Manipuladores do Futuro escrita por Amanda Maia


Capítulo 3
Fofocas, choradeira, surpresas e drogados na faculdade.




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Acabou despertando de uma noite agitada com sonhos confusos sobre Fernando. Sophie ouviu sua mãe gritando seu nome, de início, baixinho, depois aumentando conforme o sono ia se esvaindo. “Não é possível, o único sonho que eu realmente gostei, se foi...”. Levantou se arrastando da cama.

— Já acordei mãe. Entra! – Resmungou, irritada.

Bárbara abriu a porta do quarto e colocou só a cabeça no espaço pequeno.

 — Carlos está te esperando lá embaixo, disse que quer falar com você rapidinho.

— Nossa pensei que a casa estava pegando fogo! – Tirou um sarro com a cara de sua mãe. — Pede para ele subir, sei que não vai ser rapidinho, então pede para vir com alguma coisa para comer, se chegar de mãos abanando, não entra!

— Pode subir Carlos, mas traz o bolo que está em cima da mesa para alimentar o buraco negro. – Bárbara gritou em provocação ao fechar a porta do quarto.

Sophie foi ao banheiro para lavar o rosto, escovar os dentes e quando saiu do banheiro, Carlos bateu à sua porta.

— Posso entrar?

— Sem comida não! – Abriu só um pouco a porta e sorriu.

— Trouxe bolo. Sua mãe me avisou dos perigos de alimentar o buraco negro.

— Do jeito que ela gritou, avisou você e a cidade vizinha. – Pegou o prato da mão de seu amigo e sentou na cama. — O que você veio fazer aqui?

— Vim ouvir a história em primeira mão. – Disse, empolgado e sentando ao lado dela na cama.

— Claro! – Ela já estava acostumada a ter que contar cada novidade ao amigo. — E a Sabrina? Não está se consumindo para saber a história?

— Não, está se consumindo pelo fora que levou de um dos amigos do cara que saiu com você ontem. Não aguentaria ouvir que, uma pessoa como você que tem uma vida afetiva bem definida e descomplicada, foi arrebatada pela paixão. – Riu, gesticulando e fingindo suspirar. — Você foi correspondida e ela não, então ficou em casa se lamentando.

— Espera. Foi aquele cara que ela estava beijando na festa? – Se lembrava da piscada que ele lhe deu.

— Sim. Sabe como ela é afobada. – Isso ela sabia bem, sua amiga tinha o mau costume de se apaixonar fácil, julgava que fosse por carência ou qualquer coisa semelhante.

— Nossa ele era um gato. É uma pena!

— Era mesmo, e muito parecido com o seu na verdade... Cheguei a perguntar por Sabrina para o seu gato ontem. – Deu de ombros e riu. — Agora conta!

— Não tenho muito o que falar…

Sophie procurou dar todos os detalhes, mas sem contar sobre o assalto. Carlos nunca gostou muito de Sabrina, ela achava que era por ciúmes, ou algo parecido. Chegaram a discutir durante o ensino médio por causa disso, seu amigo insistia que Sabrina era falsa e não confiável, mas Sophie nunca quis dar ouvidos. Entretanto, se ele deixasse escapar uma coisa dessas perto dela, a cidade toda ficaria sabendo em menos de um dia e consequentemente e seus pai também, por isso decidiu omitir o fato de seu amigo.

— Preciso ligar no meu aparelho. – Se jogou na cama, emburrada por ficar sem celular.

— Já fiz isso e ninguém atende. – Ele avisou um pouco decepcionado por não ter tido um relato muito interessante.

— Ele não deve ter encontrado, ou um de seus amigos pode ter encontrado e não disse nada.

— Pelo menos isso é uma desculpa para vocês se verem de novo.

— E quem disse que preciso de desculpa? Ele até pegou meu telefone para ligar e me levar para jantar. – Debochou da situação.

— Nossa que merda! Bem... Ele não vai poder dizer que você não quis atender!

Os dois deram risada, mas Carlos achou que tinha alguma coisa que a amiga não queria contar. Precisava saber se sua amiga finalmente estava com o coração aberto. Sophie nunca mostrou muito interesse em alguém, depois de seu último namorado, ela passou a ter relacionamentos sem compromisso e parecia estar bem com isso.

