Manipuladores do Futuro escrita por Amanda Maia


Capítulo 10
O invasor e seus segredos. Bate panela e quem quer ser um milionário?




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A casa de Lígia ficava no mesmo bairro e ela não teve dificuldades para se lembrar do caminho. Estacionou sua moto e desceu, tomando coragem para entrar, havia esquecido de perguntar à mãe onde estavam as coisas e teria de procurar.

Pegou a chave do bolso da calça e abriu a porta com um cuidado exagerado, como se não pudesse fazer barulho. Estava tudo escuro na casa, tateou pela parede tentando encontrar um interruptor e ascender a luz.

Ficou alguns minutos observando o lugar, caixas empilhadas, móveis desmontados, outros cobertos… Ficou pensando por onde iria começar, até ouvir um barulho. Sophie começou a pensar em todas as possibilidades, poderia ser um gato, rato, ou qualquer outra coisa. Decidiu seguir o barulho que parecia vir do porão, caminhando devagar e com o maior cuidado possível.

Ao chegar à porta do porão, precisou encostar o ouvido nela para acreditar no que estava acontecendo e seu coração disparou.

— Aqui? Você acha? – Sophie começou a se afastar, tentando pensar no que fazer.

Mas a porta abriu de repente, a assustando e pela primeira vem em sua vida, ela gritou, aquele grito que tanto criticava em filmes de terror. Tentou se acalmar, até porque um grito não a ajudaria, a não ser que o invasor tivesse ouvidos sensíveis.

— O que você está fazendo aqui? – Soltou a primeira pergunta que veio a sua mente.

— Quase fiquei surdo, merda! – O invasor reclamou, numa tentativa de ganhar tempo.

— Dane-se! O que você está fazendo aqui, Lucas? – Cruza os braços sobre o peito e mesmo assustada, se manteve firme.

Lucas abriu a boca para responder, mas tentou sair da casa correndo, não tinha como inventar uma boa desculpa para estar ali. Sophie acompanhou o olhar dele, então pensou e agiu o mais rápido que conseguiu, correu até a porta, trancou e guardou a chave no sutiã, impressionada por ter chegado primeiro que ele.

— Terei prazer em pegar a chave de você. – Ele sorriu, ofegante, mais por ser pego de calça curta do que pela corrida.

— Não estou brincando. Você não sai daqui até me dizer o que estava fazendo. – Retrucou, atenta a qualquer movimento dele.

— Também não estou brincando, Sophie. – Ele começou a se aproximar e ela resistiu a vontade de recuar.

— Não se atreva! – Advertiu, levando sua mão ao bolso para pegar o celular, mas desistiu, ou protegia a chave, ou pedia ajuda. Ia ter que se virar e sem arma de choque ou spray de pimenta.

— Então entrega a chave. – Pediu ao dar mais dois passos, quase em cima dela.

— Não… – Pretendia xingar mais um pouco, mas sua resposta foi interrompida pelo movimento rápido dele.

Lucas envolveu o pescoço de Sophie com um braço, ficando nas costas dela e com o outro tentou colocar a mão dentro da blusa da garota numa velocidade assustadora. Ela colocou uma de suas pernas entre as dele. Um movimento sutil e geralmente eficiente, e começou a arranhar o braço que envolvia seu pescoço. Precisou se debater para que ele não pegasse a chave.

— Vai precisar fazer mais do que me arranhar… Para de se mexer! Não quero machucar você. – Nunca imaginou se encontrar numa situação dessas e precisava admitir que ela era corajosa.

— Já está machucando! – Retrucou, sufocando e tossindo.

Ele afrouxa o aperto. Logo se arrependeu disso.

Ela forçou seu próprio corpo para trás e sem conseguir apoio por causa da perna dela, Lucas se desequilibrou e os dois caíram. Não devia ter subestimado a garota, pensou, receoso de ter que cuidar dela da mesma forma que já cuidou de outros.

