limpo acima, mas apenas encontrou uma sombra projetada acima. Em seguida, o rosto vermelho e suado de um menino com uma juba negra de cachos descontrolados e uns cinco centímetros mais alto, de suspensório, entrou em seu campo de visão, parecendo prestes a cair na gargalhada.

— Achei que tivéssemos concordado em enfrentar os Santori apenas quando estivéssemos juntos, Alecssandro.

O garotinho chamado Alec, para os íntimos, revirou os olhos, gemendo dolorosamente em seguida.


— Para o diabo com o que concordamos, Kian! Aqueles dois roubaram a boneca de Jane e a empurraram na lama. Eles tiveram sorte que conseguiram me derrubar antes que eu quebrasse os dentes de cada um!

— Ah, é mesmo?

— É melhor se calar se não quiser que eu quebre os seus dentes ao invés.

Kian gargalhou. Ele estendeu a mão e a ofereceu à Alec, que a aceitou de bom grado e deixou-se ser erguido pelo amigo.
Já de pé, os dois se entreolharam e o moreno passou um dos braços pelos ombros do loiro, o dando sustentação para ficar de pé.

— Pela sua cara, acho que você vai precisar mais do que um banho para esconder a surra da sua mãe — comentou Kian.

— Eu não levei uma surra — Se defendeu Alec, o olhando feio.

— Tá. Que seja. Mas da próxima vez, apanhe por algo melhor do que uma boneca.

— Tipo o quê?

— Eu não sei, mas tenho certeza que a gente vai descobrir brevemente. Até lá, vou te ensinar alguns golpes para chutar os traseiros daqueles valentões. O que acha disso, Alecssandro?

O garotinho riu, marotamente.

— Acho uma ótima ideia. Agora, me ajude a voltar para casa, amigo...

 

A lembrança se fragmentou em pedaços quando Alec balançou a cabeça, afastando tais recordações que deveriam ter caído no esquecimento negro de suas memórias humanas.

Infelizmente, o processo de esquecimento da vida humana não era algo seletivo, o que significava que vampiro nenhum podia escolher quais memórias apagar e quais guardar consigo. A de segundos atrás era um exemplo: O Volturi gostaria de ter esquecido, assim como gostaria de ter esquecido a pessoa que fazia parte dela.

Mas se em todos aqueles séculos vividos não conseguira, não seria agora que deixaria para trás a pessoa cujo considerava um irmão; ainda mais quando ele estava no momento em algum cômodo do seu apartamento, provavelmente tomando café.
 Alec rolou os olhos, se concentrando no céu decorado com estrelas, no terraço do prédio, sentindo-se um pouco nostálgico e mal-humorado. Havia subido até ali antes de escurecer e tinha perdido a noção do tempo ao se perder em pensamentos que indiscutivelmente o fizeram ficar naquele estado.
 Os últimos dias tinham sido surpreendentes. Os últimos meses também. Quando começara a refletir mais cedo ali, por consequência chegara naquele ponto: o de início. Quando recebera a missão para estar ali em Forks, pensara que seria fácil obter o sucesso e voltar para o conforto e a rotina de sua imortalidade.

Porém, ali estava Alec: Seis meses depois, com a missão incompleta, com mais questões e dúvidas do que pistas e respostas. E, ao invés do sucesso, havia recolhido momentos impensáveis que pudesse viver, com as pessoas mais impensáveis também — os Cullen, alguns lobos e uma garota humana que se tornou sua La tua cantante e... algo mais, talvez.
 Agora que parava para pensar, Alec percebia que muita coisa estava errada ali. Felix lecionando em uma escola, Jane sendo tolerante com os Cullen, Demetri tirando uma folga do posto de rastreador pela primeira vez no milênio, ele se questionando pela primeira vez no milênio.
Tudo isso estava errado.

Eles quatro estavam, ele sabia. Assim como também sabia que os quatro haviam mudado, de alguma maneira — não eram mais os mesmos de seis meses atrás, ou pelo menos Alec não era. E, levando em consideração tudo o que acreditava ou pelo menos no que deveria acreditar, o vampiro apenas queria voltar ao início e voltar a ser quem era.

Alguém que não se importava em mentir ou sentia a necessidade de beijar e proteger uma garota problemática sempre que a via. Era mais fácil ser o seu velho eu, e mais seguro também.

 

— Fazendo pedidos para as estrelas, irmão?

 

Alec se virou e encarou Jane. Ela estava de braços cruzados e com a expressão frustrada quando se acomodou na cadeira de praia do depósito do prédio, ao lado da dele, na beira do terraço.

 

— Você sabe que não acredito nessas bobagens — retrucou ele. — Pensei ter pedido para você ficar de olho em Kian.

 

Jane revirou os olhos, ficando tão parecida com ele o tanto que era possível.

 


— Ele não é uma criança ou um cachorrinho para precisar de babá, é apenas um inútil. E ele me irrita.

 

— Você não o deixa falar mais de uma frase — comentou Alec.

 

— Você deixa?

 

Ele ficou calado. A loira abriu um sorriso cínico, como se tivesse levado a melhor. O Volturi bufou.

 

— É engraçado — murmurou Jane, desviando os olhos para o céu acima deles, pontilhado de pontos brilhantes. A voz dela se tornou baixa e distante. — Já faz quase mil anos e eu ainda não esqueci o passado, irmão. Tudo o que nos aconteceu, tudo o que me aconteceu... Kian traz tudo à tona e eu não posso perdoa-lo.

 

Alec observou a irmã em silêncio por alguns instantes, sentindo o peso e a dor em suas palavras. Sabia ao que ela estava se referindo e como aquilo a machucava, de várias formas.

 

— Eu sei — respondeu, após algum tempo. Ele buscou a pequena mão dela em comparação a sua e entrelaçou ambas, mirando o céu. — Você não precisa perdoa-lo se não quiser, é o seu perdão e você decide o que fazer com ele. Está tudo bem e eu estou aqui, Janett.

 

Jane resmungou.

Então, os dois ficaram em um silêncio confortável, cada um em sua bolha de pensamentos enquanto olhavam para a constelação de corpos celestes.
 Alec percebeu que aquele era um dos momentos impensáveis. Estar no alto de um prédio, de mãos dadas com sua irmã gêmea, desabafando e olhando as estrelas. Não era o tipo de coisa que faziam em Volterra. Só que ainda assim, era... bom. Quem diria que Forks servia para algo?

 

— O mestre Aro ligou.

 

— E o que ele disse?

 

— Queria saber sobre o progresso da missão — Jane bufou, e então perguntou: — Ele parecia não saber das recentes descobertas. Posso saber por quê você ainda não o contou sobre a estúpida da Evern?

 

Alec se remexeu na cadeira de praia, trincando o maxilar. Aquele não era um assunto que gostaria de tocar.

