Manipuladores do Futuro escrita por Amanda Maia


Capítulo 11
Visita ao passado.




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Sophie seguiu para o único lugar em que poderia conseguir respostas. A casa de Lígia. Não tinha devolvido a chave para sua mãe e pela primeira vez foi bom ter esquecido algo. Ela guardou a moto na garagem da casa e entrou, por sorte, ninguém tinha entrado ali ainda, o porão estava do mesmo jeito da noite anterior.

Ajoelhada em frente as caixa, Sophie vasculhou todos os pertences e papéis de Lívia. Durante todos esses anos ouviu o quanto sua mãe biológica era irresponsável e como provavelmente não teria conseguido cuidar da própria filha de tão egoísta que era. Bárbara e Rogério sempre a instruíram a não dar créditos as fofocas da família, mas nenhum deles foi capaz de explicar o motivo do abandono.

Tentou ignorar tudo o que diziam. O problema, era que no fundo, acreditou no que ouviu, preferia acreditar que era filha de uma irresponsável, do que acreditar que foi rejeitada, como ouviu também, cochichado pelos cantos por seus tios.

Mas pela primeira vez na vida, não importava nada disso, apenas que sua mãe a deixou por um bom motivo, porque foi preciso e agora, Sophie precisava saber quais eram esses motivos.

Inúmeras perguntas atrapalhavam seu raciocínio. Além das questões óbvias, saber onde sua mãe havia conseguido tantos bens e dinheiro era uma delas. Todos os acontecimentos dos últimos dias pareciam estar anunciando uma grande mudança, até mesmo aquele sonho bobo que teve em que ficava rica e não deu atenção a nada daquilo, mas devia.

Não sabia o que estava procurando, entretanto, naquela altura, qualquer informação seria bem-vinda. Desde uma pista do motivo de seu abandono, até a origem daquele dinheiro. Por vezes, quando pequena, imaginou que um dia sua mãe voltaria, não terem encontrado o corpo de Lívia contribuiu bastante para essa imaginação.

Sabia o quanto estava sendo idiota ao alimentar aquilo novamente, ninguém conseguiria desaparecer por tanto tempo sem ser descoberto, ainda mais depois de um acidente daqueles, mas seus anseios infantis estavam de volta e não poderiam ser controlados, pelo menos não naquele momento.

Leu cada documento e caderno que encontrou e retirou tudo o que encontrou de dentro das caixas. Ursos, quadros, brinquedos, livros e até mesmo roupas, mas não encontrou qualquer coisa que pudesse ser útil.

Cansada, abriu o último caderno de uma das caixas e passou a ler, não havia nada além de matérias de escola, porém, de alguma forma, sentiu-se mais perto de sua mãe, algo que deveria acalmar seu coração. Isso não aconteceu.

Nunca sentiu tamanho tormento na vida. Deixou-se desmoronar, estava tão atordoada e triste que mais nada importava. Sabia que precisava ir para casa, dar notícias, ou qualquer coisa parecida, mesmo assim, permaneceu onde estava.

Não queria que vissem seu estado, podia sentir seus olhos inchados e o nariz entupido por causa do choro que não conseguiu evitar, precisava colocar para fora, na verdade, tinha muitos anos para colocar para fora. Anos em que se fez de forte, que se fechou, que permitiu dissertarem sobre como ela seria quando crescesse, o quanto seria tão irresponsável quanto a mãe biológica, sem retrucar ou discutir para não ser mal educada e comprovar o que diziam.

Sempre sentiu que tinha uma imagem a zelar e que de alguma forma tinha que contrariar tudo o que pensavam sobre ela. Foi responsável, apesar de fazer o que queria sem que outros soubessem, trabalhou, estudou, foi a melhor aluna que conseguiu, obedeceu aos pais e tratou todos, até mesmo as pessoas que não gostava da maneira mais cordial possível.

Arrumou problemas sim, mas só durante a adolescência, quando se encheu de ouvir baboseiras sem responder à altura e foi o período em que mais ouviu críticas. Então finalmente passou a dizer o que pensava e afastar pessoas que estavam ansiosas para verem suas profecias se concretizarem.

Foi o período em que finalmente conseguiu se afastar de sua família, mesmo tendo que se afastar dos únicos que não torciam contra ela, seus avós. Foi o preço que pagou para ter sossego e eles entenderam.

Não sabia que horas eram e já não sentia mais fome, diferente de poucos antes de Nascimento chegar. Sentia o cansaço dominar todo o seu corpo. Encolhida num canto em meio as roupas de Lívia e com o caderno em suas mãos, Ela adormeceu. E um sonho veio satisfazer sua aflição.