Sophie se recuperou da queda e levantou rápido. Não o suficiente. Lucas agarrou o tornozelo dela e dessa vez a garota sentiu dor por ter caído em cima de seu próprio braço. Antes de conseguir pensa em algo mais além da dor, ele já estava sentado em cima dela, prendendo seus braços na lateral do corpo e colocando todo o seu peso.

Por mais que sentisse medo dele e dor, no momento em que Lucas pegou a chave, Sophie percebeu o receio e o cuidado que ele teve ao tocá-la, apenas pegando a chave, diferente da ideia que quis passar antes.

Ele balança a chave e comemorou. Sophie tinha certeza de que no momento em que Lucas passasse pela porta, nunca mais saberia o que ele queria ali, provavelmente nem o veria mais.

A verdade é que se ele a quisesse machucada, já teria feito e isso só a deixou hesitante em usar seu último recurso para pegar a chave de volta e fazê-lo falar.

— Desculpa! – Ela mordeu o lábio, em antecipação ao que faria e deixando-o confuso. Mas a confusão dele durou pouco, porque em seguida ela levantou uma de suas pernas e não demorou para Lucas ficar encolhido em posição fetal no chão ao lado dela.

Sophie pegou a chave, com dificuldade por causa do mal jeito que tinha dado no braço ao cair, sentou de pernas cruzadas no chão, com as costas apoiadas no sofá, recuperando o fôlego. Enquanto esperava o invasor se recuperar da dor, fingindo não se importar com a carreira de palavrões que ele soltava entre dentes cerrados.

— Ainda estou esperando você me responder. – Arrumou o cabelo o melhor que pôde e guardou a chave no bolso de trás da calça.

Não queria que ele tivesse tempo de se recuperar totalmente. Achava que dessa vez Lucas não se preocuparia em machucá-la e uma briga com ele seria derrota na certa.

— Isso foi golpe baixo! – Reclamou, tentando se levantar e devagar, ele sentou no chão, ficando de frente para ela, seus olhos vermelhos de raiva, ou de lágrimas, ela não tinha certeza.

— Eu sei, por isso pedi desculpa, não tive escolha. – Respirou fundo, pensando naquela situação, do sonho estranho que teve enquanto dormia no carro e no que ouviu no porão. — Não me enrola! O que você veio fazer aqui?

— Eu vi a casa vazia e resolvi entrar para ver se tinha algo de valor. – Foi a melhor desculpa que conseguiu pensar com a dor que ainda estava sentindo, mas sabia que não ia colar.

— Você não é ladrão, não me faça de idiota! – Gritou, atenta a qualquer movimento dele. — Por que o Fernando te mandou aqui?

Lucas riu, como se Sophie fosse louca, entretanto, não contava em receber uma ligação e entrar em contradição automaticamente. Ela estende a mão e sem alternativa, ele desfaz o sorriso presunçoso e entregou o aparelho.

Como já desconfiava, a ligação era de Fernando, ela devolveu o celular.

— Atende e coloca no viva-voz. – Ele hesitou, nada acostumado a receber ordens. — Agora! – Gritou, perdendo todo o controle e Lucas obedeceu, contrariado.

— Oi. – Atendeu irritado com o tom de Fernando. — Não ouvi o celular tocar. – Lucas riu com a pergunta do irmão antes de responder. — Consegui sair e já estou voltando. – Piscou para Sophie. —Tá bom. – A sugestão de Fernando era a mais idiota possível, mas Lucas concordou. —Entendi, vou esperar ela sair e voltamos juntos como se tivesse passando por aqui. Tchau!

— Viu? Nem foi difícil. – Sorriu, satisfeita por deixá-lo naquela posição, mesmo desconfiando que ele estava ali porque queria e pronta para jogar o próximo verde. — Agora conta o que vocês estão aprontando.

— Não. – Ele deu de ombros, mas já avaliando suas opções.