 

— Eu... não tive tempo.

 

— Eu sei quando você está mentindo, irmão — disse Jane, estreitando os olhos. Ela o analisou por mais alguns segundos até que piscou e abriu um sorriso arrogante. — Diabos! Você gosta dela. Da Evern.

 

O olhar que Alec a lançou foi uma mescla de ultraje e ameaça.

 

— Você está louca, irmã — falou, tentando não parecer desconcertado de repente.

 

Mas Jane não caiu nessa.

 

— Louca uma ova — Rebateu ela. — De todos os seus casos amorosos, esse é o mais inusitado, tenho que dizer. A Evern não tem o perfil do seu tipo ideal, mas levando em consideração a loucura e toda a problematização de adolescente rebelde e descendência, tenho que admitir que até entendo. Você sempre gostou de drama e tragédia, irmão. Quem sabe vocês não são o próximo Romeu e a próxima Julieta.

 

Alec rosnou alto.

 

— Pare com isso! Não há caso amoroso nenhum acontecendo aqui. E eu não gosto da Evern. Se o problema é eu não ter informado o nosso mestre sobre o que ela é, saiba que irei cuidar disso. Então, nunca mais repita isso. Eu não sou um segundo Edward Cullen, está bem?

 

Jane parecia discordar, mas encolheu os ombros.

 

— Se você acredita nisso. Apenas saiba que uma hora teremos que voltar para o Castelo, para a nossa vida normal, e isso será logo.

 

Alec não respondeu. Se limitou a assentir e voltar a olhar para o céu, pois com ele não precisava esconder o vazio em seu semblante e dentro de si.

 

 

Alec entrou no apartamento com a pretensão de ir direto para o quarto afundar-se em suas anotações sobre a missão, mas se deteve assim que uma nova discussão se iniciou entre Jane e Kian. Esse último estava largado no sofá com um copo de cappuccino em uma das mãos e o controle remoto na outra.

 

— Aí estão vocês, Alecssandro e Janie.

 

— Quantas vezes precisarei dizer-lhe para não me chamar assim? É Jane! — Rosnou a vampira, parando atrás do sofá com as mãos na cintura.

 

— Com i é mais fofinho, loirinha — retrucou Kian, tomando um gole do cappuccino.

 

Alec estava prestes a intervir antes que cabeças voassem, mas se surpreendeu quando a irmã não pulou em cima do feiticeiro e fez isso acontecer.

 

— Não lembro de ter lhe dado a devida intimidade para isso! Pare com as gracinhas e com as tentativas de parecer amigável antes que eu frite o seu cérebro. Aliás, eu nem sei porque ainda não fiz isso ou porquê você ainda está aqui — Ela olhou para o irmão. — Por que ele ainda está aqui?

 

— Vocês precisam de mim — Kian se apressou a responder.

 

— Nós precisamos da colaboração dele. — Corrigiu Alec, suspirando em seguida. — O que significa que você não pode fritar o cérebro dele, Jane. E você não pode colocar i no nome da minha irmã porque é mais fofinho, Archetti.

 

O feiticeiro e a Volturi se entreolharam.

 

— Ela que começou.

 

— Sim, e você é um inútil — grunhiu Jane. — Antes, era um covarde que deixou os amigos para trás e se salvou. Agora, um ineficaz com o traseiro no nosso sofá vinte e quatro horas por dia!, assistindo... — Ela olhou rapidamente para a tela da tv. —... o canal de tatuagens. Como se todas as pinturas estranhas que você têm pelo corpo não fossem suficientes!

 

Os olhos escuros de Kian se estreitaram quando ele abriu a boca, visivelmente ofendido, e colocou o copo de cappuccino sob a mesinha de centro.

 

— Essas pinturas estranhas, como você chama, são marcas de um feiticeiro. Quanto mais delas você têm, maior o seu poder significa, Janie — Retorquiu, apontando para uma marca no pescoço. — Não são como as tatuagens normais, como as que os mundanos fazem. São imbuídas em mágica e gravam-se na pele como eternas cicatrizes. Todo feiticeiro têm, porque é a característica da nossa espécie!
— Os olhos de Kian se suavizaram, e ele completou: — E só para constar já que vocês não parecem dispostos a tocar no assunto por enquanto, eu não os abandonei. Eu posso tê-los deixado para trás no passado, mas eu voltei naquela época e voltei agora. Eu não fui e não sou um covarde, meus amigos.

 

Jane replicou algo ofensivo, mas Alec não estava mais prestando atenção nos palavrões dela ou nas últimas palavras duvidosas de seu ex-melhor amigo. Ele estava ocupado com algo anterior que o Archetti havia falado.

São imbuídas em mágica e gravam-se na pele como eternas cicatrizes.
Todo feiticeiro têm.

E não apenas os feiticeiros, Alec pensou, paralisado.

Os recém-criados, com as iniciais S.D.S. nos braços, que significavam o nome do mestre deles: O Senhor das Sombras.
O cérebro do Volturi trabalhou em meio a discussão da irmã e de Kian.

Se tais siglas, assim como as marcas dos feiticeiros, fossem mágicas, isso explicaria tamanha lealdade e obediência. Também explicaria a origem dessa nova espécie de vampiros, o que significava que feiticeiros provavelmente estavam se aliando ao inimigo.

E, assim como a vampira na praia do Canadá e todos os outros recém-criados que já confrontara, todos estavam conectados. Uma luz se ascendeu na mente de Alec.

 

— Exceto um — disse ele, em voz alta.

 

Jane e Kian pararam de discutir, encarando o vampiro com expressões confusas.

 

— Exceto um o quê, irmão?

 


— Os recém-criados, irmã. As siglas deles são imbuídas em mágica, um símbolo capaz de controla-los como máquinas e subjuga-los ao que for. É a única explicação plausível e estava na nossa frente o tempo todo — Alec trincou o maxilar, os olhos estreitos enquanto ele caminhava de um lado para o outro na sala, tentando não perder a linha de raciocínio. Então parou abruptamente e olhou para Kian, que prestava atenção, incerto se devia continuar e dividir sua recente teoria muito bem fundada com a presença dele. A incerteza durou dois minutos até o Volturi perceber que precisaria de informações sobre os clãs de feiticeiros e de uma forma ou de outra, o Archetti saberia. — Todos os vampiros da nova espécie possuem as siglas do Senhor das sombras. Todos estão conectados. Todos são peças de dominó, que se organiza-los bem, poderemos derrubar de uma vez só... exceto um.

 

Os olhos escarlates de Jane estavam embaçados de incompreensão, mas aos poucos, foram aumentando de tamanho até que ela pareceu entender.

 

— O estúpido do Julions — murmurou ela, impressionada.

 

Alec assentiu.

