Manipuladores do Futuro escrita por Amanda Maia


Capítulo 2
Festa ruim, garotos e perigo. E que comece a agitação!




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Passar a noite em claro foi estava virando rotina nos últimos dias e dessa vez, ficou pensando no garoto que tinha sobrevivido ao acidente. Ele tinha perdido o pai quando já não tinha mais a mãe. Depois de uma noite difícil e um dia mais difícil ainda, com policiais perguntando o que ela tinha visto e dando seu depoimento na delegacia da cidade, Sophie queria apenas relaxar um pouco.

Havia conseguido remarcar sua prova, pois o acidente foi notícia em todas as cidades da região. Bárbara, no meio da confusão, acabou contando para um rapaz o que elas tinham visto, sem perceber que se tratava de uma entrevista, e seus nomes saíram no jornal, deixando a moça ainda mais irritada.

Ficou uma semana em casa e seus pesadelos não paravam de assombrá-la. Seus pais não lhe davam credibilidade quando dizia que sabia sobre o acidente e seus amigos Carlos e Sabrina viriam essa noite para tentar animá-la, mas ela só queria ficar sozinha.

Bárbara não queria que a filha continuasse contando aquela história e seu pai parecia ficar irritado quando a ouvia. Para seus pais, parecia ter sido mais um dejavú do que uma visão de algo que iria acontecer. Sophie chegou a pensar que estava ficando maluca e todos acharam que era trauma por causa do acidente. Seu pai disse que iria marcar uma consulta com o psicólogo, o que a deixou com muita raiva e medo, e fez com que se trancasse no quarto.

Não voltaria ao psicólogo de jeito nenhum e sua mãe, ao mesmo tempo que tentava não discordar de Rogério, também tentava entender a filha, mais uma vez.

Quando Sabrina chegou à noite, Sophie queria conversar, o que raramente acontecia entre as duas. Sabrina, como sempre, tinha feito planos e chegou pedindo para a amiga se arrumar, pois elas iriam numa festa que o irmão de Carlos tinha sido convidado e em pouco tempo os dois viriam buscá-las. 

Com muito custo, Sophie foi se arrumar. Não adiantava discutir com Sabrina e não existia energia para isso. Com certeza Rogério e Bárbara tinham concordado que a filha precisava sair um pouco de casa para esquecer o que tinha acontecido, então, ela iria sair de casa.

Se olhou no espelho, analisando suas roupas, respirou fundo e mesmo sem vontade, foi para a sala onde Sabrina a esperava com seus pais. Rogério estava concentrado em uma de suas engenhocas, Bárbara digitava loucamente no computador e sua amiga trocava mensagens de texto pelo celular.

Quando perceberam a presença de Sophie na sala, sua mãe a olhou e sorriu como sempre, Rogério demorou a enxergar a filha, mas sorriu quando o fez. Os dois pareciam se orgulhar com a visão da filha, mas Sabrina bufou:

— Calça e camiseta, Sophie? Demorou tanto para vestir isso?

— Demorei porque queria ver se você desistia. E se reclamar muito, volto para o meu quarto!

— Tá bom, não precisa morder, ficou bom assim. – Deu de ombros. Em sua opinião, era melhor assim, Sophie não chamaria atenção na festa.

Sabrina usava um salto prateado plataforma que brilhava de tanto glitter e um vestido colado preto, dessa forma achava que iria superar qualquer coisa que a amiga resolvesse usar. Só não pensava que seria algo assim tão fácil. Antes que voltassem a conversar, uma buzina tocou e as duas foram em direção à porta, uma entusiasmada e a outra, anestesiada.

Sophie pegou sua bolsa antes de passar pela porta. Carlos esperava com seu irmão mais velho, Igor, no jipe antigo de seu pai. As duas entraram e cumprimentaram os amigos. Carlos olhou desconfiado para Sophie, mas achou melhor não comentar nada. Só pela expressão da amiga, ele já sabia que era bom ficar quieto, a roupa dela deixava claro, pelo menos para ele, que estava sendo forçada a sair.