Carlos resolveu insistir para descobrir mais. Conhecia dois caras com quem a amiga saía de vez em quando. Pelo que entendeu, sempre que ela queria sair, ligava para um deles, ou o inverso. Ele podia compreender a liberdade que isso proporcionava, sem dar satisfações, sem compromisso e sem ciúme.

O único problema, em sua visão, era que sua amiga parecia muito solitária, nenhum dos caras da faculdade tinha chance com ela, Sophie fazia o possível para não trabalhar em dupla ou em grupo e quando não estava trabalhando ou estudando, estava lendo e ouvindo música.

Não que isso fosse ruim, durante a escola, Sophie quase não tinha amigos e não fazia questão de se enturmar, sempre dizia que se sentia uma velha ao ouvir as crises existenciais das outras meninas e seus remédios a deixavam um tanto quanto desligada do mundo. Carlos ficava furioso ao ouvir comentários maldosos sobre a amiga, coisas como “bomba relógio”, por causa da vez em que ela perdeu a paciência e agrediu um garoto, ou “bastarda sem futuro”.

As coisas foram melhorando quando perceberam que ela não se importava com comentários e se isolava como se vivesse em um mundo particular do qual Carlos sempre tentou fazer parte, mas nunca conseguiu. As únicas coisas que o deixavam receoso em relação a Sophie era a confiança desenfreada dela em Sabrina; tinha provas para mostrar o quanto estava certo e quando tentou alertar quase perdeu a amizade, por isso deixou de lado e ainda esperava o dia em que a máscara de Sabrina cairia.

Algo que sempre o deixou perturbado e a alguns colegas na escola também, era a mudança na cor dos olhos de Sophie, já se pegou várias vezes fascinado cada vez que o humor dela mudava e junto com ele a cor de seus olhos. O cinza tempestade sinalizava sua irritação, mudando levemente de tom dependendo do grau dela. O mel natural ficava quase num tom de chocolate quando ela estava bem. Mas a cor que o preocupa era o cinza, na verdade, a expressão que o acompanhava.

Na vez em que brigaram, não conseguiu evitar sentir-se como se estivesse sendo engolido por uma tempestade, isolado em um mar revolto e frio. Tinha medo daquele olhar, algo muito ruim parecia se esconder naquela cor e expressão.

Ficando irritada pelas perguntas de Carlos sobre sua suposta solidão, Sophie decidiu encerrar o assunto. Gostaria de contar que estava interessada no cara e tudo o que havia acontecido, mas ainda não era o momento e não podia arriscar que a cidade toda voltasse a ter motivos para falar de sua vida.

— Chega desse assunto, sei que você se preocupa, mas estou ótima assim. – Bruno e Adriano não ligavam há meses, ela sabia que Adriano estava namorando, por isso nunca mais o procurou e Bruno… Bem, não ligava por orgulho mesmo, o último encontro não tinha acabado muito bem.

— Certo. Vou acreditar em você.

— Obrigada! – Revirou os olhos e riu.

Pouco tempo depois o assunto acabou e Carlos foi embora, só aí, que Sophie começou a cogitar a possibilidade de ter sido vista por alguém na noite anterior, tentou descartar a possibilidade, mas não conseguiu rejeitar a preocupação.

Sua cidade, apesar de conter habitantes com línguas maiores que a média e sem coisas melhores para fazer do que cuidar da vida alheia, era tranquila. Os policiais quase não tinham trabalho, mas sempre estavam fazendo rondas e não precisavam se preocupar com os moradores. De uns anos para cá, as coisas começaram a mudar. Algumas pessoas que estavam mudando para lá atrás de “sossego”, estavam arrumando confusão com os moradores mais antigos e muitas pessoas começaram a visitar esses novos moradores, deixando a cidade movimentada demais.

Mendigos começaram a aparecer na esperança de melhores esmolas e praças para dormir. A obra do albergue prometida pelo prefeito, conhecido de Rogério, já estava no fim e alguns projetos para empregar esses andarilhos estavam em andamento. Infelizmente, alguns eram drogados e traficantes começaram a circular pela cidade a procura de clientes. Furtos começaram a acontecer em determinados pontos do centro da cidade e o policiamento foi intensificado.

