O Corvo escrita por Paladina


Capítulo 5
Dia 5 — Corvo e as folhas


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de fazer um agradecimento especial as três grandes pessoas que estão me motivando a continuar escrevendo: Alpaca Feliz, Lucie e Solline. Se vocês soubessem o quanto sou grata, fariam chantagem emocional.

Tenho que admitir que esse capítulo e o anterior foram todos escritos no mesmo dia, tamanha ansiedade. Fora que eu tenho que ir adiantando a história para quando chegar minha época de provas eu conseguir fazer um "hiatu" temporário sem atrapalhar ninguém.

Espero que mais gente leia e comente essa história até lá.
By the way, bom capítulo pessoal!



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Era tão satisfatório poder ensaboar-se e tirar a lama seca por entre os dedos que Corvo não foi capaz de esconder um sorriso enquanto o fazia. Havia uma estalagem em Folhamarga que oferecia bons serviços em troca de um preço nada justo, mas Grifo Negro não pareceu incomodada com isso - a Ordem sempre garantia que seus paladinos possuíssem o suficiente para o sustento. Depois das moedas entregues, o escudeiro foi levado a uma sala cheia de piscinas aquecidas, com várias pessoas banhando-se entre as névoas.

Ao longo do primeiro mês treinando, seu corpo começou a mostrar mais vigor e podia sentir-se mais leve, mas ainda havia gordura e pele em excesso, o que o fez timidamente agradecer por ter conseguido uma piscina vazia para si. Lentamente entrou na piscina, descendo pedra por pedra, sentindo a pele arrepiar na medida com que o calor invadia seu corpo. Sentou-se e deu um suspiro relaxado, para por fim mergulhar.

Ficou um bom tempo submerso.

— Quá quá quá quá — Alguém riu na superfície, alto o bastante para ser ouvido até onde Corvo se encontrava. — Você tinha que ver a cara dele quando eu o joguei no chão, Tadeo. Tinha que ver!

Pouco a pouco, Corvo colocou ambos os olhos fora d'água, observando o locutor. Um anão de barba acobreada - cujo pontas trançadas eram presas em anéis - corria pelo chão úmido, com suas intimidades balançando junto de sua barriga rígida cada vez que ria. Ao seu lado, um homem robusto, de barba e cicatriz o acompanhava em um silêncio divertido. Corvo subiu toda a cabeça para fora da piscina.

— Dargil? — Perguntou, chamando atenção do anão. — Tadeo?

A dupla parou um momento e olhou para Corvo, depois entreolharam-se com o cenho franzido.

— Quem é... — Começou o anão, mas estacou por um instante, e em seguida inspirou assustado quase todo o ar da sala ao reconhecê-lo. Começou a bater no antebraço de Tadeo como se buscasse chamar sua atenção. — É o peixe-boi! Com cabelo!

— Sim, agora eu vejo... — Tadeo semicerrou os olhos e coçou sua barba, como quem revira memórias passadas. — O garoto águia, não é?

— Corvo. — O corrigiu, em tom educado. — E eu tenho que te devolver as moedas que me emprestou.

— Sim, eu me lembro! O garoto que dei as moedas. — Disse para Dargil, sorrindo por entre a barba escura. — Corvo, já faz um mês. Ainda bem que não cobro juros. Como veio parar aqui?

O anão e o homem entraram na piscina, sentando ao lado do aprendiz como se fossem velhos amigos. Corvo constrangeu-se, mas tentou esconder o semblante. Sentiu falta do elfo que os acompanhava.

— Eu... Bem... — Estava vermelho, mas molhou o rosto com as mãos para fingir ser a quentura da água. — Estou aqui por causa da minha mestra.

— Não sabia que você tinha uma mestra. Ela é bonita? — Perguntou Tadeo. — Jovem?

— Ignore ele, peixe-boi, ele nunca consegue conquistar mulher alguma. — Disse o anão, lavando sua barba com vontade. — Mas sempre tenta.

— Um dia eu consigo. — Respondeu, e os dois gargalharam juntos.

— Haha. — Forçou uma risada, mas realmente não era capaz de entender esse tipo de conversa. — E onde está... — Tentou se recordar do nome. — Garian?

— Ele é só um meio elfo mimado. — Explicou o anão, dando de ombros. — Disse que se recusa a dividir uma banheira com homens, mas nunca mostrou problema em dividir mulheres.

— Chega de falar de mulheres. — Pediu Tadeo. — Nosso amigo Corvo ainda não dormiu com nenhuma.

Corvo sentiu as bochechas ficarem mais quentes que a piscina.