Eles foram o caminho todo ouvindo Sabrina tagarelar sobre roupas, garotos e sapatos. Carlos teve vontade de atirar um sapato na cabeça dela, mas se conteve.

Apesar de sua idade, Sophie não costumava ir muito à baladas ou festas, preferia sair com algum garoto que estivesse a fim. Seus pais não pegavam em seu pé, pois ela sempre saía com seu celular, deixava algum endereço caso precisem encontrá-la e nunca desligava o aparelho.

 Uma vez, seus pais ligaram querendo saber onde a filha estava. Sophie deu o endereço de um restaurante e os dois foram conferir se a encontrariam jantando com algum garoto e de fato foi o que viram. Ficaram falando a semana inteira sobre o namorado da filha e perguntando quando iriam conhecer o rapaz, foi a única vez em que a deixaram realmente irritada.

Ela explicou que não estava namorado e seus pais ficaram curiosos, principalmente Rogério, que fez a besteira de perguntar o que o garoto era então. Com paciência, Sophie esclareceu que ficava com o garoto de vez em quando, mas seu pai cismou que tinha que conversar com a filha sobre o que os garotos nessa idade queriam das meninas.

Sophie ouviu tudo com a maior impaciência possível e quando Rogério terminou, Bárbara tentou interferir. Era tarde demais. A garota disparou dizendo que já sabia de tudo aquilo e que sabia se prevenir. Rogério achou um absurdo a filha transar com alguém que não fosse seu namorado e a discussão foi longe, até Bárbara gritar com os dois e contar ao marido que já tinha conversado com Sophie sobre isso e que ela sabia o que estava fazendo. Seu pai ficou vermelho de tanta raiva e foi para o quarto sem falar mais nada. Sophie não soube o que os dois conversaram depois, só que nunca mais seu pai perguntou sobre sua vida afetiva.

Quando chegaram à festa, ela quis sair correndo. O lugar estava cheio de adolescentes bêbados se atracando. Estavam em uma chácara; a piscina estava cheia de pessoas com roupa, outras sem, e fumaça de algo não identificável empesteava o lugar. Seus amigos foram se arrumando em algum lugar na multidão, a deixando sozinha.

Inquieta, foi procurar algo para comer, não encontrou nada, apenas bebida alcóolica, então foi se sentar na mureta perto do minicampo de futebol. A única coisa boa era a música, naquele momento tocava Church Heathen de Shaggy, tirada do baú, claro, mas boa, e a festa parecia o clipe dessa mesma música, porém, com menores de idade, pouca gente bonita, bem menos dança e mais agarração a céu aberto.

À distância, observava os amigos, aguardando o melhor momento de avisar que queria ir embora, Sabrina beijava um garoto bonito, muito bonito na verdade. Carlos conversava com algumas pessoas e justamente quem interessava não estava à vista, Igor, o motorista.

Em sua distração observando as pessoas daquela festa e pensando naquele acidente, decidiu pensar que imaginou mesmo tudo aquilo e que não tocaria mais no assunto, pelo menos sabia que seria melhor que ir ao psicólogo. Notou um garoto que parecia destoar daquele ambiente e que era familiar.

  Ele estava fumando alguma coisa e seu jeito estava completamente alterado, demorou a perceber quem era, mas ficou surpresa quando o fez.

 O garoto que tinha sobrevivido ao acidente. Ele estava eufórico. Sophie ficou olhando fixamente em sua direção, se perguntando o que ele estava fazendo ali, uma semana depois de perder o pai. Provavelmente tinha sido obrigado a sair de casa também. De repente, ela ouviu: — Oi – próximo de seu ouvido que a sobressaltou.

Quando virou na direção da voz, sentiu a sensação de já ter visto o rapaz em algum lugar, mas o ignorou, respondendo com um “oi” seco. O sujeito se parecia muito com o garoto que Sabrina estava beijando, se deu conta, procurando com os olhos o parceiro de sua amiga só para confirmar. Reparou que sua amiga ainda estava agarrada ao garoto e suspirou aliviada.