 

— Isso mesmo. Agora, pense comigo. Se todos os recém-criados têm as siglas, eles formam um padrão. Um padrão que depois de formado é acionado e os faz ser as máquinas que são. O Julions não faz parte disso, porque sem as siglas ele não tem esse padrão acionado. E, fora as siglas, o que mais os recém-criados possuem em comum?

 

Jane arqueou as sobrancelhas.

 

— Eles são horrorosos?

 

— Isso também, mas há outra coisa — Uma sombra surgiu no rosto do vampiro louro-acastanhado. — Todos eles são assassinos.

 

— O Julions nunca matou ninguém.

 

— Para tudo há sua primeira vez, irmã.

 

Alec desviou o olhar para Kian, que os observava calado no sofá.

 

— Vou precisar que me conte tudo sobre o seu povo e que me dê alguns nomes que possivelmente praticariam a mágica das marcas em alguém que não fosse um dos seus. Se eu sentir que está sendo sincero, talvez eu retire o seu nome do topo da lista.

 

O Archetti assentiu, assoviando em seguida. Então virou as costas e voltou para a tevê, onde o programa de tatuagens ainda passava, apanhando o cappuccino no processo.
 Alec apertou a ponte do nariz, com a sensação de que as coisas não se facilitariam nem um pouco dali em diante. Porém, ele não se importava. Agora que tinha avançado um passo de concluir aquela missão, não iria parar por nada. Mesmo se tivesse que contar com Gaz Julions e transforma-lo em um serial killer, ele o faria.

 

 

Brooke Evern

 

 

— Estamos fazendo algo errado — disse Renesmee, abaixando o livro de receitas e desviando os olhos da panela no fogão com a testa franzida em frustração. — Aqui diz que deveríamos refogar a carne até ela ficar dourada e o fundo da panela escuro. Ela já está refogando há quase uma hora!

 

Brooke parou de picar a cebola, a faca de cozinha na mão, um avental rosa com os dizeres "Chefe número 2", e levantou os olhos cheios d'água, olhando para a ruiva com as sobrancelhas erguidas.

 

— De que cor a carne está, então?

 

— Branca.

 

— Você colocou tempero?

 

— Você não colocou? — replicou Renesmee, arrumando o avental rosa de "Chefe número 1", nervosamente.

 

— Eu sou a cozinheira número 2, aqui. Meu dever é cortar e picar as verduras e legumes — Brooke se defendeu, abrindo um sorriso divertido logo em seguida. — Acho que encontramos o motivo da carne não está dourada.

 

— Ah! — suspirou a ruiva, fechando o livro de receitas e o colocando sob o balcão da cozinha, os ombros arriando enquanto desligava o fogo e se sentava em um dos banquinhos. — desculpe, Broo. Eu sou um desastre na cozinha, eu sei. Mas pensei que poderia fazer o almoço para nós duas já que vovó Esme teve que acompanhar o vovô em um encontro com os patrocinadores do hospital.

 

— Ei, está tudo bem! — disse Brooke, largando a faca e limpando as mãos no pano de prato ao lado antes de puxar um banquinho e sentar-se de frente para a híbrida. — Eu também sou péssima no fogão.

 

— Você é muito boa com a faca, pelo menos.

 

As duas trocaram um olhar significativo, cheio de más recordações que envolvia o começo da amizade delas, e uma bela facada na barriga da híbrida. Brooke pigarreou.

 

— Eu costumava observar minha mãe fazer o jantar, aí ela me ensinou a descascar os legumes e verduras e eu me tornei uma excelente auxiliar de cozinha, acho — Deu de ombros.

 

— Isso seria ótimo se eu fosse uma excelente cozinheira.

 

As duas garotas gargalharam.
 Estavam tentando fazer um ensopado de carne há pelo menos uma hora e meia, por conta própria. Os Cullen haviam saído para destinos diferentes, exceto Jasper e Emmett que ficaram na mansão, porém nenhum dos dois havia dado as caras durante todo aquele tempo.

Nem quando Renesmee se encostou acidentalmente no fogão acesso e seu avental anterior pegou fogo, nem quando Brooke proferiu todos os xingamentos do dicionário ao derrubar o pote de sal no chão. O que significava que, em suma, estavam por conta própria. E com fome.

 

— Ainda podemos pedir comida — Comentou a morena.

 

— Mas e o seu exercício que a Dr. Ohara passou, sobre preparar suas próprias refeições? — Renesmee foi cuidados ao perguntar, parecendo preocupada. — Podemos tentar fazer outra coisa, ou pedir ao tio Jasper...

 

— Está tudo bem, Nessie. Sério — Interrompeu-a Brooke. — Tenho praticado o exercício que a doutora passou com a ajuda de Esme, e acho que estou me saindo bem. Um dia sem cozinhar... tentar fazer minha refeição não vai fazer mal e não é como se eu fosse acordar um dia e comer uma porção de batatas fritas, um x-duplo e superar a anorexia. É um processo e eu estou passando por ele do melhor jeito que posso.

 


 Era verdade. A Dr. Ohara era a psicóloga amiga de Carlisle, que agora era a psicóloga de Brooke. Era uma mulher com experiência e tão amigável quanto profissional, o que facilitava deveras falar sobre seus transtornos.

As sessões eram uma vez na semana, sempre aos sábados, e sempre na mansão Cullen. Era domingo, um dia depois da última sessão, e Brooke sentia-se bem. Falar sobre sua doença e até sobre outros aspectos sobre si e sobre sua vida, era terapêutico.

Ela pensara que seria difícil se abrir com alguém, ainda mais com uma desconhecida com diploma em buscar razões para compreender sua mente, mas isso se provou o contrário. Quando começou com as sessões, percebeu que ter alguém para escuta-la, alguém que não a julgaria por nenhum motivo, era tudo o que precisava.

Então assim foi. Todo sábado, às oito da manhã, a dr. Ohara e Brooke sentavam-se no escritório de Carlisle — com a gentil oferta e permissão dele — e conversavam durante uma hora sobre a semana. Sessenta minutos parecia ser pouco para contar sobre seus dias e os sentimentos vividos, ainda mais nos últimos tempos, mas a Evern se esforçava.

Entrementes, tinha que deixar alguns detalhes de fora. Como por exemplo morar com vampiros, compartilhar as refeições com uma híbrida de sete anos mas com aparência de dezesseis, ser descendente do Drácula ou ter um feiticeiro a perseguindo com profecias de uma guerra sobrenatural. Nada muito importante, mas ela tinha a leve suspeita de que até mesmo uma psicóloga não poderia lidar com tanta loucura.

Renesmee respirou fundo do outro lado do balcão, abrindo um sorriso doce.

 

— Fico feliz por você, Broo.