“Lívia se debate enquanto dois homens tentam enfiá-la dentro de um carro, um Honda Civic. Um dos homens dá um tapa em seu rosto, a deixando atordoada por alguns segundos. Um terceiro assiste à tudo, um pouco mais afastado e parcialmente escondido pelas sombras.

Eles conseguem colocá-la dentro do carro. O desespero de Sophie só aumenta e seus gritos, tanto os de Lívia, quanto os dela, parecem ecoar e se perderem no ar. Não há o que fazer, Sophie não consegue forçar seu corpo a se mexer e assiste em meio a cortina de lágrimas os dois homens empurrarem o carro pela contenção frágil da ponte em obras, dois cones de sinalização são levados pelo veículo ao despencar.

Um dos homens observa o carro afundar enquanto o outro se aproxima daquele que está em meio as sombras, o grito de horror da garota não atinge nenhum deles.

— Serviço feito! – Anuncia e sorri, satisfeito.

O homem que está distante dá um passo à frente, permitindo uma visão distorcida de suas feições e assente, antes de entrar em um dos carros estacionados no acostamento e partir”.

O desespero de não poder intervir a fez gritar de frustração, um grito mais uma vez ecoou e sua garganta queimou feito um barril inflamável antes de explodir.

Outro som ecoou e dessa vez não era um grito e nem vinha dela, mas o seu nome. Sophie se virou, na tentativa de encontrar o dono da voz, seu rosto queimou, de repente, fazendo seus olhos arderem ainda mais.

Sentia-se presa num lugar isolado do mundo e de tudo que conhecia, porém, reconheceu aquela voz e tentou desesperadamente encontrar o dono. Estava presa naquele lugar, observando a ponte, a noite cinzenta pela neblina, mas os sons que ouviam não combinavam mais com o lugar, era quase como uma transição de um lugar a outro. Seu corpo tremia e sua cabeça estava prestes a explodir, quando seu rosto ardeu mais uma vez e tudo ao seu redor despareceu, restando apenas escuridão.

§§§§§§§§§§§§§§

— Sophie, acorda! – O corpo da garota tremia e ele precisava usar o peso de seu próprio corpo para tentar controla-la. — Você precisa abrir os olhos. É só um sonho! – Pelo menos era o que ele esperava, nunca tinha visto uma reação como aquela e rezava, deixando de lado a sua falta de crença, para que não fosse um efeito do Lúcido.

Com medo de machucá-la, mas sem outra alternativa, ele preparou mais um tapa e avisou, acreditando que seria ouvido: — Vou bater de novo! – E desceu a mão, dessa vez com mais força que os golpes anteriores.

A garota abriu os olhos, assustada e levou as mãos ao rosto, mas demorou à reconhecer a silhueta a sua frente. Ele saiu de cima dela e ficou de joelhos ao lado, esperando alguma reação de Sophie.

Com a visão embaça pelas lágrimas, o coração galopando e o rosto doendo, ela entranhou ao ver Lucas ali, até perceber que ele quem estava batendo em seu rosto e ficar furiosa.

— Mas que merda, Lucas! – Tentou se sentar e ele a ajudou. — Isso dói! Qual é o seu problema? – Sua cabeça girou de repente, misturando imagens do seu sonho e as de Lucas.

— Foi necessário, desculpa! – Ele a abraçou, uma atitude que não teria normalmente, mas o alívio de vê-la bem precisava ser demonstrado de alguma forma e chorar, para Lucas não era uma opção. — Você não acordava. Parecia estar tendo uma convulsão e gritava muito. O que aconteceu? Era um sonho, não era? – Seja o que for que ela viu, foi algo terrível e provocou reações que ele presenciou antes.

— Não sei… – Suspirou tentando controlar os soluços e a queimação na garganta.

— Pensei que você estivesse morrendo. Nunca vi algo assim! – Confessou, apertando Sophie ainda mais nos braços e tentando segurar uma lágrima. Sim, estava gostando da garota e aquilo era ruim, sabia disso. — Pode contar o que aconteceu, quem sabe eu posso te ajudar. – Sugeriu sem pensar.

— É claro que não! – Protestou, não muito alto, a garganta não deixava, ou pelo menos o gato que parecia estar em sua garganta afiando as unhas. — Quem me deve explicações aqui é você, esqueceu? – Ela se afastou dos braços dele e o encarou, estreitando os olhos, sem acreditar no que via. Sophie levou a mão ao rosto de Lucas e ele segurou a mão dela a meio caminho, com mais força do que pretendia, mas não a soltou. — Isso é uma lágrima?