— Aquela sua preocupação comigo não existe mais? – Balançou a cabeça, irritada, por não ter funcionado. A expressão dele não revelava nada, precisava saber o que estava acontecendo. — Certo… Então só responde duas coisas: O que é lúcido e o que Hiago tem a ver com tudo isso?

— Acho que você só não juntou as peças ainda… Vou facilitar. – Ponderou o que podia revelar. Que ela tinha ouvido a conversa na casa de Fernando ele já sabia, só não esperava que tivesse ouvido a conversa no carro também. — Hiago contou sobre seus sonhos e os dele. Quanto ao lúcido, sugiro que não beba mais, essa bebida permite testar as pessoas e as força a relatar o sonho. – Concluiu, estranhando a calma dela. Provavelmente estava acostumada com o que podia fazer e sabia que era algo valioso, refletiu, interessado.

— Entendo, mas não consigo juntar peça alguma, por exemplo: Quem é Natália e velho? Me testar para quê? – Bufou, mais irritada do que nunca, a coisa ficava mais sinistra a cada palavra. — Preciso que você me conte tudo, se estou correndo algum perigo, preciso saber. Nem sabia que estava bebendo esse lúcido.

— Posso te contar tudo… Pretendia fazer isso, até porque não sei quais as intenções dele com você. Mas não posso fazer isso agora, quando estivermos sozinhos eu falo. Apenas pare de beber isotônico. – Não imaginou que fosse colocar sua decisão em prática tão cedo. Tinha somente cogitado contar tudo, agora já estava decidido, mas como?

— Quem me garante que vou ficar sozinha com você, ou que não está mentindo? – Não confiava em Lucas e não queria arriscar.

— Escuta, não vou embora. Vamos voltar para a casa dos seus avós juntos e amanhã, quando estivermos voltando eu te conto o que você precisa saber, mas agora não dá.

Sophie hesitou, não achava que teria a oportunidade de ficar a sós com ele e não tinha garantias que Lucas não desapareceria no meio da noite, entretanto sentia que aquele não era realmente o momento, já estavam demorando demais e ela nem tinha feito o que precisava.

— Não se preocupe, seu namorado vai dar um jeito de não voltar com a gente amanhã. – Lucas avisou ao se levanta com certa dificuldade.

Ela assentiu, contendo o impulso de corrigir a parte do “namorado”, perdida em seus pensamentos, se levantou, recusando a mão de Lucas para ajudá-la. Sem dizer nada, Sophie caminhou até o porão e viu as caixas que Bárbara tinha separado.

A ideia de perguntar a Fernando o que os dois queriam com as coisas de Lívia passou por sua cabeça, mas as chances de obter uma resposta eram nulas, sabia disso.

Encostou sua cabeça no batente da porta, de repente, completamente desmotivada a mexer naquelas coisas, diria para Bárbara guardar tudo e depois cuidaria disso.

Durante os anos de trabalho para a agência, Lucas já tinha visto pessoas surtarem, chorar, entrar em desespero e ficarem apavoradas na situação dela, mas Sophie não, ela permanecia com aquele olhar cinza, frio, mirando as coisas da mãe e absorvendo informações. Ele só sabia que a garota não estava insensível a tudo, por causa dos olhos vermelhos e marejados, apesar da tempestuosa.

Em silêncio, Sophie se virou e caminhou em direção a porta, Lucas a seguiu e esperou ela trancar a porta. Ele tirou um segundo capacete do alforje da moto, a garota havia esquecido que o vendedor daria os dois capacetes também.

Sophie montou na moto e Lucas, cauteloso, subiu na garupa, extremamente preocupado com o comportamento dela, esperava que a garota não fizesse nenhuma besteira quando chegassem.

Para piorar sua apreensão, Fernando os esperava no portão da casa, aumentando as chances de a garota ter um chilique com ele ali mesmo. Sophie estacionou a moto, os dois desceram e se aproximaram dele.