 

Brooke sorriu de volta. Dobrou os cotovelos e apoiou o queixo nas mãos, olhando para a amiga em silêncio até que se lembrou de algo.

 

— E você e Jacob? — Indagou de repente, fazendo a outra esbugalhar os olhos.

 

— O que tem eu e ele? — Gaguejou Renesmee, o rosto assumindo a cor de seus cabelos.

 

Ah, você sabe do que eu estou falando! — Acusou Brooke, rolando os olhos. — Algum dos dois já se declarou? Já admitiram que estão apaixonados um pelo outro?

 

O rosto da híbrida ficou mais vermelho, se possível.

 

— Não... ele... eu... nós não nos falamos desde a fogueira da escola. Jacob não veio mais aqui depois daquele dia que vocês dois saíram de moto e eu... eu achei melhor não ligar. Acho que ele está chateado comigo por não ter o dado uma chance de explicar — Admtiu Renesmee, mordendo os lábios, os olhos tristes.

 

Brooke rapidamente se lembrou do que ela estava falando: o estúpido beijo que dera em Jacob quando estava bêbada. Fizera as pazes com a ruiva, mas não tinha parado para pensar se ela e o Black haviam feito o mesmo. E a confusão não tinha sido desfeita.

 

— A culpa é minha. E eu sinto muito. Mas, você tem que ser sincera com você mesma e admitir seus sentimentos. Você gosta de Jacob Black, Renesmee Cullen?

 

— Eu... — A híbrida engoliu em seco. E então sussurrou: — ... eu gosto. Eu amo o Jacob, não como amigo ou irmão, mas como o homem que ele é. Eu o amo há tanto tempo e tanto que às vezes dói sufocar esse sentimento. Eu sou apaixonada por ele.


— Então diga isso à ele da próxima vez que se encontrarem — respondeu Brooke. — Sei que às vezes o medo de se machucar ou o medo da rejeição nos faz recuar, mas acredite em mim, a vida não perdoa oportunidades desperdiçadas. Se você sente algo por alguém, o mínimo que deveria fazer é dizer para a pessoa. Você não acha, minha amiga?

 

Os olhos de Renesmee se encheram de lágrimas antes dela balançar a cabeça e abrir um pequeno sorriso constrangido e esperançoso enquanto estendia a mão por cima do balcão.

 

— Sim, eu acho. Obrigada por me incentivar e por não deixar o medo me deter, Brooke.

 


A morena esticou a mão, apertando a da amiga, sorrindo de volta. As duas se olharam fraternamente, uma parte da confusão resolvida, e o peito da Evern se apertou. Ela sentiu-se incomodada ao pensar em suas próprias palavras e perceber a familiaridade nelas. E então veio o questionamento: as dissera para Renesmee ou para si mesma?

Hipócrita!, gritou sua consciência.

 

— Eu beijei o Alec — falou Brooke, em um suspiro.

 

— Você O QUÊ? — Renesmee arregalou os olhos, puxando a mão apenas para cobrir a boca escancarada.

 

— Quer dizer, ele me beijou. Nós dois beijamos... duas vezes.

 

A híbrida piscou. Depois afastou a mão da boca lentamente, ajeitando a postura sem tirar os olhos claros da morena. O livro de receitas ao lado havia sido esquecido completamente.
 Por fim, a Cullen despiu a expressão chocada e vestiu o rosto com um dos sorrisos mais felizes que a outra já a vira abrir, antes de pronunciar somente:

 

— Eu sabia.

 

— O quê? — Brooke franziu a testa, corando diante do olhar animado e fixo que recebia.

 

— Que vocês dois acabariam nesse ponto. Mesmo com as brigas e discussões acerca de completamente tudo, desde do início. Eu sabia que vocês dois gostavam um do outro — falou Renesmee, tão convicta que Brooke não conseguiu interrompe-la ou discordar. — Fagulhas praticamente voam ao redor de vocês quando estão juntos, sabia?

 

— Isso não quer dizer nada — murmurou a Evern, sentindo o rosto pegar fogo.

 

A ruiva bufou.

 

— Alec se preocupa com você. Todos os momentos que você precisou, querendo ou não, ele estava lá. Ele a protegeu, seja porque é o trabalho dele como parte da missão ou seja porque ele quis, eu não sei. Mas sei que isso, vindo de um Volturi, ainda mais desse Volturi, é muito mais do que pode parecer.

 

A Evern ficou em silêncio por alguns instantes, pensando naquelas palavras.

 

— Nada disso importa, Renesmee. Se você estiver certa, mesmo que ele se importe comigo e mesmo que haja fagulhas, não importa — respondeu Brooke, por fim. Sua voz havia diminuído drasticamente e ela fitava tristemente a amiga. — Porque não posso confiar nele. Porque Alec e eu não somos bons um para o outro, e mesmo que hipoteticamente exista algo entre nós dois... nunca faria certo. Provavelmente só machucaríamos um ao outro e eu já tenho experiência suficiente em relacionamentos destrutivos.

 

— Você se refere ao Luke, seu ex-namorado.

 

— Sim. Mas não acho que Alec seja como Luke, assim como também não sei quem Alec é — suspirou Brooke, balançando a cabeça. — É complicado. E eu estou fugindo de complicações.

 

A híbrida assentiu, como se entendesse todos os seus pontos de vista e algo mais que ela mesma não conseguia compreender ou até mesmo enxergar.

 

— Porém isso não a impede de gostar do Alec — Foi uma afirmação, não uma pergunta.

 

Brooke ficou calada e imóvel, sem coragem para responder sinceramente.

 

— Está bem, acho que entendi — A ruiva sorriu solidária. — Vamos mudar de assunto, mas antes, talvez você devesse seguir seu próprio conselho e admitir o que sente, já que é o mínimo que pode fazer. Você não acha?

 

— Olhe para você, usando minhas próprias palavras contra mim — resmungou Brooke, estreitando os olhos em desagrado. Então aproveitou a deixa para encerrar o assunto. — Não íamos pedir comida?

 

Renesmee respirou fundo, resignada a não fazer mais comentários.

 

— Sushi ou tacos?

— Com certeza tacos.

— Farei a ligação — A Cullen saltou do banquinho e mostrou a língua antes de tirar o avental e virar as costas e caminhar para fora da imensa cozinha.

 

Na saída, acabou esbarrando em Gaz, que estava paralisado no meio do caminho, um copo preto de canudinho em uma das mãos e uma expressão de quem havia recebido um soco no estômago.

Renesmee recuperou o equilíbrio com facilidade e graça, mas corou furiosamente ao se dar conta de que o Julions talvez devesse estar ali há algum tempo e que provavelmente deveria ter ouvido grande parte da conversa dela e de Brooke, inclusive sobre seus sentimentos para Jacob.

 

— Oi... Gaz.