Não se contentando com o cumprimento sem graça que recebeu, o cara resolveu ficar sentado ao seu lado. Sophie respirou pesado, tentando evidenciar seu incômodo, não pareceu ser o suficiente. Ele continuou ali.

— O que você quer? – Se virou para encará-lo, irritada.

— Nada, só olhando, isso não combina muito comigo. – comentou apontando para a festa. — E parece que com você também não.

Desviando o rosto e observando a festa novamente, ela ironizou. — Você é muito perspicaz. – Usou a mesma tática de Bárbara na esperança que ele entendesse o recado. Mas teve que admitir, aquilo não combinava com ela, não mais, pelo menos, pensou, lembrando dos lugares que já frequentou.

— Se você quiser eu vou embora, só queria conversar com alguém nesse lugar que não fosse criança. – O cara deu de ombros.

Sophie forçou um sorriso e se virou novamente para ele, tentando adivinhar a idade dele, julgou que tinha uns 23 anos. Bonito, alto e atraente e realmente não combinava com aquele ambiente.

 — Você está perdido por aqui? Isso não é para pessoas com mais de vinte anos. – Resolveu ser menos defensiva.

— Não, dei carona para alguns amigos e resolvi ficar. Aposto que você também está na mesmo situação, ou parecida. – Sorriu, satisfeito por conseguir a atenção dela.

— Antes fosse! – Revirou os olhos. — Estou de carona e sob coação. Você tem habilitação, eu não.

— Você acertou, tenho mais que vinte mesmo, 23 anos, para ser exato. E você?

— 18 anos. – Respondeu, tentando parecer indiferente.

— Nossa! Pensei que tivesse uns vinte anos. – Comentou o rapaz, um tanto impressionado.

— É agora que você sai de fininho? – Riu, demonstrando que não se importava.

— Não, só fiquei surpreso, você parece ter mais idade, não que pareça velha, não é isso...

— Eu entendi. – Dispensou as explicações dele sem o mínimo de delicadeza. — Você encontrou alguma coisa para comer aqui? – Preferiu mudar de assunto, não queria que ele se enrolasse mais.

— Não, já procurei e estou começando a ficar com muita fome.

— Pelo menos você pode sair para comer alguma coisa de carro, eu tenho que ficar aqui com fome.

— Boa ideia! Posso sair para comer. – A única pessoa com quem Sophie estava conversando iria embora para comer, ela iria ficar sozinha e com fome, seu estômago protestou só com o pensamento que teve.

— Você vai voltar? – Tentou não demonstrar interesse para não ser mal interpretada.

— Não sei. Você quer que eu volte? – Ele sorriu, malicioso.

— Na verdade, só ia pedir para me trazer comida. – Certo, sabia que estava sendo um pouco rude, mas não queria que ele se sentisse.

— Achei que tivesse gostado da minha companhia! – Sophie achou graça no tom desapontado dele.

— Até gostei, mas, preciso de comida mais do que preciso de companhia nesse momento. – Estava sendo sincera, pensava que se tivesse comida, não precisava de pessoas, nas verdade, algumas, ela até trocaria por comida se fosse necessário.

— Então podemos ir juntos. – Ele sugeriu de maneira tentadora. — Você come, eu tenho companhia e ainda te livro dessa festa te levando para casa depois. O que me diz?

Analisando suas opções, se o cara quisesse lhe faze mal, teria aceitado sua proposta anterior e aproveitado para colocar algo em sua comida, além do mais, a festa estava um porre e seu spray de pimenta e arma de choque estavam na bolsa.

 Seu estômago voltou a roncar, contribuindo para sua decisão e ela foi avisar seus amigos antes de sair. No caminho até Sabrina tirou da bolsa sua arma de choque para conferir se estava carregada e, por precaução, colocou o spray de pimenta no sutiã.

Puxou Sabrina, que estava a vista, do aperto do garoto e avisou que estava indo comer com uma pessoa, apontou para o cara esperando perto do campinho de futebol. Disse também que iria passar a placa do carro por mensagem. Caso algo acontecesse, já sabiam por onde, ou quem começar a procurar.