— Estava preocupado, você demorou muito. – Fernando a abraçou e por um momento ele pareceu realmente aflito. Ela se afastou e o encarou, deixando Lucas tenso.

— Você não sabe onde eu estava? – Fez a pergunta por impulso, só não se arrependeu por ter percebido a hesitação dele. Era tudo o que ela precisava para dar crédito a Lucas, mas a pergunta não o fez apenas hesitar, como também procurar a ajuda do irmão com um olhar e isso foi mais que suficiente.

— Sua mãe não quis contar. Disse que era um particular seu. – Ela assentiu, avaliando suas opções, sem desviar os olhos dos dele. — Você parece irritada, o que aconteceu? – Ele estreitou os olhos e esperou, preparando uma boa justificativa, caso necessário.

Sophie o corrigiu mentalmente, substituindo o irritada por furiosa e por pouco não soltou os cachorros em cima dele.

— Encontrei sua namorada no caminho, até ganhei uma carona. – Lucas interveio, mais por medo do que qualquer outra coisa.

— Não tenho namorado, Lucas! – Ela se virou de repente e o corrigindo, diferente do que tinha feito na casa e em seguida voltou a encarar Fernando. — Fui à casa de Lígia e para piorar encontrei seu irmão, acho que isso explica minha irritação.

— Nunca disse que era boa companhia. – Lucas deu de ombros e sorriu, tranquilo, como se nada tivesse acontecido.

 Sophie não sabia se a encenação era para Fernando ou para ela, então respirou fundo, decidida a não pensar nisso, afinal, não tinha mais controle sobre aquilo, teria de esperar. Entrou na casa deixando-os para trás. Sorriu para Bárbara na tentativa de abrandar a preocupação da mãe e se despediu de todos, desejando boa noite.

Não aguentaria ficar mais um minuto entre aquelas pessoas, falavam, gritavam e riam alto demais para seus ouvidos e sua capacidade de processar o que estava acontecendo naquele momento. Seus avós sugeriram que a neta dormisse em seu quarto, havia um sofá espaçoso para ela e os outros, dormiriam em colchões espalhados pela sala.

Com exceção de Bárbara e Rogério, que já estavam instalados em um dos dois quartos de hóspedes, o outro quarto ainda guardava algumas tralhas que eles não tiveram tempo de arrumar.

Pouco tempo depois de entrar no quarto, Arnaldo foi atrás dela. Seu avô era perspicaz e direto. Foi ao banheiro, vestiu seu pijama de flanela grosso e quente e voltou para conversar com a neta, que já estava vestida para dormir também.

Arnaldo subiu na cama e a convidou para se sentar ao seu lado, ligando a televisão em seguida. Sophie obedeceu.

— O que aconteceu, filha? – Ele abraçou sua garotinha pelos ombros e sentiu a tensão neles, o corpo dela tremia, como se estivesse com frio. — Você sabe que pode me contar de tudo, não sabe?

Ela sabia. De todas as pessoas no mundo, Arnaldo era em quem mais confiava. Quando criança, corria para contar tudo à ele, desde de as artes que aprontava até as artes que os outros aprontavam. Seu avô a ensinou que, seja qual for o problema, um adulto sempre pode ajudar e seu amigo nunca sabe mais, se soubesse, não estaria encrencado também.

Naquele momento, sentia-se de volta ao passado, uma criança, fofoqueira e arteira, mas que sempre corria para os braços do avô e chorava para passar as férias com ele.

Sophie assentiu e suspirou, morrendo de vontade de contar o que havia acontecido, mas sem ter certeza se podia. Agora era adulta e por mais estranho que tudo aquilo parecesse, ainda não era algo concreto, nem sabia o que era direito, apenas tinha a impressão de estar envolvida até o pescoço. Então apenas abraçou Arnaldo, se ajeitando na cama e recostando a cabeça no ombro dele.