— Você não viu isso, entendeu? – Lucas limpou o rosto respirou fundo, balançando a cabeça, inconformado com a situação e o que estava sentindo.

O sorriso nos lábios dela era mais debochado e forçado que o normal, nem de longe lembrava o sorriso de menina, espontâneo, que ela tinha, mas ainda o encantava e excitava. Ele enxugou também as lágrimas dela com a mão, encurtando a distância entre eles, Sophie engoliu seco e não se afastou como deveria. Diferente de outras vezes, não queria distância dele.

— Está na hora do almoço e todo mundo está te procurando… – Ele avisou e a garota assentiu, arrepiando-se pelo toque dele.

— E você foi o único que me encontrou? Estava tentando revirar as coisas de Lívia de novo? – Provocou, lembrando da noite anterior.

— Não, só lembrei de como você olhou para as coisas dela e tive sorte. – Era inevitável o comportamento defensivo perto dela, aqueles olhos, agora tristes e começando a abandonar o cinza para dar lugar ao mel, o deixavam sem saber como reagir.

— Acredito em você… – Não queria parecer ingrata, contudo, também não queria abaixar a guarda. — Obrigada! – Podia sentir o cheiro de hortelã do hálito dele de tão perto que estavam e se repreendeu por desejar beijá-lo.

No instante seguinte, decidiu parar de se repreender, pois dessa vez queria e gostou de ver que ele não tentou beijá-la, cumprindo o que tinha prometido. Ela se aproximou mais dele, mostraria a ele que sabia tomar a iniciativa, assim como tinha dito.

Ele não recuou, queria o beijo dela. Sophie então encostou seus lábios nos dele. Um início desajeitado de um beijo interrompido antes mesmo de começar pelo toque do celular de Lucas.

Sophie fechou os olhos e abaixa a cabeça, rindo e Lucas rosnou, frustrado, e trouxe a cabeça da garota para o seu peito, deixando o celular tocar.

— Você precisa atender. – Avisou, pensando que talvez tenha sido melhor assim, foi bom esquecer um pouco de tudo o que estava acontecendo, mas precisava ter foco, Lucas podia ser tão mentiroso quanto o irmão, por mais que por vezes pareça sincero.

— Eu sei. Devia ter desligado. – Bufou enquanto tirava o aparelho do bolso, sem soltar Sophie. — Oi! – Ela sentiu a vibração da voz dele e gostou. — Encontrei. Estava na casa da avó, a moto estava na garagem, por isso não encontramos. Está bem sim. Certo, daqui a pouco estamos aí. – Desligou o celular e guardou no bolso. — Pronta?

— Sim. – Sophie se afastou, sem conseguir encará-lo e ele a ajudou a se levantar. — Obrigada! – Mexeu em seu bolso e retirou a chave de sua moto. — Não tenho condições de dirigir. – Estendeu a chave para ele.

— Imaginei. – Sorriu, nada animado, pegou a chave da mão dela e a guiou por entre as coisas espalhadas pelo porão até a saída da casa.

Escondendo a frustração do beijo interrompido.

§§§§§§§§§§§§§§

Todos a esperavam ansiosos no portão, Sophie recebeu tantos abraços que chegou a sentir-se sufocada, perguntas e mais perguntas foram feitas enquanto ela entrava na casa, mas sem resposta, estava atordoada demais para isso.

— Gente! – Ela eleva a voz e calou os presentes. — Eu só queria um tempo sozinha. Estou bem! Precisava assimilar tudo, nada de mais. Desculpa preocupar vocês. – Queria que as perguntas parassem, mas não queria parecer fria.

— Certo… – Arnaldo a abraçou e beijou sua testa. — Vamos comer!

Era incrível como seu avô sabia sempre o que dizer. Seus pais pareciam contrariados, no entanto, preferiram não discutir. Estavam todos cansados e com fome.

Fernando foi o único que se manteve um pouco distante, pensativo, provavelmente irritado por Lucas tê-la encontrado e se tornar mais uma vez o centro das atenções.

Depois do almoço, seus primos e tios foram embora. Sophie tomou um banho, trocou de roupa e arrumou suas coisas para ir embora. Seus pais ainda tinham coisas para resolver, ela tinha a impressão de que queriam lhe dizer algo importante, mas não perguntou nada, quando estivessem a vontade diriam.

Mais tarde, um pouco antes de anoitecer, arrumaram as bolsas dentro do carro de Fernando e se despediram de todos. Seus pais prometeram chamar um guincho para entregar a moto e seus avós prepararam lanches para a viagem.