 

O loiro piscou como se tivesse sido tirado de um transe e olhou desconcertado para a ruiva.

 

— Ah! Oi, Renesmee. — Ele saudou, balançando o copo de canudinho, coçando a nuca ao ver o rosto vermelho dela. — Hã... eu acabei de chegar.

 

— Hum, ok.

 

Os dois sabiam que era mentira.
Por fim, a híbrida resolveu acabar com o momento constrangedor.

 

— Eu vou pedir tacos, com licença.

 

— Hum... certo...

 

Gaz deu um passo para o lado, deixando o caminho livre para Renesmee passar. Ela sorriu envergonhada uma última vez e entrou na sala, sumindo das vistas do vampiro e de Brooke, que estava observando a cena toda, também com a suspeita de que o amigo ouvira tudo.

Ela não podia estar mais envergonhada.

 

— Ei, aí está você! — disse Gaz quando se virou para ela, a voz estranhamente aguda.

 

— Aqui estou eu — retrucou Brooke, tentando soar descontraída, e não como alguém que tinha acabado de ter uma conversa com uma amiga que dava-se para entender que ela gostava do cara mal da história. Não que atuar fosse sua praia.

 

O Julions balançou a cabeça e olhou para o banquinho onde outrora Renesmee estivera sentada, hesitando alguns segundos antes de ir ocupar o lugar. A Evern achou a atitude estranha, mas optou por não comentar.
Assim, os dois ficaram em silêncio, não do jeito que costumavam ficar, e sim um silêncio desconfortável. Se olharam por mais algum tempo até que ambos fizeram caretas.

 

— Avental bonito — disse Gaz, erguendo as sobrancelhas em troça.

 

O sorriso nasceu nos lábios da morena ao sentir a tensão se dissipando.

 

— Copo bonito — replicou Brooke, no mesmo tom. — É do Star Wars?

 

— Emmett me deu de presente quando descobriu que eu também sou fã da franquia.

 

Gaz levantou o copo e bem no centro, brilhando em um adesivo holográfico, o Mestre Ioda a encarava com o sabre de luz levantado.
A garota pestanejou.

 

— Vou me lembrar disso na hora da lista de natal — Garantiu ela.

 

— O da Princesa Leia, por favor.

 

Brooke afirmou que lembraria. E depois disso, o clima voltou a ficar estranho entre ele, ela e o Mestre Ioda.

 

 

***

 

 

No sonho, não existiam paredes. Não existia teto, mobílias ou árvores; nenhum detalhe que indicasse que lugar era aquele. Havia apenas névoa: uma neblina tão espessa que Brooke não conseguia ver nem mesmo as próprias mãos. A única certeza que tinha era o chão abaixo de seus pés.

Ela não sabia como tinha ido parar ali, apenas sentia que algo de muito errado iria acontecer. Por isso esperou. Esperou pelo pior, imóvel no mesmo lugar, a respiração profunda ficando cada vez mais alto no silêncio apavorante do nada, com medo de dar um passo e cair em uma armadilha.

Então uma estranha melodia começou a tocar. Primeiro o suave som de um sino, depois os acordes perfeitos do que poderia ser uma caixinha de música antiga, se tornando cada vez mais alta e assustadora, como a trilha sonora de um filme de terror.

Brooke suspendeu a respiração, e um vento forte soprou em sua direção, dissipando um pouco a neblina, o suficiente para a garota enxergar duas silhuetas em um raio de dez metros. Uma delas estava ajoelhada, e a outra estava de costas para Brooke, com uma das mãos levantada.

A Evern franziu o cenho, com um arrepio lhe subindo pela espinha. Tinha a sensação de que conhecia aquelas duas pessoas, e se perguntava o que elas estavam fazendo naquele lugar. Foi assim, tomada pela curiosidade e pelo mau presságio, que ela deu um passo em frente, hesitante.

Não caiu em um buraco, como pensou. Então deu mais um passo, depois outro, e assim continuou até vencer a neblina e se aproximar o suficiente das duas silhuetas. O suficiente para reconhece-las, ou pelo menos uma delas. 

Ajoelhada no chão, envolta de neblina e com os cabelos ruivos destoando de toda a cena, Renesmee tinha os olhos arregalados de pânico, fitando a pessoa em sua frente. Brooke seguiu seu olhar, se deparando com as costas largas de um homem que não conseguiu ver o rosto, apenas notou o que ele tinha na mão estendida na direção da ruiva.

 

— NÃO!

 

Porém, era tarde demais.
Quando se deu conta do cano da arma na testa da amiga, Brooke tentou impedir o que iria acontecer, tentando alcançar o homem. Renesmee a encarou, os olhos clamando por ajuda, a boca se abrindo para fazer o pedido...

Então o tiro ecoou.

 

Ela acordou chorando. As lágrimas deslizavam quentes enquanto se sentava no colchão em um sobressalto e empurrava os cobertores, jogando as pernas para fora da cama e correndo para fora do quarto em disparada.

Brooke não se importou com o piso frio em contato com seus pés descalços ou procurou saber que horas eram; somente correu pelo corredor do segundo andar, indo até o quarto de Renesmee. O encontrou vazio, e o pânico a tomou. Se apressou para o andar de baixo, o coração se tornando minúsculo dentro do peito, e assim que chegou no topo das escadas, ouviu vozes vindas da sala.

Brooke parou por sua busca por um momento e olhou para baixo, os olhos sendo golpeados pela claridade do cômodo, e encontrou a ruiva sentada no sofá, abraçando Bella, rindo de algo que provavelmente Emmett havia dito.

Instantaneamente o alívio a preencheu.

Brooke suspirou e, sem esperar que fosse notada, girou nos calcanhares o mais silenciosamente que pôde e refez os passos de volta para o quarto, secando as lágrimas no caminho.
Assim que retornou ao cômodo, abriu as cortinas e as portas da sacada, deixando uma corrente de ar frio deslizar para dentro do quarto. Ela se deslocou para a entrada da sacada, cruzou os braços e respirou fundo, olhando para o céu nublado e claro da cidade.

O criado mudo na cabeceira da cama indicava seis da manhã de uma segunda-feira, horário onde os Cullen iam para a escola. Então ali estava Brooke: atordoada às seis da matina por um pesadelo que poderia muito bem ser uma... premonição.

Como as outras que tivera antes. E isso a assustava, porque se aquele sonho fosse se tornar realidade como os outros se tornaram, então queria dizer que Renesmee seria a próxima vítima da carnificina que sua vida se tornara.
Como Amélia havia sido.

O pensamento a fez estremecer, criando um nó em sua garganta. Não podia deixar que aquilo acontecesse, mas não sabia o que fazer. Deveria contar alguém, porém não tinha certeza. Deveria alertar Renesmee para que tivesse cuidado, porém não queria preocupa-la se estivesse errada.
Brooke estava presa em um mar de contradições e não sabia como sair dele sem se afogar.