— Se não quer falar, não tem problema. – Ele acariciou o cabelo da neta, a fazendo sentir sono. — Mas não guarde as coisas assim, você não precisa ser sempre tão durona, permita-se desmoronar de vez em quando, faz bem.

— Não quero mesmo contar, vô… Não precisa se preocupar, não preciso desmoronar, ainda. – Apertou Arnaldo mais um pouco e fechou os olhos. Aquele era o único adulto capaz de afastar seus medos e trazer tranquilidade.

Mais tarde, acordou com a movimentação na casa, finalmente estavam se arrumando para deitar e Arnaldo a acordou para que ela fosse deitar no sofá. Em silêncio e sonolenta, Sophie concordou e foi para o sofá deitou. Do jeito que deitou, ficou, em se mexer mais, mesmo em sua posição estranha.

Arnaldo riu ao observar a posição dela, tinha certeza que se deitasse assim, ficaria torto pelo resto da vida e ainda perderia os movimentos do braço esquerdo.

O sono dela estava leve demais, transitava entre a consciência e a inconsciência, até que todo o barulho da casa acabou e ela perdeu completamente o sono. Desistindo de tentar dormir, repassou todos os acontecimentos desde que conheceu Fernando, tentando encaixá-los ao que tinha acontecido na casa de Lígia.

Quando Carlos lhe disse que sua vida estava agitada, não era mentira, estava tudo fora do lugar, claro que nem tudo era culpa de Fernando, mas boa parte era consequência de sua presença.

A noite em que Lucas a beijou pela segunda vez passou a ocupar espaço demais em seus pensamentos. Não só pelo beijo… Qual garota não gostaria de viver um romance com um cara bonito daqueles? O problema era que o cara não era só bonito, era também por vezes ordinário, agora com menos frequência, mas ainda sim…

O que aconteceu depois daquele beijo também parecia estranho, quando saiu daquele bar, realmente não prestou atenção ao atravessar a rua, estava atordoada demais para isso e de alguma forma, nada lhe aconteceu.

Alguém simplesmente apareceu e conseguiu evitar com que fosse atropelada, alguém que jamais conheceria a identidade e não poderia agradecer.

Quando seu avô acordou, antes de todos, sorriu ao vê-la acordada também, mal sabia ele que Sophie ainda não tinha conseguido dormir. Os dois vestiram suas roupas e saíram do quarto.

Arnaldo gostava de fazer seu próprio café, tinha o hábito de comprar os grãos, torrar e moer em sua garagem e não gostava que ninguém estragasse ao fazer errado. Sophie não gostava muito de café e raramente bebia, mas o de seu avô ela nem pensou em recusar, gostava do cheiro e da satisfação dele enquanto sua neta bebia seu café.

O dia ainda não tinha amanhecido por completo quando Lucas acordou e a viu sentada à mesa com Arnaldo, os dois pareciam conversar por telepatia, trocavam olhares travessos e riam baixo, até que perceberam a presença dele.

Arnaldo sorriu, mas Sophie apenas acenou com a cabeça. Lucas odiava o comportamento que estava tendo, sentia-se um cachorrinho pedindo por atenção e não conseguiu evitar ficar chateado com a falta de entusiasmo dela ao cumprimenta-lo.

Ele foi ao banheiro jogar uma água no rosto, Fernando tinha pedido para acordá-lo, mas decidiu não fazer isso, ele que acordasse sozinho. Quando saiu do banheiro, Arnaldo lhe ofereceu o café mais cheiroso e gostoso que já tinha experimentado.

Compartilhou do silêncio dos dois e bebeu de sua caneca, observando a interação deles, mas reparando no cansaço da garota, que parecia ter envelhecido alguns anos em algumas horas.

Arnaldo começou a assoviar chamando sua atenção e Sophie balançou a cabeça em negativa, no entanto, sorria, como se estivesse presenciando alguma travessura, seu avô assentiu e apontou para a porta do armário da cozinha.