Quando seus pais mudaram para Baruel, Sophie não estava com eles ainda. Poucos sabiam de suas vidas e seus pais pouco faziam questão de que soubessem de alguma coisa. Bárbara fez amizade com Letícia logo na primeira semana. Letícia tinha apenas um filho naquela época e tinha acabado de se casar pela segunda vez.

Bárbara precisava de ajuda com a casa e para sua sorte, Letícia era faxineira e estava sem trabalho, Bárbara não pensou duas vezes e a contratou, ficaram muito amigas. Letícia ficava com a chave da casa e entrava para limpar quando o casal estava trabalhando. Com o tempo, passou a saber tudo sobre o casal e de como eles gostavam das coisas. Seus pais sempre convidavam Letícia e seu filho para almoçar aos finais de semana. Bárbara gostava de crianças, mas não podia ter filhos, adorava ver o filho da amiga brincar pela casa.

Quando uma mulher com uma criança chegou à cidade perguntando pelo casal, todos estranharam e a fofoqueira da cidade, Dalva, foi acompanhando a mulher com a criança até a casa. Só Letícia estava lá e a mulher acabou contando para Letícia que a menina era filha de Rogério na frente de Dalva. Sem jeito, ela pediu que a moça entrasse e agradeceu a fofoqueira por ter levado a moça até lá. Antes de anoitecer, toda a cidade já estava sabendo que a amante de Rogério estava na casa deles com uma menina bastarda. Já estavam comentando até sobre o divórcio do casal.

Letícia ligou para Rogério avisando. Quando o casal chegou, encontraram Sophie brincando no tapete da sala e Lívia, prima de Bárbara, sentada no sofá. Bárbara caminhou furiosa na direção da moça, pegou Lívia pelo braço e arrastou até a cozinha, puxou uma cadeira e faz a mulher sentar. Rogério sentou na outra ponta da mesa, sem reação e Bárbara pediu que Letícia cuidasse da menina enquanto conversavam.

— Pode deixar. – Ela pegou o bolo da mesa e levou para a bancada. Despejou a cobertura e avisou: — A menina gostou do bolo que estava na geladeira, então fiz outro igual.

— Não tem problema Lê, você fez certo. Obrigada! – Agradeceu Bárbara.

Tentando se controlar, Bárbara sentou entre os dois, distante o suficiente para observar cada um numa ponta da mesa.

— O que você está fazendo aqui? – Rogério pergunto, em fim saindo de seu transe.

— Preciso de ajuda. Estou em um hotel da cidade e não tenho a quem recorrer.

— Precisava inventar essa mentira para pedir ajuda? – Perguntou à mãe da criança.

— Não é mentira. Sophie é filha do Rogério. Quando descobri que vocês tinham se acertado e iam se casar, resolvi não contar que estava grávida para não atrapalhar. Fui embora e cuidei dela até agora. Não tenho mais como cuidar da minha filha.

— Estragar o nosso relacionamento de novo você quis dizer, porque dormir com o Rogério não ajudou muito da outra vez. – Ela nunca conseguiu superar a traição da prima.

Lívia havia prometido ajudar Bárbara a reatar o namoro com Rogério depois de uma briga na festa de amigos. Mas era apaixonada por ele e achou que tinha uma chance com o fim do namoro dos dois. Lívia teve apenas uma noite com Rogério, mas não passou disso.

— Quando descobri que estava grávida, pensei que poderia ter uma chance com ele de novo, mas vocês já estavam morando juntos e pretendiam se casar, foi aí que percebi que nunca tive chance. Depois de dormir comigo, Rogério se arrependeu com se tivesse cometido a maior atrocidade do mundo e eu sabia que iria perder minha melhor amiga.

 A cara de arrependida dela nunca convenceu Bárbara, sua prima sempre foi desapegada demais para sentir culpa por alguma coisa. Sem paciência, gesticulou para que ela continuasse.

— Nossa família iria me crucificar, então fui para a casa do Danilo, meu amigo na época, e fiquei lá um mês. Não contei para ninguém sobre a gravidez, queria que Rogério soubesse primeiro… Quando voltei para casa, minha mãe contou que vocês estavam morando juntos e que o casamento aconteceria em dois meses, fiquei em casa alguns dias pensando no que fazer, e então recebemos o convite do casamento, quero dizer, minha mãe recebeu… Vi a foto de vocês no convite e o jeito que Rogério te olhava… Como se você fosse a luz iluminando o único caminho que uma pessoa poderia seguir, como se não existisse mais nada no mundo. Você estava radiante de tão feliz.

