Manipuladores do Futuro escrita por Amanda Maia


Capítulo 12
Testando a paciência




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Se não fosse por Letícia, Sophie não teria acordado. Dormiu poucas horas e havia esquecido de colocar o celular para despertar. Levantou- se um pouco grogue e foi direto para o chuveiro. Tudo parecia ter acontecido há muito tempo atrás, deixando apenas uma vaga lembrança.

Cansada e indecisa sobre ir a faculdade, ela vestiu suas roupas básicas e foi para a cozinha, Letícia já tinha ido embora. Tinha passado só para deixar um bolo que tinha feito e aproveitou para acordá-la.

Sophie comeu como se o mundo fosse acabar e as palavras de Lucas martelavam sua cabeça. Precisava agir normalmente. Não era fácil. Saber que sua mãe tinha sido assassinada e que não a abandonara simplesmente, faria qualquer pessoa ter interesse em buscar a verdade, mas a verdade estava em posse de pessoas perigosas.

Agora tinha mais dinheiro do que poderia gastar em uma vida, ou em duas gerações, ainda ia ter que descobrir como lhe dar com isso também. Em todo o caso, achou melhor seguir o conselho e nada mais normal do que ir a faculdade, ainda mais quando era fim de semestre e tinham provas.

Pegou sua mochila e correu para o ponto de ônibus, ainda estava cedo, queria chegar a tempo de tentar dar uma revisada na matéria da prova antes da aula, considerando que não fez isso durante o fim de semana. Sua van chegou poucos minutos depois e ela agradeceu em silêncio. Podia estar ficando paranoica, mas jurava que estava sendo observada.

Sentou no último banco depois de pagar a passagem e encostou a cabeça no vidro. Se não fossem pelos solavancos, teria dormido ali mesmo. Estava torcendo para ter um dia bom quando seu celular tocou, era Bárbara.

Sua vida já tinha mudado bastante, mas por essa Sophie não esperava. Arnaldo não estava bem de saúde e Marcia não estava dando conta de cuidar dele sozinha, ainda mais com seus próprios problemas de saúde.

Ela tentou argumentar com seus pais por telefone, agora tinham dinheiro, se fosse necessário, contratariam uma equipe médica para cuidar dos dois. A verdade, é que mesmo sabendo que ficaria longe dos pais, sabia também que equipe nenhuma superava os cuidados da família e seus tios pouco se importavam com os pais.

Foi obrigada a concordar, provavelmente na próxima semana, moraria oficialmente sozinha, Bárbara e Rogério iriam buscar seus pertences e morar na antiga casa de Lígia, assim ficariam mais perto de Arnaldo e Macia.

A garota se despediu dos pais e desligou o telefone com uma imensa vontade de chorar, por mais adulta que fosse, gostava de tê-los por perto e não pensava em sair de casa tão cedo, jamais imaginou que seus pais sairiam de casa.

Escolheu a mesa mais afastada da cantina quando chegou a faculdade e se jogou em uma das cadeiras, seu dia já não estava sendo bom. Sentia-se culpada por ser tão egoísta e infantil a ponto de tentar contrariar os pais, eles precisavam estar lá, a filha não dependia deles há muito tempo, agora precisavam voltar ao ninho, assim como um dia a própria Sophie faria.

Abriu seu caderno e tentou se concentrar em suas anotações, estava preparada para as provas, mas do jeito que sua cabeça estava, não custava nada reforçar, além de ser uma ótima distração.

Carlos chegou primeiro e foi logo enchendo a amiga de perguntas, a procurou durante o fim de semana e Letícia o avisou sobre a viagem.

— O que aconteceu? Você parece um zumbi! – Ele se apoiou na mesa e se inclinou para frente. Estava apenas brincando, mas quando a encarou e viu os olhos marejados da amiga, como sempre, tentando segurar as lágrimas, se arrependeu de ter falado daquele jeito. — Sério, amiga, o que foi?

— Aconteceu tanta coisa… – Nem sabia por onde começar e muito menos como contar sem revelar sobre seus sonhos, mas precisava conversar com alguém de confiança. — Preciso contar uma coisas, não sei se você vai acreditar, mas…

Ela interrompeu a conversa ao ver a aproximação de Lucas. Carlos estranhou, porém não insistiu. Observou, abismado, Lucas dar a volta na mesa e sentar ao lado dela, quase íntimo.

— Tudo bem? – Lucas, perguntou ao perceber o clima entre os dois e os olhos vermelhos da garota.