— Fica tranquila, conheço os amigos dele, ele vai ter que voltar para levar todo mundo embora. – Sabrina sempre achou que sua amiga se preocupava demais e tentou disfarçar sua irritação com a situação, queria voltar ao que estava fazendo.

— Assim que ele chegar aqui, eu ligo para você, se você não atender, ligo para sua casa e aviso sua mãe. – Carlos se aproximou de repente ao ouvir a conversa das duas, e tranquilizou Sophie, deixando Sabrina sem argumentos e ajudando sua melhor amiga a se livrar da festa.

— Tudo bem então. Até amanhã! – Se despediu, mas antes de se afastar, não conseguiu evitar em reparar mais de perto no garoto esperando por Sabrina. Impressionada com a semelhança entre ele e seu novo amigo. Como se sentisse o olhar dela, o garoto a encarou, piscou um dos olhos e sorriu, maroto, Sophie desviou o olhar e fazendo cara feia, foi embora.

Ela ficou admirada com o Audi A3 preto que seu novo amigo tinha, esperava um carro mais barato e simples. Entrou com o maior cuidado, o cheiro de couro era gostoso. Do lado do motorista o garoto a espiava com curiosidade.

— O que foi? – Ele estreitou os olhos ao perguntar.

— Nada. – Balançou a cabeça, sem jeito

— Já sei… Você esperava um carro mais barato? Não se preocupe, eu trabalho, não roubei o carro. – Ele deu uns tapas no volante, sorrindo e Sophie gostou daquele sorriso.

— Não é isso, só esperava um carro mais barato mesmo. – Deu de ombros, tentando não parecer indelicada. Percebendo que nem sabia o nome do garoto e que nunca o viu pela cidade, resolveu perguntar: — Qual é o seu nome e de onde você vem?

— É verdade, não sei seu nome também. – Riu. — O meu é Fernando, venho do município de Olímpia. Tenho coisas para resolver aqui com meus amigos e você?

— Meu nome é Sophie e moro aqui mesmo em Baruel. – Preferia dizer apenas que morava naquela cidade. Não sabia onde exatamente tinha nascido, só sabia o nome do lugar porque estava em sua certidão de nascimento, mas não conhecia.

— Agora devidamente apresentados, onde você quer comer, Sophie? Não conheço muita coisa por aqui.

— De sexta-feira, à meia noite só sobra o Mcdonalds, isso se tivermos sorte. Em cidade pequena as coisas fecham cedo.

— Aqui tem de tudo, eu não chamaria de cidade pequena, tem até os problemas de cidade grande.

— Isso tem mesmo. Quando meus pais mudaram para cá, era pequeno. Agora está grande demais. E não se deixe enganar, as pessoas daqui continuam com os antigos hábitos, as fofocas se alastram como em uma cidade minúscula!

— Tenho que concordar… Soube de coisas horríveis, até do acidente da semana passada e já estão falando do menino que sobreviveu, ele estava lá na festa, você estava encarando ele quando me aproximei.

— Estava pensando em quem está cuidando dele agora… – O tom mais animado da conversa mudou rápido, preferia que ele não tivesse tocado no assunto.

— Pensei que estivesse interessada nele. Ele deve ter outros parentes, não vai ficar sozinho. 

— Imagino que não, mas não quero falar disso e não estou interessada nele.

— Desculpe, não pretendia te chatear... Você não é amiga dele?

— Não, só o conheço de vista. Não somos amigos, apesar de meus pais terem ido ao hospital para vê-lo.

— Espera... Você estava lá, foi você que tirou o carro do caminho antes de tudo, ah, eu sinto muito... Deve ter sido horrível presenciar aquilo!

— Não sinta. Não quero falar sobre isso. – Cruzou os braços, mau humorada. A última coisa que queria era falar sobre aquilo, ainda mais com um estranho.

Seu encanto por Fernando foi embora, tinha decidido não falar mais nisso, mas pelo visto, todo mundo ia perguntar alguma coisa sempre.

Foram até o Mcdonalds em silêncio. Por sorte estava aberto, porém cheio. Ficaram um bom tempo esperando na fila do drive thru, o clima estava um pouco estranho no carro depois da conversa.