Foi a vez de Rogério perder a paciência e bufar, mas Lívia continuou a história.

— Apesar do que te fiz, sempre te amei muito, mas sentia inveja, no fundo, acho que nunca gostei do Rogério, acho que só o quis por ser seu. Naquele dia disse para minha mãe que iria estudar fora e não aguentaria ver vocês casados, no dia seguinte voltei para a casa do Danilo e de lá ganhei o mundo.

Ao fim da história o silêncio foi constrangedor.

Bárbara se levantou sem dizer nada e foi para perto da criança que comia no chão da sala, ao se aproximar, a criança olhou Bárbara e abriu o sorriso mais lindo do mundo, com os olhos marejados, Bárbara sorriu de volta.

A menina pegou um punhado de bolo do prato e ofereceu a ela, com as lágrimas escorrendo pelo rosto, Bárbara aceitou o bolo e sentou ao lado da criança, que gargalhava a cada pedaço de bolo que colocava na boca da mulher. As duas ficaram sentadas no tapete até o pedaço de bolo acabar. Foi impossível sentir qualquer coisa ruim naquele momento, Bárbara pediu que Letícia desse mais bolo para a menina, levantou e voltou a cozinha. Rogério estava em pé perto da bancada e Lívia ainda sentada e de cabeça baixa.

— Volte para deixar as coisas de Sophie aqui em casa amanhã e não esqueça os documentos. Pode ir, Lívia.

— Mas... – Seu marido pensou em argumentar, mas desistiu.

— Mas nada! A menina é sua filha, não tem o que discutir, ela precisa ficar aqui, acostume-se! Agora você é pai.

Rogério abriu a boca para falar novamente e ao receber o olhar furioso da esposa, entendeu que poderia apanhar a qualquer momento.

— Bárbara! Posso falar com você em particular?

— Não estou a fim de conversar, tenho algumas coisas para resolver agora, Lívia. – A última coisa que queria era ouvir a choradeira de sua prima.

— É importante, por favor!

— Tá bom, vem comigo. – Antes de ir para o escritório ela se dirigiu ao marido. — Vai conhecer sua filha.

Após duas horas de espera, Bárbara e a prima saíram do escritório.

— Lívia vai levar Sophie para o hotel hoje e se despedir. Amanhã volta para deixa-la aqui e depois vai embora. – Anunciou Bárbara, num tom menos furioso.

Rogério ficou sem entender nada, e apenas concordou. Lívia pegou a filha no colo e foi embora, um táxi a esperava na rua. Bárbara havia ligado para pedir o carro do escritório.

— Você podia ter oferecido para elas ficarem aqui.

— Foi o que eu fiz, mas ela recusou. Vamos subir porque nossa conversa vai ser bem longa. – Letícia não disse nada, sabia exatamente o que fazer ao vê-los desaparecer na parte de cima da casa. Trancar tudo e ir embora.

No dia seguinte, Lívia voltou com Sophie e todas as coisas da criança, Rogério e Bárbara não tinham ido trabalhar para poderem receber a menina. Lívia entregou Sophie a Rogério, chorando e Bárbara levou as coisas dela para dentro.

— Posso te dar um abraço? – Pediu Lívia sem, conseguir conter os soluços.

— Pode, mas não exija o mesmo aperto de volta.

Bárbara nunca foi uma pessoa fria e quando recebeu o abraço, retribuiu da maneira que pôde, Lívia aproveitou o momento para pedir perdão.

— Eu perdoo. Você acabou de dar o que eu mais queria no mundo. Vou cuidar muito bem dela.

— Eu sei, por isso que vou com o coração apertado, mas feliz. Sophie vai ter a mãe que merece. Obrigada!

Até hoje a única que sabe toda a história de Sophie é Letícia, mas qualquer um que chega à cidade fica sabendo que ela é fruto de um adultério e que tem muita sorte por Bárbara tê-la aceitado e criado. Realmente, ser filha de Bárbara era um privilégio, mas Sophie não entendia qual era a necessidade de contarem para qualquer pessoa o que aconteceu há quase dezessete anos, como se fosse um aviso para forasteiros: Cuidado! Bastarda de alta periculosidade!