— Mas está na idade. — Tentou convencer Dargil. — Quantos anos tem, peixe-boi?

— Eu tenho doze... — Conseguiu falar após muito esforço.

— Nessa época eu era chamado de rei delas. — O anão barbudo piscou um olho.

— Suas mentiras são tão cabeludas quanto sua barba. E chegam a ser piores que as de Garian. — Afirmou Tadeo, massageando as têmporas. — Falta um bom tempo antes dele ser um homem feito. Deixe isso para lá por enquanto, garoto. Um dia você encontrará uma mulher e então vocês dois...

Corvo mergulhou na piscina. Quando voltou, pegou o sabonete e começou a passar no corpo com força, desviando pensamentos.

— E então vocês dois se casarão e terão lindos filhos. — Continuou a dizer Tadeo, sem interromper o assunto.

— Você sabe que uma vida calma e feliz pode não ser a coisa dele. — Sugeriu Dargil, lavando a cabeça. — Talvez ele venha a ser um aventureiro como nós!

Corvo chegou a sorrir com o comentário.

— Eu gostaria de ter uma vida pacífica... Mas também gostaria de viver aventuras.

— Ah, peixe-boi, poucos homens tem sorte o bastante para viver os dois. — Assoou o nariz. — As vezes morrem antes de ter um.

Depois disso, silenciaram-se por um bom tempo. Corvo limpou atrás das orelhas, entre os dedos, o umbigo e os cabelos. Era bom a sensação de passar a mão no curvo emaranhado negro que ia surgindo no topo de sua cabeça. Indicava uma nova fase em sua vida. Depois de terminar sua higienização, continuou na piscina aproveitando o frescor aquecido e ouvindo a conversa da dupla. Tadeo cruzava os braços e fazia algum comentário a respeito do uso de osso de dragão em espadas, citando certos perigos para o usuário, e Dargil respondia algo sobre magia negra e os perigos da necromancia. Pareciam inteligentes de alguma maneira, mas não através de estudo como ocorria com Grifo Negro, mas experiência.

— Garoto, você deveria ir conosco qualquer hora dessas. — Sugeriu Tadeo. — Seria interessante vê-lo pular de penhascos e lutar contra goblins.

— Seria cômico! — Gargalhou Dargil.

— Eu realmente gostaria. — Foi honesto em cada palavra, mas sabia que no momento tinha outros ideais em mente. — Mas não posso. Eu sou escudeiro de uma paladina, tenho deveres... E...

— Está tudo bem. — Dargil e Tadeo deram-lhe tapinhas nas costas ao mesmo tempo. — Não pretendemos morrer cedo. — Brincou Tadeo. — Então você pode resolver seus assuntos, nos esbarraremos qualquer hora.

Corvo abriu um sorriso realmente feliz, e devolveu tapinhas em ambos.

— Apesar de tudo — Piscou pesadamente —, eu ainda não sei o que vocês vieram fazer aqui.

— Não dissemos? Somos aventureiros! — Gritou Dargil, e alguém em outra banheira atirou um sabonete contra ele. — Ei, seu filho da...

Outro sabonete.

— Estamos em missão. — Resolveu explicar Tadeo enquanto Dargil saia da água para iniciar uma luta. — Vamos receber um bom dinheiro por ela.

— Parece incrível!

— E é.

— Do que se trata a missão? — Indagou. — Derrotar uma criatura?

— Quase isso. Mas é confidencial. — Fez um sinal de silêncio. — Um dia, quem sabe, te conto. Por agora... — Voltou o olhar para Dargil, que saia deslizando os pés em direção a uma piscina. —... Terei de pará-lo.

Trocaram acenos amigáveis, e Tadeo saiu da piscina, correndo em direção a Dargil, unindo-se a luta que o anão iniciou contra outros três homens que banhavam-se. Som de água e afogamento foi escutado.

Corvo deu por si de que estava demorando demais para voltar. E como  aquilo não era problema seu, saiu da água, enrolando-se na toalha que havia deixado cuidadosamente dobrada na borda. Realmente, ainda devia algumas moedas, não seria a última vez que se encontrariam.

Encontrou-se com Líria ao lado de fora da estalagem, e pela primeira vez ela não estava vestida em armadura, mas trajava um belo vestido amarelo. Daquele modo, não se parecia nada com uma paladina, e tampouco exalava um aspecto bruto, mas transmitia uma elegância digna de uma belíssima dama da nobreza. Corvo desviou o olhar, cabisbaixo, ao se lembrar de que sua mestra fora da nobreza antes de toda sua família falecer. Ela o recebeu com um afago na cabeça, bagunçando seus cabelos que pingavam água.