Estavam emocionados demais, as informações dos testamentos atingiram a todos. Depois de muitos abraços, beijos e lágrimas, Sophie e os irmãos seguiram para a saída do bairro tranquilo, ela ficou aliviada ao perceber que o restante da cidade também estava menos agitada, principalmente o trânsito.

Fernando estava ao volante com seu irmão ao lado e ela em silêncio, no banco de trás, ainda remoendo os últimos acontecimentos e sonhos.

— Sophie. – A voz de Fernando a tirou de seus pensamentos e ela o observou pelo retrovisor, esperando. — Lembra da autorização que eu estava esperando para aquele trabalho? – Perguntou, cauteloso.

Ela olha de relance para Lucas que nem parecia ouvir a conversa, fingindo ou apenas distraído, então relaxou em seu banco inclinando e assentindo.

— Já recebi e preciso ir daqui mesmo, sem problema para você?

Deu de ombros e assentiu novamente, pensando que era mais um ponto para Lucas.

— Vou parar na rodoviária e você vai seguir viagem com o Lucas, pode ser?

— Claro, minha outra opção seria pegar um ônibus, mas não estou com saco. – Sabia que precisava dar uma resposta e achou que essa seria apropriada.

Fernando não disse mais nada durante o caminho até a rodoviária. Quando estacionou o carro, Lucas passou para o banco do motorista e nem se despediu do irmão, a indiferença dele era um tanto quanto presunçosa.

Sophie saiu do carro e encostou no porta malas, enquanto aguardava Fernando arrumar sua bolsa e misteriosamente parecia ter tudo que alguém precisava para fazer uma viagem longa. Ele ficou de frente para ela, com a bolsa nas costa e se inclinou para beijá-la, mas Sophie o afastou.

— Sobre o que disse para você antes de sair com a moto, eu… – Fernando negou com a cabeça, estava apreensivo com a mudança e a recusa do beijo, mas relaxou em seguida.

— Eu entendo, não precisa se desculpar.

Ela abaixou a cabeça e respirou fundo, tinha tomado uma decisão e não voltaria atrás, só precisava arrumar um jeito de concluir.

— Eu não estou pedindo desculpas, mas agradeço a compreensão. – A expressão surpresa dele não a abalou. — O que quero dizer é que falei sério. Quero ser deixada em paz.

— Não entendo. Fiz alguma coisa errada? – Percebeu que qualquer outra garota em seu lugar, ouvindo aquele tom manso e preocupado, desistiria na mesma hora.

— Não. – Controlou a vontade de enumerar as mentiras que descobriu, não sabia qual seria a reação dele e nem as consequências de contar tudo. — Preciso ficar sozinha, tenho muito em que pensar e o que resolver, prefiro encerrar por aqui, antes que fique sério.

— Continuo sem entender. Você ficou estranha comigo de uma hora para outra… Acho que mereço saber o que está acontecendo. – Ele tentava, de todas as formas que dispunha naquele momento reverter a situação, mas percebeu uma frieza nela que não notara antes.

— Também acho que você mereça saber, por isso estou te contando. – Toda aquela cena dele lhe parecia forçada e pedante. Odiava quando tentavam fazê-la sentir culpa. — Não temos nada sério. Foi bom, mas acabou. Não fiquei estranha com você de uma hora para a outra. As coisas que mudaram para mim dessa maneira. Agora preciso rever minhas prioridades e você não é uma delas, na verdade, relacionamentos nunca foi uma delas, entende? – Foi a melhor desculpa que conseguiu arrumar.

— Entendo, mas acho que podemos conversar depois. Ficarei fora por mais ou menos uma semana, até lá… – Ela interrompeu bruscamente dela e o deixou ainda mais confuso. Podia jurar que estavam apaixonados e que seus planos estavam no caminho certo. Teria mais trabalho do que imaginava.

— Não. – Sophie se afastou do carro e dele, precisava encerrar aquilo antes de perder a paciência. — Até lá, muita coisa vai ter mudado e não teremos mais nada para conversar.

— Mas… – Desistiu de continuar, não sabia mais o que argumentar, não quando não poderia prosseguir com a conversa, precisava mesmo ir embora. Sua única alternativa seria procurá-la depois, não podia desistir de seu “achado” assim tão fácil.

— Bom trabalho, Fernando! – Desejou antes de se virar e entrar novamente no carro, dessa vez, pelo lado do passageiro dianteiro.

Lucas não conseguia acreditar no que tinha acabado de ouvir, Sophie tinha mesmo dispensado seu irmão, uma decisão certa, mas perigosa. Não a teria aconselhado a fazer isso. Observou a frustração de Fernando pelo retrovisor enquanto se afastava da rodoviária. Lançou alguns olhares para Sophie enquanto dirigia, a garota estava impassível e com um olhar perdido à frente. Não disseram nada até pegarem a estrada.