Sophie passou o restante do dia em seu quarto, vezes pensando em Fernando, vezes estudando. Cansada e com fome, foi tomar banho para jantar, sua mãe não cozinhava aos finais de semana e nem em dias de semana também, se não fosse por Letícia, ela e o pai morreriam de fome.

Sábado e domingo eram os dias de comer pizza, ou qualquer outra besteira. Sentada à mesa comendo seu primeiro pedaço, o telefone tocou e Bárbara foi atender.

— Alô? Tá, espera que vou chamar. De nada. – Ela voltou para a mesa e avisou: — O Fernando está no telefone.

 Rogério engasgou, sua mãe sorriu e o coração de Sophie acelerou. Tentando manter a calma, se levantou e atendeu o telefone.

— Alô? Eu já imaginava. NÃO! – Pigarreou e olhou de relance para os pais que fingiam não prestar atenção a conversa. — Não precisa não, você sabe quantas perguntas teremos que responder nesse trabalho se você fizer assim? Isso mesmo. Posso. Depois da aula então. Não sei. De novo?! Pode sim. Até amanhã então. Tchau. Para você também.

Colocou o telefone na base e voltou à mesa para terminar de comer, seus pais ficaram curiosos, mas não perguntaram nada.

— Vou estudar com o Fernando amanhã depois da aula, temos um trabalho para fazer juntos. Sem problemas?

— Nenhum. Aonde vai ser? – Seu pai perguntou, ávido por mais informações.

— No Mcdonalds, vamos fazer o trabalho e aproveitar para comer, todos do grupo quiseram ir lá, então não tenho escolha.

— São mais pessoas no grupo? – Sophie percebeu o ar de dúvida de seu pai e soube que precisa explicar melhor e ser mais direta.

— Sim, falei com Fernando porque foi quem ligou, mas são cinco pessoas no grupo.

— Entendi... – Essa foi a última palavra pronunciada o restante da noite.

Domingo foi um dos piores dias, haviam tantos trabalhos para fazer que se não fosse sua mãe chamá-la, nem teria saído do quarto nem para comer. Não foi fácil, mas conseguiu colocar todos em dia por volta da meia-noite.

Odiava ter que ir dormir cedo para acordar cedo. Tinha esperanças de que abriria turma para o curso de Psicologia no período da noite. Terminou a escola aliviada por finalmente poder escolher o que estudar, entre Literatura e Psicologia, escolheu a que tinha um bom mercado de trabalho, entre outros motivos, mas principalmente, queria muito parar de acordar cedo, pelo menos para estudar. Mas se matriculou no horário que tinha disponível, mantendo a esperança de mudar o horário assim que possível.

No dia seguinte levantou assustada, costumava usar o despertador de seu celular, mas sempre que tinha um compromisso, não importando qual fosse, acordava, independentemente de qualquer despertador. Levantou rápido da cama e se arrumou mais rápido ainda, precisava aproveitar a carona de Rogério.

Com exceção de alguns momentos longos de silêncio, pai e filha trocaram várias ideias durante o caminho e ela deixou mais uma vez evidente sua vontade de poder dirigir. Só não sabia que seus pais planejavam comprar um carro, ou moto de presente, o que ela preferisse. Seu pai desconfiava e ficava preocupado por perceber a preferência da filha por moto.

 Sophie percebeu que chegou muito cedo na faculdade. Escolheu uma mesa na cantina e esperou por seus amigos. Quando estava começando a se arrepender de chegar tão cedo, seus amigos apareceram fazendo escândalo, como de costume.

— Sophie! Dormiu na porta da escola? – Carlos sentou ao seu lado, ofegante e deu de ombros ao receber um olhar feio do tio da cantina pela algazarra.

— Não, meu pai saiu mais cedo, então... – Franziu o cenho ao sorrir para a amiga que não retribuiu.

— Ah tá. Entendi. – Seu amigo colocou a bolsa em cima da mesa e cruzou os braços, relaxado.

— O que aconteceu? Você está muito quieta! – Carlos não teve tempo de alertar a amiga sobre Sabrina e a choradeira começou. Já tinha vindo o caminho inteiro dentro da van ouvindo as lamúrias dela.