— Agora sim poderemos ver Lorde Ecqual. — Entregou-lhe uma muda de roupas. — Mas vista-se com isto, talvez fique mais adequado.

Corvo seguiu suas ordens e voltou para estalagem para trocar-se. Sentia-se extremamente desconfortável em frente ao espelho, dentro de todo aquele tecido apertado e colorido, mas ainda pior era o fato de que a pena em sua orelha não combinava em nada. Fez uma careta ao perceber o mínimo senso de moda em si mesmo. Saiu do local e reencontrou Líria.

— Me sinto como um candelabro.

— Candelabros não tem detalhes pretos. — Comentou, apontando para seu cabelo. — Senão soariam fúnebres demais e acabariam escurecendo o local ao invés de iluminá-lo.

— Uma colher, então. — Uma tão grande e gorda como eu.

— Garfo, talvez. — Chegou a entrar na brincadeira, mas sua feição logo desmanchou-se para assumir um tom mais sério. — Quando estivermos lá, atente-se a todos os detalhes.

— Iremos montados? — Indagou.

— Infelizmente, não. Deixei os cavalos com um cavalariço para descansarem em um estábulo, e vamos desarmados também. Mas a casa do lorde não fica longe.

Corvo sabia que não. A casa de Lorde Ecqual era grande o bastante para ser visualizada de longe, em meio as dezenas de outras casas e árvores, uma construção de madeira avermelhada com lábaros esvoaçando ao vento. Seu símbolo era uma folha rosa sobre um fundo alaranjado. Se tivesse sido um pouco mais ambicioso, teria feito sua casa com mais alguns andares, e assim teria se tornado uma fortaleza. De toda forma, quando lá chegaram, os guardas impediram seu prosseguimento apontando suas lanças pungentes para seus pescoços. Tinham armaduras tingidas de laranja e seus mantos eram rosados, quase dois por do sol sobre pernas.

— O que querem aqui? — Perguntou o da esquerda, áspero. Era impossível ver seus rostos devido ao elmo. — Lorde Ecqual não marcou nenhuma reunião para hoje.

— Creio que por isto ele poderia ver-nos. — Ela sorriu. — Sou Líria, a Grifo Negro, da Ordem da Fênix.

— Parecem mais viajantes comuns. — Interpôs o outro.

— Viajantes comuns viriam armados. — Gesticulou, fazendo questão de mostrar as mãos nuas. — Seja para calar vocês e entrarem, ou para resolverem qualquer problema quando lá dentro estiverem. Um paladino vem com suas cicatrizes e seus objetivos, nada mais.

Os homens hesitaram e abaixaram suas lanças, mas ainda impediam a passagem. Ela falava muito bem para um plebeu, e suas mãos eram calejadas demais para não ser experiente em batalha. No entanto, pareciam não estarem convencidos o bastante.

— O que a Ordem da Fênix quer com o lorde?

— Ajudar-lhe com filha. Quem sabe até diminuir os impostos.

E cederam, dando um passo para o lado. Um deles os acompanhou.

— As coisas parecem tão simples quando você começa a falar... — Comentou em tom baixo o escudeiro, assim que entraram no casarão.

Os corredores eram bem decorados, enfeitados com tapeçarias que seguiam um padrão de cores agradável aos olhos. O chão em algumas partes era forrado por carpetes, e ora ou outra apareciam alguns servos.

— Um homem tinha a cura para todas as coisas — Começou a dizer Grifo Negro —, enquanto outro tinha um remédio qualquer sem efeito algum. Ambos palestravam no meio da rua, e aquele que não tinha nenhum remédio atraiu mais pessoas do que o outro. Quando o que tinha a cura o questionou a respeito de como ele conseguia atrair as pessoas, ele disse “eu prego a mentira como se fosse verdade, e você prega a verdade como se fosse mentira”.

— E o que isso quer dizer?

— Que a oratória é a arma e a defesa mais poderosa que você possui. Nunca se esqueça disso. — E Corvo jamais se esqueceria.

O guarda os guiou para uma pequena sala de jantar, um lugar mórbido e de decorações fúnebres. Um homem vestido em trajes alaranjados e entristecido, possivelmente lorde Ecqual, estava sentado sombriamente na ponta da mesa, sozinho, com a face na penumbra e a ponta dos dedos brincando com o fogo da única vela acesa. Ele parou os movimentos para encará-los. Corvo sentiu uma vertigem dominá-lo.

— Lorde Ecqual, esta é Líria, uma paladina da Ordem da Fênix.