Ela exalou, sentindo a pele arrepiar pela brisa gélida do lado de fora da sacada, o que a fez virar as costas para o céu nublado e fechar as portas da sacada, de volta ao quarto quente e confortável.

Sua cabeça fervilhava de pensamentos, e mais uma vez agradeceu internamente pelo escudo mental de Bella que a defendia da habilidade um tanto impertinente de Edward, que lia pensamentos. E, dada as circunstâncias de sobre quem eram seus pensamentos, era melhor o leitor de mentes não ficar sabendo, ou então enlouqueceria de preocupação.

Contudo, ainda tinha que encontrar um meio de impedir que o sonho acontecesse. Brooke não conseguia pensar em nada quando começou a andar de um lado para o outro pelo quarto, e se pegou desejando dividir sua aflição com alguém.

Alguém que entendesse a gravidade da situação e a ajudasse a achar uma solução. Alguém que certamente poderia fazer aquilo.

Ela sabia quem era esse alguém.

A Evern parou abruptamente e caminhou até a cabeceira da cama, onde apanhou de cima dela o celular prateado que ganhara há algumas semanas. Ela apertou o único botão e a tela se ascendeu, revelando uma foto dela e de Renesmee fazendo caretas, como papel de parede.

A morena deslizou o padrão de senha e desbloqueou o celular, indo rapidamente até os contatos. Então lá estava ele, o primeiro contato salvo, o primeiro que aparecia em ordem alfabética, aquele que ela sabia que poderia ajudar.

O dedo dela pairou acima do nome Alec Volturi, mas Brooke hesitou. Algo a fez hesitar. Porque, de repente, um pensamento a atingiu, a fazendo ponderar. Iria ligar para Alec, contar-lhe sobre o pesadelo e depois o quê? Pedir ajuda, um conselho ou palavras reconfortantes após ter pedido que ele se afastasse? Parecia estúpido. Ela pareceria estúpida, alguém incapaz de lidar com os próprios problemas quando eles surgiam.

Por isso, voltou a bloquear a tela do celular e bufou, o deixando sob a cabeceira antes de desmoronar na cama. Brooke abraçou um travesseiro e engoliu o gosto amargo do orgulho misturado com a angústia.

Uma parte sua — a racional — sabia que deveria ligar para Alec e lhe contar. Ou ao menos falar com Kian Archetti, pois mesmo não confiando no feiticeiro, talvez ele soubesse como funcionava o lance dos sonhos/premonições.

A outra parte — a emocional — discordava completamente. Lhe impulsionava a correr na direção oposta o mais rápido possível quando o assunto era Alec, para evitar machucados em ambas as partes.

Tudo era muito confuso quando se tratava dessa parte, mas ultimamente, principalmente depois da conversa com Renesmee na cozinha, algumas coisas haviam ficado claras para Brooke. Só faltava colocar os pingos nos i's.
O problema era que ela não queria fazer isso; tinha medo.

Portanto, com aquela última reflexão, ela concluiu que era melhor lidar com os próprios problemas. Suspirou, e achou que para alguém que estava há pouco tempo acordada, aquele dia já havia sido de muitos suspiros.

Um tímido raio de sol perpassou a porta de vidro da sacada, riscando o quarto até a poltrona ao fundo, e foi o suficiente para provocar um intenso brilho dourado na coisa que estava em cima da poltrona. Do mesmo jeito que a colocara alguns dias antes, a espada de ouro brilhava maravilhosamente, com todas suas pedras preciosas encravadas no cabo, a lâmina afiada enfiada no estofado.

Após a breve revelação da profecia e apresentações da reunião passada, ninguém quisera ficar com a espada. Kian Archetti recusara-se a ficar com a arma por mais um dia, insistindo veemente em seu discurso de vendedor sobre a obrigação da lâmina ficar com seu dono e a quebra do regulamento dos feiticeiros em seguir as profecias.

Como estava de saco cheio, atordoada e se segurando para não decapitar a cabeça de Kian com a espada, Brooke se resignou a aceita-la, ignorando a oferta do Archetti de aulas particulares para aprender a manuseá-la.

A Evern claramente declinara, pois não tinha pretensão nenhuma de usar a espada — foi por isso que a espetou na poltrona de seu quarto. Porém a lâmina continuava lá: brilhante e com uma aura de poder em volta.

Brooke gostaria que, assim como recusar a espada, fosse fácil recusar quem ela era, ou pelo menos quem ela passou a ser. A Descendente de Drácula. A pessoa da profecia, encarregada de acabar com um grande mal. Ela sentia-se mal quando matava uma formiga, imagine matar alguém.

Ela procurava não pensar muito, não falar muito sobre o assunto, e todos faziam o mesmo. Era um campo minado nas conversas que quando alguém ousava entrar, Brooke o detinha e erguia a bandeira branca. Não estava pronta para saber de mais nada sobre aquela loucura. Não precisava tomar uma decisão sobre seu destino naquele momento, ela se convenceu.

O que ela não sabia, no entanto, era que aquilo estava prestes a mudar.

 

...

 

Esme estava a ensinando a desossar um frango quando a campainha tocou.

 

— Eu atendo — disse Brooke, secando as mãos no pano de prato.

 

Esme sorriu agradecida para ela, continuando a trabalhar no frango com empenho.
A garota tirou o avental e o deixou em cima da bancada, caminhando até a sala rapidamente quando a campainha voltou a soar insistentemente.

 

— Já vai!

 

Ela bufou com a impaciência da pessoa e passou pelo hall, alcançando a porta e rodou a maçaneta. Então a abriu e arregalou os olhos ao fitar o homem meio grisalho do lado de fora, vestido em um terno azul e gravata vermelha, com uma maleta, a barba branca aparada e o familiar sorriso de quem estava prestes a ganhar mais uma partida de pôquer.

 

— Joey? — perguntou Brooke, piscando diversas vezes.

 

O homem assentiu com a cabeça e, sem aguardar por um convite, saiu entrando na mansão e só parou no meio do hall, onde colocou a maleta no chão e abriu os braços.

 

— Você deve estar surpresa em me ver — disse Joey, o sorriso se tornando paterno. — Venha cá, miss simpatia.

 

Uma risada saiu da garganta de Brooke e, mesmo não acreditando que ele estivesse ali, ela correu em sua direção, o abraçando com força.

Joey Lynd era o advogado de sua mãe, amigo mais íntimo da família e seu padrinho, além de ser o mais próximo de figura paterna que Brooke teve em sua vida. E é claro, melhor inventor de apelidos sarcásticos, como por exemplo o que ele havia a dado — miss simpatia.