— Levei um fora na festa. Ele era ótimo, bonito, beijava bem, era carinhoso, ficou a festa toda comigo e quando aquele seu novo amigo voltou para a festa, – o desdém ao dizer “novo amigo”, fez Sophie se arrepender por ter perguntado. — pedi o telefone dele e disse que iria ligar para marcar um próximo encontro, mas parecia que eu tinha dito que iria marcar seu sacrifício. Ele começou a inventar que não tinha celular, mesmo sabendo que eu o vi mexendo no celular à noite toda, depois disse que não pegava direito o sinal em sua casa, depois que iria precisar trocar de número, então sugeri que anotasse meu número e a resposta foi: “Gata, eu não vou ligar, entendeu?”, fiquei tão chocada com aquilo que nem consegui retrucar e ele também não esperou, deu as costas e saiu. O pior é que seus amigos ouviram a conversa e alguns dos nossos também. Agora eu sou a “desentendida e chutada” no facebook e em grupos de whatssap. – Sophie quase não conseguiu acompanhar o relato, pensou até em interromper e pedir para ela respirar um pouco.

— Tem coisas que não perdemos, nos livramos. Ele era um babaca e daqui a pouco todo mundo esquece isso.

— Eu espero... Pelo menos você se deu bem na festa. Carlos me contou. – Sophie odiava o modo como a amiga falava sobre sua vida afetiva, sempre acreditou que a inveja que Sabrina sentia iria passar, mas só estava piorando.

— Foi legal! – Preferiu não dar continuidade ao assunto.

— Falando em babacas... – Carlos apontou na direção do portão. As duas se viraram para olhar e Sabrina voltou a choramingar:

— Ah puxa! Preciso ir embora. Caramba! Que merda! O que eles estão fazendo aqui?

Também sem acreditar, Sophie observava Fernando, o cara que deu um fora em sua amiga, uma garota e um menino um pouco mais afastado dos outros três. Não esperava que qualquer um deles fosse estudar ali, se conseguia se lembrar direito, Fernando havia dito que estavam ali apenas para resolver algumas coisas, não para estudar.

De qualquer forma, a postura do grupo chamava a atenção, havia uma tensão visível entre os dois, que apesar de semelhantes, eram completamente diferentes. Chegou até a classificar Fernando como o romântico e o outro como bad boy. Quem fazia o meio de campo entre os dois era a garota, com certeza. Apenas o garoto parecia destoar do grupo, como se fosse um servo, seguidor e não parte daquilo.

— Agora sei por que você chegou tão cedo. – Sophie fuzilou seu amigo com os olhos, só para mostrar que não tinha escondido informações dele. — O que foi? Vai me dizer que não sabia que ele estudava aqui?

— Não sabia, pode ter certeza! E o que o garoto do acidente está fazendo aqui?

— Não esperava que ele fosse estudar aqui? Hiago veio para cá, seus avós moram aqui perto.

Nada mais foi dito além dos lamentos de Sabrina. O grupo de Fernando sentou do outro lado da cantina. O que realmente estava incomodando Sophie era o fato de se sentir como se estivesse no ensino médio paquerando um garoto, aquela ansiedade de falar com a pessoa, de ser notada, pela primeira vez desconfiou que sabia como Sabrina se sentia.

Algumas perguntas começaram a circular em sua mente. Havia sonhado com Fernando e por mais que não quisesse acreditar, em seu sonho ele estava exatamente no mesmo lugar. Qual o motivo de ter sonhado com ele? Será que pela primeira vez conseguiu ver o que queria? E se ele estudava ali, porque não disse nada?

O sinal para a primeira aula tocou e dispersou suas questões. Esperou que todos entrassem, colocou a bolsa nas costas e caminhou em direção a Fernando pelo corredor. Aproveitou a distração do grupo dele e o agarrou pelo braço.

— O que você está fazendo aqui? – Não sabia exatamente a razão de sua agressividade, mas a pergunta soou mais ríspida do que pretendia.

— O que você acha? – Ela percebeu algo diferente no comportamento dele, que de moreno levemente queimado pelo sol, perdeu a cor por alguns segundos até se recuperar. Ele tentou disfarçar a surpresa de encontrá-la.