— Você sabe sobre o que é essa viagem? – Decidiu perguntar, cansada de apenas cogitar. Ele achou que era coerente, mas não queria dar informações demais, então ficou em silêncio, avaliando o que diria. — Essa viagem foi desculpa para me deixar sozinha com você? – Ela insistiu e dessa vez despertou uma dúvida nele também.

— Ele precisava mesmo viajar, tinha um trabalho e estava adiando esse tempo todo, nunca precisou de autorização. – Revelou, cauteloso e prosseguiu, expondo o que também não entendia. — Fernando poderia ter voltado com a gente… – Disse, se perguntando, se estava adiando o trabalho até agora, porque decidiu ir nesse momento?

Ela já não parecia mais esperar uma resposta, provavelmente tinha voltado a pensar em seus próprios problemas, achava melhor assim, mas a atitude de Fernando ainda o perturbava. Conhecia bem seu irmão e sabia que, apesar do interesse dele nos sonhos da garota, havia um sentimento, claro que os sentimentos de Fernando eram mais possessivos do que qualquer outra coisa, via a manifestação deles há alguns anos.

Exatamente por isso, não fazia sentido deixá-lo com Sophie, ainda mais quando já tinha demonstrado interesse por ela mais de uma vez. A não ser que… Instintivamente, Lucas reduziu a velocidade e, controlando sua força, socou o volante algumas vezes, fazendo a garota se sobressaltar e encará-lo, levando as mãos ao painel, esquecendo que estava de cinto de segurança.

— Qual é o problema? – Perguntou, com o coração aos pulos.

Ele a contemplou por um tempo. Sophie não tinha a mesma beleza que garotas como Sabrina tinham. Media mais ou menos 1,60 m de altura, tinha um corpo proporcional ao seu tamanho, o rosto era bonito, mas de um jeito diferente, quase intimidante.

Seu nariz era pequeno e suas bochechas rosadas, tinha sobrancelhas que literalmente emolduravam o rosto, lábios não muito grossos, mas o suficiente para provocarem desejo nele e seus olhos eram o que chamavam mais atenção. Era possível ter um misto de sensações ao olhar dentro deles e quando vinha acompanhados por seu sorriso de menina, pronto. Combinação perfeita para provocar paixão.

Lucas via harmonia naquele conjunto, uma harmonia que contrastava com o jeito sério e grosseiro dela. Seus cabelos longos avermelhados, olhos de tempestade e lábios rosados, era a imagem que preenchia o tempo de Lucas desde que a viu naquela maldita festa.

E era justamente por isso que estava ali, Fernando sabia exatamente as coisas que Lucas era capaz de fazer quando estava apaixonado e se descobrissem sobre os sonhos dela, sabia também que ela estaria segura ao lado dele.

— Não foi nada. – Suspirou, irritado, por fim respondendo à pergunta dela. — Sei que temos que conversar, mas podemos deixar para depois? – Ainda precisava avaliar o que poderia dizer à ela.

— Claro, só de manter sua palavra já tem alguns pontos ao seu favor. – Recostou no banco, aliviada e bocejando. — Você se importa se eu tirar um cochilo? – Precisava descansar um pouco, mesmo que conversassem, do jeito que estava sua mente, não conseguiria assimilar muita coisa. Queria respostas, mas elas podiam esperar mais um pouco.

— Não. – Esboçou um sorriso tranquilo e confiante. — Bom descanso!

— Obrigada! – Disse, com a cabeça já encostada no vidro do carro e fechando os olhos.

Lucas dirigiu o mais rápido possível enquanto Sophie dormia. A conversa que precisam ter era séria e ele não sabia quais informações ela já tinha, era algo para ser tratado em um lugar mais confortável.

Quando a garota acordou, percebeu que estavam passando pela cidade vizinha à sua. Atordoada, ela se levantou e olhou ao redor.

— Quanto tempo eu dormi? – Bocejou cobrindo a boca e depois coçando os olhos.

— Quase duas horas. – Lucas estava cansado, precisava parar um pouco para esticar as pernas. Ele estacionou no acostamento e pegou duas garrafas de água que comprou em um posto de gasolina no caminho. — Já estamos chegando. – Ofereceu uma das garrafas antes de sair do carro.

— Obrigada! – Sophie soltou seu cinto e saiu também, parando um pouco mais à frente de Lucas.

Ela jogou um pouco de água no rosto e bebeu o restante. Não via a hora de chegar em casa, o cochilo ajudou um pouco, mas ainda sentia seu corpo dolorido. Encostou no capô do carro ao lado dele e ficou um tempo observando os carros passarem em alta velocidade pela rodovia.