Ela ergueu as mãos e se levantou, com um gesto rápido estalou os dedos na frente do rosto de Lucas e apontou para a saída da casa, mesmo sem entender, ele seguiu Sophie até a porta.

Estava frio, o dia estava um pouco nublado e ventava bastante, ela esfregou os braços e se sentou em um dos bancos no quintal, Lucas sentou ao seu lado, ansioso para saber o que a garota queria, mas não ouviu uma só palavra.

— O que estamos esperando aqui fora? – Perguntou, cansado de esperar.

Mas antes que que ela abrisse a boca, a resposta chegou. De dentro da casa ouviu-se o barulho de coisas de metal se chocando e Sophie sorriu. Demorou até Lucas perceber que eram barulhos de tampas de panelas.

— Esperando o barulho acabar. – Respondeu, ainda perdida em pensamentos ao encará-lo.

— Acho que devo te agradecer por isso então. – Riu, ouvindo as reclamações dos recém acordados da casa.

— De nada. – Ela fechou os olhos, suspirando e desviando o olhar.

Foi a última coisa que disse antes de Bárbara, mau humorada, abrir a porta para avisar que o advogado já estava a caminho.

§§§§§§§§§§§§§§

O advogado cumprimentou a todos e aguardou até se acomodarem para começar. Nascimento anunciou que ia começar pelo testamento de Ligia e pigarreou.

“Acredito que todos estejam se perguntando o motivo de haver um testamento, já que eu não tinha muitos bens. Então vamos lá… Minha casa fica para minha única neta e meu carro para Arnaldo, meu cunhado. À minha irmã, deixo a quantia de cinquenta mil reais que tenho no banco. Aos meus sobrinhos e seus filhos, deixo o que tem dentro de minha casa, o que interessar é de vocês, exceto as coisas de Lívia. À cada membro de minha família deixo uma quantia de dois mil reais, espero que esteja vindo em boa hora…”

— E como! – O comentário de Laura provocou burburinho e concordância e o advogado precisou aguardar um pouco mais pelo silêncio.

“Gostaria de dizer a minha neta que lamento não termos sido tão próximas. Era muito difícil olhar para você e não me lembrar de minha filha. Sua mãe não te abandonou como gostam de dizer, Lívia te deixou por um motivo que desconheço, porém, deve ter sido um bom motivo, nenhuma mãe abandona assim uma filha e deixa todos os bens, fazendo a avó prometer que não diria nada à ninguém”.

A única que demorou a processar as palavras foi Sophie. As últimas palavras de Nascimento espalhou euforia e surpresa entre os membros da família e dessa vez ele precisou pedir por silêncio

Ao anunciar a leitura do testamento de Lívia, Sophie, que estava sem qualquer reação até aquele momento, ainda pensando nas palavras de Lígia, se apoiou em Bárbara para se manter firme.

“Peço mais uma vez perdão à Bárbara e Rogério. Imploro também o perdão de minha filha que amo muito, mas precisei deixar aos cuidados do pai e minha prima Bárbara, que será uma ótima mãe. Tenha certeza, minha filha, de que não ficaria longe de você se não fosse preciso. Deixo tudo o que possuo à minha Sophie. Pedi que o advogado, Nascimento, cuidasse de meus bens até o dia que você recebesse a herança. Deixo dois carros, cada um no valor de R$ 222.500,00 para Bárbara e Rogério. O que possuo em minha conta com o valor de cinquenta mil reais deixo à meus tios Marcia e Arnaldo. À minha filha deixo meus apartamentos no Brasil, Londres, Alemanha e Estados unidos, todos avaliados em quase três milhões de reais e uma conta no exterior com o valor de quinhentos mil dólares. Nascimento é confiável e responsável, caso não tenha maturidade para administrar tanto dinheiro, sugiro que deixe que ele cuide disso para você, mas acredito que Bárbara tenha cuidado para que seja uma moça muito responsável e madura. Te amo muito filha”.