— O que você quer pedir? Eu vou pedir o combo quarteirão.

— Pode ser o mesmo para mim. – Ela abriu sua bolsa, pegou o dinheiro e estendeu a Fernando.

— É por minha conta, depois de chatear você, é o mínimo que posso fazer. Na próxima, você paga o seu, pode ser? – Recusou, empurrando a mão dela com gentileza.

— Que próxima?! – Riu, negando com a cabeça. — Você não me chateou. E se quer me convidar para sair, saiba que não costumo comer aqui.

— Depois falamos sobre isso e não será aqui. – Deu uma piscada para ela, presunçoso, enquanto fazia o pedido e pagava.

Sophie comeu sem reclamar e com o maior cuidado do mundo para não sujar o carro, mas não deu certo por muito tempo.

Ao dar a penúltima mordida em seu lanche, uma parte generosa do molho caiu e, para não sujar sua calça, em reflexo, Sophie abriu as pernas. Seria difícil tirar aquele molho do banco de couro, pensou, aguardando o surto que ele teria. Ela olhou sem jeito para o mais novo amigo e o viu fechar a cara. Quando estava para pedir desculpas, Fernando caiu na gargalhada.

— O que foi? Você devia estar puto e não dando risada!

— Ah desculpa, mas sua cara de culpada temendo pela própria foi muito boa.

— Quem deveria pedir desculpas não é você. Não tive medo de morrer, isso foi exagero. – Retrucou, mas acabou rindo também.

— Relaxa! Cansei de derrubar coisas no banco do carro, acontece. Vou parar na próxima rua para passar um pano aí e não manchar sua calça. Aquenta firme! – Ele não conseguiu manter certa seriedade, a posição da garota no carro era hilária.

Fernando encostou assim que encontrou um lugar, Sophie estava constrangida e em uma posição desconfortável para não sentar em cima molho. Ele ligou o som do carro e começou a tocar uma música que ela gostava muito, Ray j, One wish.

— Só para descontrair. – Disse, procurando um pano que sempre deixava dentro do carro.

— Adoro essa música. – Ela tentou parecer o mais casual possível, considerando que estava praticamente colada à porta do carro, não deu muito certo.

Enquanto ele limpava o molho do banco, a mente dela divagava pensando em como seu novo amigo era legal, divertido, compreensivo, encantador, tinha bom gosto para música, além de ser muito bonito, eram tantos adjetivos… De repente uma batida forte na porta do carro e um puxão de cabelos a forçou para fora do veículo, tirando-a também de seus pensamentos.

 Apenas quando sentiu uma faca em seu pescoço, percebeu que era um assalto. O sujeito gritava para Fernando abrir a porta. Pedindo calma, Fernando obedeceu. O bandido tirou Sophie do carro e com a faca ainda no pescoço dela, mandou Fernando sair do carro e entregar o dinheiro. Ela viu seu amigo se arrastar pelo banco do passageiro, ainda pedindo calma e avisando que a carteira estava dentro do porta luvas, que iria pegá-la.

 Aproveitando a distração do assaltante ao olhar na direção de Fernando e ficando a sua esquerda, Sophie puxou com cuidado seu spray de pimenta do sutiã e surpreendeu o sujeito com um jato de ardência nos olhos, o que acabou fazendo com que ele se encolhesse na calçada. Um segundo depois, Fernando estava ao seu lado com uma arma calibre 38 apontada para o homem.

— O que você está fazendo? Vai atirar nele aqui na rua? – Ela inqueriu com o coração aos pulos.

— Vou. Será menos um. Entra no carro! – Gesticulou, apontando a porta aberta.

— Para com isso. Vamos embora, já acabou.

— Não acabou. Entra! – Fernando pareceu satisfeito por seus gritos surtirem o efeito esperado, a garota já estava entrando no carro.

Sophie se calou e obedeceu, entrando no veículo pelo lado do motorista. Ela ligou o motor e ele nem percebeu.

— Entra você ou vai ficar aí! – Gritou para Fernando, enquanto acelerava para chamar a atenção dele.