— Não muito, mas não precisa se preocupar. – A mudança de seus pais não era da conta de dele, mas ele ficaria sabendo de qualquer forma mesmo, não precisava ser naquele momento.

Carlos olhava de um para o outro, tirando suas próprias conclusões. Lucas era um cara desejado por várias garotas, ouviu conversas de algumas delas sobre ele, mas ao que tudo indicava, ele já tinha escolhido uma. Carlos não sabia bem o que pensar sobre isso, só esperava que Lucas não bancasse o babaca com sua melhor amiga.

Sabia que Sophie não era dada a se preocupar com seus relacionamentos, por isso mantinha certa distância. Seu último namorado não valia muita coisa e era ciumento, ela o aturou por um bom tempo antes de decidir terminar e em uma de suas conversas com seu amigo, garantiu que não iria mais aturar caras assim, Lucas não parecia ser alguém como Gustavo, contudo, não mostrou ser melhor até agora.

O sinal tocou antes que outra palavra fosse dita pelo grupo e eles seguiram para suas salas. Demorou mais que o normal para que Sophie terminasse sua prova, tamanha era sua falta de concentração e se surpreendeu ao encontrar Lucas e Carlos juntos em uma mesa.

Não lhe agradava a ideia de ter Lucas por perto, mas ao mesmo tempo, tentou acreditar que era seguro, pelo menos de acordo com o que ele mesmo havia dito.

Sentou em uma das cadeiras ao lado de Carlos e jogou a bolsa em cima da mesa. Tinha amarado seus cabelos em um rabo-de-cavalo, mas estava sentindo dor e os soltou na tentativa de aliviar a pressão.

Encostou a cabeça no ombro do amigo e fechou os olhos, o barulho não a incomodava e estava quase dormindo quando ouviu a voz de Hiago. Na mesma hora afastou-se de Carlos e encarou o garoto.

 Lucas ficou tenso esperando a reação dela, Carlos não entendeu e fez uma anotação mental para perguntar o motivo da hostilidade depois.

— Tudo bem, gente? – Hiago observou a garota com cuidado e deduziu que Lucas a tinha recrutado para a agência também, ou não estariam na mesma mesa. Todos assentiram em resposta, menos ela.

— Normalmente, lembra? – Lucas achou melhor refrescar a memória dela. A garota parecia uma felino prestes a dar o bote. O jeito um tanto imprevisível e imprudente de Sophie o agradava e o preocupava ao mesmo tempo.

— Ah, claro! – Sorriu, sarcástica e escorregou um pouco em sua cadeira, o jeito mais desajeitado possível de sentar, numa tentativa de não voar no pescoço de Hiago.

Se seus pais estivessem ali, pediriam para que ela sentasse direito e fechasse as pernas, mas eles não estavam ali e o primeiro que reclamasse provavelmente apanharia.

— Sério, o que está acontecendo aqui? – Carlos estava ficando impaciente com a situação, conhecia sua amiga o bastante para saber que algo sério estava rolando.

— Depois eu conto. – Respondeu, de olhos fechados e respirando fundo.

— Bom… Se você está irritada, é melhor se preparar.

O comentário de Carlos a fez se ajeitar na cadeira e fechar a cara. Como se preparasse para uma luta, seu corpo enrijeceu. Antes que tivesse tempo de perguntar alguma coisa, avistou o trio que estava vindo em sua direção e por pouco não rosnou, duas meninas que conhecia de vista, mas sabia seus nomes, Glaucia e Larissa, vinham em sua direção acompanhadas por Sabrina.

— Eu não devia ter saído de casa hoje! – Resmungou, balançando a cabeça e se lembrando de ficar calma.

As três pediram licença e se sentaram à mesa, educados, ninguém protestou.

— Viemos convidar vocês para a festa de fim do semestre. Vai ser na minha casa, sabem onde fica? – Glaucia quebrou o silêncio.

— Sim. Todo mundo está convidado? – Carlos perguntou, chocado, pois soube que rolou uma festa dessas no semestre passado e não tinham sido convidado antes.

— Todo mundo. – Larissa sorriu e se virou para Lucas. — Você vai, né?

— Claro! – Assentiu, simpático.

— E você, Sophie? Vai ser sexta-feira.

— Não sei, Glaucia, mas agradeço o convite. – Estranhava o fato de ser convidada para a festas, pessoas como ela nunca eram convidadas.