A ironia estava no fato do apelido ter surgido aos treze anos dela, quando sua fase ruim estava começando e não havia nada de simpático em sua conduta. Em meios aos problemas da época, Joey soube fazer um aproveitamento do mau-humor e grosseria da Evern e encontrou, segundo ele, o apelido perfeito.

Agora o homem dos apelidos sarcásticos estava a abraçando, coisa que não deveria ser possível já que ele deveria estar na Índia.

 

— O que você está fazendo aqui? — Indagou Brooke, assim que se afastaram, ainda surpresa.

 

— É bom ver você também, criança — replicou Joey, divertido, fazendo a afilhada ruborizar e abrir a boca para se corrigir, porém ele foi mais rápido: — Eu estou brincando, querida. Mas é verdade que senti saudades, e estou aqui porque preciso conversar com você e com sua mãe. Aliás, demorou um pouco para achar sua localização. Este não é o endereço que vocês me enviaram quando se mudaram para essa cidade.

 

Brooke sentiu o rubor lhe abandonar o rosto, sendo substituído pelo branco da palidez. Oh, não, foi o seu primeiro pensamento ao ouvir as palavras de seu padrinho. Não tinha uma explicação preparada para aquilo, porque não estava pronta para aquilo, mas sabia que se ele estava ali, em Forks, era porque o assunto era sério.
Ela engoliu em seco.

 

— Hã... esta é a casa de uma amiga. Os Cullen. Estou morando aqui por uns tempos.

 

As sobrancelhas de Joey Lynd se franziram.

 

— Por que? Onde está sua mãe?

 

— Em um cruzeiro pelo Havaí — respondeu Brooke, tentando não soar nervosa ou culpada, muito menos como alguém que convive com vampiros diariamente. Ela cruzou os braços, abrindo um sorriso amarelo. — Mamãe precisava de umas férias. Sozinha.

 

Joey piscou, parecendo confuso, e depois desconfiado. Ele encarou a Evern por mais meio segundo e então desviou os olhos para a casa, analisando o hall, os quadros de arte na parede, os aparadores ao longo do corredor. Esticou até o pescoço para espiar a sala de estar.

 

— É uma bela casa — Comentou ele, por fim. E voltou-se para a morena, se tornado sério de repente. — A família dessa sua amiga... eles te tratam bem?

 

Brooke conseguiu sorrir sinceramente.

 

— Muito.

— E você está bem?

— Sim.

— Está comendo direito?

— Sim, Joey.

— Está muito magrela, na minha opinião — murmurou ele. E suspirou. — Estive preocupado com você durante todo esse tempo. E com Marcy. Percebi que não deveria tê-las deixado sozinhas depois da tragédia que aconteceu com sua irmã...

 

Brooke não queria falar sobre a morte de Penny, muito menos ouvir as desculpas de seu padrinho por ter ido embora, oito meses depois, e ficou agradecida quando o barulho de passos apressados interrompeu o que ele iria falar.

Ela e Joey se viraram ao mesmo tempo, e observaram enquanto Gaz irrompia pela sala, por sorte na velocidade humana.

 

— Broo, eu senti um cheiro diferente e ouvi vozes... — disse Gaz, se aproximando apressado e olhando para ela. Percebeu a presença do homem um pouco tarde, quando já havia invadindo o espaço pessoal dele. — ... e vim checar. Quem é ele?

 

Brooke mordeu os lábios, tentando não entrar em pânico. O rosto de Gaz estava em cartazes e folhetos espalhados pela rua, dado como desaparecido. E, mesmo Joey estando na cidade a pouco tempo, ainda assim era um risco ele conhecer o Julions.

 

— Olá, eu sou Joey Lynd. Padrinho e advogado da miss simpatia — Apresentou-se Joey, estendendo a mão com um sorriso educado no rosto. — Quem é você?

 

— Miss simpatia? — Gaz encrespou a testa.

 

— É. Essa minha afilhada é poço de... Por que seus olhos estão vermelhos, filho?

 

— Porque ele joga RPG! — Exclamou Brooke, lançando um olhar significativo para o vampiro. — São lentes de contato. Ele joga como um vampiro. E ah, o nome dele é... Kevin. Kevin Cage. Ele é um primo distante dos Cullen e está de visita.

 

Gaz e Joey a olharam simultaneamente.

 

— Como Nicolas Cage? — O mais velho perguntou, erguendo as sobrancelhas.

 

— Todos dizem que pareço com ele, mas minha mãe continua dizendo que não temos grau de parentesco — disse Gaz. — Ah, sim. Sou Kevin. É um prazer, senhor.

 

Os dois apertaram as mãos.
A Evern já quase conseguia sentir o gosto do sangue de seus lábios de tão forte que os mordia, em puro nervosismo.

 

— Que bom que se conheceram. Mas Kevin, você não deveria estar em outro lugar?

 

Gaz — Kevin — entendeu a mensagem.

 

— Ih, é mesmo. Tenho que levar minha cadela para passear — ele bateu na testa. — Foi um prazer conhece-lo, sr. Lynd. Até mais e com licença.

 

Brooke segurou o suspiro aliviado quando viu o Julions dar meia volta e, sem esperar resposta, caminhar apressadamente para fora da casa.

 

— Eu não vi cadela nenhuma — Joey a cutucou.

 

— Você disse que queria conversar — ela desviou o assunto. — Vamos conversar.

 

A garota não deu chances para o padrinho contestar; saiu andando, saindo do hall e adentrando a sala de estar. Joey a seguiu, carregando a maleta em uma das mãos, a outra limpando sujeiras inexistentes no terno azul.

Esme estava na sala, sem o avental e com um sorriso educado no rosto, embora parecesse tensa. Assim que os dois se aproximaram, ela disfarçou bem a tensão.

 

— Parece que temos um visitante.

 

— Esme, esse é Joey Lynd, meu padrinho e advogado da minha mãe. Joey, essa é Esme Cullen, dona da casa — Brooke fez as apresentações. — Ela e o marido Carlisle me receberam de braços abertos.

 

Joey deu um passo à frente, tomando a mão da matriarca dos Cullen e lhe beijando o dorso da palma, muito galanteador.

 

— É um prazer, senhora Cullen. E devo dizer que sou muito grato por terem cuidado da minha afilhada. Ela disse que vocês cuidaram muito bem dela durante esse tempo, embora eu não saiba de quanto tempo estamos falando.

 

Brooke o olhou feio.

 

— Oh, me chame de Esme, por favor. E não precisa agradecer, Brooke é bem vinda nessa casa — disse Esme, com amabilidade. — Deseja comer ou beber algo, sr. Lynd?

 

— Joey, por favor — Corrigiu. — Não será necessário. Desejo apenas conversar com minha afilhada.

 

— Posso usar o escritório de Carlisle? — Pediu Brooke, olhando inquieta para Esme.