Abismada, Sophie permaneceu em silêncio, a tensão na sala e os olhares surpresos a fizeram se fechar. Todos esperavam uma resposta dela, qualquer coisa, mas ela se virou e seguiu para a cozinha, indicando a Nascimento e seus pais para segui-la.

Não queria conversar perto daquelas pessoas, com exceção de seus avós, os outros eram tão estranhos quanto Lucas e Fernando. Todos se sentaram, Sophie ouviu Arnaldo começar a conversar, desencadeando outro burburinho. Algo que ela precisava.

— Tem mais alguma coisa? – Perguntou ao advogado, quase explodindo de tanta ansiedade e seus pais suspiraram, preocupados.

— Infelizmente não, mas é muito dinheiro, acho que você…

— Não é sobre o dinheiro. – O interrompeu bruscamente. — Quero saber se Lívia deixou mais alguma explicação…

— Oh, querida… Sinto muito! – A pele clara do advogado ficou vermelha e contrastou com seu cabelo grisalho.

 Ele estava acostumado a ver a decepção no rosto das pessoas por causa de pouco dinheiro deixado como heranças e não se preparou para ver os olhos marejados daquela garota. Era como ver Lívia em sua frente. Não soube como reagir, por sorte, Bárbara, com quem conversou por telefone e era muito parecida com Sophie, parecia mesmo sua mãe, intercedeu e abraçou a filha.

— Desculpa, mãe, é que… – Bárbara apertou ainda mais a menina e negou com a cabeça.

— Eu sei, meu amor. Eu sei. – Limpou as lágrimas que começam a rolar pelo rosto da filha e sorriu de forma encorajadora.

— Certo… – Sophie se afasta e limpou o rosto com as mãos trêmulas, escondendo-as em seguida, sentindo-se sufocada. — Nascimento, pode transferir o dinheiro para a minha conta e continue cuidando dos apartamento por enquanto. – Ele assentiu. — Meus pais podem cuidar do restante e te passam as informações necessárias.

— Tudo bem. Preciso que assine alguns documentos… – Ele abriu sua pasta e entregou os papeis, apontando o lugar para a assinatura. — Esses são os valores atualizados da herança… – Continuou indicando o lugar e quando terminou, entregou outros para ela. — Esses são para a liberação de tudo. A senhorita vai precisar ir ao meu escritório para assinar uma procuração para que eu continue tomando conta dos apartamentos.

— Tudo bem. – Anuiu e terminou de assinar, empurrando os papeis de lado. — Com valores atualizados o senhor quis dizer?

— Que hoje são quase o triplo do valor deixado por Lívia. – Ele confirmou o que a garota já suspeitava.

— Isso é muito dinheiro, como ela… – Rogério se pronunciou pela primeira vez.

— Não sei. – Nascimento não gostava quando os clientes perguntavam essas coisas, mesmo que soubesse, não poderia dizer.

Sophie se levantou, pegou a chave da moto pendurada a parede, os documentos e agradeceu ao advogado, agora entendia o porquê de ele ter ido até lá mesmo em um domingo.

Seus pais não se atreveram a impedir a filha, sabiam que ela precisava ficar sozinha, precisava se acalmar e colocar a cabeça no lugar.

Quem a interceptou no caminho para o quintal foi Fernando e mesmo estando realmente preocupado, não deveria ter feito isso. Ela se afastou, ríspida e alcançou sua moto, colocando seu capacete, montou e deu a partida.

— Aonde você vai? – Indagou, segurando o braço dela, sabia que devia ser paciente, mas odiava ser ignorado.

Lucas se juntou à ele e colocou a mão no ombro do irmão. Fernando o encarou e assentiu. Sophie puxa seu braço, furiosa.

— Me deixa em paz! – Vociferou antes de fechar a viseira e arrancar com a moto.

Precisava de respostas e iria atrás delas.


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