— Você precisa ir, vai ser seu aniversário. – Se virou para o amigo e teve vontade de dar um soco em Carlos, estava tentando recusar de forma educada, daria uma desculpa depois para não ir.

— Um bom motivo para você ir. Posso te buscar de carro. – Lucas sugeriu e Hiago, empolgado, concordou, mas logo ficou sem jeito com o olhar furioso que recebeu dela.

— Não sei, acho que meus pai voltam…

— Fico feliz em ver vocês se dando bem, o beijo roubado surtiu efeito. – Sabrina a interrompeu, aproveitando para provocar. — E Fernando, o que acha disso?

— É melhor perguntar para ele. – Lucas respondeu, irritado, mas decidiu entrar no jogo dela. — Aproveita! Você não queria ficar com ele?

— Ah, então quer dizer que ele não está participando da brincadeira de vocês, Sophie? – Riu, pois sabia que esse comentário iria irritá-la. — Que feio!

— Feio é o seu recalque. – Carlos resmungou, odiava esse tipo de insinuação, Sabrina sempre acreditou que Sophie transava com Bruno e Adriano ao mesmo tempo, mas não era verdade.

— Ainda não rolou nenhuma brincadeira…. – Ele sorriu, malicioso para Sophie, que estava bebendo um refrigerante e tentando ignorar a conversa, em seguida ele encarou Sabrina. — Mas você sabe que ela vai gostar.

— Nossa! – Sophie engasgou com o refrigerante e tossiu algumas vezes. — Que comentário mais escroto, Lucas! – Bateu a garrafa em cima da mesa, levemente irritada. Não podia deixar de achar graça na casa de inveja da antiga amiga.

— Não precisa tentar disfarçar, sei que está rolando alguma coisa entre vocês. – Insistiu Sabrina, mesmo levando uma cotovelada de Glaucia.

— Bem que eu gostaria! – Lucas deu uma piscada sedutora para uma Sophie extremamente corada e abismada.

— Chega, Sabrina! O que acontece na minha vida nunca foi da sua conta. – Decidiu dar um basta, aquela conversa não daria certo, mais um comentário daqueles e Sophie não pensaria duas vezes em dar uns tapas nela e em Lucas. — Não sei o porquê dessa fixação na minha vida sexual. Está a fim de sexo à três? Para de se preocupar comigo e vai foder que passa!

Sophie pegou sua bolsa em cima da mesa e saiu, deixando alguns horrorizados a sua volta, incluindo Sabrina, que não sabia onde enfiar a cara, mas ouviu alguma risadas de alunos que ouviram a última parte da conversa.

Lucas e Carlos a alcançam na porta da Faculdade.

— Você não quer carona?

Ao ouvir a voz de Lucas ela se virou e apontou o dedo na cara dele.

— Nunca mais me expõe dessa forma, entendeu? – Ele deu um passo para trás e ergueu os braços.

— Foi mal! Eu queria provocar ela, não você.

— Você pode fazer o que quiser, mas guarde suas vontades para si. – Sophie bufou, prestes a ter um chilique, porém, respirou fundo várias vezes e em seguida voltou ao normal. — Aceito sua carona, mas Carlos vai com a gente.

— Certo… – Sem pensar duas vezes, seguiu em direção ao seu carro. Não ousaria contrariá-la naquele estado, correto estava Carlos de ficar quieto.

Sophie foi o caminho inteiro quieta, remoendo aquele dia ruim e planejando como contaria ao seu amigo sobre seus segredos e as coisas que estavam acontecendo, não seria fácil, mas se tinha contado a Fernando e Hiago, poderia dizer a seu melhor amigo. O problema mesmo seria a reação dele, não sabia o que esperar.

— Obrigada pela carona! Quer entrar e beber alguma coisa? – Perguntou enquanto pegava sua bolsa e saía do carro. Sua atenção se voltou para a moto do cara do correio. — Será? – Encarou seu amigo no banco de trás do carro, a ansiedade tomando seus nervos e indagou a Carlos, sorrindo. Então correu para a porta de sua casa, seguida pelo amigo.

Lucas foi atrás, não entendeu a empolgação dos dois e ficou curioso demais. Chegou a tempo de ver a garota assinando o papel da entrega e segurando um envelope.

Suas mãos tremiam enquanto abria o envelope, foi aí que Lucas entendeu o que era. Sophie deu um sorriso largo e abraçou seu amigo, Carlos, apesar de magro, a levantou no colo e rodou e Lucas sentiu certo incômodo com a cena, mas disfarçou. Ela parecia uma criança recebendo um presente que pretendia dividir com o amigo, até o cara do correio deu risada situação.