— Está tudo bem? Teve algum sonho? – Decidiu investigar, estranhando o silêncio dela, que apesar da seriedade que exalava, era uma pessoa falante.

— Sim… – Sentiu um aperto no coração ao lembrar de seu sonho e o encarou, sabia qual seria a próxima pergunta dele e decidiu não esperar. — Foi um sonho normal. Acho que foi influenciado pelo meu desejo de que tudo volte a ser o que era.

— Há quanto tempo você tem esses sonhos? – Indagou, evitando se aproximar, como realmente queria.

— Desde sempre. – Fechou os olhos e depois os abriu olhando para o céu, impaciente.

Agora ele entendia a normalidade com a qual a garota falava no assunto. A maioria das pessoas com as quais teve de lidar, não entendiam, ou não aceitavam seus sonhos, alguns chegavam a surtar ao tentar entender e outros nem sabiam o que erma. Várias vezes teve de explicar que os sonhos eram dons, ou maldições, como a pessoa quisesse chamar. Mas ela já sabia o que eram e já havia se acostumado à eles, ou pelo menos deveria ter se acostumado.

Sem dizer mais nada, os dois entraram no carro e seguiram para a casa de dela. Sophie foi o restante do caminho pensando em quais perguntas fazer e ainda tentando entender o sonho com sua mãe, enquanto Lucas receava exatamente das perguntas que seriam feitas.

Letícia tinha deixado tudo arrumado para a chegada dela, incluindo a comida. Ela se jogou no sofá, deixando sua bolsa no chão e convidou Lucas a sentar.

— Agora você pode começar. – Avisou, sem perder tempo.

— Certo, mas essa conversa pode demorar e gostaria de ir buscar o meu carro. – Queria se livrar do Audi de Fernando, gostava mais de sua máquina. — Não demoro. – A tranquilizou se levantando do sofá.

— Tudo bem, eu vou com você. – Ela se levantou também e ergueu uma sobrancelha em resposta a cara feia dele. — Não tenho garantias de que você vai voltar.

Lucas deu de ombros e seguiu para o carro e esperou a garota fechar a casa novamente. Não gostava que duvidassem dele, mas se fosse ela, pensaria da mesma forma, então não criou caso por isso.

O carro dele estava guardado no estacionamento de Fernando, até aí, Sophie já desconfiava, porém, o que a surpreendeu foi o modelo do veículo. Lucas possuía um Chevrolet Camaro, um veículo caro.  

Não foi isso que provocou surpresa, mas fato de o carro ser exatamente igual ao do filme Transformers.

Sim, Lucas tinha um Bumblebee.

Era lindo e ela também gostava do filme e seu personagem favorito era justamente esse. Ela não conseguiu controlar o riso, algo que o deixou irritado. Sophie precisou explicar que gostou do carro, apenas estava impressionada, isso o fez relaxar um pouco.

Em sua casa, com o clima mais leve, Sophie serviu um suco que Letícia tinha feito, avisou seus pais que já estava em casa e que estava tudo bem.

— Pronto. Pode começar! – Colocou o celular para carregar em cima da bancada, voltou ao sofá e esperou, ansiosa, mas Lucas parecia perdido. — Pode começar contando o que você e Fernando fazem.

— Tudo bem. – Ele respirou fundo, a sugestão não ajudou em nada, mas era um começo. — Nós trabalhamos para uma agência e procuramos pessoas como você e o Hiago.

— Acho que você pode ser mais detalhista que isso, não? – Perguntou, impaciente.

— Não muito, mas vou tentar…

Sophie prestou atenção a cada palavra, deixando Lucas cada vez mais desconfortável. Com exceção da tal agência, ele não disse nenhuma novidade. Desde que percebeu que seus sonhos não eram acontecimentos esporádicos, a garota vêm pesquisando sobre eles.

Existiam outras pessoas que faziam a mesma coisa que ela, uns chamavam de dejavú, outros de precognição, as explicações para isso também eram diversas, desde espirituais, que Sophie acharia mais plausível, se fosse religiosa, até explicações científicas baseadas em testes considerados inconclusivos.

Vários estudiosas haviam tentado explicar, sem sucesso. Todas as vezes que testavam pessoas, os resultados os confundiam ainda mais. A explicação menos crível que encontrou foi sobre alienígenas, sim, essa ela nem quis pesquisar a fundo.

Pediu que ele pulasse essa parte e fosse direto para a agência, isso sim a interessava. Resignado, ele obedeceu. Pelo que Sophie entendeu, essa agência com um nome singular (AGÊNCIA RECRUTADORA DE VISÕES), chamada apenas de ARV, não tinha vínculo com o governo e era extremamente lucrativa.