— Não acredito que vai fazer isso, você nem sabe dirigir. – Debochou, descrente, mas furioso.

— Eu disse que não tenho habilitação para dirigir, não que não sei. Existe uma grande diferença. – Acelerou o carro mais uma vez, fazendo o motor roncar e dar uma leve empinada, impedido apenas pelo freio de mão de sair em disparada.

— Droga! Já estou indo. – Antes de entrar no carro, ele se abaixou perto do assaltante, que chorava feito criança e não conseguia enxergar nada. O pegou pelo pescoço e disse algo em seu ouvido. Depois enfiou a mão no bolso da calça do sujeito, que nem percebeu.

Sem perder tempo, Sophie arrancou com o carro. Sua mente parecia misturar lembranças e sonhos como um liquidificador, sabia exatamente como res por ter tido essa mesma sensação há uma semana. Contudo, essa não se parecia com sonho ou um pesadelo. Fernando naquela festa e a familiaridade que sentiu ao olhá-lo… Podia jurar que seu novo amigo mataria o cara ali mesmo, mais uma vez sabia o que fazer para impedir, como se já tivesse passado por aquilo. Dessa vez com menos dificuldade, Sophie percebeu que conhecia Fernando, ou melhor, que já o tinha visto, com a mesma feracidade que expressava no rosto durante o assalto...

— Sim, próximo ao Mcdonalds, um relógio de ouro, segura um pouco até eu chegar à delegacia. Tá bom. Valeu!

Foi a única parte da conversa que Sophie ouviu quando voltou ao mundo real, por sorte, já havia pegado aquele caminho vezes o suficiente para se tornar automático.

— Com quem você estava falando? Por que disse onde aconteceu o assalto? – Perguntou, tentando passar a marcha, esquecendo que o carro era automático.

— Com a polícia para pegar aquele cara e fazer o boletim de ocorrência. – Respondeu como se fosse óbvio demais.

— De onde saiu aquela arma? – Ela se recriminou ao perceber que seu spray e arma de choque não serviriam de nada caso necessitasse.

— Calma, a arma é fria e estava no fundo falso no porta luvas do carro.

— Fria?! Calma?! Caramba! Esse é seu trabalho? – Não conseguiu evitar em pensar na explicação dele para justificar o carro e fez a primeira curva que encontrou em direção à avenida principal da cidade.

— Não! É só para defesa. Para onde estamos indo? – A tranquilidade que sobrava para ele, faltava em dobro nela.

— Para a delegacia. Meus pais vão falar um monte na minha cabeça, mas ele precisa ser preso.

— Não, você vai para casa. Um amigo meu vai dar uma volta com o safado antes, eu disse que o cara roubou meu relógio, não falei nada sobre você.

— Você mentiu? Por quê? – Começava a sentir o desespero tomar conta de si.

— Não é totalmente mentira, vão encontrar meu relógio. Aposto que você não quer passar a noite na delegacia. Então vá para a sua casa.

— Agora eu entendi sua mão no bolso... – Resmungou, mais para si do que para ele. — Vou parar atrás da minha casa para não ter que ouvir perguntas. – Avisou sentindo os efeitos da adrenalina evaporando e nem um pouco a fim de tomar chá de cadeira na delegacia.

— Você está tremendo, eu assumo o volante. – Ele se inclinou, mas ela recusou.

— Não posso sair daqui agora e já estamos chegando. – Sua voz estava vacilante.

Quando estacionou e viu que sua casa estava com as luzes apagadas, Sophie agradeceu internamente, desligou o carro e ficou em silêncio, tentando colocar os pensamentos em ordem.

— De onde saiu aquele spray de pimenta? – Fernando decidiu quebrar o silêncio.

— Do mesmo lugar que a arma de choque. – Indicou sua bolsa com um movimento de cabeça. — Só que o spray, eu guardei no sutiã antes de sair da festa, por defesa, você era ou é um estranho, então...

— Entendo… Você está bem?

— Agora estou.

— Então larga o volante. – Sugeriu, sem ter certeza de que ela estava realmente bem.