— Obrigada, moço! Você trouxe a única boa notícia do meu dia. – Deu alguns pulos de excitação, sem tirar o sorriso dos lábios.

— Fico feliz. – Respondeu o homem, dando partida na moto. — Tenha um bom dia!

— Para você também!

Carlos pegou a chave de dentro da bolsa dela e abriu a porta da casa, Sophie se jogou no sofá e tirou o celular do bolso.

— Puta merda! Não acredito que vou poder dirigir! – Gritou, apenas por gritar e levou o aparelho ao ouvido. Enquanto esperava mordia o lábio.

Contou, empolgada, aos pais, que tinha recebido sua permissão para dirigir e avisou que enquanto sua moto não chegasse iria usar a de Rogério, que não fez objeção.

— Agora precisamos juntar dinheiro para comprar um carro. – Disse Carlos, assim que ela guardou o celular.

— É verdade, não tinha pensado nisso ainda. – Pulou do sofá e congelou ao ouvir a risada de Lucas. Era como se por alguns minutos, tudo estivesse bem. Pena que durou pouco.

— Parabéns, mas não acredito que seja necessário juntar dinheiro. – Observou, surpreendendo a garota por parecer contente por ela.

— Nossa, ainda não acostumei com isso. – Riu, deixando Carlos boiando na conversa. Ela o pegou pela mão e o fez sentar no sofá. — Lucas está certo, não precisamos juntar dinheiro.

— Não? Planejamos isso desde… Sempre! – Retrucou, beirando a histeria.

— Então, você agora tem uma amiga rica. – Mordeu o lábio inferior e o manteve pressionado, aguardando, com expectativa, a reação dele.

— Devo corrigir, você não é rica. Está mais para milionária. – Lucas chegou a ajudar os pais de Sophie a calcular a fortuna que ela havia herdado e se os papéis estivessem certos, era ainda mais dinheiro, ele não conseguiria gastar tudo em cinco gerações.

— Isso é sério? – Perguntou Carlos, abismado.

— Sim. – Assentiu várias vezes e riu ao receber o abraço do amigo. — Não vamos precisar juntar dinheiro e vou pagar as aulas para a sua carteira e te dar um carro de presente, o que acha?

— Se for verdade, eu aceito! – Brincou, ainda desconfiado.

— É sim!

Lucas foi embora pouco tempo depois, a imagem de Sophie, pulando de alegria não saía de sua mente, pareciam haver duas garotas diferentes dentro de uma só. Desconfiava que poderia existir outras, mas a grosseira e a criança sorridente o agradavam mais.

Sophie ainda precisou de um tempo para explicar o que havia acontecido durante a viagem e a leitura do testamente a Carlos. Deu todos os detalhes possíveis, numa tentativa inútil de adiar o que de mais importante precisava contar.

— Nossa, isso tudo é incrível! – Colocou seu copo em cima da pia e voltou para a sala, sentando ao lado de Sophie. — Mas tem outras coisas te incomodando, o que aconteceu?

— Preciso contar algo que nunca te contei, acho que por medo de sua reação, mas preciso contar agora, não confio em mais ninguém. - Anuiu em reposta, mais apreensiva do que achou que pudesse ficar.

— Credo, parece sério. – Sophie nunca usou esse tom com ele, isso o deixou preocupado. — Pode começar e prometo não interromper.

— Tudo bem, mas se tiver dúvida, pode perguntar. – Carlos apenas assentiu, assumindo um ar sério que raramente usava.

Sophie começou pelo dia em que se conheceram, ela estava tão dopada em seu primeiro dia de aula, que se não fosse por Carlos, nem teria saído da sala durante o intervalo. Em seguida, cautelosa, contou o motivo de tomar os remédios e foi nesse momento que Carlos fez menção de interromper, mas ela não deixou.

— Vou responder tudo depois, ainda tem mais.

Ele concordou, torcendo para lembrar de todas as perguntas que queria fazer, a história era tão absurda, que Carlos não sabia o que estaria pensando ao fim daquela conversa. Ficou atento a qualquer sinal de que ela estaria brincando, mas não encontrou nada, o que o deixou assustado.

Ouviu, sobre o que acontecia durante as consultas com o psicólogo, algo que ela garantiu que nunca contou a ninguém, fazendo surgir outra pergunta na mente dele, apesar de certa compreensão e indignação.