— O que eu acho pouco importa. – Sophie respirou tão fundo para se recuperar da irritação que chegou a fazer barulho, quase um rosnado. Não gostava de como as pessoas olhavam fixamente em seus olhos por causa da mudança de cor deles e evitava ficar irritada perto de estranhos, algo quase impossível, ela sabia. Mas procurou se acalmar. Lembrando que havia trazido roupa na bolsa para mais tarde jantar com ele e que ansiou por isso, sentiu-se idiota. — Trouxe meu celular?

— Não está comigo, não sabia que ia te encontrar aqui.

— Certo. Te espero no Mcdonalds então.

Deu as costas a ele e entrou em sua sala. Nunca teve tanta dificuldade em se concentrar na vida, suas aulas passaram como um borrão antes do intervalo. Sua irritação exalava por meio de sua respiração pesada, não entendia bem o motivo, mas sentia uma irritação crescente, algo que não sentia desde que havia ficado um período sem seus remédios, devia ser isso, concluiu.

Escolheu um lugar mais afastado para ficar com seus amigos, não gostava muito de ficar no gramado, mas era a melhor opção naquele momento. O campos era enorme e aquele era seu lugar estratégico para sair de fininho, uma vez que uma das saídas ficava apenas há alguns passos dali.

Infelizmente, todos pareciam ter tido a mesma ideia naquele dia, à medida em que os alunos saíam das salas, começaram a circular por ali. Carlos logo se jogou ao lado dela, preocupado com suas provas.

— Está pensando em ir embora também. – Seu amigo olhava com tristeza para a saída.

— Talvez. Hoje não estou com saco. – Estava ponderando se compensava ir para casa durante a tarde ou se deveria ficar em algum lugar esperando o horário marcado com Fernando, agora que já não pretendia passar a tarde estudando.

— Dá para perceber. – Carlos sabia quando sua amiga não estava bem e naquele momento, mesmo sem saber o motivo, tinha certeza de que ela mataria um.

A voz alta de um cara num grupo perto de onde estavam chamou a atenção deles.

— Não importa quem você perdeu naquele acidente e nem quanto tempo você demorou a sair do hospital depois dele. Se não sair do meu lugar, vai para lá de novo!

O corpo de Sophie chegou a tremer com a frase e a situação, esperava que em uma faculdade não existisse essas coisas, ou pelo menos não existisse pessoas idiotas a esse ponto.

— Você não é o que sabe do futuro? Como não sabia que esse lugar é meu?

A última frase a deixou em alerta e com pena do garoto, mas não conseguiria ouvir aquelas coisas e ficar quieta, não por muito tempo. Ninguém parecia se importar com os insultos, na verdade, estavam se divertindo com a situação.

— Hiago! – Gritou antes que pudesse mudar de ideia e chamando a atenção do perseguido e do perseguidor também, que apesar do seu tamanho, não a intimidava nem um pouco. — Vem sentar aqui. – Pediu o mais entusiasmada que conseguiu, como se fosse uma amiga que não o via há muito tempo.

Mesmo sem jeito, Hiago se levantou e foi na direção deles, seu maxilar estava trincado e seus olhos vermelhos, como se estivesse segurando o choro e tentando controlar a raiva.

— Não liga para aquele babaca! – Ela se afastou um pouco para dar espaço ao garoto. — Qual é o seu curso?

— Biologia e o de vocês? – Ele se sentou, sentindo-se mais seguro e aliviado.

— Psicologia e Letras. – Carlos respondeu apontando para a amiga e depois para si. A melhor estratégia era fingir que nada aconteceu antes, pelo menos era o que os Três tentavam fazer.

— Isso que eu chamo de trio! – O perseguidor de Hiago se aproximou e os três, sentados estavam, sentados permaneceram, mas a única que o encarou foi Sophie. — O viado, o bundão e a vadia antissocial.

O cara estava visivelmente alterado, ela o reconheceu de uma vez que uma de suas colegas de classe o apontou no corredor e disse que era o drogado da faculdade. Na época ela não deu bola, as pessoas gostavam de espalhar histórias sobre as outras por maldade ou para ter o que falar na roda de amigos. Agora ela podia ver que não era mentira, os olhos feitos dois ovos estalados na cara e o nariz escorrendo como se estivesse gripado, liberando um muco branco, não mentiam.