Usavam pessoas que tivessem esses sonhos e vendiam as informações. De alguma forma, conseguiam induzir a pessoa durante o sono, usando o isotônico, que Sophie descobriu não ser uma bebida comum e o nome verdadeiro era Lúcido. A pessoa aceitava sugestões enquanto, quase uma hipnose, e relatava o que estava sonhando.

O que a assustou, não foi descobrir que Fernando a testou com essa bebida e nem que o que relatou durante esse teste aconteceu. Lucas disse que a agência oferecia muito dinheiro à essas pessoas e quando ela perguntou o que aconteceria se a pessoa não aceitasse fazer parte disso, a expressão dele lhe preocupou e a resposta foi simples: Se souberem demais, desaparecem. Isso a deixou com medo.

— Certo…. – Engoliu seco, só agora estava percebendo a dimensão daquilo. — Quem é o velho?

— Essa agência tem vários braços espalhados pelo país, o meu é comandado pelo Velho. – Sorriu, ao perceber que ela tinha ouvido boa parte da conversa no carro e na casa de Fernando.

— Por que você estava preocupado comigo? – Dessa vez, nem o deixou terminar a resposta direito, fez a pergunta antes que se esquecesse.

— Por dois motivos. O Lúcido pode ser perigoso para quem não tem precognição e existe uma outra fórmula dele que é perigosa para qualquer um. – Fez o possível para não entrar em detalhes. — Também não sabia o que meu irmão queria com você, se fosse para participar da agência ele já teria falado.

— Agora você sabe?

O estado de consciência dela durante o sono não deve ter sido o bastante para ouvir toda a conversa no carro, ou Sophie deduziria o que Fernando queria.

— Meu irmão sempre arruma um jeito de afrontar o Velho, não sei exatamente o que ele queria, mas não era que você fizesse parte da agência, provavelmente ganharia algum por fora com você. – Foi mais cauteloso ao responder, queria ter certeza de que a garota não tinha ouvido tudo.

— Entendo… – Pensando no quanto Lucas perecia saber sobre os sonhos, decidiu arriscar e esclarecer algo que estava lhe perturbando. — É possível sonhar com o que já aconteceu?

A pergunta o deixou intrigado, não queria cair na conversa dela, mas achou que Sophie tinha o direito de saber, teria que contar em algum momento de qualquer forma. Melhor não esperar que ela perguntasse.

— Meu irmão pesquisou sobre sua vida, porque desconfiou de algo que nós sempre ouvimos do velho

Ela odiava quando alguém fugia do assunto, Fernando ter pesquisado sobre a vida dela não a surpreendeu, na verdade, era nada perto de tê-la dopado e mentido daquela forma. Mesmo assim não o interrompeu.

— Fernando descobriu que uma pessoa havia trabalhado na agência, uma mulher. O Velho sempre falava em como seus sonhos eram bons e seus relatos, precisos, mas essa mulher quis sair da agência, o que não é permitido, então tiveram que matá-la. Essa foi a pessoa mais talentosa que já tiveram, nunca encontraram alguém como ela.

Impaciente com a conversa, Sophie pediu que ele fosse direto ao ponto, pois ainda tinha outras perguntas e já passava da meia noite.

Lucas obedeceu, mesmo receoso.

— Ao que tudo indica, o nome dessa mulher é Lívia e pode ser sua mãe. – Aguardou um tempo pela reação dela, mas Sophie apenas se calou. — A resposta à sua pergunta é: se for sua mãe, sim, é possível que você possa sonhar com o que já aconteceu. Ela fazia isso.

A mente de Sophie estava à mil por hora. As chances de que o que Lucas disse ser verdade eram enormes e explicava muita coisa. O dinheiro, o sonho, o acidente e principalmente, se Lívia estava sendo ameaçada, então não abandonou a filha, tentou protegê-la.

— Qual é o nome inteiro dessa Lívia? – Ela proferiu cada palavra devagar, como se tivesse medo da resposta.

— Não sei. Fernando me pediu para encontrar qualquer documento ou foto de sua mãe, mas não disse qual era o sobrenome da mulher que trabalhou para a agência. Não tive tempo de procurar, quando você chegou eu tinha acabado de entrar no porão.

— Como a mataram? – Mesmo sem o sobrenome, não precisava ser gênio para deduzir.

— Forjaram um acidente de carro.

Lucas chegou a pensar que a garota fosse desmaiar. A respiração dela ficou acelerada e sua pele pálida, precisou pegar água para ela e amparar o copo, pois as mãos dela tremiam demais. Levou quase uma hora para que Sophie voltasse ao normal e quando o fez, ainda ficou em silêncio por um tempo, inquieta.