— Deixe-nos. — Ordenou, fazendo um movimento com a mão.

O guarda curvou-se e se afastou. Líria e Corvo deram alguns passos para frente, e ela o cumprimentou com uma reverência que foi copiada por Corvo. O lorde esperou que começassem a falar.

— Serei direta. — Líria tinha um tom nunca antes usado, e à meia luz seu cabelo parecia ser de cobre líquido. O escudeiro não soube a quem temer mais; Se a figura devastada do lorde, ou sua mestra de voz afiada como adaga. — Leviot trouxe-me aqui em busca de uma mulher que precisaria de nossa ajuda. Assim que cheguei não pude evitar de ouvir rumores...

— Pare. — A voz de Ecqual era dura como aço. — Muitos tentaram antes de você. Tudo está sob controle... Estamos pagando serviços de alguns aventureiros para que a encontrem. Vá embora.

Por isso os impostos estavam altos, notara Corvo, atento a cada palavra, ele precisa de uma forma de bancar o pagamento.

— Nenhum deles conseguirá, meu senhor. — Nas sombras, Corvo sentiu que sua mestra era fulminada com o olhar. — Isto não é um caso mundano... Sua filha provavelmente está envolvida com...

— BASTA! — Gritou o homem, socando a vela com as costas das mãos e apagando a única luz da sala. — Não quero ouvir um maldito pio! De vocês, paladinos, eu me cansei. Se acham os donos do mundo e da razão, mas todos sucumbirão a morte como qualquer outro mortal!

Corvo amedrontou-se e quis fugir dali, chegando levantar o pé para dar um passo para trás. Mas a mão de Líria o segurou forte pelo braço, prendendo-o ali. A presença do homem era sentida com tremenda força mesmo no escuro.

— Vão embora. Vão embora. Vão embora...

As pupilas do escudeiro dilataram-se quase omitindo toda sua íris azul. Era como estar confinado junto a um demônio sedento por sangue. Seu coração palpitava forte, e temeu que seus batimentos pudessem ser ouvidos por ele. Temia que o lorde farejasse seu medo.

— Como desejar. — Disse Líria, puxando Corvo para fora da sala de jantar. Quando deram as costas, foram capazes de ouvir as bufadas de Ecqual ecoando pela sala de jantar.

A medida com que se afastavam, Corvo ia se acalmando.

— Não fuja quando a situação escapar do controle de suas mãos. — Ensinou-o, como fazia diariamente, mas desta vez não havia um tom gentil. — O medo torna-o corajoso, porém cobrir-se dele o torna fraco.

— C-como... — Gaguejou e engoliu em seco. Pigarreou. — Como posso fazer do medo uma força?

— Eu lhe disse isso no dia em que nos conhecemos. — Parou de caminhar, só então soltando seu braço. — O mal não é um equilíbrio do bem, mas uma consequência. O medo é um bem tentando encorajá-lo, mas ao falhar você enfraquece e vira um covarde, o mal. É seu dever saber caminhar entre estas duas linhas... Nunca deixando que o bem torne-se uma consequência negativa.

Corvo assentiu com a cabeça.

— Mas nós... Falhamos? — Perguntou, depois de alguns segundos se recompondo. Líria afagou seus cabelos.

— Não. Viemos em busca de uma mulher, não viemos?

Corvo abriu a boca para responder, prontificado, mas uma voz feminina vinda do fim do corredor o atrapalhou. Uma mulher.

— Com licença, paladinos. — Pediu, aproximando-se de ambos. — Perdoem meu marido. — A senhora esposa de Ecqual parou ao lado de Corvo. Era uma mulher belíssima, reparou o garoto, mesmo tendo o dobro da idade de sua mestra. Tinha longos cabelos castanhos, olhos de igual cor e um rosto em formato de coração. Notáveis curvas. — Ele tem estado tão estressado...

— Nós compreendemos, senhora. — Grifo Negro a reverenciou, e Corvo fez o mesmo, boquiaberto pela beleza e coincidência.

Como sou tolo, sopesou, não é uma coincidência.

— Podemos conversar em outro lugar...?

— Seria apropriado. — Concordou a paladina.

— Por favor, vamos aos meus aposentos. — E começou a caminhar, esperando que ambos a acompanhassem. Líria sorriu para Corvo.

Ele a seguiu.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Comentem aí, isso ajuda de montão. >No maior estilo propaganda do Mc Donalds possível<É sério, isso motiva bastante e me faz ter ideias... É a melhor coisa do mundo ter um retorno de quem te lê. Nunca se esqueça disso.

Até o próximo capítulo, xoxo



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