— Vamos? – Sugeriu Sophie aos amigos e eles começaram a se levantar.

— Mas já vão embora? Nem comecei! O drogado caçoou, chamando ainda mais a atenção dos que estavam por ali.

Carlos guardava suas coisas enquanto Hiago o ajudava, mas Sophie já estava em pé e atenta, o jeito agressivo do cara a deixava preocupada e a tensão se espalhou pelo campos, não se ouvia mais risadas, apenas sussurros e alguns caras encarando o grupo.

Hiago pegou a bolsa dela do chão e os três seguiram para a saída, porém, Sophie sentiu alguém puxando seu braço. Como aprendeu nas aulas de defesa pessoal, girou o corpo no sentido contrário e levantou o cotovelo na esperança de encontrar um queixo, ou um nariz, mas sentiu encostar em algo que logo se distanciou e o aperto em seu braço desapareceu.

Quando se virou para ver o que tinha acontecido, Fenando já estava dando uma chave de braço no cara, enquanto o garoto que deu um fora em Sabrina prendia as mãos dele atrás do corpo. Em pouco tempo os seguranças do campos já estavam ali.

Ela agradeceu a Fernando e o seguiu até reitoria para contar o que eu tinha acontecido. Não quis fazer um boletim de ocorrência, só deixou claro que não esperava que uma pessoa drogada, sendo aluno ou não, entrasse na faculdade.

Ouviu os pedidos de desculpas do reitor sem muita paciência e saiu da sala. Carlos, Fernando e Hiago a esperavam no corredor.

— Essa é minha deixa para ir embora. – Ela esboçou um sorriso amarelo e Carlos estendeu a bolsa à ela e beijou seu rosto.

— Obrigado por tentar me ajudar, não sabia que ia te meter em confusão.

— Acontece, Hiago. Não precisa se preocupar e nem agradecer.

— Você está bem? – Fernando segurou o braço dela e examinou.

— Estou. Obrigada! – Ela puxou o braço de volta com delicadeza e sorriu. — Boa aula para vocês!

Uma música começou a tocar antes que Sophie se virasse para sair e ela reconheceu na mesma hora o toque de seu celular.

— Sério? Não estava com você? – Ela estendeu a mão, irritada e descrente. Duvidava que Hiago também gostasse de Game of Thrones a ponto de usar a música tema como toque. Sem jeito, Fernando pegou o aparelho do bolso e devolveu. Ela tentou atender, mas não deu tempo, por não reconhecer o número, decidiu não retornar. — Qual é a sua explicação? – Guardou o celular no bolso, cruzou os braços e aguardou.

Impaciente pela demora dele em responder, Sophie foi embora sem esperar mais, o esforço de Fernando em pensar numa desculpa era suficiente.

Faltava pouco para o meio-dia, e apesar de não querer ficar na faculdade, também não queria ir para casa. Agora que não ia mais jantar com Fernando, não sabia o que fazer, então sentou no banco do ponto de ônibus e esperou por seu por uma van ou ônibus que fosse para sua cidade. Se perguntando quanto tempo demoraria para conseguir sua carta de motorista, já havia feitos todos os exames médicos e teóricos e as aulas de carro e moto, porém, sua autoescola havia fechado e estava demorando para sair a transferência para outra.

Enquanto esperava, seus pensamentos se voltaram para o cara do fora, não tinha agradecido por sua ajuda, por mais que não gostasse do que ele fez com Sabrina, tinha que agradecer, porque apenas ele e Fernando tiveram coragem de ajudá-la.

Pensando em voltar para procurar um de seus defensores, precisou desistir em seguida, seu ônibus já contornava a praça e não daria tempo. Achou que havia males que vinham mesmo para o bem, tinha receio do cara depois da piscada que recebeu dele na festa. Sophie nunca gostou de caras fortes, desses de academia, mas o porte físico de Fernando e de seu “amigo”, eram bem atraentes, isso não podia negar.

Antes que o ônibus virasse a esquina, um carro estacionou no meio fio e abaixou o vidro da janela do passageiro, sua primeira reação foi pegar seu spray de pimenta. Mas não foi preciso. Demorou, porém, ela reconheceu aquele carro.


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