Ele sabia que a garota desconfiava que era a mesma Lívia e depois da leitura do testamento, tanto ele quanto Fernando tiveram certeza, mas Lucas ainda teimava em querer provas.

— Você sempre sonhou com o passado? – Sondou, precisava descobrir o motivo da pergunta, pela primeira vez, sentiu que Sophie sabia mais coisas que ele.

— Não, aconteceu só uma vez, e… – Ela fechou a boca, o encarou e estreitou os olhos, desconfiada, confirmando o que Lucas estava pensando. — Qual é o seu interesse nisso? Seu irmão não vai ganhar nada em cima de mim e você também não. Não vou fazer parte disso!

— Você sonhou com sua mãe, não foi? – Perguntou, num tom manso. Escolheu não considerar a explosão dela, podia compreender a situação.

— Sonhei com a morte dela. Minha mãe foi assassinada por essa agência… – Cuspiu, em tom de acusação. Ele ignorou. Ela parecia pensar no que ia fazer com essa informação.

— Como eu disse antes… – Pigarreou, tinha certeza de que a garota não prestou a atenção em tudo o que tinha dito e achou melhor avisar novamente. — Você não vai encontrar nada relacionado à nós na internet, para todos os efeitos, a agência não existe, nem aqui, nem na Alemanha, Estados Unidos ou Inglaterra e não adianta procurar a polícia, os que sabem da nossa existência, sabem também da nossa importância.

Precisava alertá-la, em seu lugar, também pensaria em procurar a polícia, mas sabia o que acontecia quando alguém tentava e não queria o mesmo para ela. Lágrimas começaram a rolar pelo rosto de dela e, sentindo-se culpado, Lucas saiu do sofá em que estava e sentou ao lado da garota no sofá pequeno. Sophie se afastou um pouco, sentindo medo.

— Sobre o que você disse de não participar da agência…. – Decidiu tentar tranquiliza-la, não queria dizer que não poderiam obriga-la, seria mentira. Fez o melhor que pôde. — Não se preocupe com isso, pelo menos não agora. E eu não quero prejudicar você, por isso te contei tudo. – Ela relaxou sua postura defensiva e o encarou, sem ter certeza de que entendeu direito. — Minha maior preocupação era que descobrissem sobre você.

— E não sabem? – Enxugou as lágrimas com as costas das mãos e se endireitou no sofá, na esperança de guardar o que soube para si e seguir em frente, era esperta o bastante para saber que isso era o melhor, mas não o correto.

— Ainda não. Nosso alvo na cidade era o Hiago e já conseguimos.

— Aquele linguarudo? Sério?

— Sim. Ele contou apenas para mim sobre seus sonhos. – Receava que o garoto abrisse a boca agora que estava na agência. — Já está ficando tarde… – Ele se levantou, estava perto demais dela e era difícil não querer beijá-la.

— Lucas. – O chamou e se levantou também, ficando de frente para ele. — Por que me contou tudo?

— Bom… – Nem ele mesmo sabia ao certo. — Acho que você precisava saber. O Velho e outras pessoas da agência estavam desconfiando do relacionamento do meu irmão com você. Seria questão de tempo.

— Obrigada… – Suspirou, não era bem a resposta que esperava, mas não importava realmente.

— Não agradeça ainda. Você precisa ficar na sua até tudo se acalmar, vão achar que Fernando perdeu o interesse em você e deduzir que não havia algo especial.

— O que eu faço? – Sentiu receio de contar, mas talvez ele pudesse ajudar, ou dizer que ela estava ficando louca. — Há alguns dias… Tenho me sentido observada, cheguei a pensar que alguém estava me seguindo naquela noite no bar e agora que sei…

— Não faça nada. – Alertou, percebendo o medo nas palavras dela. — Prometo ficar de olho e te avisar caso alguma coisa mude, continue com sua vida normalmente.

— Difícil…

— Não acho que tenham colocado alguém para te seguir, se for o caso, é só por desconfiança, não farão nada, principalmente se eu estiver por perto. – Tentou tranquilizá-la novamente.

Sophie pensou em pedir para que ele ficasse em sua casa naquela noite, mas ficou sem jeito e não sabia se Lucas tinha dito aquilo de propósito. Então se despediu dele, trancou toda a casa e foi para o quarto.

Sentou-se na cama refletindo sobre as informações antes de tomar um banho. Porém, adormeceu antes mesmo de fazer qualquer um dos dois, estava acabada e nem tinha se dado conta.


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