Cada vez mais seu medo aumentava, a história era tão cheia de detalhes e elementos verdadeiros que se tornava crível a cada palavra dita. Quando chegou na parte sobre a viagem, Sophie pulou as partes que já tinha contado.

Revelou os trechos da conversa entre Fernando e Lucas que ouviu na casa dele e no carro, sobre o outro beijo que Lucas tinha lhe dado, a invasão dele na casa de sua falecida avó. Contou também sobre a reação que teve e como se sentiu quando o advogado leu o testamento e o sonho que teve com sua mãe, outra parte de deixou Carlos de cabelos em pé.

Eram tantos detalhes e tão extenso, que precisou se levantar para beber água algumas vezes e esticar as pernas. Sua amiga era boa em contar histórias, mas duvidava que aquilo seria o resumo de algum livro que ela leu. Tinha o hábito de pedir que a amiga desse spoilers de alguns livros, no entanto, isso era diferente.

Percebeu o brilho nos olhos dela ao contar sobre o quase beijo que deu em Lucas quando ele a encontrou no porão e anotou mentalmente mais uma pergunta. Só naquele momento entendeu a reação dela com a chegada de Hiago à mesa deles.

Ela deixou por último a conversa que teve com Lucas e os supostos perigos em que estaria metida por causa de Fernando e se calou, aliviada por ter despejado tudo e puxando na memória para ver se não tinha se esquecido de algo.

— Ah, no dia em que saí com Hiago, depois do beijo que Lucas me deu, quase fui atropelada, mas um homem misterioso me ajudou e não. – Emendou antes que ele perguntasse. — Não vi o rosto dele. – Respirou fundo antes de continuar. — Hoje, recebi a notícia de que vou morar aqui sozinha, meus pais vão morar em São Paulo para cuidar dos meus avós, a opção é: Ir com eles, ou morar aqui sozinha. Você já sabe minha escolha.

Carlos ainda ficou alguns minutos calado e encarando sua amiga, custava a acreditar naquilo tudo. Sophie tinha certeza disso, e compreendia, nem mesmo ela tinha assimilado tudo ainda e não esperava que ele acreditasse e entendesse no mesmo dia.

— Tenho perguntas, depois eu digo o que acho, pode ser? – Ela assentiu, aliviada por não perceber nada hostil em seu tom, mas apreensiva com o que ouviria. — Certo… Por que você foi fazer justo Psicologia? Percebo que o curso não te agrada e depois do que você me contou, sério, não entendo. Quero dar uma boa surra em seu psicólogo!

— Isso é complicado…. – O assunto ainda a incomodava muito, na verdade, com os anos, não passou a incomodar menos, só não temia mais. — Acho que foi o meio que encontrei de tentar entender o porquê não contei aos meus pais na época, tentar entender se ele exercia algum controle sobre mim por causa dos conhecimentos que possuía, ou se eu que era medrosa mesmo, sei lá… Pode ser uma forma de tentar… – Tentou procurar a palavra certa. — Entender não, descobrir o que leva uma pessoa a fazer o que ele fez, se é que algo o levou a fazer isso, ele pode ser apenas mal caráter mesmo. – Deu de ombros.

— Sinto muito! Gostaria que tivesse me contado na época, não acredito que guardou isso todos esses anos. – Sentia-se culpado por nunca ter percebido nada, mas sabia o que sua amiga era forte.

— Não serei a última a fazer isso e não fui a primeira.

— Sim, mas você era uma criança e não deve se culpar por não ter denunciado, viu!

— Ah, eu não me culpo por não ter denunciado e nem pelo que acontecia. Apenas quero entender o que aconteceu comigo… Vamos a próxima pergunta. – Pediu, angustiada por aquele assunto. Já não lembrava mais de alguns detalhes e não sabia se tinha escolhido esquecer em alguns momentos em que sofreu pensando nisso, ou se sua mente tinha encontrado uma forma de protegê-la, mesmo contra sua vontade, isso já não importava mais.

— Não lembro mais tudo o que eu queria perguntar, droga! – Resmungou, irritado.

— Não tem problema, pode perguntar quando lembrar. – Sabia que ele precisava de um tempo.

— Ok, vamos ao que eu lembro… Você pode ver meu futuro e meu passado, como nos filmes? É só pensar em alguém e…

— Não, acho que não. Apenas sonhos mesmo e não controlo nada. – Riu, imaginando o quanto seria fácil se fosse assim.