 

— Claro, fiquem a vontade. Você sabe o caminho, querida — respondeu. E então, quando Joey olhou para o lado, a vampira sibilou para a morena: — Relaxe.

 

Relaxar era a última coisa que ela faria.

Com esse pensamento reconfortante, Brooke guiou Joey até o escritório. Ela deixou o padrinho entrar primeira e fechou a porta atrás de si logo em seguida. O cômodo estava como estivera todas as outras vezes que entrara ali: limpo e arrumado.

Os papéis em cima da mesa de mogno escuro estavam organizados minuciosamente, as lombadas de inúmeros livros decoravam as estantes que iam do chão até o teto e havia a maca de sempre ao fundo do escritório.

 

— Uma maca? — Indagou Joey, coçando a sobrancelha direita.

 

— Carlisle é médico — Esclareceu Brooke, encolhendo os ombros. Então apontou para uma das cadeiras envolta da mesa. — Pode se sentar.

 

O homem grisalho assentiu, sentou e colocou a maleta no colo.
 A Evern tomou o assento do outro lado da mesa, na cadeira onde Carlisle costumava ocupar, ficando de frente para o padrinho. Os dois se encararam e o silêncio se estabeleceu.

 

— Então... onde está sua amiga e os, hã, outros moradores da casa? Pensei que Esme tivesse seis filhos — murmurou Joey, pigarreando logo em seguida.

 

— Você ouviu falar dos Cullen — Brooke rolou os olhos. Cidade pequena, grandes fofoqueiros. — Estão na escola. Todos cursam o ensino médio.

 

— Ah, sim. E eu vou querer saber por quê você não está na escola?

 


A Evern tossiu.

 


— Isso é irrelevante, eu tenho atestado. Sobre o que você quer falar?

 

Foi a vez de Joey Lynd tossir. Ele afrouxou a gravata vermelha no pescoço e se remexeu na cadeira, como se nela houvessem pregos ou algo do tipo. No final, soltou um longo suspiro frustrado e fitou a morena.

 

— Eu vim até esta cidade porque decidi que precisava falar com você. Na verdade, sua mãe e eu precisávamos, mas ela não está presente e... não sei se é certo falar disso sem ela — disse ele, colocando as mãos em cima da mesa e Brooke notou que estavam brilhantes de suor. — Mas eu preciso. Já passou da hora.

 


— Falar sobre o quê?

 

Joey respirou fundo. Abriu a boca e voltou a fechar algumas vezes, buscando as palavras certas. Parecia agitado e enrolado com o que tinha para falar, o que preocupou Brooke, que nunca o tinha visto desse jeito.

 


— Me desculpe, querida. Eu não sei por onde começar... Diabos! Isso seria tão mais fácil se Marcy estivesse aqui — ele balançou a cabeça. — Mas tudo bem. O que eu tenho para falar envolve você, sua mãe e eu. E Penny — O rosto de Joey se contorceu em dor, e seus olhos ficaram úmidos. — Antes da morte da sua irmã, creio que vocês duas tenham crescido com uma visão... um pouco errada sobre mim. E confesso que tenho uma parcela de culpa. Só que esse não é o ponto. O ponto é, eu não deveria ter esperado tanto tempo para contar. Mas a mãe de vocês não quis contar e muito menos me deixou, e ainda assim eu deveria... agora é tarde demais. Oito meses tarde demais... eu só queria ter dito antes, querida. Mas achei melhor respeitar a decisão de Marcy, e agora olhe só. Sua irmã morreu. Ela era uma criança tão inocente e esperta, e eu a amava tanto...

 


 Ele soluçou, e desmoronou. Brooke espantou-se, pois também nunca vira o padrinho chorar. Porém, ele estava chorando. Em sua frente. E, quando a olhou diretamente nos olhos, ela quase não o reconheceu.

Diante de si, não estava o homem divertido e compreensivo que conhecera sua vida toda, mas sim um homem quebrado, carregando uma dor e um luto profundo.

 

— Eu não estou entendendo, Joey — sussurrou.

 

— Você vai entender — ele fungou. Então deve ter percebido seu estado, porque retirou um lenço de seda do bolso do terno e assoou o nariz, e se recompôs. Quando voltou a falar, deu a entender que mudou de ideia: — Vou esperar sua mãe voltar para termos essa conversa, miss simpatia. É melhor assim, além do mais eu já esperei doze anos... — Sorriu hesitante. —... posso esperar um pouco mais.

 


Brooke pestanejou.

 

— Mas...

 


— Irei ficar na cidade até sua mãe voltar — A interrompeu Joey, se levantando bruscamente. — Mandarei o endereço do hotel em que estou hospedado por mensagem, você tem o meu número. Você ficará bem aqui?


— Sim, mas...


— Excelente! Agora eu preciso ir.

 

 


 Brooke também se levantou e observou, com a testa franzida e completamente confusa, o padrinho ajeitar a gravata vermelha e deixou que ele a abraçasse brevemente.

Então ficou parada no lugar enquanto o via se afastar e caminhar na direção da porta do escritório, sem vestígios do homem devastado em lágrimas que fora alguns minutos atrás.
Ela refletiu sobre aquilo.

 

— Brooke? — Chamou Joey, se detendo com a mão na maçaneta. — Quase me esqueci de contar.

 


— O quê? — Inquiriu a morena, curiosa.

 


— Luke veio comigo. Ele está na cidade.

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Olá, amores!
Esse capítulo finalmente saiu, amém! Eu pensei que não fosse conseguir postar até o próximo mês, mas felizmente o bloqueio cedeu um pouco e entrei em férias curtas. Tenho quinze dias em casa e vamos ver o que acontece.
Antes de fazer as considerações sobre o capítulo, queria agradecer sinceramente a paciência de cada um de vocês, o apoio, os comentários e todo o carinho. Já são quase dois anos de fanfiction e ainda falta um pouco para a reta final que, vou ser sincera, estou pensando em mudar. Talvez Eyes On Fire ganhe uma continuação, talvez não... Estou refletindo e quando tomar uma decisão, compartilharei com vocês.
O que acham disso?

Agora, sobre o capítulo: Joey Lynd é o padrinho que eu gostaria de ter. Sei que muita gente vai ficar confusa com a chegada repentina dele, mas acreditem, há uma razão. E um segredo envolvendo ele.
Para quem recorda do Luke, citado nos capítulos anteriores, ele estará no próximo capítulo, é já adianto que isso não é um bom sinal.
Já estou cansada de fala sobre o Alec, mas apenas o que vou dizer hoje, é que ele é um vampiro cabeça dura.

Isso é tudo que eu tenho a falar.

Deixem um comentário e façam uma autora feliz!

Até o próximo capítulo...

Bjs! ♡



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