Olhando os nós de seus dedos ficarem brancos por causa da força, Sophie abaixou a cabeça. — Não posso. – Confessou, envergonhada.

Com cuidado, ele se aproximou e afastou o cabelo dela do pescoço para ver se estava machucada, suspirou aliviado ao perceber que não. Notando a respiração pesada da garota, ficou ainda mais preocupado. Segurou as mãos dela, que sem resistência soltaram o volante, Fernando desprendeu o cinto de segurança e a puxou para um abraço.

— Obrigado, por me fazer não atirar naquele cara, não estava pensando direito. Desculpa! – Pediu ao ouvido dela.

Sem se afastar dele, ela começou a chorar e soluçar, o abraço ficou mais apertado e quando ele se afastou e colocou o rosto dela entre suas mãos, ficando próximo demais, Sophie desviou o olhar, se afastou e enxugou as lágrimas.

— Obrigado mesmo e desculpa por hoje. – Ele se comoveu com as lágrimas dela, algo raro.

— Não precisa me agradecer, eu sabia... – Desistiu de prosseguir a tempo.

— Sabia o quê? – Ele estreitou os olhos e sorriu, carinhoso.

— Nada. Só que era o certo. Eu sabia que você não ia deixar uma garota estranha dirigir seu carro sozinha, qualquer homem entraria no carro.

— Bom, eu não ia deixar você sujar meu carro de molho e ainda fugir com ele. – Brincou sorrindo e tentando descontrair — Mas não sou qualquer homem. – Completou.

— Tenho certeza disso. Já, quanto a ser qualquer homem... Não sei. Desculpa pelo banco do carro. – forçou um sorriso, enquanto pegava sua bolsa e abria para guardar o spray.

— Está mais que desculpada! Quando vou te ver de novo para te levar para jantar? Jantar de verdade, pois eu nem comi. A única que colocou algo no estômago foi você.

— É verdade. Você tem uma caneta? – Com a maior rapidez ele tirou uma caneta do porta luvas. Sophie pegou a caneta, a mão direita dele e anotou seu número, deixando a bolsa que estava no seu colo cair.

— É só ligar, se eu não estiver ocupada, marcamos o dia e o lugar. Preciso entrar. – Ela pegou a bolsa do chão do carro, ainda estava um pouco trêmula e desajeitada, derrubando algumas coisas. Com a ajuda dele conseguiu guardar tudo e com um beijo na bochecha eles se despedem. Sophie saiu do carro e foi em direção a sua casa.

Dentro de casa ela o ouviu se afastar e respirou fundo, pensando naquela noite louca e em como teria parecido estranha se tivesse dito que sabia o que fazer para ele entrar no carro.

“No que você estava pensando sua tapada? Precisa guardar suas loucuras para você ou vai acabar internada em algum hospício”.

Deitada em sua cama, quase pegando no sono, ela ouviu, distante, o som do telefone tocando. Abriu os olhos, assustada, colocou a mão embaixo do travesseiro para pegar o celular e percebeu que não estava ali, pior ainda, tinha ficado no carro. Diziam que as coisas não podiam ficar piores, e então ela lembrou que Carlos iria ligar e se não fosse atendido, iria avisar seus pais. “CASSETE”, deixou escapar quando ouviu o barulho da porta do quarto de seus pais abrindo. Aproveitando a distância entre seu quarto e o deles, Sophie pulou da cama, abriu a porta e desceu correndo as escadas de dois em dois degraus até o telefone.

— Oi Carlos, desculpa, esqueci o celular no carro do Fernando, estou bem e minha mãe está descendo. Boa noite! – Falou o mais rápido e baixo que conseguiu antes de desligar o telefone na cara do amigo.

Na ponta da escada Bárbara perguntou:

— Quem era?

— Era engano mãe. – Colocou o aparelho de volta na base, ofegando.

— Ah! Melhor, às duas da manhã, só poderia ser coisa ruim, engano é bom. Boa noite, Filha! – Assentiu, dando as costas e desaparecendo no corredor, sem ao menos perceber a filha parecendo um pimentão pela corrida até lá embaixo.


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