— Você já teve esses sonhos com você mesmo, tipo… Viu seu próprio futuro?

— Não que eu lembre. O último foi o acidente, mas acho que era por que minha mãe estaria comigo, sei lá…

— Caramba, você pode ver o futuro e nunca se preocupou em tentar controlar isso?

— Não queria ter esses sonhos antes e ainda não quero, mas também não vou mais tomar remédios por isso. Vou ter que me acostumar. Pode ser que eu aprenda, não sei se é possível.

— Ainda acho tudo muito difícil de acreditar, mas se até agora você não disse que é tudo brincadeira… Vou tentar me acostumar, tudo bem?

— É muito melhor do que eu imaginava, pensei que você nem fosse mais querer ser meu amigo por isso.

— De jeito nenhum, se fosse mentira, ainda ia querer ser o melhor amigo da mentirosa do ano. – Gargalhou. — Sério, você poderia ganhar um prêmio, se existisse. Ou até mesmo escrever um livro, venderia bastante.

Sophie riu junto e abraçou o amigo, sem conseguir conter as lágrimas. Não aguentava mais guardar tudo aquilo, se arrependeu por não ter dito nada antes e pediu desculpa por isso.

Carlos a afastou e sério, beijou a amiga no rosto, em seguida lhe deu o abraço mais apertado que conseguiu.

— Não deve se desculpar por nada e nem chorar, a não ser de alegria. – Riram juntos, um sentindo os soluços do outro, sim Carlos também estava emocionado, não conseguiu evitar, pensando em tudo que ela passou sozinha. — Bom… – A afastou e enxugou as lágrimas dela. — Ainda tenho perguntas.

Sophie assentiu, fungando e rindo ao mesmo tempo.

— Manda!

— Agora que você deu um pé na bunda de Fernando, como fica Lucas?

— Não fica. – Deu de ombros e franziu a testa.

— Fala sério, o cara está caidinho por você. E pelo que eu ouvi de você… – Apontou o dedo na direção dela. — Sentiu vontade de Beijá-lo, isso é sinal de que…

— Me sinto atraída por ele e isso é normal. Lucas é um cara bonito, tem um físico atraente, é inteligente, arrogante às vezes, beija bem… Merda, Carlos! – Reclamou ao perceber o que está fazendo.

— Vamos, continua! – Debochou dela e levou um soco no braço.

— Confesso, gosto dele. Lucas não é o babaca que eu pensava, mas não se empolga, não quero relacionamento com ninguém. E levando em conta tudo o que eu te disse sobre essa agência, ele representa um risco para mim.

— Duvido. Se ele quisesse seu mal, não teria contado tudo.

— Pode ser, mas vou deixar do jeito que está, pelo menos por enquanto. – Sabia que está falando da boca para fora, estava cada vez mais difícil resistir ao olhares cobiçosos e investidas de Lucas. — Vamos comer, estou azul de fome! Se lembrar de mais alguma pergunta, pode fazer.

— Ok. Também estou morrendo de fome e com saudade da comida que a Letícia faz. Minha mãe cozinha mal pra cassete. – Riu, imaginando o quanto apanharia de sua mãe lhe ouvisse.

Mesmo aliviada por ter contado tudo a Carlos, uma das perguntas dele a fez pensar novamente na mesma questão. Há alguns anos, quando percebeu que os sonhos eram recorrentes, pensou em tentar encontrar uma forma de controlá-los e usar a seu favor, mas isso só lhe passou pela cabeça até sonhar com a primeira morte.

Não queria saber o futuro das pessoas, ainda mais quando não podia interferir, era triste, perturbador e aterrorizante, alguns sonhos não saíam de sua mente por semanas.

Havia uma razão para que as pessoas não soubessem do futuro. Do contrário, poderiam deixar de viver o presente por medo do que estava por vir, ou até viveriam demais, com excessos… Teriam ainda mais recursos para fazer maldades, ou tirariam ainda mais vantagem dos outros…

Por mais que algo assim trouxesse vantagens notáveis, ao comparar com o mal que poderia causar, ela não conseguia aceitar que fosse algo realmente bom.

Preferia ser surpreendida, sofrer com as incertezas e expectativas, mesmo que fossem ruins, frustrantes e angustiantes. Pelo menos era o que o ser humano podia buscar, esperar e acreditar… Sem isso, qual seria o sentido da vida, uma vez que todos tinham uma única certeza? Um destino certo?


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